sábado, 31 de outubro de 2009

os pulmõs pesam e pensam. desenho na fumaça o teu rosto. a nicotina eleva. gozo. o típico prazer deixado no fundo do copo. sujeira de café. o pó. sobre as mesas. dentro das gavetas. adianta tentar sobreviver. adianta adiar a morte. adianta querer sem saber direito o caminho. não sabendo, mas fazendo, lendo e deixando o mundo assim meio parvo. meio de lado diante dos vícios. dessa maneira que eu sei que tu não me lês. do jeito que não me entendes. do jeito que eu sonharia, se assim pudesse. eu tenho vícios. meu estilo é o erro com que acordo e o corpo me junta os dedos e me esquece. assim eu erro e circun-escrevo tudo o que não devo. vejo as pernas verdes. o mundo mágico tornado torto. goles largos de café. assim aponto o lápis. os dedos. aponto os pés. seguro. seguro no mundo. seguro o mundo. assim . bem assim. como quem crava os dentes num corpo alheio. que crava as unhas vazias em olhos vazados. assim. assim. bem assim. eu sei que agora entendes. eu sei que sabes o que eu quero. eu sei. tu também, não? acho feio perguntar. mas foi o que me restou. preciso desligar logo. me esconder. você sabe onde me encontrar. terceiro corredor. 34 - Z. no meio do deserto, pronto pra morte. estante número 574. terceira prateleira debaixo pra cima. 2459 de cima pra baixo. o quinto livro no inferno. capa preta. sem letras garrafais douradas. apenas um arranhão. de unha maldita e marca de batom na gola.
15 chaves
sim
porquê não
olha disjunção na dobradiça
dá logo um abraço
pula as velas
não, olha o pulso
vira melhor
quebra este espelho
libera o fantasma
devora teu rosto
escreve
desliga
corre
corre
ainda mais
corre
aqui
praqueles braços
p'ro vazio aberto
salta os andares
mergulha fundo
neste sonho secreto
de-canta sua voz desafinada
e grita
o último grito da verdade.

maquiagem

ain. há um problema. o salto engancha nos degraus. a passarela se fecha como selva. e dói.
salto. saltito três notas. mi. ti. si.
envolvo em cortinas de seda.
três goles de fino champagne.
o que resta nestes meus degraus.
no vão da biblioteca.

tudo o que se pode dizer e não se diz. num encontro rápido. entre fogo cruzado. eu aqui. tu aí.
eu espero. assim. tv ligada. som ligado. música ruim. escondendo os ruídos da vida lá fora. aqui. o corpo afogado na banheira.

- hey, mão, pega a máscara na gaveta...
- hey, boca, engole estes comprimidos de uma vez...

não digas que exclamas quando nada podes. assim, a janela faz paisagem. o espelho faz paisagem. nada resta. o ventilador ligado. o ruído insiste em desfazer as teias de aranha.

- alô?
-alô?
- alô?
- nada nem ninguém, apenas tu.

a vida é um círculo fechado. foice alguma pode. ou quer. a mão, a maquiagem. brincando de magia. um post it.

"desisto. nada mais.
não posso. mas queria.
meu rosto desconhecido
por sobre a máscara
é o que te dedico".
ele abraça ele. tão literatura. assim se faz. olhos encontrando boca. mãos e pés. tudo assim. entre o liso e o dobrado. entre o lado raso e o fundo do travesseiro. ali as peles se trocam. tão feito papel fino, de escrita fina, nas finas linhas. a seda desliza. é cabelo. é o gelo do toque das pontas do dedos. assim. de lado. assim meio de frente. assim encarando o rosto do medo. o próprio do pesadelo. assim, meio poesia proscrita. assim abandonado ao desejo. assim ao encontro de si. no silêncio.
é o que resta. sempre resta. assim. as pessoas atravessa a tela. fazendo sombras onde não pode haver. ali, no centro da história. a mancha aperta aperta o vazio. sempre ele. o retorno. e nada mais. e fico aqui. tão século XIX. e pensando. não mais naquele. nem neste. mas nesta luz elétrica que rebrilha dos bondes na rua. daqui. londres, escrevendo. de paris escrevendo. de qualquer lugar. morrendo, devagar.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

axioma-espelho

Por que preciso sempre saber o que pensas?
assim, toda essa reflexão
este corpo posto
refletido
o pensamento que atrevessa
e cai
mas sempre
Por que preciso sempre saber o que pensas?

roteiro

(obstinadamente) para andrea.

aqui
paris
ny
london
moscow
l.a.
bangkok
roma

se me entendes
dobra
a coisa, esta,
que sabes que há neste aqui
neste desejo compartido de dois
de um, e muitos
assim
palavras dadas
olhares escondidos
na redoma
sobrevivemos
apenas
sem silêncio
sem rés-piro
as cartas se põe ao largo do corredor. o espelho velado olha e não vê. não pode. a imagem feita na tela às pinceladas sutis que insistem num tempo dentro do tempo. um tempo mais rápido, feito turbilhão. uma onda explode em cores. em brancas cores. a cor que abre no fundo dos olhos é feito o desejo da pele. o desejo que arde devagar na ponta dos dedos, nos lábios. no vazio. as coisas rodam. rodeiam. aprisionam. assim. lentamente pego de surpresa por um envelope fechado. a escrita suspensa nos cortes bruscos de uma mão bárbara. bem germânica. não sabe destrinchar a coisa delicadamente. o faisão se faz ovo frito. o champagne é água. tudo gira e redunda que meus torrões de açucar não se firmam. há uma corda. para pular. corda bamba. onde todas as palavras babam bambas e sem corpo. as cartas, no entanto, restam intocáveis em seus envelopes invioláveis. até quando um envelope poderá não ser maculado por estes dedos de facão? não insisto no desenho. coleciono as cartas. todas fechadas enquanto espero aquela cartada final. que se abre sem juízo, pura alucinação, no fundo negro do céu nas profundezas do mar.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

cartografia

um pouco zonzo, talvez meio-bêbado (...mas não foi nada, qualquer coisa, com muitas pedras de gelo...), de cueca, rolando pela cama, sozinho. aqui. ele toca, a mão fria como são frios os desejos da madrugada, o relógio pensando em alguém [1h39].
acorda, precisa acordar. reorganiza os acentos e os papéis. fuma lentamente enternecido, a boca rósea e de delicada, arte feita lacuna, o pescoço esgui inclinado neste abandono solitário das 5h39.
precisa correr. cabelos ainda molhados por trás dos olhos sedutores. um belo corpo. algum dinheiro nos bolsos. a noite mal se aquece e mal se esquece ainda nos longos cílios de felino caçador [23h39].
boceja, devagar o alvo do corpo se deixa descobrir por um ombro que se despe de penumbra. tão vulnerável na companhia feroz de um relógio em que o luminoso insiste. [04h39].
sonolento. sono. lento. tudo lento demais. o corpo tem pressa, mas não vai. o frio emperra as pernas. o largo dos ombros. a pele oculta pelas peles nobres. o carro que espera. [7h39].
cansado. o apartamento vazio. o microondas zumbindo enquanto ele toma uma ducha fria. para relaxar o corpo. a mão ensaboando o corpo, tocando. as linhas bem marcadas de um corpo tornado desejo. o cansaço se agarra a pele. apesar de tudo, no rosto, insiste um jeito manhoso, meio de garoto, meio de mar [20h39].
o sol segue. meio alto. 1,90 m. a fome ainda aperta mais os olhos. os temperos já começam a chegar ao pequeno nariz. tão delicado... e de gestos largos. diante do computador só resta esperar. [1h39].
os pombos não voam. as estátuas de anjos velam os silêncios. todos os santos o protegem. o tempo virá. devagar. no fundo dos cabelos negros esconde alguns sonhos. dentro de si, como marteladas no cinzel, o silêncio dói devagar. [04h39].

móbile estrutural

resta um pouco de fumaça nos pulmões. não há tosse. tosse no sentido explícito de tosse. não há nada. sono que deveria vir, não veio. há uma exclamação dolorosa presa nos joelhos. os artelhos sufocam devagar. um pouco de cor à nuca. um jeito meio irrefreado de se fazer vento. quem sabe? bem queria. ainda presto atenção em detalhes que não deveria. as pernas lamentam. e muito. demais. sempre excedendo o corpo além do corpo. a dor. como não confundiar as palavras? como não trocar os rostos? como se valer desse resto de grito preso e silenciá-lo no momento final deixando os sentidos, assim, meio suspensos? não saberia dizer se no próximo ponto te encontraria. neste ponto que aqui vem. aqui. ao lado. as forças da vida não bastam até este certo e tão incerto ponto. pontuo bastante. ponto em que a maquiagem se dissolve em água. o órgão está livre para fecundar a música. crava os dedos lentos e certeiros neste corpo que se entrega. a mão que toca a outra mão é também a minha mão. gesto sem alternativas deixado no puro desejo para alternância. se erro não é por vaidade. se não corrijo, sim, é este pouco orgulho da escrita ainda úmida pela saliva. tão delirante e grosseira quanto um gole de cachaça. o sol deixa manchas brancas na minha pele. para onde ir? não queria aceitar esta última proposta. este convite cheio de mesuras e laços. não quero me enforcar no caro lustre de cristais vulgares de teu palácio feito fumaça e cinza. escondo um desenho. feito de olhos fechados. pelo prazer da mão. uma ou outra. libero nos desenhos um pouco da fumaça que há entre os pulmões. nas reentrâncias extremas do externo. apito o ponto.

domingo, 25 de outubro de 2009

o crime da biblioteca

nos banheiros as torneiras abertas. água. muita água. água fria. gelada. o vidro estilhaçado das vidraças por todas as partes. até mesmo dentro dos olhos esquecidos dos transeuntes que passavam diante daquele edíficio velho e feio. armados de negros guarda-chuvas e coturnos militares. as estantes tombadas. um telefone fora do gancho confessava o nome do criminoso. tu. tu. tu. livros espalhavam-se aos montes. manchados de água, tinta e suor. no centro de tudo pairava entre capas, espadas, contra-capas, introduções e artigos sobre incisões profundas... lá estava ele. o corpo. da ponta do dedo direito escorria sangue, como nanquim Real. parecia que tentara escreer. nu. alvo. alvíssimo. nenhuma cicatriz, mancha, pinta ou marca de nascença. nada. nenhum caractere. praticamente um pequeno efebo. um pequeno sol. os olhos claros, claríssimos, em que a pupila se perdia no cristalino. tão sem cor. vítreo. a água escorria gelada pelas escadas misturando-se com a chuva. ninguém chorava. apenas o dedo indicador do cadáver vertia uma gota vermelha que nada indicava. uma grande ilustração de dali nadava sorrateiramente ali, ao lado de um recibo, uma notificação de atraso e um boleto bancário. as páginas se dobravam. a água impunha movimento quase coreográfico e unia numa corrente contínua, rumo à rua, livros díspares quem nem mesmo suas estantes se namoravam um pouco. tudo tão cênico. tão vazio. não fosse aquele dedo dizendo que o corpo não era um origami perfeito demais ou uma das (impossíveis) estátuas de mármore (da coleção que o acervo nem sequer possuía). era belo. infalívelmente belo. mergulhado no meio dos livros. como desenhar o signo do crime? qual livro testemunhara tal atrocidade? as gotas vermelhas seguiam pela biblioteca, pelos corredores e marcava, como se fosse algum código secreto, as capas dos livros. um crime e castigo. bovary. uma biografia de marilyn monroe. livros de álgebra e geometria. nada coerente. um livro de desenho. as gotas pululavam e desapareciam. ora eram capas. oram páginas. enquanto ali pairava o corpo. sem nome. indigente. impossível na sua branca singularidade dos sem documentos. um cigano angélico às portas da muralhas, feita de estantes e instantes, dessa pequena notre-dame sem campanários para esconder o corpo. feita fonte. não havia sequer curiosos. o silêncio ainda assim imperava brando e branco. apenas os passos silencioso do pessoal autorizado (uma única pessoa) mal se escutavam. respiração alexandrina. dedos rápidos e pequenos olhos negros rasgados. tentava capturar a história, criminosamente, inventando relações. até que... diante daquela página um botão de seu paletó sucumbiu e mergulhou entre os livros, creio que era, possivelmente a retórica de aristóteles, e com ele caiu também este corpo investigativo. as páginas da caderneta de anotações foram arrancadas pela força das águas. restava agora dois corpos na biblioteca. um estranho, desconhecido, quase divino e perfumado. o outro ainda quente, suado, tiritintando os dentes, acabara de desvendar o vislumbre último. e uma página de resolução. manuscrito final: "dramas da madrugada: abandonado numa biblioteca que pesa e dói. vontade de ser engolido pelos livros". entre os dois corpos uma edição ilustrada de alice no país do espelho dançava aberta sob as águas que inundavam o assoalho xadrez da biblioteca.

sábado, 24 de outubro de 2009

um gemido é a cena máxima. não imponha nada mais ao quadro. o olho negro suspenso na escuridão, ele/ela olham o infímo daquilo que se esconde abaixo das unhas. um pouco de dor e pó. o tempo redunda em torno dos olhos. a pele nunca resiste tanto tempo na ausência. o corpo alvejado cheira a cloro. o branco dos lençóis se confunde com aquela mancha no peito. impossível o sacríficio. ele/ela escondem as vergonhas. os rostos brancos não se tingem de vermelho rubro-e-fúria. tão frio como um anjo, abre a boca pálida de pérola e a voz metálica liberta o impossível. o grito de dor na noite escura. como andar pelo corpo na ausência dessas marcas. ele/ela dúbio. oculto no fundo negro dos olhos ocultos pelos cabelos vermelhos. a chama. o aberto. o sempre secreto segredo. abre as penas e os anos. tão condenável. criminosamente angélico e perverso. um sorriso dourado, de tão amarelo-serpente. uma mão que tapa a boca e esconde os documentos no meio de um livro. trágico. a dor que lateja ao impossível não diz e sempre foge. para além. assim, deixando o eixo vazio. sem nada. todo o brilho foge à lágrima que não vem. nunca vêm. a lápide cirurgicamente surge no nada. gesto cênico. a câmara gira. os lençóis voam da cama. ele/ela sozinho. abre imagináriamente as asas. devora os sonhos. e se esquece. rumorejante. atrás das cortinhas de veludo repletas de luto. sem nenhum pesadelo.
a pequena chave na mão e o buraco da poesia. a noite. os faróis na distância. a sombra é um corpo que dorme. entrevejo entre versos uma lembrança esquecida. não me dizes nada, apenas me envergonha neste lampejo lateral mergulhado em três tequilas. a mão segue. suspensa. a chave no pescoço. a voz que presa insiste na idéia. ainda assim. diga. afirme. não sei o que dizes, não consigo entender. essa distância que borboleteia e me obriga a escrever de novo. tudo de novo. mas nenhuma palavra sobre isto. oculateremos os ossos do cadáver. ficaremos com seu terno usado e os dados. não saberia. tudo isso é tão vago. sem direção. há o labirinto que chama, voz de sereia impossível. as sirenes em alerta. luzes vermelhas e foco. o crime não houve fora daqui. preso no fundo da bolsa a garraga sanguinária se mistura com as poucas lágrimas e as gotas de perfume. a carta seca a dor e cicatriza. mas ainda... ainda.. não mais.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

o pé dói. haverá de doer como tantas coisa para todo sempre? a igreja oscila seus sinos. aqui, pra mim. o quadro que eu pinto é um caravaggio roubado. escondo o original na superfície dos lábios de um anjinho barroco armado apenas com uma seta sorrateira. perverso. aqui e ai. escrevendo. um diário eternamente impossível em que as horas se perdem. perdi o telefone de clarissa. iria pedir para que comprasse as minhas flores murchas. tão minhas. sem cor. rasgadas entre duas cartas.
quente. o sol dói quente no fundo dos olhos. este reflexo alheio quando passas. assim. olhando lateralmente, fingindo não ver que me vê. assustando pouco. assim. tudo feito reflexo ao largo da ponte. minhas freiras enviam cartas. não sabem que graça esperar, mas ainda assim. almejam. a cabeça deste corpo jogado ao sofá dói. não aguenta mais certos risos feitos sinos vazios e puro badalo. nada, neste bangalô feito tenda ao deserto. reconhecendo na lasca da veia aquele grito impuro. aquele desejo de morte. não fale comigo. não discuta comigo. diga-me não. apenas. aceita esta câmara lenta nesta câmara de morte rápida. assim, sem origami. as vibrações na ausência. respostas musicais que latejam. o cansaço que paira. o solo. a dança-solo no solo. parado. 7 palmos abaixo. cansei. cansamos. não casamos. ficamos aqui. na espera do testamento divino. silenciosos. irrequietos. roendo unhas.

milady

des-com-passo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

tem dores que doem devagar. assim, no vagar das ondas. no vagar dos bancos. este vazio lateral, essa lateral que esfria. o vento que bate. os olhos que se perdem na amplitude. não poderias escrever um bilhete melhor? ao menos. uma certeza poderia. que me diz a ele? as coisas se abrem. o menino se olha ao espelho. as borboletas fazendo gravata no pescoço. abrasando a pele. marcando o vazio de uma voz que aos poucos se esquece. a janela aberta aperta o peito. não se pode respirar. um assim preso no quarto. o ônibus que passa diante das retinas lânguidas. dentro do ônibus um outro, assim, meio de olhar preso no vidro que passa. adiante, num último andar de um edíficio um corpo balança. os pêndulos dos relógios vibram sem certeza algum. as horas se adiantam e se perdem. e se mentem. se enganam. como correr na estrada. como sobreviver no asfalto sem esfolar os joelhos nas laterais. como se esquecer e se encontrar n'um outro corpo? tantas perguntas guiadas para além dos vidros. o trinco da porta tilinta como um cristal. o lustre da sala despenca. o não querer viajar. a necessidade de sono eterno. de dormindo, morrer e se esquecer. assim. codicilo sobre a mesa. biblioteca murmurante. o olho, as rugas, o cansaço destes corpos alheios que espremem frutas. desta coisa tornada enfeite. do livro que xinga. o mau-humor corporeo tomando chá nas esquinas e vendendo prostitutas como souvenir. a correia das lembranças é um mercado barato. perfurmes diluídos em água. a mão torce a chávena. a última chave. ela tranca o quarto. apaga a memória. não quer mais além das paredes. e dorme.

rendez-vous

a Lu.

"tudo tão claro''. caio olhava o fundo do mar enquanto fotografava a ponte como um cortinado céu estrelado. não aceitava ser naufrágo. havia construído sua pequena ilha de relações. tão letra errada e torta no post-it colado na geladeira vazia que rangia todas as madrugadas. "as estrelas murmuram tantas coisas". a máquina abraçava o pescoço, nas mãos um gabinete quase novo de maquiagem. "não entendo este teu zumbindo meio americano''. desistira de ser grande. não entendia a linha, confundia os óleos. por fim descobriu o corpo. não o seu. o dela. tantas era ela. tantas poderia ser nas suas mãos. tantas fazia ela. ainda mais aprontava roubando-lhe os lembretes e as páginas da agenda. mas ainda assim era ela. irredutível. sempre ela que resistia até mesmo ao palíndromo: ana. ao espelho: ana. ela conseguia ser tão francesa, tão inglesa, supra-européia tomando sorvete enquanto chove luz no reflexo dos cabelos. tão presa a esse jeitinho de pescoço erguido e voz arranhada. sorriso fingidor no escuro do cinema enquanto as mãos passeiam no fundo da imagem. eles se maquiavam. sempre. delineando bem os olhos fundos e a boca. larga e agressiva de um, fina e delicada de outro. as mãos longas que sabiam pinçar palavras, as certas palavras certas. tão coloridos no preto e branco da tela. pós de todas as cores sobre algumas bases de qualidade duvidosa, algumas baixarias, mas nenhum rouge. passarinhos sem gaiola que habitavam estações diferentes. "Où se trouve la gare du nord, s'il vous plaît?''. unhas arranhando o banco gasto do táxi. "vite". entre alguns rios, o cristo não dá o abraço salvador ("evite esta esquina menino, pare, logo...''), tomando uma gôndola nesta veneza quase atlântica. cheia de luz. "tão perdida...''. tão feita de postal e bolor e palavras sequestradas. um beijo obsceno feito página em branco (''serpente puro fetiche") e uma pincelada na memória. assim tudo escapava voando rápido pela janela. enquanto isso: as velhas liam os jornais de ontem no jardim em que ele não aparecia mais. ainde, depois do vôo dela, da partida rápida, o aeroporto vazio ecoava suas palavras, mas havia dentro dele ("naquele comodo do segundo andar, o quarto vazio") um peso vermelho que o devorava, um tom de vermelho a mais, um martelado sanguíneo de não poder.

sábado, 17 de outubro de 2009

esparta. esperta. 300. linhas e uma ode. aqui. marco sem página. detonando a imagem do sujeitinho minúsculosinho que insiste no canto destes pontos. tão vulnerável. a única sobrevivência que escapa é que ele sabe dizer não. e diz. tão sereno não. tão calmo os olhos. tão cheia de nada e rolha a noite. tão feito chão. tão feito calo. tão sem voz e silêncio abafado. tão poeira e vento. o tormento dos soldados por um príncipe que não quer a coroa.
pensei tanto
que nada mais penso
repenso o peixe
da isca
laço vermelho
sorriso perdido
gole de veneno
sei dos poemas que eu dei
que não tenho
que manuscreveu aquele sonho
de dois
de um e outro com um outro sonho
que suspirou
e exalou
o que restava da folha
em puro bolor
aquiles e o calcanhar
que dói depois do vôo
assim, na unha
na ponta
3 metros acima
nadando no céu
tão mais azul que mar
a rasura
é o osso que abre
eixo
tortura
linha
aquiles
aquele
rompante pirueta
cravada
unha na terra
o osso e areia
soldando o vôo ao fracasso
do qual resta apenas o traço
no ar
este bilhete pegando fogo
o corpo sempre treme. oscila. erra. o que fazer quando as pernas vacilam e um frio mais que frio de dor de não e de não-mesmo e de esqueça que. quando as mãos agarram no ar. poucos dias faltam. precisar do hospital é precisar de si. dizer eu é dizer ev. ev sou eu. tão desfolhado e sem sentido. tão latino e sem declinações. a recusa de um pedido que é feito no fundo do olho. um postal que enfim chegar. as passagens compradas. partir do porto uma outra vez para outro mundo. tão lusinsano. enrolado na toalha quero a cama. mas por mais que a lápide lateje, o sono não vem. não há uma legítima conjunção. cama. corpo. tecidos. sono. nada. tudo suspenso. tudo pontiagudo. assim, correndo sem nome diante da pergunta impossível.
a felicidade gira quando as taças nem tiveram nada. aliás, taças? copos de pláticos serão a centésima parte do que pode vir a ser um belo cálice. quem dirá da nobreza afogada nisso. água. os dentes roxos refletiam no fundo dos olhos verdes de um não. a música irrita. não, não sou do signo de libra. falo libras e aceno livremente. o corpo sente-se molhado. o romântico pé de cisne dói barrocamente e lembra do vôo. as chances se perdem quando no tiro-ao-alvo os olhos piscam. teci tantos minutos. não tivem nenhum. esse chão imundo em que rolo e deito como o anima que sou. odeio esta música. estas pessoas. não espero nada de uma sexta-feira que não seja 13. e ainda assim com muito custo. imaginei teus braços, teu espetáculo mascarado. espero que outros olhos não se confudam com estes. pensando bem, melhor não pensar. teria sido tão bom se tudo fosse e tivesse ficado enquanto pura ficção. eu não sei fazer poemas, prosa, proesia, apenas isso, documento velado e silenciado que carrega uma assinatura. carta régia. eu simplesmente queria. não sei, como o verei. ainda te vejo. não me vês. resta isso. angústia de erro. de um puxão nas golas erradas. correndo os riscos errados. brincar de equilibrar num parapeito de um décimo andar é mais seguro. mais certo. um vôo de exatidão bilateral poder ser mais uma bela equação num porta-jóias. um salto de um prédio se tornou tão clichê quanto estas luvas de seda. é melhor silenciar devagar. engolir o ranço do vinho. a rolha, para não restar dúvida. fechar os olhos e no escuro fundo da retina não pensar em cor alguma.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

ao som de Franqueza - Maysa.

tenho medo do escuro. desse escuro que habita os saxofones. este resto latejante que insiste em coçar no fundo do olho esquerdo. não consigo dormir, assim, no rompante de mim. cubro com sedas o espelho gigante na parede. tudo é tão próprio e calculado neste quarto sem passado. onde as teclas doem. desconexas. só sei que desenho no íntimo dos versos. só posso ter senão medo. os livros não me abraçam. há brasa na pele. que queima e devora. e espelho que murmura, debaixo do pano, risos ácidos. o cachimbo me é indiferente. é tudo pura dor estética. tão colorido este vermelho vermelho que parece sangue vermelho que salta e dança de uma veia azulada, quase verde. a dor, a própria dor, apaga a tristeza. a angústia some em palavras soltas. gira em torno e evapora. o escuro devora... lentamente. me entrego a esta parcela de morte. um gole quente de whisky e lá se vai a imagem sacrificial. zonza. zique-zague. borrando paredes e maquiagem. mancando no caminho dos sonhos. faltando ao real. no puro black-out do terror.
a chuva doía gelada chicoteando a pele em faíscas quentes. no fundo negro dos olhos a cortina de águas. as poças convidavam, entre céu e inferno feitos de ondas frias, a jogar amarelinha. de um buraco a outro. um poço. eu posso? o sorriso largo rompia a escuridão como relâmpago. alma latejava e rumorejava. sempre se tem um quê de esperança. os mesmos castelos se iludem e se erguem e se evaporam e voltam. sem amanhã só importava a fúria da água e a placidez divina dos buracos que aceitavam os açoites. o céu é um buraco sem fim. o inferno é logo ali. o corpo se enchia. naufragava nos saltos. todo feito água. sereia serena cantando serenatas do sem fim. a dor forte feito fotografia velha espetada na parede do quarto. de tudo bebia os olhos. embebia a pele. não sabia dizer, na chuva, se chorava. quase não chorava. entre as ruas e quarteirões o vazio que sempre sentia se abria em largo infinito. esquina quebrada. ruas e árvores em que o medo, dependurado, silenciosamente espreitava. apenas vulto e luz em algumas janelas. os prédios se fazem torres neste xadrez. tão prontos a te devorar. os automóveis passam rápidos, sempre rápidos, afinal a vida é rápida. mas uma vida fracassada irrompia de nas ruínas afeitas como ruas. uma lua, duas até havia. enfim: num cruzamento [uma cruz é sempre salvação e perdição] o presente de uma natureza incógnita. ele, tímido, resistia, firme. um trevo de 4 folhas. a mão, sem pestanejar nos longos dedos de morte, o sequestrou. imaginou as estrelas para além das nuvens. deuses sem fronteiras. olhos de grande caos. agradeceu. precisava crer no para além de algumas nuvens, para além do puro vapor d'agua e da natureza da chuva. no bolso, o singelo presente quase que bucólico, não fosse o caso de não gostar de pastorelas. talvez fizesse sol amanhã. ou, talvez, chovesse.

diálogo de casal

então, já em casa?

vivo.
sem assaltos.
apenas sobressaltos,
mas sem quebrar o salto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

o aberto geométrico e encadeado de teus olhos no limite azul. capturado e reverberante. fotografia. o cheiro alvo no corpo de lírio. um copo de leite, toma, o dia amanhece. a cama vazia. o pesadelo retorna. o mar faz do verde um tom de azul. cavalga, caballero, neste jogo de segredos. uma mulher não esconde nas meias (suas) verdades. os pêlos eriçados da nuca abrigam certos temores. o rocambole está pronto. a mulher põe a cabeça no forno apenas para ter certeza. risca o fósforo, ele em seu terno risca de giz, para acender o cigarro. os dados foram lançados. dardos sonâmbulos. o fundo da cena é um par de olhos fechados. o querer saber feito desejo de. dois dedos naufragados n'uma taça de champagne roubada. não brinda! espera a bonne chance! o vazio no estômago se confunde com dor no peito. como escolher entre fome e lirismo? tão cênico. tão cínico. papel cartão que se abre quarto. imaginariamente, do corte gótico no pulso escorre um alexandrino romântico. à sua escolha. como resíduo, resta o beijo, a quem interessar possa.
de quando chove nas palavras. faz frio no rasgo entre duas letras. o campo, através da objetiva, é esparso espaço aberto n'um amplo corredor de hospital. longe daqui se decide um nobel. o gesto se faz simples. olhar em torno, ao redor, e, novamente, adiante e ao revés. a paisagem, à paisana, não se impõe. estrada longa em suas 3 1/2 horas. caminha, meio saudosista, talvez melancólico. ele fala dos violinos que não possui para quem não sabe o que é um violino rasgando em dor. alma feita chicotada do mar nas areias. um beijo pode ser sustentado apenas como movimento dos lábios. é preciso sempre um pouco mais de mágica. um reflexo n'um ângulo misterioso, sem mentiras completas. perscrutando a chave, as palavras se soltam. mais importante que a chave é o buraco da fechadura. a dor clínica de perceber que o bisturi corta um corpo sem alma e que o dedo toca um buraco vazio. nem alegoria, nem metáfora. resíduo! resíduo que pragueja imprecações contra as paredes da igreja. gesto inútil de sobreviver o limo à lápide. tudo tão plástico neste abraço vago. tão artificial. não faz meu gênero. não se lhe apraz na própria máscara. há a falta de certos olhos. a abelha faminta é devorada pela aranha satisfeita. tão puro. tão pleno. tão fingido. os naipes deste jogo, cada qual num canto. três notas para o amanhã. a harmonia é medida em km/h. há as paredes nuas, nu também o corpo, a falta dos sais, cheiro de canela e hortelã, a banheira de cobre, antiga, o cravo e os violencelos, as velas misteriosamente marcam a cena, abafados os grilos, o corpo, (o celular não chama mais) quer se esquecer. na condição de sacríficio. falho escorre lentamente pela banheira. a pele insiste, para além do trevo de 4 folhas, das constelações, em sempre se lembrar. a pele tem sua memória silenciosa: relâmpago sem clarão no entremear da sintaxe.
olho os rosto que passam. procuro neles o vislumbre que me faria reconhecê-lo. que sei de ti? sequer sonhei tua imagem, no entanto, como fantasma me cercas. trajo luto. um luto que cheira a novo, da cabeça aos pés. a alergia não suporta o cheiro das flores mortas. a voz não suporta este corpo que a sustenta e a escrita, que lhe machuca, no vão dos dedos. olhos claros ou escuros? de onde virá o futuro? mordo a palavra que quero dizer, mas não posso. o preço seria demais. ex-orbitante. por vezes é o valor de uma sintaxe obscura que os rosto escondem, oblíquos, meio de lado, uma terceira pessoa impessoalissima que ouve tudo atrás da porta. supirando em cantos dúbios. pausa significante. queria apenas o mínimo. aquilo que resta depois de um abraço. o contágio da pálpebra. o reflexo vermelho da retina. uma procura. uma pergunta. que horas são? nossa como o tempo está bom... será que chove? não. há o arroubo de deserto no peito aberto. o pó que a boca espirra. respira. respiro. meu coração está entre as frontes e palpita matematicamente. não olho meu rosto. e se já sentastes do meu lado e eu lia e não te vi, dado que, assim, pego pela letra, amarrado nas vírgulas tensas, amando a mancha escura que me falava baixo e, mesmo te desejando, te ignorei... vês o risco que corro? mas sempre fecho o rosto e abro o livro. desfecho fúnebre. procuro nestas sombras, olha o clarinete assoviando lascivo, que me devolvem a brisa do que poderia ser. tu poderias não poder? te procuro, ali. ainda insisto no rosto, para quem não sabe, no espaço aberto das faces, encontrar um nome. ali, no fundo oculto da página em branco.

cinderela

vestido novo, golas e sapato. vai a praia sem carruagem e com os grandes olhos curiosos ocultos por lentes negras. o sapato insiste em não calçar no pé esquerdo. o príncipe não tem tempo. visita esta fábula apenas por ter na agenda uma anotação de dentes cerrados. e rangentes. fúria assassina de salto quebrando. na solidão de casa de botão não habitada. vai às compras. veste a máscara da mulher que não é. esconde os óculos de grau ainda mais no fundo da bolsa, de onde não saem a não ser para uma leitura noturna. "vita cartesii est simplicissima". o príncipe deve estar em paris lendo o new york times. ou, talvez, xangai com o último catálogo do british museum. ela nem tem seu telefone. com as sacolas pesando nas mãos. os livros pesam. e pensam. e pensa. ela sonha e desrealiza. põe os diamantes na orelha. amantes, quem precisa? ajusta a haste aerografada dos óculos com um movimento rápido, certeiro e elegante (reflexo de biblioteca) com o dedo indicador na asa que as prende rente ao nariz, equilibra o foco e atropela as referências.

.sem quebrar as unhas.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

porcelanas azuis trincadas
a maquiagem esfacela
nos pincéis
um rosto
desconhecido
no giro do umbigo
irriga idéias
sem fim
labirinto dobrado no espelho
no lenço do bolso esquerdo
junto a mão perdida com
cheiro de coisa velha
água escoa
fundo escuro dos olhos
sem venezianas
as paredes
o limo
estes ossos
nada se abre no aberto da alma vazia
corte na palma da mão
tentando fugir ao impossível
mancha na imagem
silêncio no nome
rasura no rosto
ritmo enquanto caco
diafáno da musa que não há
sepultura vazia de santos
e corpos e corpos e outros corpos
em que desejo
o desejo que se esconde
abaixo da pele
entre os lábios
n'um livro fechado.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Tirésias

plume

queda

ici/là

Mme.

natureza morta

o cérebro em fúria. mil idéias que se chocam. chega a doer. para tentar manter alguma racionalidade, me segurar no real, escrevo. sem pretensões. escrevo. não sei o que se passa aqui. na letra. na grafia do impossível. a cabeça sofre de algo que nem o corpo sabe. o corpo ignora. cadáver silencioso como vulcão traiçoeiro.o corpo é que me joga pra longe. vontade de gritar e correr. limando os segredos e as possíveis referências. tão puramente subjetivo sem dizer nada. o cinema fechado para os fantasmas. o eu autodestrutivo em pulsão. o pulso lateja na fronte. no front. já destruí meus dentes comendo uma maçã. sei o que quero, mas não sei onde está. um copo de fogo prestes a transbordar. atravessar o limite. a fronteira. apagando as cicatrizes que existem como pura alucinação. caso transborde, me desgarro do real. tudo pode ser mentira, até este real que se reflete detidamente no retrovisor que não há. tudo cerebral demais. a animalidade domada relincha. esperneia. senta e chora como uma criança mal-criada. envio telegraficamente alguns indícios e sinais a meu único leitor. este que me rouba de Paris e me faz ver Nova Iorque. é como se o corpo quisesse viver sozinho. sem a cabeça. frenesi. eu ainda me seguro aqui. na estátua de sombra. nas colunas de livros. há que se preferir estar morto a perder o controle. a escrita de morte. hora de silenciar o corpo sem cometer um crime. não restará nem fantasma, nem luta, nem nada. a paz ou o inferno, apenas.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

à venir

especulum

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«o que resta de hieróglifos na gaveta»
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sei que não me lês (insisto nisso) nem poderias. imagem distante ao alcance da mão. ali, além do vidro, no fundo falso de uma meia verdade. toda esta história gravada n'um quarto. menos de 1/4 de rugas do que deveriam. a lâmina roça a pele. tantos pelos e através. mas é só a linha do rosto. não a linha verde-azulada que segue na direção das mãos, através dos pulsos. no rosto descubro o branco da página. a tez rosácea do sangue. talvez devesse. não bebo há dias. nem fumo. o vidro gelado. a baforada que esconde o rosto. em meio aos sons líquidos escrevo uma letra. tão idiota. prolongo e dobro a curva, corredor de biblioteca. os livros que me devoram. acho melhor não me proteger em francês. uma palavra mal-calculada e tudo se põe a perder. em cada palavra lida ou escrita resta um pouco de mim. eu não sei economizar, nem mesmo a vida. o rosto insiste, imagem que se confronta com o rosto em minha memória. os olhos não eram esses. não com este tom de treva e labirinto. a angústia, n'aquela época, tinha grandes esperanças. este longos cílios e curvos que se encarregam e carregam e escondem meus sonhos. a lâmina toca a pele, beija-a num beijo de morte. um beijo que se quer íntimo, quer o íntimo, a porta de entrada para o crânio. rasga (!) a pele abrindo um oco. abre as peças. rompe o lacre. desvela a carta. o puro buraco-negro de ilusões dispersas que nunca chegaram a se completar, nem mesmo como meia-ilusão. meu mapa astral não assinalava isto. os romances que li não me ensinaram a sobreviver a isto. eu vou te vencer no cansaço. antes do solução final, se ainda estiveres aí. preso aí, não será mais do que o esqueleto alvo de tua ruína. preciso de tempo para as respostas. mas tempo não há. não tenho mais meus 17 em que as beiradas do mundo se tocavam. os 14 em que as pernas alongadas, suspensas, sobreviveriam a mais de 3 humildes metros. o céu ameaça uma chuva que já veio no centro de mim. alagou as páginas, espalhou-se pelos papéis, imergiu o que restava n'uma grande onda de café puro. não apago meus erros ortográficos. o lapso indica o restinho de mim que ali se dependurou. aquele resto do rosto velho que não se reflete mais, dado que este aqui, reflete muito. caco do corpo. esta escrita se faz no exato do meu corpo. fico nu diante do reflexo das palavras. o vislumbre sedutor deste limite. um limite de corpo enquanto limite de forças. não me faço tão má retórica. texto longo e confuso, cheio de cicatrizes nos extremos. no centro, uma marca roxa de nascença. signo original. 3 vezes escorpião sobrevivendo no triângulo das águas em meio ao círculo de fogo. poderia reabrir minhas notas como pequenos espelhos de maquiagem. mas agora, ainda agora, já-agora, agora-mesmo, nu, diante do espelho, esguio e oblongo, o outro lado do espelho, poço impossível, resta vazio. quem fugiu de quem? a imagem correu para o plano do ideal. deixou aqui apenas as estrelas, constelações que nada me dizem. astros que não conheço. tudo tão funesto e misterioso. resto ali, no canto, no chão, recitando, meio grego, meio romano, nada medieval, meu canto(de)chão. no tapete, pregado à tapeçaria. como quem diz do túmulo, do que é seu. do beijo de uma caveira na outra caveira. as carnes que aos poucos fenecem e exalam verdades grosseiras. preciso me encontrar, passar em revista nos quadros da casa. meu anjo me abandonou no átrio vazio de uma catedral que nem se erigiu e se santificou. deixei um pedaço de minha carne, um quadrado de pele esticado e pendurado aí. é tão típico as coisas começaram n'um falso apogeu. a atmosfera tensa, sem ser fog, mas nuvem de incensos de turíbulos doirados. cinco minutos depois só resta o talvez, o ainda, ou o nada. [mãs...] o jogo de morte falha quando não há CO2. ante eu sabia do espelho. pergundo e indago. linhas da mão. linhas do céu. análise combinatória. 3 com 6 com 12 e mais um número a esmo. agora apenas o sedutor reflexo cor de velocidade e nervos que tremem nas mãos de um espanhol. há um certo machinismo vibrando. era tão mais fácil quando [se] podia confiar no espelho e ele enganava, mas não enganava. o inferno agora já seria alguma garantia. cansei de me perder aos poucos, lanço o corpo (como o grande almirante com seus dados) para além do vidro. esquecerei-o lá. não mais dolorosamente, pouco-à-pouco, pedaço-à-pedaço, mas, por isso, para enrolar o corpo, preciso de frases longas e precisas. não posso dormir: a sombra que circunda este corpo, fantasma na máquina, pensa demais. o menino Páris sempre falha. ele e sua janela repleta de brancos narcisos. tudo pelo mal de uma escrita dupla, geminiana. só não queria odiar junto com as luzes e cores a armação e o fosco do espelho. o lado impossível aos olhos. ''pareces um criminoso'', um dos fantasmas, conviva deste banquete, exclama. ainda sinto a vigilância pulsando, discreta. resto com minhas janelas bloqueadas, cortinas cerradas. o corpo ainda cheira à mofo. as moscas o evitam. ainda há o doce e excessivo perfume de recusa. as mãos trêmulas me obrigam a comer estas palavras sem pausa dramática de embrulha o estômago. tudo se acumula no intrincado da imagem. it's over. fuga. minhas noções de espaço não foram herdadas de um bom arquiteto. a orientação é uma bússola sem agulha. não se erigem mais palacetes. jogo fora um pouco de tempo que misturo e passo na cara para aplacar a destruição. deveria escrever mais cartas e postas. enviar os bilhetes. o espelho dói no (meu) corpo (e bastante). tenho medo das minhas molduras. aquelas que não escolhi. e Paris muda. dá o pomo a outra. e não muda mais. e penso nos fantasmas-diários que com suas páginas-lâminas vão me devorar. e por isso encho páginas para acabar logo com eles, com elas. liquidá-los. bem jules verne: será que as amizades envelhecem?. bebo as palavras, mastigo as estrelas. trago meu uísque com maçã. gole quente e seco. gosto de pó. no quarto branco cheio de luzes e paredes que se fingem alcochoadas. algumas palavras rescendem e deixam seu cheiro no ar. ninguém poderá fugir. você chegou até aqui. as palavras se acumulam aos poucos n'este vazio díficil de encher que devora e vai explodir, (me) liberando não só (d)o espelho, mas essa cicatriz negra sobre o fundo branco com que passeia minha mão direita. à esmo e sem juízo.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ópera-ballet

«Les ninphes sautante comme vous.
Mais les Grâces dansent comme elle.»
(Voltaire)

três longos lances de escada. olhar perdido na fachada. estilo que não se sustenta com gregas colunatas ou chinelos de dedo. no meu xadrez, entre cubos de gelo, jaz rígida etiqueta de corte. sem altezas e midinettes rodopiando pelo salão. ainda mais, quem dirá, depois da decapitação de um pequeno sol. no quadro aberto, afogado em água-forte, os convivas, os sorrisos de champagne e caviar. tão mágico. tão russo. lateralmente sem se ver e ouvir, um corpo bóia no verde-azul do mar. trinta anos de rugas. três séculos de dor. milênios ocultos no mofo da biblioteca. sei que trazes, numa caixa de veludo, com laços espelhafatosos, os meus sapatinhos de cristal ainda não perdidos. me beijará com um sorriso o fundo dos olhos. o pé manco. a idade. o improvável do tempo impossilitam a valsa. sei que te esvazias de teu título superior à toda minha literatice. deixas o trono vazio. me dizes, britanicamente, o irreproduzível feito todo efeito. todo épico. ajeito o alfinete de tua gravata. relâmpagos cortam o céu em tons amarelos diante do escuro da noite. uma rosa branca e outra vermelha postas sobre a mesa fazem na imagem uma guerra inglesa. talvez quisesse dançar. talvez até pudesse... não insisto em fazer o sonho durar. antes que comece o pesadelo. minha mão me impede os cristais. algumas cabriolas. o ranges de ossos. os lendários três pés da esfinge. meu príncipe fantasma. oculto nas dobras do lençol da cama vazia. o meu pequeno é fruto de raphaël sanzio. aponto a pálpebra cerrada nas dores antecipadas. acendo um círio por mais um dia. um ano talvez. no quarto, cortinas cerradas, retoco a face enquanto com a mão em prosa persegues a linha em equílibrio do e com o meu corpo. escovas e separas em mechas minhas idéias e pensamentos. se fosse avalon, ainda assim seria uma ilha. o pó se acumula num de meus ombros. quem vai partir primeiro? meio século depois? sei que tudo é certo e nada mais derradeiro. sufoco na beira-mar, por ao ter descido as escadas, fugindo da marcha fúnebre, do caixão içado, a lua e seu reflexo, por ter deixado para trás o meu sapatinho. agora perdido e lúcido. o labirinto fora da poesia.

Páris de Tróia


domingo, 4 de outubro de 2009

não tolero o ridículo desta imagem borrada. o lápis que escorre. o aberto da clareira não me situa nem dois passos adiante da catedral. um personagem escapa do romance. vivo. ainda vivo. a mulher de cinta-liga, tão sedutoramente construída, desfaz-se numa série de gemidos voluptuosos. e tão falsos. personagem coquete em meio a cidade grande. um corpo que rompe a linha do sono. não toleres os sermões, diz os sermão maior. a lápide da grande prostituta. tão bíblico e tão pecador. mas o pecado salva. aqui. nas curvas da escrita onde o dedo doce do Deus não pode tocar. roça o vento o rosto. um anjo roliço e rosa. pecado. a imagem que se desdobra nua diante do espelho. neste lugar de falta. anjo manco. l'ange est manqué. o que fazes acordado? a voz da tv engole roncos imaginários que soluçam nos corredores da casa sonambula. a luz da tela. desta tela em que me aprisiono imita o guia de uma iluminação maior. sem salvação. o cemitério futuro das palavras passadas se esquece. abro o albúm de fotografias. e tão lamuriente. chocolate. sorvete. doce. mastigar. morder. como o tempo faz com o nosso rosto e nossos ossos. a cabeça roda. a escrita inútil. tudo se torna inútil. lições de ética. regras de etiqueta. acentuação. sintaxe. sujeito. as coisas de puro lixo e resquício de um valor que é só meu. como passar com esta carruagem dourada sobre a infâmia. atropelando corpos e corpos. expurgando estes espíritos. num vislumbre último de cavaleiro do apocalipse que sabe que o único e legítimo crime de salvação é a própria morte. a certeza do vôo de pégaso. o suicidio. sem canto de cisne. sem gabriel e a anunciação. sem frutos. o puro e inútil corpo que despenca. devorado por um escolha. tão superflua quando as outras, mas fatal. e certa. derradeira. mas sem se fazer sacrifício na clareira. uma morte que não salva. que não significa. que apenas apresenta o corpo. a curva. o asfalto. os pedaços de pele e história descolados em 3 taças de champagne. um belo triângulo amoroso. prisma de uma incertitude. ainda insiste a pergunta sem resposta. o gesto óptico dos dedos que vêem. o eco supera o vazio e responde a sim. narciso subsiste. flor murcha. artificial. um desenho de parede de caverna. uma angústia de bolo de chocolate. um vômito arrependido. um abraço de porcelana e gesso no banheiro bem decorado. as lágrimas criminosas que não deveriam. as coisas que se intercalam nas páginas roubadas. o ponto não virá dessa vez. a escrita se mostra como força. a linguagem é um deus negro que monta dragões e devora-nos o fígado. pássaro nascido de nossas entranhas. sem passagens. as galerias rugem. os metros descarrilam. a alma cai. o corpo vazio. e olhos lânguidos. entre os cegos atreu e tiestes: tirésias é aquele que vê. roube esta fotografia. esqueça o corpo do crime. silencie a angústia. quebre uma pirâmide de taças. e deixe, ali, no fundo oblíquo do olho, a lasca de vidro que lhe fará não chorar. nem sangue, nem mar. ali, sapatinho de cristal congelando os sentidos.

sábado, 3 de outubro de 2009

o largo da estrada se abre. opções. nenhum. casar é tão difícil. tenho um convite pra um café impossível. a escrita flui tão ruim. não tenho idéias. a cabeça pulular de alucinações mágicas. ser mendigo em Paris ou Nova Iorque. tão nada. tão filosoficamente estranho pensar nestas dores feitas mágicas. tão drama de palco. tão eu. tão nós. tão cheia de nós. tão penas cadentes, já que estrelas não há. as pessoas tem tantos casos. eu fico neste acaso. tão naúfrago. pintando telas com os dedos e sem tintas. tão sem compartilhas desejos e sonhos. desabafando as mágoas que afogo num bom gole de café. uma boa companhia sempre é heróica. junto assim. impossibilitados pelo destino. tão shakesperianos. tão... dramáticos. ao som de celine. e tão pop-art. sem dívidas ou dúvidas. assim trilhando os caminhos da literatura. no cansaço pulando páginas. escrevendo no vazio. e de novo. e mais ainda. não consigo. o que fazer quando não se pode ler? quando o vazio que insiste não permite que me leias? no entanto, só tu me lês. ninguém se importa com este drama que a gente inventa no interior do gabinete, fugindo da vida. com os livros despencando, e mais pertos da vida do que muita gente. baforo um cigarro imaginário. é o frio. os dedos latejam. assim. cansado. a dor. o pé. e me abandonas em suspenso e não sinto nada. não sinto medo das verdades. as minhas verdades são tão caleidoscópicas e doloridas. o coração é feito passeio por uma biblioteca. livros com páginas arrancadas. lhe dedico meu diário. tantas páginas e desenhos esparsos. que resta isso. a ruína deste templo grego em que apolo assassina meu dionísio e os anjos, tão católico, com seus turíbulos me asfixiam e meu peito oprime. resta ainda a última violência: insistir em viver.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

me perguntas o óbvio. não digo nem que não, nem que sim. não posso. se te perdes na escrita, a voz que fala pergunta e insiste, mas aqui o corpo que se oculta na cadeira, ladeira abaixo, inscrevendo na madeira, tão adocicada, o cheiro último de um nome que não pode ser. nunca se poderá ser. assim, entre três trevas e três trevos de quatro folhas, a sorte lançada. as coisas que se lançam não se perdem. as coisa que apertam o pescoço, o frio que oprime o peito. a dor na ponta dos dedos e as mãos vazias. este corpo feito cabeça pensante. e que pensa e pensa e pensa e insiste em pensar o mundo em lógicas tortas, ali onde o pensamento faz a curva e vira imaginação. vejo as luzes e antevejo as dores. as dores no vazio de mim. no istmo da palavra sensata. aqui onde o café não aquece, onde as palavras não esquecem. a imagem é sempre a mesma feita tinta em um quadro impossível. retire os óculos. não veja. o aparato que se suspende na força faz força antes de mim e me range os dentes. aqui. o pedaço de carne lançado aos leões. o violino que sempre retorna. um vulto que bate nas portas. nas portas das casas vazias e sem fantasmas. é triste uma casa velha e abandonada sem seus fantasmas, sem seus medos. assim, quarto vazio, masmorra entre escuros tácteis, o silêncio impossível, o farfalhar dos ratos gatunos... o pedaço de mim que é roubado. devorado por bestas medievais. entre as pedras, entre as colunas, o tempo-sem-tempo e com pressa. tanta pressa. 15 minutos para um último suspiro. corra. o salto que quebra. sempre quebram os saltos. um assalto: 4 dólares e alguma vergonha. nada mais. o bilhete. onde está o bilhete? o metrô já passou. a verdade já foi. o encontro ao acaso foi impedido por outro acaso. o meu labirinto que inventei e me perdi e não tenho asas para fugir daqui. o lago feito água parada que cheira mal, mas cheira tão sedutoramente a corpo alheio. a corpo de esquina. colônia barata que expurga os luxos dessa carne macia feita mármore. o olho, último rasgo. a filosofia para quê serve? o relógio insiste, talvez ainda possa... talvez ainda tenha tempo. mas o tempo não há. nem existe. os fantasmas da casa vazia são os tormentos que invento, o erro impossível. há que se passar o ponto. chegou a hora. ficar, sentar e (me) esquecer.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

cansado da escrita que me atravessa e me atropela. na vontade da distância, o abismo. o coração que bate desritmado. a arritmia como verdade última deste desejo de solidão. dessa vontade alérgica. entre águas. o pesadelo, a cama, o frio. tudo tão listado e com tabelas de preço. com esta dor dos artelhos. os pés que ainda doem lembra o deserto. as palavras áridas. o passeio espanhol entre navalhas. o vento que rugi os dramas de uma telenovela já há muito esquecida. tão... sem épico. tão menos heróico e sem verdades. a maquiagem ainda salva. sem políticas, sem peles. sem vontade. o corpo sempre caí ao final do espetáculo. é imprescindível. é necessário. vontade última da imagem. sem flores ao fim. sem champagnes. sem comemorações. apenas uma lápide vazia e repleta de mentiras. tão ficcional. agora sentimental. ainda, talvez, biográfico. tão filosófico o espelho e os pincéis. tantas cores e pós. o drama de um matiz singular. o que escolher? o rosto pálido e clínico. o rosto moreno e dourado de sol. o rosto sem rosto, vazio. a identidade suspensa, ali entre fronteiras. as fortalezas do eu em ruínas. a poesia impossível de verdade. a coisa deixada. a coisa roupada. um copo. tão segredado. o fio do raciocínio do impossível. como tal labirinto que se abre em asas sobre o horizonte. sem horizonte, o que resta é a cadeira ainda quente e deserta. sempre voltamos ao deserto. neste deserto de lençois bagunçados e livros jogados. de papéis esparsos e tantos rascunhos de cartas de amor sem destinátario. o que fazer para encontrar? s'encontrar? ente do endereço último. da vontade perdida. sempre perdas. sempre quedas. sempre forças e forcas. onde estará a corda significante? as garrafas vazias. lago largo de angústia sem desejo. as coisas se repetem como as cartas de um jogo sem fim. não há motivo, mas há desejo. as cartas retornam como outro matiz. outro gesto de ajeitar os cabelos. bagunçar as verdades únicas de um trevo de quatro folhas. a ligação ocupada. as casas vazias. sempre a angústia desse vazio impossível de ser preenchido. aqui. tão musical. agora chega. não dá. o vazio fica. ainda e lateja. ecoando nos corredores.