quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sabes que não me ouves
e eu olho seus lábios
como quem não te ouve
enquanto falas
e quando páras
espero meu beijo.
No meio da massa
de corpos
esculturais
e um tanto quanto maleáveis
o que nos resta...

Greta e eu,
uníssono,
sopranos perfeitas,
imperatrizes do desejo
ordenamos:

"- Garçom, um marido, por favor...
com gelo, limão e canudinho!"
Chove
Greta me acorda com um grito
idiota!
eu nem dormi
nos labirintos indigestos
um caco refletia
um rosto
que merecia a gilete
do travesti da minha esquina.

Eu não sei odiar
sei ser pouco gentil
mas não gosto de estar
só e perceber o fugaz
desencontro de outros olhos
vazados.
Eu e Greta nos reunimos
à noite
eu deitado
ao meo lado
dois rapazes transavam
Greta fumava
na sala outros dois
também
Greta me olhava com desdém
me dizia tantas coisas
a flor-de-lis que eu trazia tatuada
ardia
ela sabia tão bem
o quanto isso doía em mim
sua imagem embaçava
ela me embalava
e no enlace dos meus cabelos
ódio e vingança
eu adormecia.
Apolo jamais fracassa:
eu saio de cena
cabisbaixo
demônio fracassado
olho meus pés
e sem asas
me lanço
no abismo.
Os padres me puseram a máscara
da culpa
minha alma fez a curva
e fugiu
recebeu as matérias
do quadro-negro
com çao apertado no pescoço
sem entender o branco
da tabuada.
Nunca soube dizê-la de cor.
Mesmo odiando recitava
versos
no menor pormenor
e olhava
sempre
para além das janelas
no fundo
dos reflexos
em que latejava
o vazio.
No meu canto
um cigarro estendido
do preto e branco
da minha vida xadrez
-marmoreada-
Greta
ainda tem todos os dentes.
Mas é por pouco tempo!

Retrato II

Poderia brilha no fundo da lente
a fotografia tinta pela cor
vermelho dourada viva da mente
numa luz que apaga o tempo, a dor?

Pela superfície dos olhos,
a cor opaca grita
- sangue, retrato, tinta -
Não sei, não lembro, mas gostaria...
estes poemas
compõem um mundo
preto-e-branco
não gosto de cores
fujo do vermelho
prefiro os tons de sépia
do cinema velho
o crayon esquecido
de Leonardo.
Me deitei com os números
vazios
e menti tanto
que me esqueci
debaixo de um travesseiro
de um homem
qualquer
sei apenas que sou
o corte
no pé esquerdo
entre dois dedos
que me impede de andar
e me lembra
dolorosamente
que estou vivo.
eu sinto como se tivesse deixado
em outra cama
em um outro sotaque
um pedaço de carne
minha
e o vazio que sangra
arranha meus temores
o sujo de mim
vejo para além de minha maquiagem
a impossibilidade que entornei
não quero uma cruz
mas estou às portas do inferno.
Eu vi
um vaso cheio de sangue
as águas tingidas
de medo e mentira
o rubro batom que eu não usava
estava ali
nas águas vermelhas
que saíam de mim
e eu me perdi
nestas pétalas liquídas
de dúvida
de vida
não tinha certezas
e chorei.
Quando no fundo do escuro diante do palco o seu rosto roçava no meu e não se distinguiam os dedos e minha boca procurava um beijo escuro no escuro e te sabias sorrindo, mas ainda assim te sabias fugindo. Eu que queria bem mais que um terno abraço, nas unhas ruídas aquela vontade de... cabia apenas unir ao beijo a minha vontade de beijo e seu sorriso que eu sabia estar ali e sabia que naquele vazio da estrada estavas e me acenavas e me sorrias.
a Denise R.
Estou aqui
tão longe da Califórnia
de Veneza
num lirismo descompassado
sem inocências
sem cigarros
à deriva
de bússola torta
não sei nadar
e todas as ruas me levam
para Pasárgada.
Sou uma prostituta
fugi de Roma
e não quero ter
lugar
para chegar.
Eu usava um lenço
à Veronése
como uma cortesã de Ticiano
olhava Rafael
como obra obscura
e falsa
eu sorria
e acenava
era tão fácil
mas parece que ninguém
me via.
a André V.
De janelas fechadas
fujo
dou voltas na cama
(dou voltas a mim)
e nos volteios
dos meus laços
entrego-me aos desejos
da minha verdade
abro a janela
fecho rapidamente
prefiro as minhas mentiras.
quando a ampulheta vira
Newton descobre novas leis
(Eva comeu a maçã)
quando a lira se quebra
e o poeta desce da janela
ganha a rua
na música descobre o ruído
e o poema
vira dor de ouvido
a mulher esquecida na cama
descobre a perversão
da última palavra
e o silêncio do gozo
não dado.

GG

uma luva
na lua
bandeira vermelha
no silêncio
gritado
das ordens
na cama
vazia
Não me interesso por Michel
nem este, menos ainda aquele
seus livros são perversos
não me dizem de mim
me falam do abismo
do suicídio
que não quero
que não aceito
fecho os livros
e as provas
quero o ópio
prefiro quem me quer
nas páginas do poema:
Baudelaire
ele disse que ia ao cinema
mas fugiu da tela
corria dela
como fugia
de mim.
as vozes no fundo do corredor
debaixo dos tapetes
com a poeira do criado-mudo
se recolhem
por vezes
à minha porta
brindam à escuridão
do lado de cá
que com seus brios
ocupa o espaço e as poltronas
que se estendo a mão
alcanço suas coxas
e lhe descubro os números
os signos
postos para fora do nome
que não me importa
as unhas são sempre as mesmas
e novas
bem-feitas
perfeitas
que me levam as carnes
inscrevendo em mim
outros estigmas
de uma outra ordem
que não vale por ela mesma
e me deixa
sempre
de mãos vazias
com as próprias linhas
sem destino
escrevo enquanto pensas
que queres dizer
palavras inscritas
na pele, no rosto
rugas de letras
letras-mortas
sem real
sem chão
sem destinatário

Retrato I

poderias brilhar no fundo da lente
a fotografia de cor
vermelho dourada
na luz que apaga
o tempo que há no fundo
da superfície dos seus olhos

a cor opaca grita
a fotografia perdida
não sei
não lembro
mas gostaria

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Cela

a lei que prega
se fez
na parede
entre os retratos
e calou a voz última
proibindo
cores
calores
o ballet
a música
o silêncio
as sombras ocultas
da dúvida
o próprio sono
também
para negar o sonho
e cansar o corpo
que deixado em preto e branco
já nao pode fugir

Esmeralda

Um pandeiro com fitas toca uma moeda jogada na ponta de uma espada como uma rosa manchada de sangue roxo como o céu da meia-noite. As cartas despencam como nuvens de mau fado no fundo dos olhos do lago secreto dentro do qual se lançam ao degredo de quem um dia chorou, pensou, amou... à luz da lua um sonho vago e fulgaz como o brilho de uma lâmina. E as vozes proferem mudas, arcos que mil perigos vencem. Com cinco ondas, um espaço negro, olho o mar, o meio fio, a meia estrada, as fitas amarelas.. cigana que escondeu o amor negro a um ser sublime que se escondia como escorpião entres as frestas da dúvida da fé... a morte, sim é certa e não tem preço.

Andrômaca

Alguém pensava em ti
rosto refletido de Madonna
de Rafael
cantando a última liturgia
techno
que desenlaça as sapatilhas
e nos faz vibrar nas noites
entre luzes
corpos
e copos.

Corsário

Apenas um adolescente que não sabia o que queria, roubou um barco,virou gay e hoje escreve livros de auto-ajuda...
Enquanto sonha com o mundo da sapatilha de ponta
E com as batidas no chão
Com a glória
E se prende nas malhas
Do destino
Como quem não quer acordar...

sábado, 14 de fevereiro de 2009

No espelho,
o inverso.

No poema,
deserto.
se quando falo as palavras
soltas escorrem no papel
entre os suspiros que pairas
descrevem dois ou três céus
no espelho

o inverso

no poema

convexo

converso

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Encontros memoráveis nas Escadarias....

"O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos". - Sigmund FREUD.

Um vulto errante erra nos erros do passado e pensa no vazio. Um outro vulto, mais certo, mais luminoso, em vez de errar, acerta.
Olhos. Olhares. Um sorriso tímido. Um sorriso aberto. Um sorriso demoníaco de sacerdote sacrificial. Tabu. Medo. Receio. Nada pior que o fracasso, nada melhor que uma oportunidade.
Os pedestais de luzes e estrelas pairam sobre a cabeça, num céu avermelhado, rubro talvez de ansiedade, talvez de vergonha. Vou.
Uma loja. Roupas da última estação. Uma livraria, best-sellers em extinção. Um mesmo caminho. Um oi.
Tournée internacional. Um mesmo caminho. Voltas. Escadas. Ups e dows. Dias de pensamentos melancólicos, esquecidos. O fausto dia em que morre Werther e apreendo sua alma num estalar de dedos.
Um abraço, um bom abraço. Corda lançada ao fundo do poço. Cordas são como escadas. Um anjo imaculado de mão sobre o coração esconde a lua que brilha tímida por trás da nuvens.
Prometo escrever algo sensato (tenho o insight de um momento, mas é ele dito apenas no silêncio de um beijo demorado).
No alto das escadarias com as folhas de outono, como cartas lançadas ao vento, doiram os pés, o musgo, com a cor que só possuem as lembranças dos mais velhos. Lá sobre o arco da escadaria as personalidades se confudem entre vítima e algoz, personagens memoráveis (outras personalidades?) gritam do eco do tempo suas sugestões.
Percebo a mão branca da princesa, a descer veloz a escada, lançar ao cocheiro uma moeda de ouro comprando seu silêncio velado. De capuz mais negro que o medo que toma seu coração, atravessa os bosques para se encontrar com seu eleito, no alto da escadaria.
A jovem freira exilada no alto da escadaria encontra o coração exangüe de Cristo, perverte seu martírio ao se imaginar possuída por uma fé ainda maior que os cálidos beijos de sua mística.
No templo antigo, entre as colunatas, Atena altiva observa o mundo e compõe em quadros virginais toda sua mácula racionalidade.
E no alto da escadaria, que talvez fora monte, elo, ponte, buraco negro a ligar universos,o silêncio observa.
Nada sei, apenas sinto. Vultos se fundem num outro beijo, talvez ousado, talvez sonhado, talvez sequer tenha existido no mundo real e, portanto, se fez quadro de algum artista surreal.
É lá, no alto das escadarias que deixo os óculos cairem sem medo, que lente fendida me deixe não ver. Não preciso de sentidos, mais do que sentimentos. No alto das escadarias é onde se convergem todos os caminhos e todas aquelas dúvidas que se pintam de certezas. Há alguma dúvida?! Mas, no fundo, só importam o vultos, que serão sempre vultos de outros tempos, talvez Romeu e Julieta, talvez Desdêmona e Otelo, talvez Apolo e algum mortal eleito... Talvez Judas a beijar Cristo...
Mas no fundo das escadarias, lá onde a sombra do vulto pensa, palpitam corações presos de ansiedade pela noite seguinte, pela noite seguinte, pela noite seguinte... E quando o sino badala suas doze badaladas, surge o enigma das escadarias, um demônio vagueia por alguns degraus... um anjo plana sobre o umbral de floreios de esperança de salvação.
É sempre no topo das escadarias que nossos sentimentos se encontram, nas escadarias em que toda noite as estrelas laçam esperanças e que um anjo perverte um demônio, e este, mais triste que o último humano, exilado no fundo da escuridão de seu coração manchado chora a impossibilidade de ascender ao céus. E por isso espera, sempre pela rosa, pelo sonho da valsa da princesa... pelo reconfortante apelo do olhar do anjo, no cimo da escadaria...
Mas no fundo, parecem ser apenas sombras, sem histórias, mas que guardam a chave, clavícula de Salomão, que abre os portões para a escadaria dos sonhos, das ilusões que se tornam realidades.
Tudo sempre se decide, como um jogo de xadrez jogado no silêncio de um beijo, nas escadarias.
[14/02/2007]
o mundo é grande
um grande
como se
e como se
fosse
grande
paira
ante os olhos
na ira
nos ferrolhos
como se fosse
cacos
pedaços
papéis
espaços

domingo, 1 de fevereiro de 2009

silêncios...

há o silêncio batido do escuro que reflete nas parede
e nada mais
o cheiro doce de um fragmento de frases
ocultas em um pedaço de papel velho
que nao querem ser nada
não...
não se destinam a música
nem aos ouvidos
como se as frases
o épico ruído de um não-herói
vivo-morto
insiste
nestas batidas descompassadas
destruídas

resta à atena altiva
os vestígios de seu templo
mas nada
nada pesa mais
que o marmóre velho dos anos
que se acumulam
dentro dos olhos
nas bordas da boca
nos limites das mãos
nas pernas bambas

a cadeira de balanço
entre as tônicas de uma sintaxe
impossível vibra
doí nos ossos alquebrados
e deixa
nesta sombra
neste vazio
apenas o suspiro
como último delíro
de quem foge

destruído
nestas batidas descompassadas
de mãos trêmulas
e medos vencidos
pelo escuro vazio intocado
de uma memória
plana
como o espelho
em que um rosto sem nome
insiste em perseguir
o silêncio batido do escuro que reflete nas parede
e nada mais