segunda-feira, 19 de outubro de 2009

rendez-vous

a Lu.

"tudo tão claro''. caio olhava o fundo do mar enquanto fotografava a ponte como um cortinado céu estrelado. não aceitava ser naufrágo. havia construído sua pequena ilha de relações. tão letra errada e torta no post-it colado na geladeira vazia que rangia todas as madrugadas. "as estrelas murmuram tantas coisas". a máquina abraçava o pescoço, nas mãos um gabinete quase novo de maquiagem. "não entendo este teu zumbindo meio americano''. desistira de ser grande. não entendia a linha, confundia os óleos. por fim descobriu o corpo. não o seu. o dela. tantas era ela. tantas poderia ser nas suas mãos. tantas fazia ela. ainda mais aprontava roubando-lhe os lembretes e as páginas da agenda. mas ainda assim era ela. irredutível. sempre ela que resistia até mesmo ao palíndromo: ana. ao espelho: ana. ela conseguia ser tão francesa, tão inglesa, supra-européia tomando sorvete enquanto chove luz no reflexo dos cabelos. tão presa a esse jeitinho de pescoço erguido e voz arranhada. sorriso fingidor no escuro do cinema enquanto as mãos passeiam no fundo da imagem. eles se maquiavam. sempre. delineando bem os olhos fundos e a boca. larga e agressiva de um, fina e delicada de outro. as mãos longas que sabiam pinçar palavras, as certas palavras certas. tão coloridos no preto e branco da tela. pós de todas as cores sobre algumas bases de qualidade duvidosa, algumas baixarias, mas nenhum rouge. passarinhos sem gaiola que habitavam estações diferentes. "Où se trouve la gare du nord, s'il vous plaît?''. unhas arranhando o banco gasto do táxi. "vite". entre alguns rios, o cristo não dá o abraço salvador ("evite esta esquina menino, pare, logo...''), tomando uma gôndola nesta veneza quase atlântica. cheia de luz. "tão perdida...''. tão feita de postal e bolor e palavras sequestradas. um beijo obsceno feito página em branco (''serpente puro fetiche") e uma pincelada na memória. assim tudo escapava voando rápido pela janela. enquanto isso: as velhas liam os jornais de ontem no jardim em que ele não aparecia mais. ainde, depois do vôo dela, da partida rápida, o aeroporto vazio ecoava suas palavras, mas havia dentro dele ("naquele comodo do segundo andar, o quarto vazio") um peso vermelho que o devorava, um tom de vermelho a mais, um martelado sanguíneo de não poder.

Um comentário:

  1. ain, deos.
    tanto que morro!
    amei, ev.
    juro demais.
    amo, ev.
    você.

    tão no fim não sobra nada
    só o sono e tal
    e o sussuro Euvocê.

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