terça-feira, 16 de outubro de 2012

Autobiografia


Não gosto de salada russa, de roleta russa, nem de montanha russa. Pra não parecer implicância, gosto, e muito, de ballet russo. Já disseram que eu tinha alguma classe, excessiva e irritante. Já fiz esgrima e equitação. Pintei, desenhei, costurei. Ainda não esculpi. Não tenho a voz do Sinatra, mas também sou pró-Mia Farrow contra tanto Woody Allen. Não tenho os olhos do Mel Gibson, nem os cabelos do Richard Gere, nem o abdômen do Brad Pitt, o charme do Tom Cruise, sequer a poesia de Chico ou a conta do Carlos Slim. Há quem diga que tenho um bocão quase à Jolie. Não sou evolucionista e, ainda que não seja pessimista, sou nada positivista. Nunca matei um mico-leão-dourado, talvez porque nunca tenha visto. Nunca derramei petróleo no oceano. Não tenho o bigode do Groucho, mas algumas vezes me visto quase como a Carmencita. Tento não me atrasar para os compromissos, mas se for pela manhã é quase que inevitável. Gosto de maquiagem e perfume francês. Tenho minha galeria de glamour, de Dior a Chanel, de Givenchy a Valentino. Creio no charme dos saltos-alto. E com toda minha megalomania: já fui na Napoleão e fiz minha Bona-party.  Tenho a irritante tendência a irritar os outros e a insistir e provar que “eu estava certo!”. Não me dou muito bem com post-it. Não acredito em Deus, ao menos isto não é relevante e não me afeta. Confesso que não me confesso há algum tempo, mas para isso sempre há as sessões de análise. Já tentei amar ao próximo, ao modelo católico, mas hoje depois de descobrir que “amar é dar o que não se tem pra quem não quer”, as coisas ficaram confusas.  Obviamente, sou gay. Gosto de ler, mas fiz disto meu trabalho, então...  não sei nadar, morreria no Titanic, mas como sei desenhar poderia ficar com o papel de Jack. Sem tendências românticas, não sou marxista, apesar de flertar com a psicanálise.  Gosto de poesia e cinema. E de mulheres esguias (não há como não amar Audrey Hepburn). Já namorei e acabei namoros. Já descobri que não é o coração que dói, mas o ego, o ego latejante na rejeição.  Tudo no fundo se resume sempre a dor de cotovelo de alguma forma. Serei doutor, mas não serei médico. Reclamo além da conta, mas sempre tem gente que vem pedir minha opinião sobre alguma coisa, mesmo aqueles que insistentemente não creem no que digo. E eu acho e "acho" muito, com aquele ranço pseudo-intelectual. Eu respondo e-mails, mas prefiro escrever cartas. Tenho uma caixa-postal pra isso. Academia nunca foi meu forte, mas eu sei ficar nas pontas, há ainda a tendência alcoolizada de abrir espacates (se você nunca viu é porque nunca bebeu comigo). E o complexo cirque de Soleil sempre me fazendo ter um roxo ou quebrar alguma coisa, depois de me pendurar em algum lugar. Síndrome de escalada, o que explica alguns de meus gostos mais pessoais. Mas sem alpinismo social. E gosto dos livros, mas nunca sei o que ler diante de uma crise de insônia. Odeio-os quando tenho enxaqueca, mas odeio o mundo e a vida nestes dias. Gosto de andar, de cafés finos, chocolate suíço e belga, de caviar e champagne... foie gras, só em boa companhia. De pôr-do-sol e noite fria. De chorar escondido no banho. Mas só banho quente, com direito a vapor bancando o fog londrino. E tendo a ser só, muito só. E me afasto e me exilo. Mas sempre volto.  Nunca respondo diretamente ao "tudo bem?", porque nunca sei o que isto realmente quer dizer, mas fica como chave de ouro minha resposta de que "estou vivo", "ainda vivo". E, sobretudo, acredito no dístico "aguarde e confie". E ficamos com isso, aguardando e confiando... sem saber direito o quê ou como, mas ainda aqui.