terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Uma ampulheta sem areia

Talvez quando é necessário desistir seja preciso perder todas as palavras. E quando não se tem sequer palavras para perder. Quando o que resta é apenas a beira e a eira. Esta dor consumida entre dois goles d’água e um comprimido. Onde está este meu pequeno erro… a falha no disfarce… Esse barco que passa por mim. E esta apólice de seguro que há tanto tempo abandonei. Não sei o que deixo para trás, não sei pelos “andarei”. Carrego algumas páginas brancas para plantar, destas que não doem e nem deixam escapar nada. Em nenhum lugar. O que ainda existe em mim? A mala aberta no chão, os livros espalhados pelos cômodos, a tristeza escorrendo pelas paredes (e não dói e nem diz). Madame Bovary diz do amor que nunca encontrou, mas que insiste e existe em alguma página. Sem magia. O mundo é tão ínfimo que visualizo através do espelho, como um sonhador olhando o mar através da janela de Tomar. Eu sou a mim mesmo devolvido, digerido e sem voz. O que vibra aqui é fibra lânguida de um corpo que se esvazia. O sentido disto que não dizes. O que repasso são apenas as regras do jogo. Uma vida feita pentagrama na qual pudesses escrever as notas, sem graves ou agudos. Sem canto. Debaixo d’água eu ainda precisava respirar. Minha biblioteca tem obras raras, eu leio mais que supões, mas nada sei dizer. É como esta onda que volte-e-meia vem-e-vai.E tinha que respirar? Eu apenas precisava respirar. Construí um barquinho de papel. O mundo é um mar e eu não sei nadar. Enquanto tu aprendias a voar n’água como borboleta azul. Minhas borboletas dobravam as pernas, sentido o cru da vida doendo na torção dos ossos, deslocando os joelhos, curvando os pés, esticando os músculos, fazendo uma vida elástica na sua anamorfose que se torna impossível ver o que vejo no espelho, nem mesmo uma fotografia captura o que eu fui ou o que poderia ser. Entre o preto e branco e as muitas cores, me perco numa escala de branco sobre branco. Ar. O ar que eu precisava respirar. Meu joelho esquerdo dói. Eu preciso repassar as possibilidades. Eu poderia faltar no encontro com este amanhã. Eu não sei as escolhas que fim, mas que é o apenas o vento ventando e cumprindo no vento seu caminho de levar as folhas e de dizer e insistir para mim “já não pode mais fingir”. Talvez eu viva nesta minha almofada carmim, olhando com o desdém o espetáculo diante da janela. Löblichgasse 14, 1090 Wien, Áustria. Há vagas. Há vagas. Tu dedilhas ao piano a canção que nem sabes como eu nem sei quem és tu e como te invento aqui. Não se pode cobrar as lágrimas, as flor dos anos, os olhos insanos,o banco que se colocou à espera. Qual verso poderia te citar? O que ainda poderia te dizer que não disse? Chuto os livros espalhados por este projeto que é de um eu torto que nem sabe dizer eu e diz tu, tu, tu, tu... como contraponto, como contradança para descobrir o vazio que deixa na própria pegada, como se fosse a pegada e se apega ao passado do pé não vendo que o pé que sustenta o corpo é aquilo que dói por conta do não apagar da lembrança deixada. o que você me disse, eu ouvi. Misturo os remédios na palma da mão. Cifro meu pequeno verso: vida mais insignificante que um dodecassílabo. Eu sofro de silêncios e distâncias mal-resolvidas. Talvez devesse apagar tudo. Todo o registro possível. Você me buscaria. Talvez seja apenas dezembro fazendo o que sabe fazer melhor. Talvez seja as cicatrizes que doem como ideia errada. Na estrada, perigosamente, baixo os olhos como quem desliga os faróis e solta o freio de mão. O tremor essencial ali, na ponta dos dedos, arranhando minha falta de política e meu excesso de polidez que você não entenderia nunca. Eu desconfio de Ezra Pound. Sou incapaz de me pôr a prova. Meus pontos cardeais sem nenhum catolicismo. All your dreams are just a kiss away. Sonhos? eu nem sonho. e existo. e insisto. e nem sei o porquê. O que atravessa é tão menor e é só que tenho. A decisão, entretanto, não é uma exclusividade do poder jurisdicional. E que isto significa agora? daqui, destas minha venezianas fechadas, com os cães ladrando, com tudo que parece ganho perdido, com o sem valor dos papéis. o que pesa nesta assinatura e neste nome que não digo. E se eu pudesse tocar mais que o quadro roubado? E se visse mais que cena cortada? Se através das fechaduras não pudesse ver porque a porta já esta aberta? Quanto vale uma dor comprada? Quanto vale um sono pesado? Quanto pesa o corpo quanto nada mais deixa de ser química e na química se resolve. Minha hóstia é uma crença de que o alprazolam adormece tudo e que o prozac segura o riso tímido apegado a cara. dando no meu branco inflexões de cores de uma memória que não posso ter e de uma história que sequer é minha. e eu escrevo simplesmente para perder no meio das palavras aquilo que dói e e escapa aos meus dedos por mais rápido que eles insistam no teclado. e a ortografia falha, talvez mais que as palavras, mas é quando as palavras falham que importa. quando o grito não saí, quando o corpo não cai. estou armado, copo d'água na mão, a boca aberta, na língua três comprimidos para comprimir esta voz que não se engole e não saí que se agarra nas cordas vocais que queriam cantar. è preciso beber, Shakespeare. Talvez amanhã, ou no ano que vem, Mrs. Dalloawy possa ir ela mesma comprar as flores para algum funeral. Na lápide, a insignia do arminho, sem alma, sem corpo, sem pó, sem pegada, o vazio do nome como o vazio do ser. Algo que foi sem ter sido.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

talvez eu quisesse dizer mais do que posso.
tricotando lágrimas em tricoline.
diria aquelas palavras que esqueces
que não sabes
que não digo
puxando com os dentes para desatar o nó
respirando no imerso da dúvida
mergulhando os dedos em ácido
solitariamente
o corpo em queda
não teço nada
não me enfeito
os espelhos cobertos com veludo negro
as mãos vívidas
os olhos chorando no banho quente
vapor atraindo o céu
fazendo nuvens
o coração em compasso lento
toca pianíssimo
nenhuma melodia
mas se dissolve
naquele entre estender de luvas
na mão que se recolhe
no afundar do rosto no travesseiro
no mínimo vislumbre de delírio

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

no lapso
eu sobrevivo.
bom dia... um sol mais tímido que eu desponta aqui.
o frio sem coração da manhã fere os meus dedos.
imerso no teu silêncio procuro divisar no horizonte,
sem sombra de dúvida,
um feixe de luz
(raio de anjo)
como tua resposta.
na amplidão do infinito do universo
um pequeno choque de corpos
por mais que dure um milésimo de segundo
já é algo
poderiam estar perdidos em qualquer dimensão e recando do infinito
mas por acaso se bateram

terça-feira, 18 de outubro de 2011

nota esparsa

eu, três da manhã, o livro aberto, a respiração presa, um envelope no chão. quando você teria colocado ele aqui? a letra corrida, nunca descoberta... a frase teria um outro efeito, alguma validade? ou já teria passado o prazo riscado? (é o que resta de um desejo) corro os olhos sobre a página: ele - pois não havia dúvida quanto ao seu sexo embora a moda da época fizesse algo para disfarçá-lo -estava golpeando a cabeça de um mouro que balançavados esteios. (é o fragmento de um sonho não lembrado). engulo um suspiro, o ponteiro se move, o tempo suspenso: em queda! redescubro o táctil da vida. sem perfume. impossível manter uma conversa com tanto silêncio. sem chocolate. ‘But what about royalties?’ he asked. não fumo. não tenho controle. fecho o livro. sem restos. engulo em seco. três pingos em sépia. o vinil riscado se repete indefinidamente no meus murmurejar longo. And the twelfth stroke of midnight sounded; the twelfth stroke of midnight, Thursday, the eleventh of October, Nineteen hundred and Twenty Eight.

a quem interessar possa

é um pouco demais, este sorriso que se abre devagar como uma janela que se abre deixando vislumbrar os cômodos e algum vulto. eu tento me esconder há tanto tempo, tanto tempo, mas é sempre você que sai de diante dos meus olhos. ficam os retratos nas caixas de recordação. não tenho tanto dinheiro assim, mas posso desenhar a nossa casa futura, como se eu realmente soubesse desta possibilidade de amanhã. aquele balanço onde juntos estaríamos lá e cá, sem sair do lugar, sem precisar correr.
os lençois amarfanhados, vazios, não dizem nada.
meu codinome é sonho de valsa... para as nossas quedas veladas de fim de tarde.
eu não sei fazer arte, esculpir, finjo muito bem e com tantas palavras, como um perfumista que sabe e domina um único odor, pianista de uma única nota: dó.. porque tudo dói em mim e meus dias não fazem sol maior.
não sou um místico, apesar das histórias que o tarot me conta. das histórias que estranhos sempre me contam, sempre precisam que se ouça. mas alguém é capaz de ouvir esta voz que insiste aqui? não, não dá mais. eu não sei o que posso fazer por você. talvez apenas sorrir e acenar na varanda, como começo do caminho.
ainda penso no meu presente para você, numa pequena canção, entre os suspiros e os sustenidos. o aperto de mão secreto no cinema.
o que você contará ao mundo, sem esta nossa canção, talvez minhas coisas e desejos sejam simples demais, mas não os consigo por em palavras. nada ainda está terminado. espero que não se importe com este meu quebra-cabeças tornado texto. meus sussurros se prendem entre as vírgulas. você é capaz de ler aquilo que não consigo escrever?
me sentei no telhado mais uma vez, perigosamente, neste meu complexo cirque-de-soleil... de subir e me lançar... machucando o tornozelo como em belo horizonte.
eu não sei definir uma vida maravilhosa, talvez nunca tenha aprendido a colorir direito. meus pinceis não entendem as cores. tudo monocromático e monossilábico. mas eu espero. o que poderias insistir ainda? talvez um pequeno retrato para guardar na carteira. eu só vivo depois do pôr-do-sol.
mas me perdoe se eu ainda escrever de novo e insistir nisto, se as mesmas figuras retornarem, mas é isto que eu faço. mesmo sem saber. perceba que ainda não sei dizer se suas mãos são quentes ou frias, se tremem... se me olhas de frente ou com o canto dos olhos buscas lateralmente alguma escapatória. preciso que aprendas apenas o meu mote: Malo mori quam foedari. não gosto de carpe diem. qual é a cor de seus sonhos enquanto dormes... como dormes... estrela do mar....
aqui estou eu, malas prontas, a encruzilhada, o musgo que ainda se agarra a página, um coração que pálidamente se inscreve perdido no deserto. eu ainda sei esperar.

embrulhado num lenço de seda

minha cabeça dói com mais um mapa fechado. minhas pernas cansadas. tudo tão desorganizado. eu ainda acordado. três pílulas para dormir, outras duas para existir. ainda sei respirar no modo automático. tu me envias a ''minha'' canção. esta que dizes ser minha. mas ao mesmo tempo não dizes nada. nada. nada. a mão espalmada, entre o tapa e o carinho. see you around. estou perdendo meu francês. não fumo. há quanto tempo não bebo. ainda devia escrever sobre blumenau e os últimos percalços, mas será? I don't have much money but boy if I did... I'd buy a big house where we both could live. ah... simple boy... não sei para onde correr. é como se o céu girasse e a terra ainda mais rápida, contraditória, invertesse as verdades. quantos quilômetros são necessários para desfalecer? sinto aquela vontade de correr e de não ouvir nenhuma voz, correr em linha reta, em alguma direção. talvez algum dia siga os trilhos do trem no fundo do meu quintal. talvez eu apenas durma e dormindo me esqueça, a mim, a meu nome. quais as palavras que me escapam e não me deixam dizer de ti? não sou bom nisto. quiçá seja bom em alguma coisa. minha caneca de café esfria. ainda espero aqueles versos traduzidos. eu não tenho lá muito dinheiro para estas corridas delirantes. meus pulsos doem. tanta coisa a decidir mesmo sem opções. minha agenda diz do amanhã que tenho medo. desta casa grande, gatos e livros. os passos solitários ecoando no sotã: os pesadelos e as escolhas que sempre nos assombram. uma pá de terra. a dúvida morta-viva. I hope you don't mind.... across the universe. os grandes romances me estragaram. eu encontraria Mme. Bovary me acenando num musical em blue. qual seu perfume? terá recebido meu postal? meus enigmas caem aos poucos para dentro das gavetas, esquecidos com meus diários. sou esquecível. sem palavras. você seria capaz de descrever meu rosto? talvez apenas saia duas ou três palavras sem coragem. não sou tão bonito e carrego estas marcas, pés tortos. édipo seria um bailarino? preciso dar as minhas notas, terminar minha leitura, morrer mais um pouco. meus 24 anos perdidos se aproximam. sem táxi, não poderei fugir para a barra da lagoa, beber um pouco mais, me esquecer, desligando o celular... a responsabilidade ainda fica aqui. cega e certa. mecânica. this is song: o relógio é quem ordena. eu ainda queria poder tomar um café contigo numa destas manhãs, perder um lenço, um desenho... e ocupar um banco vazio numa praça esquecida. tão mínimo.

anamnese

cefaleias, enxaquecas e outras dores.
Conversas esparsas som o ilmo. sr. doutor N.:

- sabe qual é a cura pra enxaqueca?
- qual?
- beijo.
- que tipo? onde? como? qual o tratamento?
- o tratamento começa com beijos estalados no pescoço, que vao subindo até a orelha e pouco a pouco vão chegando ao canto da boca do paciente. se houver interesse do paciente, o tratamento pode ser mais eficaz, mas é preciso cooperaçao...
- em doses homeopáticas, sr doutor?
- nao, a dose precisa ser alta e com frequencia
- tratamento intensivo...
- pede repouso?
- pede, mas nao absoluto. o paciente precisa se exercitar...
- qual a recomendação neste caso?
- sexo.
- qual o efeito terapêutico?
- alivia o stress, libera endorfina, contribui para a melhora do humor, aumenta criatividade
- alguem especifico pra ministrar? acompanhamento 24h?
- eu! 24h...
- quanto tempo dura o tratamento?
- difícil dizer... em alguns casos o tratamento não pode ser interrompido até o fim da vida.
- efeitos colaterais?
- fome... depois de terminada cada sessão...
[...continua...]

sábado, 15 de outubro de 2011

I wanna hold in your hands.

talvez a maior questão seja o ainda. eu aqui. mapa fechado. cabeça girando. quantos km? você viria? comigo? pra mim? beatles não me responde. você tem um quê de especial. mesmo com todo seu silêncio, mesmo com este palpável de dúvidas, mesmo com o mesmo assustador pesadelo que me persegue. eu poderia escrever pra ti sem exigir nada, sem pedir um retorno, mas eu peço. meu corpo esta cansado. estou em blumenau. não há tantas flores. oktoberfest acontecendo, eu em casa agora vendo filmes. e você? que me diz de você? você de quem eu queria este abraço. meus trevos de 4 folhas poderiam trazem alguma sorte. é minha vez de lanças os dados, deixando a mão livre para pegar na sua.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"Diga aos menos que nem você quer mais desses gestos traiçoeiros
Em que o amor se compõe feito uma luta"

garoto azul. três incertezas deixadas na palavra. até mário de andrade tinha seu pequeno r. ah, girassol da madrugada. não gosto de girassóis. não posso me abandonar as tuas carícias. tão longe. tu não sabes desta linguagem oculta das flores. e eu já não me importo comigo (você saí de perto e eu penso em homicídio). tu brincas com a história que eu não entendo. você apenas ri. você me mandaria algum dia um buquê de acácias? nós juntos regamos esta nossa acácia amarela. tão secreta. tenho medo das tuas noites perfeitas. eu vou lhe mostrar como é belo atravessas estas páginas. tu me acompanharias? quem de nós poderá dar um dia o primeiro passo?

(r)


o sono que vinha, não veio. tirei os saltos manchados, a blusa branca, a calça jeans, a cueca... escancarei a janela... corpo vulnerável em seu aberto ao sem segredo do vento. com um lenço de algodão fui tirando a máscara que se fingia de rosto, o sorriso pintado. eu me contento com tão pouco. os cobertores lançados ao chão. tuas palavras me chegando de longe. você tem cheiro de mar. é com minhas palavras que posso ainda te tocar. o relógio gira. no sem nome, encontro um reflexo que suspira. quão verdadeiro pode ser um caractere? brinco de mal-me-quer e bem-me-quer desfolhando a sorte dos trevos. hoje a tarde enquanto caminhava entre escolas encontrei um pequeno dado, só consegui pensar em Mallarmé: lance a sorte! talvez nunca possa ler o mapa de tuas mãos, observando no canto dos olhos as nuvens que porventura ali se acumulam. mas você não tem medo da chuva. os trovões não assustam seu negro corcel. eu aqui com meu pônei rosa... quando passará o trem? onde ficas tua ilha deserta? brincas de soldadinho de chumbo. meu reflexo de bailarina está preso no espelho da caixa de música e não pode te tocar. as mãos não deixam. os olhares não permitem. e tudo pudera ser simples, mas não pode. eu perdi o jogo. minha cicatriz no joelho é uma aberração, mas o dente que a dança me levou é como um soco no estômago. não tenho palavras bonitas. nem sequer sei escrever. é o que posso. papel ainda com as pontas ao lado, sujo e pisado. sem perfume, o ar em torno da torre é pesado com estes dragões-pesadelo. meu príncipe talvez tenha sido devorado ou tenha se enganado de castelo. minhas harpias são lindas mulheres cantando num tempo sem fim. elas contam a história de um beijo que queria ser dado, mas não foi.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

voltar
significar
ter de volta algum lugar
não me sinto pertencendo a lugar nenhum

pés nus.

é daqueles dias, você dorme tarde, descobre algo escondido entre os travesseiros (um bilhete, duas lágrimas, nenhuma escrita). passa ao largo com passos rápidos. uma nuvem negra no horizonte. tudo para chuva. tudo leva a crer na chuva. mas ela não vem. o corpo espera. esperar... esperar... penélope eternamente em sua janela olhando o mar. os carros passam, quem sabe? quem sabe pintar o rosto, marcando os olhos, escondendo as rugas laterais, ali onde o tempo falha, insiste e dá defeito. alguém, segurando uma caneta e respondendo exercícios, pensa que sabe de minhas crises. eu queria a imagem tocada por um campo de tulipas. meu van gogh read... readaptado... me encontra, 15 horas no café sperl? como te dar um endereço, é impronunciável pra mim. esta coisa bárbara, certeira e rascante. copio nas costas de um cartão qualquer e te entrego Gumpendorfer Straße 11. fácil de encontrar. traga um charuto pra mim, meio torto. preciso atropelar esta pequena rebelião, esta coisa de cortar cabeças, esta guilhotina que me picota a ponta dos dedos, as pequenas verdades e os desejos. meu corpo não fala mais. apenas reclama. meus pés não aguentam este calor, estas horas elásticas, este excesso de luz. Kunsthistorisches. longe dali, alguém sorri, sentado sozinho no café de turin, olha o mediterrâneo que se confunde com o verde dos olhos. não gosto desta nudez excessiva em que o corpo se mata, se suicida e se vende. meu mundo é feito de curvas ascendentes. cognitivas ascendentes. e eu aqui, o mais perto: café das sete. horrível. horrível. não consigo mais escrever, tenho apenas aquela pergunta: como se suporta o impossível? meus pés suam mais que minhas mãos. isto nunca me aconteceu. queria correr tanto, gritar, gritar, gritar. mas minhas mãos estão ressecadas pelo giz, meus pulmões fracos, minha boca tem uma flor em sangue. não tenho mais voz. é preciso atropelar o caminho pelas calçadas. é preciso desmembrar a vida, numa banheira, gilete e coxas: assinando a obra num filete vermelho. talvez eu só consiga sobreviver com os livros. mas as páginas hoje me vomitam. minha cama esta bagunçada. não houve luta. não acredito no amor. sem deuses, nada invento. nada encontro. in-venio: palavra engraçada. redescobri minha palavra predileta: convescote. todo mundo tem sua palavra que não é só uma palavra, mas um conjunto de sons graciosos e um mais de imagem, pele, sensibilidade que escapa a lógica. adivinha como a escolhi. foi andando assim, a procura de um café, sentando ao meio-fim, procurando trevos-de-quatro-folhas e os encontrando, não fazendo nenhum pedido, o que é uma gentileza com o futuro. não desejar. estendo a mão. quantos quilômetros me separam do palácio noturno de marte? não, eu não vim de vênus. não tenho um coração de veludo verde, veludo não se adequa aos trópicos, não gosto de verde. não sei escrever. não posso ser escritor, se minha vida dependesse disto, de organizar, de dizer... eu nunca tenho nada a dizer, mas sempre tenho coisas a perder... o celular, aquele desenho, um olhar, o ônibus, a hora, um sapato. um bilhete de espera e espreita. eu não aposto, mas sei blefar com as caveiras que riem excessivamente silenciosas com seus olhos vazios. sobrenome: crisis. as palavras cruzadas se perdem, se encontram, tantos quilômetros. você estará sentado tomando seu copo d'água? seu corpo fátuo se perdendo entre almofadas. um pôr-do-sol de maquiagem borradas, no golden tulipe, com as areias do cairo, sem segredos. sem caracteres. apenas a cicatriz cortando o reflexo de esfinge dos olhos negros. não é preciso vencer a crise, mas esperá-la passar, como quem atravessa o seu próprio deserto de pés descalços.

sábado, 8 de outubro de 2011

rasgando o verso


(A EPOPEIA DO AMOR COMEÇA NA CAMA COM OS LENÇOIS
DESARRUMADOS FEITO UM CAMPO DE BATALHA)
é ali que eu começo a nascer para a madrugada & suas
vertigens onde você meu amor se enrosca em
meu coração paranóico de veludo verde & as delícias de continentes
alaranjados dormem em seu rosto de pérolas turvas oh tambores do amor
sem parar rumo as tempestades PLANETÁRIAS & suas
cachoeiras tristes & pesadas como lágrimas
gosto de gostar & a tv da alma amanhece bêbada & tenta
dizer alguma coisa
[Roberto Piva]

***

os travesseiros caídos, o vento frio entrando pela janela deixada aberta. será que foi por ali que você saiu, devagar... sorrateiro? tenho dois ou três romances de estimação. tu me grita de longe. escreve uma ou duas letras. impossível responder. neuroticamente silencioso. leio um: o amigo de meu ex é mais bonito que ele, em algum lugar. tento ignorar o fato. nunca acreditei em beleza. no fundo escuro de um poço envenenado são os meus olhos que eu descubro. como escapar ao poema? como escapar ileso ao poema? eu te apresentei alguns versos, como se ao lê-los eles fossem meus poemas. mas eu não faço poemas. penso no aberto da estrada. a chuva que caia há 15 minutos voltará a cair dentro de 15 minutos. talvez isto seja a vida, uma chuva de 15 em 15, algum calor, alguma febre. hipocondria de sentidos. de longe alguém me diz que pegará um buquê de flores num casamento pra mim. e você some sempre sem se despedir. sem um até logo. não gosto das incertezas, deste suspenso, de estar sendo observado e ter de esperar o cadafalso se abrir, esperar a corda apertar, o pescoço quebrar. mas, meu deus, o pescoço é forte, a corda é fraca e sempre arrebenta. eu tenho algum resto de uma letra ou duas de ti. você tem o que escrevi só pra ti. se é que não jogou fora. saberia reconhecer minha letra perdida entre tantas? os egípcios diziam que quem fosse capaz deste fato, reconhecer a letra, aquilo que uma mão conhecida escreve, seria alguém que conhece a alma da outra pessoa. mas minha letra é monstro e se enrosca, como meus pés procurando o sem fundo horizontal de uma cama. meu pé esbarra em três pesadelos. todos tendem a se ausentar de mim. não sei o que faço. meus melhores e mais longos romances tinham 300 páginas. eu não separo sílabas. rasgo a palavra ao meio. quem poderia ocupar este frio lateral da cama deserta. tenho o rompante de querer ir tomar banho de chuva, mas a minha febre controla minha loucura. não sei pôr a vida em risco. escondi de mim meus barbitúricos. a tv está longe. fechado no quarto e sobre controle. escrivão calculista. contador de caracteres. se eu acreditasse nos signos seria triplamente maldito: escorpião com ascendente em escorpião e lua em escorpião. alguém me explica o que isto significa? não escrevo mais bilhetes. não tenho destinatário para minhas cartas. escrevo como quem abandona as palavras orfãs. nunca mais abri a recherche. proust me deu as costas. talvez devesse voltar a racine, andromaque.... o que acha disto? eu pintei dois quadros, prometi um terceiro. mas toda cena é de um filme roubado. é hora de tomar banho, limpar a pele, esquecer este cheiro de corpo vivo, deste texto que quase perdido (por alguns segundos tudo se apagou). sem ascensão, sem voz na alteridade, ficar nu diante do espelho, dizer que ali está o resquício improvável desta existência, amarrar os lençóis e lançá-los pela janela numa tentativa de fuga. mas você não entende. não sou poe. não explico versos. apenas atravesso a sintaxe como quem aguarda o sinal para atravessar a rua. é, preciso deixar os pensamentos irem com a água quente, o sabonete, os pedaços de mim, ralo abaixo, sem direção... sem saber o que podem encontrar.

roteiro cinemático

(mapa I)

bom, plano de voo feito, agora é arranjar tempo para realizar. a piração da vez: perseguir alguns marcos do cinema... alguns eu já vi, outros coloquei na lista por recomendação.
De acordo com o que for realizando (e se houver inspiração) vou postando aqui. para quem quiser brincar comigo, segue a lista:
chofer de praça - milton amaral;
minha sogra é da polícia - aluízio de carvalho;
acorrentados - st. kramer;
um condenado à morte escapou - r. bresson;
guerra e paz - king vidor;
vidas secas - nelson pereira dos santos;
a leste do congo - miguel grzimek;
balão vermelho - r. lamorisse;
a bela e a fera - jean cocteau;
uma saudade em cada alma - ralph thomas;
matar ou morrer - fred zinneman;
encouraçado de potemkin - sergei eisenstein;
rocco e seus irmãos - luchino visconti;
floradas da serra - luciano salce;
a condessa descalça - josephe l. mankiewicz;
céus sobre pântanos - a. genina;
ritmos da cidade - sucksdorf;
o anjo de pedra - peter glenville;
a sentença - jean valère;
o gabinete do dr. caligari - r. wiene;
a soberba - orson welles;
un carnet de bal - j. duvivier;
depois do vendaval - john ford;
rio sagrado - jean renoir;
e o vento levou - v. fleming;
sangue e areia - r. mamoulian;
janela indiscreta - a. hitchcock;
moulin rouge - john huston;
sinfonia - walt disney;
cantor de jazz - alain crossland;
a rede - emílio fernandez;
ladrões de bicicleta - vittoria de sica;
carrossel de esperança - jacques tati;
sete samurais - akira korosawa;
uma saudade em cada alma - ralph thomas;
farrapo humano - billy wilder;
amores clandestinos - delmer daves;
divórcio à italiana -pietro germi;
a ponte da desilusão - bernard wicki;
ben-hur - willian wyler;
o homem errado - hitchcock;
cinco semanas num balão - irwin allen;
o matador de gigantes - nathan juran;
a guerra dos mundos - byron haskin;
os 10 mandamentos - cecil b. de mille;
terceiro homem - c. reed;
deus necessita dos homens - j. delannoy;
sindicato dos ladrões - e. kazan;
o homem que perdeu a memória - friedrick ermler;
o direito de matar - a. cayatte;
filho inesquecível - a. fabrizzi;
viagem à lua - georges méliès;
roubo do trem - edwin s. porter;
o grande ditador - c. chaplin;
a greve - sergei eisentein;
tempestade sobre a ásia - vsevolod pudovki;
a terra - dovjenco;
marcha nupcial - eric von stroheim;
estranhas coisas de paris - jean renoir;
paixão de joana d'arc - carl dreyer;
zero de conduite - jean vigo;
sementes de violência - r. brooks;
scarface - howard hawks;
adorável vagabundo - frank capra;
o preço de uma vida - edward dmytryck;
lousiana story - robert flaherty;
as vinhas da ira - john ford;
uma rua chamada pecado - elia kasan;
glória feita de sangue - kubrick;
el cid - anthony mann;
sem novidade no front - lewis millestone;
um lugar ao sol - george stevens;
amor, sublime amor - robert wise;
anjos do pecado - robert bresson;
cais de sombra - marcel carné;
somos todos assassinos - andré cayatte;
esta noite é minha - rené clair;
o sol por testemunha - rené clement;
as férias do sr. hulot - jacques tati;
roma, cidade aberta - roberto rosselini;
noites de cabíria - f. fellini;
ídolo caído -carol redd;
lawrance na arábia - david lean;
flor de pedra - ptushko;
quando voam as cegonhas - kalazatov;
alvorada do amor - lubitsch;
morangos silvestres - ingmar bergman;
o último ato - g. w. pabst;
ganga bruta - humberto mauro;
cangaceiro - lima barreto;
sinha moça - ton payne;
rastros na selva - mario civelli;
seara vermelha - alberto d'aversa;
pagador de promessas - anselmo duarte;
barravento - glauber rocha;

Por enquanto é isto... a lista aqui nos meus rascunhos é gigante.
***
Se tiver uma dica de algo que não consta acima, mas que segue a ideia perseguida, deixa aí embaixo....
(L)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

quase diálogo

- há uma pedra no meio do caminho.
- vou ficar mais um pouquinho para ver se eu aprendo alguma coisa nessa parte do caminho (tulipa ruiz).
- "sinal fechado", chico buarque.
- "cosmic love", florence + the machine.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


o eterno silêncio dos bancos solitários em praças abandonadas.

domingo, 2 de outubro de 2011

num mundo possível

e se...
alguém liga à meia-noite. "te arruma, nós vamos sair". o banho para relaxar, limpando a superfície da pele, o interno da angústia. a água tem suas beneces. givenchy saindo do guarda-roupa, c&k, os brincos, o anel... um ponto de maquiagem. nariz, faces. aqui ainda seria eu. para onde ir? o carro chega, um cumprimento rápido, amigo. o bar, quase fanzine. minha bebida teria um nome oportuno, quem sabe salvador dali ou van gogh. melhor não pensar em quais os efeitos. riríamos um pouco, observaríamos o em torno. escopeta armada para a temporada de caça. pagaríamos a conta com cartão. "para onde agora?". fazer yoga. talvez fosse possível. uma pista: dançar, apenas dançar. o lugar, como todos, os degraus, sempre degraus. uma tequila... o martini... uísque... sem tempo para a vodka. como sempre não teria gim. dançaria, olharia em torno. trocaria duas ou três ásperas notas em francês. alguém que se diz falante de francês não falaria nada. sentaria no sofá e antropologicamente mandaria um sms para alguém distante, que talvez se quisesse por perto. meu amigo sairia com um rapaz. "daqui uma hora eu volto". sorriso safado nos lábios. uma hora, coisa rápida, sem ligação, sem emoção, corpo, engrenagem, apenas. sobraríamos eu, o sofá e algum bêbado para analisar. voltaria a pista, talvez tocasse uma das minhas, mas ninguém nunca lembra das spices, hanson... minha galeria pop anos 80-90... ficaria feliz com cindy lauper. o dj péssimo deixaria as batidas engolirem e perderem a música. tudo igual, como todos na pista. variação de marca(s) e modelo(s) apenas. produção em série. eu olharia, veria um potencial, mas não. não é pra mim. não gosto disto. meu amigo voltaria... olharia pra mim. "então, quanto tempo?". "escolhe!". não gosto de açougues. voltaríamos ao carro, um posto, um pouco de fome, qualquer coisa de isopor que vá ao microondas e pese no estômago. digerindo aquelas dignidades. no caminho alguém pediria carona. "sei". nada diríamos. silêncio velado, sem constrangimentos. casa. 5 horas da manhã. eu dormiria tranquilo, relaxado. o álcool faria seu papel.
não obstante eu apenas vi e terminei uma temporada de buffy. não espero nada de um sábado à noite.

sábado, 1 de outubro de 2011

Mês oito.



«Deusa mais antiga do que Júpiter, virtuosa glória de Deuses e de homens,
sem a qual não há paz na Terra, nem nos mares, irmã da Iustitia,
Fides, silenciosa Divindade no coração dos homens e das mulheres.»
Silius Italicus, em «Punica».

***


octobro. mês oito. nenhum exército bate às portas, mas ainda chove amargamente. gosto de coisas menores,do agudo, do soluço, dos olhos que se fecham, mas ainda querem ver o rosto ao lado, entre o dormindo e o acordado. sempre gostei destes detalhes. qual será sua oitava acima? hoje é dia de FIDES, gosto destas delicadezas. sua mão, minha mão, o encontro dos dedos. quando se aperta uma mão, qual a mão que se aperta? qual a mão que toca a outra? nenhuma mão me toca. o silencioso frio que roça o vazio na superfície da pele. condições: flâmines. não sei se gosto de gostar. se houvesse chance, se houvesse tempo, entre a honra e a fidelidade, meus pequenos deuses... três lágrimas silenciosas no chuveiro, disfarçadas no ardor da espu-
ma do shampoo. Fides e Honor... minhas mãos ainda estão atadas com fina seda branca, Horácio, não consigo compor um verso, não sou poeta. sou mão que escreve. Tito Lívio estava certo, a fidelidade deve ser protegida... delicada que é. A fidelidade, dá-se a mão em nome de um juramento, dá um corpo, um pedaço de si, um pedaço afastado e precioso de si, nestas palavras que caem. nada resta. sem medo, talvez seja hora de tirar a luva, descer os degraus, o pé desnudo tocando a terra, a mão desnuda sentido o raio dolorido de sol, perder as delicadezas, expor o corpo, sair das sedas e das páginas, para voltar mais tarde, letra manca, fazendo rodapés. minha mão, Fides, é o que tenho a oferecer.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Feira do Conhecimento



Bom, desde ontem as voltas para a Feira do Conhecimento, para a E.M.E.B. Aline Giovana Schmitt. Realização ocorreu hoje, vamos ao relato de minha participação.  Acho que para além do que proponho no blog é hora de alguns registros também.
Meu tema, aliado com a professora Luciana (de ciências), consistia na inter-relação entre as concepções de "Educação Sexual", porém percebida através de dois primas, a saber, a cultura e a biologia. Neste sentido o contraste mais genérico era a tensão essencial entre 2 sexos (masculino/feminino) e 3 sexualidades (hetero, homo e bi). Se por um lado, o ponto de vista biológico correu para as políticas públicas em temas como gravidez na adolescência,  DSTs, sexo seguro e métodos contraceptivos;  (1) a concepção cultural saía da relação opositiva entre natureza (biologia) e cultura (sociologia, arte, antropologia etc), para encontrar a sociedade e a maneira como as relações humanas são construídas de modo que tudo é atravessado pelo significado. Desta forma se propunham questões como “o que é o belo?”; Depois adentrando a esfera do mito, uma abordagem dos os (2) estereótipos de Vênus e Marte como padrões para o masculino e o feminino,  as relações entre homem e a mulher, o esperado e o inesperado, além da exposição de categorias (possíveis) para o homem e para a mulher, desta forma esperando que surgissem as nuances das questões para “o que é um homem?” e “o que é a mulher?”, expondo as variantes e possibilidades entre masculinidade e feminilidade.
Já o tópico (3) entrava na esfera do desejo para além da reprodução, questionando o que é a cultura, as funções do sexo, as relações de prazer e propunha as indagações como “o que me faz especial?” e “o que é desejar?”, para discutir as relações de afeto (amor, amizade e paixões). Por outro lado já iniciava a experiência de construção conceitual no deslizamento entre  Erotismo > Eros >  Cupido > Amor, Afrodísiaco > Afrodite > Vênus > Amor, o  corpo, a pornografia, o erótico e questão do desejar a masculinidade/feminilidade.
Tópico (4) - Política e ideologia, tencionando discutir machismo, femismo, feminismo, gênero, movimentos sociais (GLBTS, Gay Lib etc) .
Tópico (5) - Corpo e sexualidade: o além do sexo biológico,  homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade.
Tópico (6) – Preconceito e Violência: homofobia, racismo, bullying, opressor/oprimido, “quem tem o poder?”, “quem é o mais forte?”.
Tópico (7) – Os direitos:  Lei Maria da Penha e casamento gay (importantes, por que?).
Tópico (8) – Questões do eu e do outro: o diferente, os muitos seres humanos, o que é ser humano? Como a biologia define? Como a cultura nos apresenta?
Tópico (9) – Contextos Culturais: o homem e o salto-alto (Louis XIV), a maquiagem, a saia e o kilt escocês, mudança de sensibilidade e de códigos culturais.
Tópico (10) – Identidade e corpo: quem sou? O quê sou? O  que vejo de mim?  Definições de si e do outro.
Tópico (11) – Literatura (escritores) e sexualidade: Sigmund Freud e a psicanálise, Simone de Beauvoir e o feminismo, Michel Foucault e História da sexualidade, Geração Beat Americana (sexo, drogas e rock’n roll), Roger Peyrefitte, Willian S. Burroughs, Allen Ginsberg, Christopher Isherwood, John Rechy,  Jack Kerouac, Gore Vidal,Truman Capote, André Gide, Tennessee Williams, Pornôpoesia, Eduardo Kac, Glauco Mattoso, Roberto Piva, Ana Cristina César.Literatura canônica: Guimarães Rosa – Grande Sertão, Veredas e Jorge Amado – Capitães de areia.
Tópico (12) Literatura e música – ( a aluna resolveu abordar Queen e Freddie Mercury especificamente).
Por outro lado, houve ainda a resolução simbólica que visou fazer um tapete com os preconceitos para que  estes fossem pisoteados e literalmente jogados no lixo.
A lembrancinha, por outro lado, visava satisfazer os dois lados, biológico e cultura, era uma camisinha com um pequeno poema que apresentasse de alguma formas as questões abordadas.
No âmbito das competências de língua portuguesa, para além de toda carga cultural, o trabalho visava ações mais específicas, como apresentar as questões de linguagem e expressão (significante/significado), lógica e construção do sentido, formação das narrativas pessoais, leitura de imagens, intertextos, interdisciplinaridade, mitologias, ficções, elaborações biográficas e autobiográficas, narrativas fundadoras, leituras simbólicas, dissertação, habilidades de leituras,contextos culturais, definições, uso lexical (etimologia, verbete), cuidado expressivo, produção escrita, uso social da língua, representações, aspectos extralingüísticos, argumentação, usos derivativos, aspectos sócio-políticos.
No âmbito da organização a sala contava com a série de cartazes elaborados pelos alunos, um pequeno cinema (em que veiculamos filmes de gênero, show musicais,  informativos etc).
Houveram ainda outros cartazes de efeito que visavam ser discutidos e apresentar idéias como:
Eu amo pessoas.

I announce adhesiveness, I say it shall be limitles, unloosen’d I say you shall yet find the friend you were looking for. “Eu anuncio a estreita afeição, declare que ela será ilimitada e sem reservas; Digo que ainda encontrarás o amigo que estavas procurando”
Whitman – So Long!

Go left, go gay, go pick up the gun!
“seja de esquerda, seja entendido, vá pegar uma arma”
Variação do slogan dos panteras.

Meat-meets-meat!
(carne-encontra-carne!)
Allen Young

                                                               Cuidado, seus não-entendidos!            
Lema da Gay Lib.

Ficamos livres dos nossos corpos de modo a podermos continuar habitando-os.
Budismo.

Eu sempre disse que “homossexual” é um simples adjetivo. Não é um substantivo, embora seja sempre empregado como tal. Inverta a história.  O que é um heterossexual? Eu jamais conheci um.
Gore Vidal.

Historicamente gay era uma moça fácil, no século XVII. Diziam: “Ela é gay?” quando queriam perguntar: “Ela dá? É fácil?” E isso eu acho que não descreve precisamente ninguém. É um palavrão, apenas.
Gore Vidal.

Gay originalmente  seria um eufemismo: to feel gay seria sinônimo de to feel amorous; e to turn gay igual a to become a prostitute (desde 1870). Assim, a gay woman era a mulher que levava na immoral or harlot’s life.
Fonte: The Penguin dictionary of historical slang.

“Eu sempre sustentei que esse é o maior sinal de feminilidade no macho, querer ver outros machos jogar jogos”.
Gore Vidal.

Poemas  das lembrancinhas:

Filosofia Kac:
Para curar amor platônico
Só uma trepada homérica
(Eduardo Kac)

Te gozo!…
E bem humanamente, rapazmente.
Mas agora esta insistência de fazer versos sobre ti…
(Mário de Andrade)

Não faz diferença que forma tenham os corpos; o importante é a comunicação.
(Chogyam Trungpa Tulku).

A epopéia do amor começa na cama com os lençóis desarrumados feito um campo de batalha.
(Roberto Piva)

Uma tarde é suficiente para ficar louco 
(Roberto Piva)

O Eros quer o contato, pois tende à união, a supressão dos limites espaciais entre o Eu e o objeto amado.
(Sigmund Freud)

Corre o rio do meu amor
para o insuperável!
Como não encontraria um rio enfim o caminho do mar?
(Friedrich Nietzsche)

Nossas bocas só agora meio despertas fazem passar pássaros em revoada.
Nosso destino é construir palácios sensoriais nas praias obscuramente favoráveis.
(Roberto Piva)

A verdadeira poesia se encontra fora das leis.
(Georges Bataille)

Ninguém ampara  o cavaleiro do mundo delirante
(Murilo Mendes)

O vermelho da tua bocaselou tua entrada em trevas.
(Georg Trakl)

O sol e teu coração são feitos da mesma matéria.
(Pierre Reverdy)

Tu queres ilha: despe-te das coisas.
(Jorge de Lima)

Esta sociedade é uma gaiola para os mamíferos.
(Michael Mcclure)

Contra tudo que não for loucura ou poesia.
(Jorge de Lima)

Reprimindo a criança que existe nele, o homem moderno aniquila os deuses do júbilo em seu coração.
(Roberto Piva)

Há campos para todos. Caminhos não marcados a ninguém.
(Hölderlin)

…pois onde se fala uma língua de luz, nós somos lidos.
(Eric Meunié


REGISTROS FOTOGRÁFICOS
(tiradas obviamente no princípio de tudo quando tudo ainda estava bonitinho e não tinha ninguém pra explicar)
 O corredor

 Entrada.
Note-se a plaquinha que o projeto de trânsito da profa. Maysa me deu. 

 Alguns cartazes.

Mais coisinhas. 

 Então?

 Outro cantinho

 Então, um pouco de "carne"...

Orientação sexual não é orientação geográfica. 

Onde está o eu interior?

Minha equipe inquisidora:
missão fazer perguntas, sobretudo, muito mais que apresentar os trabalhos...
Beirão,  Bruno, Dalva e Gleyson.

E, claro, o Sálvio que fugiu  na hora da foto.

Bom, é isto...
Obrigado garotos!
Vamos ver o que acontece numa próxima.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

eu queria poder ligar uma vez. já o fiz. não gostei. observo de longe, de olhos fechados para não ver. não procuro. não tento. não penso. até sinto. não sei. como deixar a garganta livre para o ar, o ácido amarelado de angústia. é apenas meu. é o que tenho. eu te disse. lacan ainda estava certo. o que tenho para te dar, você não quer. renúncio a possibilidade. a memória registrada em tinta. sem versos. é guardanapo sujo com três palavras não ditas. meu crime. não ter deixado. e apenas isto.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

o corpo dói, deveras,o peso de um não como um livro atirado na cara. eu te olho, de longe, você vem até mim, meio de lado (sempre te imagino na esquiva)e me sussurra aquilo que não posso ouvir. talvez eu já saiba um pouco. desisto do divã. não acredito no apocalipse, mas apenas tenho sono. nenhuma fome. não sei fazer versos. não sei o pra quê da poesia. violoncelo que corta pulsos, não toca a alma. tem muito ruído, não penso direito. a rua não para. hora de uma última carta. aquela que você nunca me disse se recebeu, mas também não faria sentido. não teremos paris, embora possamos ter viena. entre os livros eu descobro o 'não me quer' tão diferente do 'mal me quer'. como é diferente o querer. releio de leve os lusíadas, como quem anda na ponta dos pés, como se as letras cortassem. mas nunca consegui levar à sério o em nome da rosa. não escrevo bem, leio algumas coisas.pensei em publicar em algum jornal, mas qual? quais opções se pode ainda fazer. meu personagem não tem nome ou talento incomum, jamais poderia ser um bom herói ou exemplo. ele acorda,come,lê e dorme. fim de história. escreve timidamente um "hya imām bumim adā, hya avam asmānam adā" que ninguém saberia o que é; o mesmo acontece com os símbolos grafados no ombro esquerdo. mas antes que você me diga que os “fundamentos em que o juiz analisará as questões de fato e de direito” sobreleva-se como parte essencial da decisão esta dorzinha que não se diz, mas que todas as manhãs o desperta, corpo suado, abandonado na cama, febre de dúvidas no mar das incertezas.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Blá-blá-blá

Neste exato momento: malas quase prontas, quarto virado do avesso... algumas conversas dependuradas... @thigtok, @rodolfopreviato, @Lawlypop,
descobrindo os roteiros para Criciúma, ao som de Blondie, Call me. Curso de persa antigo quase terminado... ensaio sobre mitologia da Avesta pronto e revisado.
há sempre está ideia de poder desistir em cima da hora.
viajar sozinho, território desconhecido, para longe da bolha.
não sei se devo mudar a estrutura do meu blog,não sei sobre o que sei escrever... não sei o que valeria a pena... ou quanto pesa.
Lista relevante de importâncias.
Hora de escolher a companhia para viagem.
Rum na bagagem.
François Perrier para conversar.
Notas, algumas. Post-it... melhor não.
Acho que não sei mais escrever. Não como antes.
E isto não impede nem altera a chuva torrencial que desaba lá fora.
Mas eu ainda estou por aqui. Isto não é bom, mas não é ruim.
Duas horas da manhã: se não der sinais de vida depois das 6 da manhã, procurem minha indigência.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

falsete

ouço a canção da índia, de sadko, rimsky-korsakov. um ponto sobre outro. talvez eu tenha tão poucos mistérios. o garoto com o guarda-chuva pingando é quem passa, como todos, não me vê. o café ferve aos olhos. o que fazer para além desta conversa que não existe? eu pensei sobre as horas, sobre aquele futuro. e se o passado luminoso das estrelas realmente disser algo sobre o futuro. sou analfabeto nesta escrita. não sei ler, é o desastre. o des-astro. o que posso te dedicar. o menino 3.0 tira da carteira uma foto, sorri, o canto da boca repuxa, a pálpebra direita treme levemente. é outro garoto. uma carta foi enviada, um convite foi feito. não sei nada de leis, não entendo direto. eu me escondo no nome. no pão com torradas. um mais de dor grita sem ser ouvido. talvez pintasse se tivesse olhos. mas o que eu vejo? tudo excede a isto. eu poderia te dedicar um pequeno florilégio. poemas são flores, sabia? schubert continua. não faço orações antes de dormir, mas coleciono trevos de quatro folhas. joga teus dados mais uma vez? quem sabe eu ganhe um beijo... um sonho a mais...

domingo, 18 de setembro de 2011

um beijo

do que retorna

andar na rua, apenas. só. os braços laterais ao corpo. o que se movimenta ao vento são apenas os cabelos, os pensamentos não podem ser esquecidos. o que pode ter acontecido?
no fundo do baú, o medo ainda.
sobre as mesas as cartas abertas.
nas mangas, coringas.
algum dinheiro no bolso.
talvez esta fosse a história da distância entre eles, se houvesse um eles. um tempo distendido como tabuleiro de xadrez. neste jogo sou apenas um peão, descartável, podendo ser dama até o final do jogo, mas isto não importa, andando estranho, enviesado, sem armas ou nobreza. é como se eu visse como as mãos movimentam as peças e soubesse o que esperar dos dois reis no fim do jogo.
o tempo se tornou uma peça a mais no jogo, as linhas que separam as casas brancas e pretas e que ninguém observa.
quem retorna aqui é apenas um fantasma, um caco de existência que ainda corta e desponta na pele.
Badtime Stories toca no fundo. Talvez seja pra mim. talvez não. ainda leio Nietzsche. corre o rio do meu amor para o insuperável! Como não encontraria um rio enfim o caminho do mar? O alemão não conheceu o Tietê e a lógica de São Paulo.
talvez não devesse pensar assim.
tenho tantos papéis diante de mim e nenhuma vontade de...
talvez a vida seja isto, atravessando, corpo denso, os fantasmas que retornam, mas não podem mais nos tocar.

sábado, 16 de julho de 2011

aviso prévio

começarei a estudar no corpo morto, a língua morta. você me olha de lado. esquece. pendura as chuteiras. aqui: sapatilhas a um canto. verdade doendo como fome. eu queria, mas não posso. releio a odisséia. penélope tinha coragem. você assistindo xuxa entre os livros. não posso mais. procuro as tabuinhas de argila, você tocando o universo numa digital. minha elíptica não cruza com teus satélites. eu te desenho. você me desdenha. não posso mais. tenho aquela dor no dente que pesa como angústia. faço o laço, tranço minhas incertezas. há ética no ornamento, embora não acredites. dizem que sou viciado em palavras. não vejo as palavras, mas aqueles espectros que atravessam. quanto tempo eu te pedi? um túmulo, uma lápide. 30 dias de trabalho nos andaimes que sustentam qualquer possibilidade, mas nunca pra cima, nunca pra frente. estagnado e estranho aos teus olhos escuros. um pequeno reflexo no gelo que resiste na flor do jardim. quatro horas da tarde. o tricô que faço te apaga um pouco. o desenho que faço te esquece ainda. estou sempre a passos de uma pá de terra a mais sobre o cadáver estranho, mas sempre seguro a corda, que me alça, que me iça, do abismo. deslizo. erro, como quem cria um código nos vacilos da ortografia. mas você saberia o que escrevo pra ti? saber ler. tens a chave? a máquina da morte ainda gira sempre um pouco na manivela da sorte. roleta russa. sorteio de milhões. chove. assim, como as palavras e letras que se agarram e lutam, minha mente se segura no corpo, no corpo, no retrato, na moldura torta manchada de vinho. quando um sorriso ainda? dobre a esquina. siga reto. andaremos de ônibus no aberto do espaço. te encontro no aperto do abraço vazio. o cheiro do bolo pronto no forno. qual a realidade? os sinais químicos e difusos pelo cérebro ainda continuam. supro com as pílulas. durmo. queria dormir mais. não sei. anseio. talvez seja hora da moratória. tua moral, minha ética. não acreditaremos nem em Deus, nem na matemática. a poesia como única abordagem possível. preciso de mais. cálculo. graficos. tudo resumindo a repousar o livro na estante, aprisionar a letra na carta, a dor do instante. eu me repito. como os dias se repetem. o que diferencia um domingo de uma segunda-feira? qual o teu limite. não nos importaremos com a gramática nesta nossa língua esquecidade. línguas trocadas num beijo. a dislexia na ponta dos dedos, descobrindo mamilos, braços e coxas. decifra-me ainda. agora. a linha curva do horizonte, teu olhar. aqui, o escuro apagado das mãos vazias e da boca que espera.
a felicidade reduzida a dois comprimidos
de fluxetina.
em assuntos do coração
minha experiência é amadora

dilema

a física diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço...
porém a psicologia diz que dois sujeitos podem ocupar o mesmo corpo...
viver:
apostar num jogo
sem ganhador

I

viver:
uma aposta
de um jogo sem fichas
jogadores sem rostos
em que o vencedor
não participa
e
eu que desisto
e só posso
te dedicar um beijo
complexo
no silêncio
destas obras
completas.

composição

encontro um novo personagem pela rua, amarro-o numa primeira frase, o impacto na fricção desta primeira palavra, dou-lhe o trejeito, sempre fino e de gestos amplos, sempre mais pensamento que corpo, um corpo que pensa como pensamento que é corpo. depois do primeiro nó, a página... o esboço, as primeiras cores, aqueles amores, mas quase nunca eles amam. se desesperam. não seguro. primeiro parágrafo atravessando a rua. redefino, até não reconhecer o separado da primeira palavra à sombra descolada no reflexo. sua historia: tomo pela mão, a corda no pescoço, o evento. há que se ter um bom evento. ali quando a matemática falha. ipsis litteris. tudo tem acendo, tudo dobrado, tudo se agarrando nestes segundos erros. depois lhe encontro tom e timbre. ressoando na madeira com o infortúnio do relógio, mas é preciso perde-lhe, tirar dos olhos a venda, fazê-lo andar, que ele seja para além das minhas primeiras vontades. e brigo com ele. e tenho vontade de matá-lo. e assim é história o personagem me escapa, enquanto tento persegui-lo para prendê-lo numa gaveta, num volume pesado de mil páginas. mas ele é mau. eu, cruel. assim, ambos nos prendemos. ele ganha um nome, eu perco o meu. no desencontro o repugnante do impossível. duplo. contraste. passagem massageada por um tambor de 38 lançado ao ar. quantas balas? quem morre? sem definição a prova: revisão. vígulas, gramática... que nada tem de gramática na vida. sem frase. a vida só basta até este ponto.
com o lápis negro traça o destino dos olhos, oblíquo a verdade: nem cigana, nem dissimulada. mulher aberta, sincera... a mais sincera e sem segredos. tira a aliança da mão esquerda, passa-a para a mão direita. onde muitos veriam crime, há a opção. onde muitos vem escolha, antevê a causa... espera o efeito. os lábios vermelhos como um assassinato. os espelho quebrado em fúria, mas os 7 anos de azar vem pela garrafa de bom vinho, raro aroma, lançado ao lixo, regando o resto de comida jamais tocada. o atraso. a cena. a cortina se fecha. notas na calcinha. quanto vale um corpo? quanto pesa o desejo?
3 da manhã, a ponta dos dedos desliza sobre a cocha branca, desperta. primeiro a ponta do pé toca o chão, seguida pelo calcanhar. passo de gradiva. o sonho desperto é como pompéia acordando no inundar das chamas. nero ainda toca violino na janela ao lado. o que ainda posso te pedir? eu ainda te estresso. o que ainda teremos em comum? as coxas nuas, o dorso aberto, coração (como o de antigas imagens da catedral que frenquentava) está exposto. qual o perigo real?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Quem somos na escuridão

(Em diálogo com Pão com presunto e suco de abacaxi, de Rodolfo Previato).

“Para o outro, distante”.

O velho solar minava os passos e a sanidade. Há muito tempo ele já não saia de casa. Um bairro novo se erguera em torno do velho casarão. Prédios, primeiramente cinco ou seis andares, depois dez ou quinze e logo já não podia mais contar. Havia o labirinto, a catarata, a miopia e vertigem. A poeira se acumulando com o ranger das portas e dos ossos. Ele sabia, ele soubera, tanto quanto pode suportar. Quando os prédios o prenderam, recolheu-se.

Todas as manhãs (se é que poderia saber das manhãs, já que a insônia e as cortinas cerradas lhe impediam as horas) descia as escadas de mogno vermelho e carvalho branco, habilmente talhadas, envolto em seu robe de chambre, seda chinesa, azul turquesa. Ignorava os jornais, o telefone jamais tocara novamente. Com as mãos rijas erguia a mesma delicada chávena e levava aos lábios já enrugados. O doce do chá entornado numa dúvida amarga. Um tempo regido entre o descer das escadas, o chá da manhã, quase britânico, às cinco da tarde e o ronco ritmado da máquina-de-escrever que ainda se mantinha, fiel escudeira, sobrevivente.

Todas as noites, noites dele, uma moça entrava na casa, manhãs dela, deixava-lhe mais papéis ao lado da máquina, recolhia os escritos do dia anterior, uma nota sobre a escrivaninha, uma assinatura arrojada para quem usava um vestido novo e de péssima qualidade, bem como sapatos sempre arranhados.

Nos prédios em torno nada se perguntava sobre a estranha rotina daquela jovem que entrava e saia do velho casarão, mas muito se especulava sobre quando ela venderia, cedendo assim aos impulsos imobiliários, e quanto valeria o terreno. Pouco se suspeitava sobre esta existência insistente.

Meio-dia, não sabendo bem o porquê, ele desceu antes do devido e encontrou-a sentada em sua poltrona predileta, a dele, o pé direito insistente fazendo vezes de ponteiro de segundos, o salto arranhando o chão da saleta, as unhas roídas. “Senhor, não sabia o que fazer”, disse-lhe apontando um envelope sobre a mesa. “Sim, senhorita…”. Talvez não soubessem um o nome do outro, ela sempre pronunciara errado o nome dele, e ele não sabia bem o porquê dela tê-lo esperado acordar apenas por conta de um envelope que ela poderia ter simplesmente deixado lá, mantendo a ordem e a simetria.

Ele pegou o abridor de cartas da gaveta, num movimento firme para suas mãos trêmulas, não do nervoso, não sabia o que era isto, mas da idade. Folha simples, papel não timbrado, sem selo ou sigilo, assinatura mecânica, um suspiro irrompeu como única expressão possível.

“Aguarde-me, por favor, preciso ainda de um préstimo seu”, dirigiu-se a ela.

Ele andou até a biblioteca, alisou a máquina de escrever, “não…”, dirigiu-se até a estante, sacou de lá Mrs. Dalloway, a Londres de Virginia Woolf, abriu, colocou o envelope lá, retirando uma velha fotografia em preto e branco com dois rapazes em traje de campo. Parecia que os lábios tinham se crispado em um sorriso, talvez não. A memória podia trazer golpes em suas falhas. “Te voglio tanto bene…”, parecia ouvir ainda. “Laissez-faire”, murmurou, “laissez-faire”.

Pousou o livro sobre a escrivaninha, abriu uma das gavetas, retirou de lá um papel amarelecido, guardado, papel firme, timbrado com três pequenos miosótis de um azul déspota e desbotado, deste que não se dobra ao peso da letra, retirou sua pena e escreveu em rabiscos largos, mais desenho do que palavra, o negro da tinta sob o pálido do papel. Dobrou em três, revirando a aba com o destinatário para o lado de fora. Talvez ainda fosse possível escrever algo. Enquanto escrevia lançava olhares sobre a fotografia. “Io vidi li occhi, dove Amor si mise quando mi fece di sè pauroso”.

O que se passara realmente, entre Paris e Milano, entre dois territórios estranhos, ele capturara no silêncio daquela casa, na caixa de chapéus embaixo da cama, onde guardara os postais, as cartas, os diários… os esboços daquele rosto. Lembrava o painel que inventara e queimara na fatídica noite em que ambos se calaram. “…Geschichte…”. Quem desistiu primeiro?

A garota na sala, o senhor na biblioteca, ambos sabiam que havia um terceiro ausente que era presente demais, enchia a casa, que a obrigava a permanecer ali e ele a escrever. Ele sempre escrevia. Escrevia como o judeu errante vagava pelos desertos, para preencher os mapas, para mapear as idéias. Errava na sintaxe agora e tinha sede de outras palavras – água de deserto.

Escrevera demais, bem o sabia. Não tinha tempo. Ele decidira que ela mesma iria entregar a carta. Amassou o papel e o lançou à lareira apagada. Um estranho djinn ressurgia ali, incendiando a escuridão. Era preciso… a arritmia do seu peito era um interlocutor infame: não se podia esperar mais.

Síntese sempre havia sido o problema dele, esperava demais, sabia que algo se perdia ali, na carta enviada, entre excessos e vazios. Como dizer? Como saber-se entendido? Sacou outro papel, numa letra agitada, os rococós se abriam tocando os miosótis: “Da única maneira que eu poderia dizer isto: Szeretlek. Sublinhou a palavra estrangeira. Só os dois saberiam. Ou esperava que o outro lembrasse o sentido fragmentado. Era mais que um jogo às escuras, mas vidas nas sombras.

Voltou à sala, estendeu a ela o papel, dobrado com o mesmo requinte anterior, o livro, a fotografia e uma pequena caixinha que tirara no último momento da gaveta. Pálido, dirigiu-se a ela: “Clarissa, tens teu nome por conta disto”, apontou-lhe o livro, “a história é minha, o livro é seu, a escolha de teu nome é dele…”. Era a primeira vez que ela o via sorrir. Era a segunda vez que ele sentia que sorria num curto espaço de tempo. “Entregue a ele isto…”, deu-lhe a página dobrada, “e isto… “, entregou-lhe a caixinha, “diga-lhe que é a única maneira de dizer-lhe isto e que espero que ele entenda… é a última página para o caderno verde…”. Ela aquiesceu.

Levantou-se, recolheu o que deveria levar, deixou os papéis brancos novos ao lado da mesa de chá. Desejou-lhe um bom resto de dia e disse-lhe que voltaria na manhã seguinte. Saiu trancando a porta da frente com a chave que sacou do próprio, não se esquecendo de dar três voltas até ouvir o clique característico.

Ela não entendia o que acontecera, talvez ninguém além dos dois pudessem entender. Era como se eles estivessem jogando uma última partida de xadrez naquele momento, em que apostavam talvez o resto de sanidade ou de vida. Ela não sabia que poderia haver algo mais, escondido naquelas palavras estranhas que ela não entendia. Seu pai, a quem levava os pertences, a obrigara as finanças. Virginia Wolf lhe era apenas o personagem que dera um Oscar a Nicole Kidman. Agora aquela palavra estranha, como deveria pronunciá-la? “ ezêrétlêqui, arriscou, zêretléq”. Curiosa, abriu a caixinha, uma espécie de aliança que trazia gravada em seu interior “220”. De números ela entendia, mas aquilo não lhe fazia sentido. Enquanto tropeçava em pensamentos entrou, no metrô. Talvez o pai lhe explicasse algo, talvez não.

No casarão, o outro, acabava seu chá. Subiu os degraus. Já no quarto pegou a um canto um grande vinil e pôs a tocar na também velha vitrolinha. O outro lhe dera aquilo. Antes de deitar-se retirou da cabeça, ao lado da Recherche de Proust, um pequeno anel, observou-o: “284…”, repetiu em voz alta.

No escuro então, respiração pesada, tinha sono pela primeira vez, sem precisar ceder aos remédios. Os pensamentos ainda cavalgavam velozes. “220… 284… um amuleto feito em números… 17.296 e 18.416… Fermat… 9.363.584 e 9.437.057… Descartes… 1.184 e 1.210…. Paganini… ….”. Ele também gostava de matemática. “Isto é o que somos na escuridão…”.

Deixe estar. “…Aufheben”. Talvez o outro lembrasse ao menos o outro nome dos miosótis.

“A dúvida é sempre o que mais dói”.

Em torno disto, os prédios ignoraram todos os detalhes, até mesmo o topo do Edifício Copan.

Num trem noturno para Paris alguém folheava The metal and the flower, de P. K. Page.