segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

notas



preciso retornar para mais fotografias. esta fotografia é minha. na página que te ofereço não te li. aqui, oculto em algum canto eu compus aquela melodia dodecafônica pra ti. simples até. os estralos rompendo na pista. mas eu ainda não te conhecia. ou talvez já. ou talvez nem soubesse. mas eu carregava meus versos e meus fantasmas. meu cortejo em que se sentavam à mesa mário de andrade, piva, rimbaud... e tantos nomes no vazio do nome, no sem rosto da página. eu não tenho sono. não ainda. talvez precise um pouco. talvez eu insista em falar contigo de novo. mas você nem sabe disto aqui. deste outro. eu te disse que te escreveria, mas nem tenho seu endereço. daqui, eu apenas posso ver um lugar. tua cidade próxima, sem luzes, sem pousos, talvez com algum segredo. suspendo a literatura. sem arte, danço e me equilibro num meio-fio. qual a velocidade média do carro que não-vem? um táxi, o metrô. quantos minutos são necessários para te achar em meio à multidão. você lê e pensa que isto é pra ti, mas não é. é para o outro lado, pelo não-lido. entrega as veias. eu ainda preciso desenhar uma curva perigosa que a lente da objetiva não capture.
vuoi sapere di piú?
un pochetino
per esempio
prego, parle um puó di piú!
há a pequena série de coisas que apenas acontece, como se, num gesto de puro automatismo, olhasses para o relógio e não fosse capaz de reconhecer as horas. você fala comigo. diz do teu impossível. o que eu posso descobrir neste quebra-cabeça? ouço tua voz na minha cabeça. o que diz desta química posta em cinzas. talvez seja necessário insistir no não, no não ainda. eu preciso abrir minha cartografia, descobrir o meu espaço. quem sabe eu possa dar aulas em frente a tua casa. quem sabe? eu ainda tenho que escrever meu texto pra ti. talvez eu comece um retrato. recortando na tua voz o escondido do teu olhar. você me apareceu como som antes da letra. um corpo que se põe à escuta. eu poderia entrar no teu labirinto, caso você me permita, ler nas linhas do teu corpo um possível destino (daqueles que sempre podemos escolher).

domingo, 27 de fevereiro de 2011

(para Jr.)

te li, revisei, pus as vírgulas no devido lugar. refiz este texto, cortando as vozes, ampliando as figuras. sem divãs, lenços, uísques. apenas à espera. o diálogo do acaso, tomado pelo contratempo, num contrafluxo de horas. os grandes silêncios estarrecedores na beira do abismo. as janelas se abrem: quem respira ainda? quem precisa correr? é você quem sempre está em algum lugar, correndo, relógio em punho. na fúria de não ser, não querer e não estar. mas ainda assim, sem tempo para os jardins, para o céu azul, para a rua aberta entre estranhos e estrangeiros cujo nome nunca lembraremos. não nos damos as mãos. nossas palavras é que se conhecem, como a voz, como o ruído no fundo cênico de um bar. o que é que sempre resta? amanhã, talvez, mais um texto, mais uma pequena discussão sobre o caráter fugidio do tempo. sem ser ou estar. apenas a intuição do último instante, como fotografias abertas. não toque a testa, não... não... sem mais não. não pensaremos até o limite do pensamento, mas tentamos. é isto que temos. o que ainda pensas?

sábado, 26 de fevereiro de 2011

la dolce vita


(ao som de “confesso” – bethânia)

no entorno da sé foi onde te perdi. tenho a fotografia datada. no verso talvez coubesse escrever teu nome. mas tu foi sumindo devagarzinho, virando as páginas, calçando os saltos, se afastando. se olhar direito talvez eu te encontre pendurado em alguma janela. tu não sabes do que eu sei. de chico, pernas cruzadas, cigarro ausente, sempre retirado de tuas mãos. (what would the community think). eu é quem talvez tenha abolido, no medo aberto, nossa vacanza romane em que tu bancarias gregory peck de lambreta e viria pegar para a fuga sempre aos finais da tarde. mas não tenho culpa, minha vida não tem um roteiro de wyler, por mais que as pérolas, os chapéus, as luvas... se acumulem no guarda-roupa e a mala quase nunca feche. você ainda é capaz de pronunciar meu nome?
(Para Yako)

tu ficas sempre ai, na falta de companhia para viajar, me dizes enquanto me retratas de moreno sedutor, idéia que não compro, mas também não vendo. talvez eu seja um gnomo de jardim orelhudo. ja te disse do segredo da dança, mas não arriscas o primeiro passo,sr. dançarino bêbado ainda que sóbrio. teresina é quente demais para meus pecados. tu que tens o corpo em traço de minha bailarina.(enviada por força de letra). quando fizer 10 graus em teus domínios talvez mais que um desejo singelo teu se realize. acredite nas estrelas não caem e no vazio das fugas medievais. suspendendo o cigarro e a cena:o drink, a lua e a voz candente sempre a falar desta imagem que nunca escapa, embora tente.

Sem saltos

(Para Talita)

Tesouras que não cortam mais nada poderiam ser encontradas nesta cena envoltas em lenços de cetim. Não obstante, renunciamos. Não desistimos. Tu daqui, dali. Dizendo, sustentando nos socos a força de minhas pontas. Luvas e sapatilhas: um mundo ao espelho. Tu me viste pela primeira vez antes que eu te visse. Encontrei-te no fundo dos teus olhos… para te achar depois imagem pelo fundo vago do meu copo vazio. Talvez eu pudesse beber da tua sede. Talvez pudesse insistir nestas vagas incertezas que nossas mentes se tocam e fazem faísca. Mas neste talvez eu não encontraria teu abraço de braços fortes. O corpo. Nós não fugimos um ao outro, abandonamo-nos à vida, ao aberto das portas, das entradas e saídas. Quem sabe em que bar nos sentaremos amanhã?

Duelo


(para André)

Poderia te roubar um verso de Racine e o faço: “Exercité d’un désir curieux”. Tomaríamos talvez, quem sabe em que tempo ou praça, um café para ferimentos superficiais, tocando o tecido não-tecido da mesa. Eu deixo minha luva e um livro. Te convido ao desafio. Ao delírio. Trago enganchado no salto vermelho-sangue dois deuses antigos já superados. Quando vais parar de contar as estrelas e perceber que elas não regem o destino. Talvez os deuses pudessem jogar os dados, mas se existissem. Estamos abandonados numa cúpula em que as estrelas são apenas fotografia do passado. O mínimo de poesia esta assim em queda. Em que acreditas. A carícia de uma luva poderá ser tão verdadeira quanto a de uma mão? Sua clínica de flores em cores talvez não faça matemática, talvez eu veja o numero atrás da letra, os valores e incisões, mas quem de nós poderá enfrentar o rosto no espelho? Quem se abandona a si, ao nu da vida, é porque tem medo ou porque, diante do limite do abismo apenas saltar tenha sentido. Sempre se pode ter a perigosa poesia dos cabelos ao vento.

Ev.


happy burning
through the nights
segue sem ser luís
acima de 14
no topo dos 21

maquillage como pintura barroca
só tu podes tocar meus cílios
falsos
só tu podes roubar minhas pérolas
bregas
só tu podes carregar minhas taças
de vidro

porque a gente sabe que
il faut être absolutement moderne.

______
frança. 24/08/09

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

de um diálogo acerca do paraíso

bem à Caio F.

ele tem quinze anos agora, nascia quando tu te perdias, nos caminhos, nos amores, na imensidão infinita do sem horizonte. enquanto mergulhavamos num poço e não sabiamos como nos cruzaríamos. eu tinha apenas nove anos, te encontrava em livros infantis, perverso poliformo fantasiando meu desejo em pequenas páginas. eu te lia, mas mal sabia do teu desejo. ouvia "head over feet" ou "ironic", com alanis dizendo dos pulsos... e você tão perto de mim, batendo no frio, no calejado do corpo, escrevia um suspiro de fim-final. sem dramas, mas também sem damas. nem sabia ainda da dor do abandono, enquanto corria para o ballet, para a escola, para o rosa da vida. eu nem te via que estava te perdendo. acreditava ainda que as pessoas que escreviam eram grandes e que toda escrita, por mais sofrida e dolorida que fosse, era ainda bonita. mas já ali estava o medo, de cada vez mais, não estar onde deveria. talvez esta seja a frustração. mas e cresci já sem ti, sabendo seu nome, codionome, do teu corpo noutro corpo de papel. aprendi um pouco de zodíaco e de revolução, mas a minha era tão limpa, tão sem sexo, tão sem drogas, com muito pouco rock'n roll. mas ir a ópera talvez seja tão transgressor quanto manter regras nos dias em que elas estão suspensas. talvez, meu sonho de hoje, em que acordava com os labios fendidos e olhos rasgados, mas não sangrava, digam de alguma composição tua. talvez devesse fazer cinema nestas viradas cênicas em que todo abraço fica supenso e toda boca aberta à espera de um beijo nunca encontra outra boca para completá-la. mas tu sabes que eu não fumo... que eu não amo.... que eu não sei nada. que eu leio, insisto, colo post-its. invento esta maneira de me perder e te encontro sempre, me acenando em alguma esquina, sorrindo malévolo como quem sabe que já perdeu a alma pra um antigo garoto, numa outra página qualquer.

e é noite... há 66 anos

(aceitarás o amor como eu o encaro?)

e é noite, e tudo é noite, mário de andrade, como tua noite, sessenta e seis anos atrás, ou mais, ou ainda... bandeira me disse que você não morreu, apenas está sem publicar livros. quem sabe? talvez eu pudesse descer aos infernos contigo ainda, descobrindo nas curvas de são paulo as chaves para um novo e mais bem acabado pecado. mas eu falho. e sempre caio na esquina. o assalto é o que me leva e não diz da minha salvação. eu não gosto da catedral da sé. também eu poderei atravessar meus 56 anos. mário, nós dois sabemos que o coração sempre falha e mais depressa do que deveria. talvez seja vício deste tempo incerto. eu tenho o espelho para me confortar: a maquiagem para disfarçar a sombra pesada de bílis dos olhos. como verônica talvez na minha passagem pela rua aurora eu tenha andando com teus pés, calçado teus chinelos, dado os passos largos e rápidos de um minueto sem cor. na lopes chaves, agora, sua cabeça, sua casa, tem vezes de máscara e recita peças que talvez não devessemos ver, talvez não diga nunca do que tu esperarias. mas é são paulo quem insiste, a cidade que grita, a avenida paulista cortando o corpo amontoado como uma veia aberta que jorra, não sangue, mas o fluxo contínuo e insistente de um tempo que insiste em varrer e atropelar aqueles que a cruzam. no pátio do velho colégio não consegui ouvir, em meio ao ruído dos ambulantes, dos que passam, dos gritos, do burburinho, das buzinas, das pessoas, o teu coração. ou talvez este seja teu coração: batimento de cidade viva, de cidade, de relógio pontual e adiantado para quem já acorda sempre atrasado. eu pulei no seu túmulo e tu te fez fantasma. eu escrevo sobre ti, talvez o peso mais importante de uma letra que já escrevi e só me resta perguntar: Mário, para onde me levas? a culpa será tua? quem começou toda esta majestade falsa? não nos perguntamos em vão, talvez não inventamos as angústias vãs da cidade mais-que-moderna que como monstro mítico nos devora corpo, alma e pensamento, reduzindo tudo a isto: relógio eterno a girar, lugar em que os sinos nunca badalam e que a música nunca alcança. quem lembrará ainda de teu rosto amanhã? o que sobrevive ainda de teu verso? eu nem tenho direito mais de ser melancólico e frágil, nem de me estrelar nas volúpias inúteis da lágrima! eu sou tão racional que reduzo e me retiro da cena sempre. nem penso. nem tento. talvez. todos estamos em busca apenas de um sabor, de um olhar, uma certeza... e este grande medo de abraçar os inimigos... o problema talvez seja não mais o de escutar, mas o de ler, mário... quem ainda consegue sobreviver soterrado numa biblioteca cutucando a onça da loucura com vara curta? e eu já te fiz minha homenagem de olhos semi-abertos, racionais, no cemitério da consolação. (...eu já amei sozinho comigo...). que tenho eu que nem mesmo de são paulo sou pra te oferecer desta minha ilha distante se não refazer em pensamento, em verso, em linhas, sob o arco admirável da ponte das bandeiras tua aventura em letra, desfalecendo, corpo em queda, dissoluto e fraco, mais que uma lágrima apenas, uma lembrança atravessada pela teu sentido posto em verso, um verso apenas, para seguir, barco bêbado na alga escusa das águas do teu tietê.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

24 de fevereiro

Formação do novo gabinete, uma brincadeira sórdida. Tardieu tomou o lugar de Laval, que, aliás, continua como os outros cabeças da reação. E, inocentemente, eu acreditava que a França tinha vergonha na cara!
Carta de Schaeffer, de Duala. Ele nos envia alguns números de Lu, a nova revista semanal que foi lançada após a nossa partida. Alguém me conta que Aragon foi indiciado por incitação de militares à desobediência e provocação por assassinato, por um poema intitulado Front rouge. Que safadeza!
Há alguns dias, regularmente, chuva torrencial à noite. O inverno já terminou? Mas quase sempre faz frio: é uma coisa. Lado pantufas e lareira que nos apanha durante a viagem.

________
Michel Leiris - L'Afrique Fantome.

da série poemas esparsos

andando pela rede, descobri isto que faço post de hoje. meio que na base da coisa, tentei achar o link de home e mimimi, não consegui, portanto não sei fazer a devida referência. para tanto basta clicar AQUI e depois me dizer o que acha.

beijinhos.


ev.


ps. não me pergunte o que estou fazendo em um espaço de "consciência negra".

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

nervo vago

estas liberado ao teu acaso. tira da bainha esta espada sem direção e sem fio. corta lendo, afundando a lâmina na jugular e sucessivamente corta a artéria. toca minha clávicula, mas não tens chave alguma. sem acessórios. que se olha aqui? toca o septo como que insistindo por mais ar. como quem usa as mão em concha para tomar agua. o sino toca. é minha hora. descer as escadas, você não estará lá, mas eu nem mesmo te esperava.
sou um poeta pobre e simples
só capaz deste singelo versinho
que nem rima tem.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um quadro

Último texto de agora, do dia, quem sabe? cansei de capitalizar carinho. Eu estou aqui, esperando sempre, quem vem? Ninguém nunca vem. O ballet assombra. A maquiagem assusta. O francês, o mestrado… e isto diz tão de mim, mas esquece e me aterra. Atropelo os sentidos. Você não sabe minha história. Isto não é um divã. Se chama amizade. Os inseto aqui insistem em me picar. Meu corpo coça. Coça muito. Quanto mais dúvidas, mais coceiras. é assim que eu preciso fugir. Assim que eu nunca me esqueço. Talvez não seja bom ir pra vida.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Teleutai

Não falaremos de amor, não nesta crença posta em vírgulas, mas façamos morrer. Dizer de dor como um cantor sertanejo não é uma certeza ou opção. É preciso transpor a cortina de fogo. Eranos Jahrbuch. Não brinque de 1 coríntios. 15, 31. É tu que não entende. É somente um anel de cabelos da Medusa que quando apresentado a um exército atacante, basta para pô-lo em retirada. É preciso cremar o corpo para subjugá-lo. Talvez eu deva beber do vinho do teu crânio, ignorando este daimon, esta voz interna misteriosa. Não, não sou socrático. Pois bem, deuses, fazei a experiência e sabereis, todos vós! Fecha apenas tuas armas de amor, estes cílios sérios em que apenas o opaco da vida reside.

contra codicilo

o ventilador gira: 180 graus de pura incerteza. o que sopra, apenas sopra. é manhã. sem resoluções. não posso te escrever ainda. não te liguei. posso dar bom dia ainda. o prédio que vejo além da janela esta na minha ilha, em são paulo, rio de janeiro, brasília, curitiba. que língua é esta que insiste e me faz ainda estar aqui não-dormindo e escrevendo? não tenho direito às perguntas que não posso responder. brincando de monge budista que gosta de viciado em poquêr, mas sem porquês, a isto eu posso chamar de destino. eu sei que preciso dormir, mas não consigo. bate a vergonha disto que se escreve. a vontade do não ainda, mas a decisão nunca vem, fica o texto se escrevendo, a dor, o canto do olho lentamente se costurando, costurando a alma ao sono, o sono à falta de sonho, o sonho ao seu próprio vazio. não gosto de jogar dados. prefiro o lance de dardos. um alvo fresco e rente. um naco de pele. é assim que eu desisto. é assim que eu ainda te digo. talvez bom dia. talvez, venha tomar café comigo. não sei dizer do teu rosto: quem é você que me atropela na minha própria vida? eu brinco entre línguas, mas não falo a língua dos anjos ou dos perversos. não escolho minha vida, escolho viver. respiro ainda. sem males ou benefícios. respiro. o relógio nunca tenta voltar atrás, como o meio-giro do ventilador. eu tenho aquele medo de voltar para casa, na falta do meu jardim, de me prender no quarto, de me esquecer nas páginas de algum livro. eu desci já as escadas do inferno e brinquei no playground de lúcifer, mas foi escondido, ninguém soube, nunca contei. isto nem mesmo esta sendo escrito e tem o sentido que você pensa. pois bem... é assim que eu sempre me perco e tento ainda dizer eu. talvez um dia eu seja capaz de te satisfazer com pornografia barata, ou impor à cena: dois meninos transando, descobrindo um o corpo do outro no banco de trás de um automóvel (eu nunca sei dizer das marcas, nem dirijo). o que seria isto? diz do teu desejo... o que você ainda espera aqui. você esta atrasado. teu tempo se acumulou no canto da porta, veja a poeira, o retrato do menino sentado. é fome talvez. é tempo. é tédio. sem aceitação ou conformismo. acho que o tricô esta pronto. mais uma máscara nova para ser usada. mais uma palavra gasta, mas cujo brilho não exibe arranhão. tu ainda não sabes que eu não sei disto que você espera ansiosamente de mim. mas nunca te cruzei. há a imagem fugidia, a passante na rua, a passante nua na lua, aquele brilho de liga, o dente que sangra. é isto. é assim. tão literatura. tão corpo despencando escada abaixo, rolando rolando rolando, mas não morto. eu tento te matar, mas você nunca morre.
para Lara

no fundo dos olhos a vontade do café, na ponta dos pés um segredo. quem caminha assim sempre tem livros demais na bolsa? o que te faz parar pra pensar? olha lentamente as horas. não espera. mas também não corre. esta ali, pronta em cores, no vento, dizendo leve, cantando baixo, a letra de um samba velho que não entendo a letra. talvez eu não conheça, talvez seja tua própria canção. no decote, algumas cartas, às (é para sempre ganhar), na ponta dos dedos uma cor roubada. na mão aberta a linha do destino apagado, esquecido como livro roubado. para onde você vai? onde te escondes no limite da noite quando te retiras do espaço... quando foges de ser mais uma estrela?
para Felipe, o Sapori

não, não nos encontramos na praça da liberdade. passamos as estações, não perdemos o trem. o relógio atrasa, ricoxeteia nas horas. talvez, poderia pedir alguma benção para mim na praça israel pinheiro, diante da luz, do horizonte aberto, deste corpo recortado na silhueta da cidade. mas não acredito em deus. tu não me deu meu mapa. tu não dissestes onde, em que encruzilhada estarias. mas te sei à espera, terremoto lento e desprentensioso, sorrindo no latente da boca, sabendo mais do que apontar o dedo, guiar um amigo.
para Gil.

quem disputa o divã: tu faz teu sacrifício aos velhos deuses e corre e corre. controlo o tempo usando uma calculadora mágica. você insiste em querer despertar minha fera. minha filosofia não te controla. nem quer isto. é apenas a fricção do sentido. ali onde as palavras fazem faísca e tu dizes que não te escuto. que tentas romper minha lógica. ali que te prendo ainda mais uma vez na tua própria volta. talvez, uma manhã, seja mais do que um silêncio. talvez o abraço distante não seja apenas um frio sorriso.
para George.

centrando sobre os livros, que se abrem, como se escreve, você lembra a página ainda.
mais do que a aventura. a escrita tem mais de dez dedos. é a fala que se prende ali no dente.
no teu rosto que faz curva e reflexo no corpo. abre, devagar os braços, correndo na noite. o corpo escrevendo em copos a ficção que torce as imagens. na lápide futura, não que mais ainda, não o silêncio, mas o estrondo da risada que sempre irrompe do meio da letra. é para outras páginas que estamos aqui.
Ho deciso di scrivere una poesia
ma la mia lingua attorcigliata
durante la escritura
mentre stavo mangiando qualcosa
e perso nella confusione
Ho lasciato il fiore-di-versi
su alcune scale
attendere
sulla strada deserta
anche
solo da un cielo
senza stelle
waiting
alone in the shower
for water
fall
attendre
bien que "oui"

attendre
même si "de rien"
esperar
ainda que pelo sim

esperar
mesmo que pelo não

domingo, 20 de fevereiro de 2011

atrasando o relógio

(agora) poderia ser cinco horas da manhã, mas não ainda. saio do banho, costas úmidas, coxas molhadas, o desejo escoando devagar pelo ralo. no corredor, não do apartamento, mas do lado de fora, uma porta abre. algum vizinho fugindo pela madrugada. aqui apenas, meia luz, papéis caídos. o que eu esqueci dentro do livro era uma carta ou uma lista de compras? leio em llansol algo sobre saber esperar alguém. flaubert me ensinou que a educação sentimental pode te fazer perder o trem. se ele ainda continuar a dormir quando eu retornar ao quarto, isto nada mais é que uma linha roubada, o corpo, a respiração, o sonho entre os lençóis surrados e suados, regendo alguma constelação. o oscilar curvo e quente dizendo da presença. no banho, eu era a ausência líquida de mim. os passos que descem a escada que leva para lugar nenhum. há dois anos eu escrevo. há dois anos te escrevo. há dois anos algo sempre me escapa. os músculos tesos dizendo que é preciso retornar o ponteiro. não sei dizer o que certa física mística diria disto. eu alongo o sentido pra não dizer do sentimento, mas pra dizer do corpo. o teu corpo bêbado diante do meu. teu corpo suado que dança e dança e dança, mas não faz ponta, não se apronta e não se apruma. nem mesmo me vê. preciso fazer um curso de silêncio. as palavras são arame farpado em que sempre deixo um naco de carne sangrando, mas que os abutres nunca comem... os próprios corvos, como os mortos, nunca retornam. é possível dar um beijo de boa noite em teu corpo adormecido? eu não sei sorrir pelo ângulo da malícia, nem mesmo chorar por uma angústia de melancolia esquecida. um pianista afinando suas cordas. é sempre possível atrasar um beijo. é mais possível ainda adiantar o esquecimento. a escada em caracol, os mundos paralelos... e se ele fosse eu? se fosse ainda eu? mas um reflexo diferente no bico do salto alto diz da mão que me é oferecida. uma amiga. costuramos os olhares. na dúvida. eu não sei tirar fotografias. eu só tenho isto e algumas moedas. escrevo, gole-a-gole, copo-a-copo... até acabar com a garrafa. eu ainda não toquei no ponteiro grande. meu tempo esta suspenso. já te disse que não poderemos ir para sírius... ela não é uma estrela solitária. há uma magnitude aparente em escrever e dizer disto que se escreve. te confundir devagar. sobre o quê escrevo ainda? eu posso te decifrar o código, mas ele diz do vazio. eu apenas encho devagar a taça que não vou beber. quem se embriaga aqui, perde a carteira, os documentos, as máscaras... eu tenho isto. me deixa um bilhete na saída. que horas nos vemos amanhã?

sábado, 19 de fevereiro de 2011

sob o divã...

... tu dizes ainda, daí, deste lugar aí, fala no silêncio tão alto que dói meus ouvidos. corro pelo jardim... tu te suspendes por ali... como uma sombra falha. eu não consigo desenhar seu rosto. no tambor do 38 tenho duas balas... há um corpo apenas aqui. eu falo, mas você não me lê. o que você teria feito se eu te contasse disto. é toda esta história bandeirante dando bandeira. eu gosto de manuel bandeira, você sabe... como quem toca piano. é o cântico negro. eu preciso levantar e partir. você não aguenta quando eu digo que a palavra é apenas isto, um jato de luz atravessando o prisma. talvez, a lógica não seja o lugar de quem tem este corpo... é tu quem dizes disto. e não fala de mim... esqueça.... há um corpo balançando suspenso numa corda.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

de algumas coisas deslocadas

acho que estou para além do quarto do pânico. a respiração já acalmou, o peito já parou de arfar, talvez tenha restituído os mapas e direções na minha cabeça que pesa. estou só. garrafas vazias. livros que como colunas se equilibram. o medo. não posso tocar o corpo. não tenho mais páginas para escrever. preciso desenhar um rosto que ainda não conheci. tenho uma lista de inacessíveis. suplanto o desejo. apenas respiro, para continuar aqui. cicatrizes não contam histórias para quem não as sabe ler. o que és capaz de ler aqui?

(“L’accueil est glacial”)


Eu o vejo assim, como um anjo nas mãos de um barbeiro, impondo à navalha outras regras. Talvez seja a hora de perverter este universo. Quem realmente lê isto. Não é o bastante. Tenho uma vida pra viver. É sistema. É hora de virar máquina: engrenagem solitária rangendo como os joelhos. Quem você acha que eu sou? Eu nasci dois dias depois da morte de Arthur Rimbaud. É hora de deixar de ser confessional, catártico e passivo no que tange as palavras. Meter o pau na mesa e parar de escrever. Constituir o sentido não fazendo sentido. Estou cansado, farto… no máximo sou melancólico. Não obstante quem é que veste esta máscara falha? A branca Ofélia ainda flutua no rio enquanto um poeta procura contar quantos raios de estrelas riscam o céu… e você ainda vem aqui procurar um sentimento, um corpo para ser tocado. Não posso te dar o que você quer. Não posso te dar nada. Estou morrendo. Escolho morrer devagar. Caro senhor aperte com mais vigor minha gravata. O capitão fúnebre é quem toca a valsa para os esqueletos que passam. Desisto de ser sépia, quem sabe um pouco mais de pornografia te diga de teu vício e de tua hipocondria de coxas abertas. Cela c’est passé. Todo mundo sonha em escrever um livro ou uma biblioteca toda, queria apenas não ter a necessidade de escrever.




backstage

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

sedas, fumaças e fotografias

hoje ainda não-dormi do tipo cafona. você diz: nous sommes désolés, nous n'avons pas trouvé de source... mimimimi. acho que preciso de um carinho mais especifico. não me envie margaridas ou flores de girassol. não trabalhamos. entende? um telegrama rápido, dois ou três caracteres, quem sabe me faça suspirar e no delírio derrubar minha chavena de chá de porcelana chinesa pintada à mão. é tudo puro maneirismo. você aí dormindo, certamente, eu aqui, insistindo em letras que não vão te acordar. sequer te pegam de jeito. você não entende. eu te escrevo no teu silêncio.

בריוו

מיין נשמה
פֿייַער קיסיז איר האַנט
זייער אויגן עפענען
דער שאַרבן פון דער צוקונפֿט
איך וויסן איר טאָן ניט ליבע מיר
ניט מיין גוף ניט מיין מיינונג אדער מיין האַרץ
אַז מיין וועג?
איך וואַרטן אויף די ווינקל
טאָמער רעגן און סייראַנז דערשייַנען
און זיי זאלן שושקען אַז איך פאַל שלאָפנדיק
איך בין אַ געפאלן מלאך
איך ב דערשראָקן פון חלומות
די טווינגקלינג שטערן

nunca teremos paris

o pomo de ouro... não do jardim das hespérides, mas rolando, rolando, rolando... lançado pela mão de éris. (Мені треба випити). sua mão na coxa, braguilha entreaberta, olhando para fora do trem... o metrô corre. não chegaremos ao nosso destino inteiros. o que você tem para mim? (aveţi posibilitatea să sărut partea din spate a sufletului meu ...) corto os pulsos como quem atravessa a europa. eu desisto. deixo o bilhete no espelho para ti, junto a um beijo de batom, leia a carta na terceira gaveta, a das cuecas brancas, apenas quando meu corpo desaparecer.
hoje fumei um charuto, sabor chocolate... não sei dizer a marca ou qualidade, apenas o preço, mas isto também não diz nada, ele foi comprado num posto de gasolina. sem requinte, apenas aquele que se inventa a partir da cena. o que eu comi? o que bebi? a cama larga, o calor voltou, a chuva passou, o pé irrita. ninguém sentiu que meu palco estava vazio... e que era apenas a música pronta, sem orquestra que tocava enquanto nenhuma sombra dançava. toda vez que danço meu ballet eu sacrifico minhas possibilidades. quem ficaria com um bailarino? quem o escolheria conscientemente? todos que passaram pelas minhas páginas fugiram, de leve, de mansinho, de supetão, sem arranhões ou no rompante, sem arrepios ou medos. sem drogas pesadas. as luzes me irritam. eu queria apenas um abraço. uma nota mais larga como dor. sem sentido. me liga... insiste aqui, nesta tua presença, já que a minha tu tanto recusas...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

talvez brasília

"Brasília já teve / de mim/ o pedaço que queria"
(Nicolas Behr)

a rua é larga, mas a cidade não chega nunca. a rua nem pode ser chamada de rua. ali, a cidade, suspensa na linha do horizonte. sou eu quem se confunde e espera notícias que nunca chegam. quem chega? alguém da minha ilha para conversas e sonos conjuntos numa cama compartilhada. eu machuco mais que os pés nas sapatilhas novas. estou no cruzamento de uma dúvida. sempre procuro os livros para o conforto, na tua ausênsia, insisto ainda na biblioteca: 9 horas da manhã. é daqui que escrevo. o ar é seco, quebra a pele, as certezas e os espelhos. sem guias de segurança na deriva. há o sangue que o ar força para fora do corpo e que escapa pelo nariz. corto, queimo, costuro. arranco a pele dos pés, mas devia me acostumar: eu sempre perco.
eu sempre soube da minha posição em meio ao double-bind e das escolhas impossíveis. eu nunca serei uma escolha.
o que vejo nos cacos, é uma não-mais-criança com algum dinheiro, sempre a acabar, andando pelas super quadras sem o rosto refletido, apenas nome e forma se fazendo no concreto armado das ausências (premeditadas) do não, do não ainda, do não mais...
quanto custa um táxi para minha casa? aqui é apenas o céu que me cativa. não o mar que não me cerca. a frustração do que nem quis se realizar dói no vazio do acontecimento. há o chacal que tem a silhueta recortada como o sonho de um prédio. ele vigia, selvagem, meus passos soltos, nas linhas de algum arquiteto que já não suporto e que me expulsa daqui. não vigie minhas letras... eu sempre erro pelo excesso. sempre insisto demais nas coisas.
é preciso pagar o preço.
alguém sempre dorme, há os que roncam,os que gemem... e eu: o décimo segundo corpo no lugar aberto que o coloquei. é esta terra ocre... vermelho sangue, tão insuportavelmente que afeta minha lógica de borracha com sua aridez. eu devia te escrever. quem sabe distante você me soubesse, menino-jaguar, como uma profecia em italiano no café que você bebe. mas eu só penso os meus mais funestos pensamentos em francês, para amenizar as pontadas.
é o plano piloto: eu que penso em partir, sem conexões...
a vida ainda faz cubo mágico: mil pessoas, talvez mais na contingência, encontradas como numa tempestade.
me sentir só nunca foi o problema. o que rasga a pele e arranha, animal selvagem, é o silêncio. os dias se resumem ao fato do parar de chover. não a chuva de verão desta cidade que cai todas as tardes, mas esta chuva-criança-na-cadeira-de-balanço-da-vovó. talvez seja saudade do não-sentido, do não-visto, do não-tocado. puro sonho?
sei que deve sempre chover, mais lá fora do que dentro de mim....
eu preciso dormir sem as luzes e parar com as pretensas iluminações. eu peço licença para crer que talvez o mesmo sol que me acorda todas as manhãs, queimando e marcando com fogo minha pele, te toca lembrando o desejo (posto em dois) de algum pôr-do-sol.

de retorno


baudelaire já escreveu os meus versos. a estrada. a recusa. a água presa na garganta. tenho medo de estar sempre assim. de ser assim na vida. sempre o primeiro do banco, mas sempre sozinho. a noite faz cortina de veludo. eu não sei se quero dormir. não sei se quero voltar. queria não ser assim. talvez eu nunca consiga dizer de arte e do que eu faço e apronto. eu não sinto. eu penso. é a ideia mais particular que dói e lateja. não sou um príncipe, embora use golas à givenchy... sei que não sou (teu) sonho tornado corpo real. eu não desejaria o teu sonho que meu corpo não comporta. observo a janela como quem vê nas luzes e no vazio um rastro de vida. como esta mancha vermelha feita de terra vermelha no branco dos pés. o ônibus faz curva no real. meu pensamento dá cordas ao meu pretenso coração roubado que não consigo pôr à nu. sei esperar os correios. eu gostaria que você superasse o que você apenas vê. mesmo no limpo da maquiagem ou no composé de cores e linhas há o pedaço de mim em que eu me apresento e que você recusa. eu queria superar o corpo, num todo-pensamento. amar ideias, nos sons, no suspenso da imagem. ali onde apenas o tato faz a sombra, no avesso da mão. mas não sei amar, não com o furor destas queimadas cuja fumaça vejo subir no horizonte como um prenúncio profético do que me aguarda. mas não creio em destino. queria estar presente, todo-presente, sem ser este pressentimento de poder-ser. sempre há o que você quer de mim e eu não posso dar. é minha pequena caixa de brinquedos que sempre retorna. talvez seja cômico o fato de eu estar passando neste exato momento diante de alguma secretária de justiça com uma sigla de DPRF... não sei o que isto quer dizer, também não sei dizer onde estou. em algum lugar sem horizonte, talvez. eu não sou bom. queria sentir que eu não valho nada, não porque possa ser treva e devassidão... mas pelo contrário: que não dá pra por isto, corpo, mente, eu, você.... em valores. não precisaríamos calcular. queria isto. no simples real da vida. no nu do corpo. poder capturar este mínimo de singular que eu reconheço e ofereço, corpo aberto, por todos os poros e passagens. eu nunca estarei no futuro. já sei do meu meio do caminho... sem inferno ou paraíso. eu não sei viver por mim. eu que insisto no real, não suporto as imagens... porque sempre sou eu que tem de compreender? eu sou sempre o banco vazio à espera. racional demais. impossível de ceder ao meu próprio desejo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

parte patética

bubble day. todo de preto, all-star vermelho. vogue ny embaixo do braço e os "50 classic looks for spring''. não gosto do verão. esperando no final da escadaria. lá fora, paris, 3° C. aqui: desterro, 21° C, com o pensamento envolto em nuvens. faço um lembrete para que não se sinta dispensado. acho que tu não deveria ler meus jornais diários. quem eu espero? o vidro fumé apenas reflete o rosto no silêncio. uma peça de seda, linhas e tantas agulhas. há algo que pesa mais que a mala. sem cadáveres na valise. tu poderias se perder nas sombras da rue la fayette. em qual trem tu virás? de onde virás? a manchete do dia... me prendo na notícia que não quero, esperando aquela que não vem. "bataille rangée au caire entre pro et anti-moubarak". dependo do horário que chegasses poderíamos, quem sabe, fugir para londres, brussels, amsterdam, cologne...mas dentro de mim faz mais frio que lá fora. o quê pode aquecer o escondido do corpo, as dobras de dor postas no osso? diante dos olhos, talvez a liberdade seja uma femme fatalle. como eu te poderia saber mais do que posso supor? novamente, te ouço insistindo, no acento carregado, sobre alguma figura que passa.... apontando "she has natural edge, her beauty is poetic.... it feels like's been around for quite a while... you're not looking at her and saying... wow, that's your new girl... you say... you know... why don't i know her?" obviamente, só posso ignorar. é tão sem sentido. talvez só faça sentido porque no salão aberto pela multidão eu só faça esperar. mas talvez o quê você não saiba é que eu posso não ter todo este tempo para te ser entregue. este tempo investido em notas soltas no moleskine em xícaras de caffè espresso. talvez você sobrevenha de milão, pesado... cachecol pendente rente ao chão. eu poderia deixar um post it, você saberia encontrá-lo, espero: Staromestske Namesti, 14 horas, amanhã. mas lá, ainda eu continuaria a esperar. e no fundo, tu passas, entre as outras pessoas, e não me vê. eu, os papéis, o café... e é cena reiterada (é um poema que retorna, mas tu não o sabes) que la rue (toujours) assourdissante autour de moi hurlais... mas eu sei dos passos que eu ouço entre os tiques do relógio... é o mesmo final recorrente, a mesma chave de ouro recuperando a chave em ouro que eu poderia ter te dado. o destino, no fundo, é uma escolha. (... Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais!).

de um certo divã

(...da série quando eu preciso &...)

leio a outra face do inconsciente. meus pincéis não são surrealistas, acredite, é a apenas um estado de espírito. é difícil abrir os olhos. procurei nos meus mapas uma estrela chamada hinter, mas descobri apenas que isto significa "atrás" o que ainda assim está em conformidade com o quê penso. esqueci meus brincos de brilhante dentro de minha taça de martini. alguém corre me trazendo outros para deixar no lugar. onde você estará? em algum museu vendo bosch, tomando milk shake pelas ruas... o corrimão anatômico da minha sintaxe se dispersa. não sei o que fácil aqui, isto nem ao menos é confortável. não quero ter de embaralhar minhas verdades e peneirar com alguma lógica. você fica aí, batendo a caneta sobre um bloco de notas, como se tocasse banjo e realmente este gesto tivesse algum sentido, mas ele nao tem. apenas irrita. você tem destas flores estranhas na janela, não gosto de amores perfeitos, prefiro tulipas, um campo delas. "quelle tempête, la lumière!", insiste michaux espionando de lado. eu estou mais chato que o habitual. preciso fazer as malas, fechas as saídas, esquecer por uns três ou quatro minutos que vivo atrás dos óculos. e nem consigo escrever como se deve. quando a realidade é lenta é apenas dói, talvez seja necessário enfrentar o silêncio. com outro silêncio.


Conversando com O(mar)


O(mar), hoje, resolveu sorrir pra mim.
Mal sabia eu da areia que esses sorrisos traziam consigo, mal sabia eu das dunas que eu despejava pelo caminho que trilhara!
Sabia eu que meus olhos d’água amenizavam ou que meus olhos d’água camuflavam?
Quando O(mar) sorriu pra mim, tive a certeza de que também trazia consigo a verdade, mesmo apagando meu rastro de passos ora apressados, ora vagarosos da areia do meu sorrir. Marcas que com sorriso somem, que com sorriso travam uma futura lembrança para fazer com que eu olhe pra trás e note que as marcas são apagadas, pois cabe a mim (re)lembrar, (re)viver, (re)construir e fazer com que novos sorrisos tornem-se minhas recordações. Deixo minha lembrança me amanhecer. Deixo de ser refém dos sorrisos para que sejam meus os sorrisos de outrem... amenos ou não, camuflados ou não!

Carrego teus sorrisos no meu caminhão de areia, marco com sorrisos todos os lugares por onde passo.

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Joinville, 2 de fevereiro de 2011.

Humberto Pires

[real]

me lembram de uma série de sorrisos teus, esgarçados

espraiou primeiro ali, perto da escada,
cabelo ainda vermelho ou roxo
(a memória da cor é sempre turva
e se bobear opaca do limo
verde que detestas)

o limão também vai mastigado pelo sorriso
depois que seca o copo do perfume
que pode se chamar gin ou whisky

pula em cima do túmulo
torce o pé na queda de um triângulo
retângulo

os anjos te pareciam cafonas
assim como uma série de outros pressupostos
riscados a grafite ou nanquim
por entre alguma cor sacada do estojo

algum apartamento sujo de muitas portas também te lembra
algum chão e algum sol excessivo
foto
fóbico

alguma lista que não tinha teu nome, de repente
como várias
ou alguma lista em que o nome sobrou

algum passo de ballet com unhas partidas no gesso
ou um tornozelo magoado pela pisada posterior
alguns tocos de madeira pra se mover como fosse
fred astaire ou audrey hepburn
procurando as jóias
de salto alto fazendo croqui
emulando valentino ou brincando de dior

estava ali de unhas roídas
entre ansioso e nervoso e com uma reprimenda
na ponta dos dedos
mas também era acima de tudo neurótico
cada coisa no seu lugar
e nada podia ter lugar porque
não tinha lugar

uma ária de verdi não agradava
não dava pra dançar sobre ela
só pra solfejar, mas essa não era das suas artes

ele desfilava por cima da partitura
o traçado da nota não podia atender

dancing like a lady
sem cerveja que pode afogar

era ele e só ele o marido do conúbio astral
porque era aqui em cima e não lá embaixo

nada que não passe pela biografia.

___

Florianópolis, 01 de fevereiro de 2011

George França

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

...
O que temos para comer? Há um prato frio abandonado sobre a mesa. Há um lençol velho abandonado sobre o corpo nu. Você não sabe nada de mim, diz a voz em off. O vento continua entrando pelas janelas e trazendo insetos. A vida corre para baixo. Na esquina, um cachorro uiva. O sonho é sempre um céu sem estrelas. Faço contas. É preciso sempre o terreno do cemitério. A máquina pede que escreva um verso bom, uma boa coisa. Que faça sonhar… mas para quê mais um sonho em meio a todo este ruído delirante? Talvez seja hora de parar. Já tive minha hora. Não posso mais. Não espero mais. Eu vejo daqui a cidade, o mar, tantas luzes, alguns poucos carros já passam. Eu mesmo já passei.
...

Caput Draconis


Talvez eu tenha nascido para estar assim, perdido na escrita, escrevendo no vazio como quem conversa com fantasmas. Começo a pensar que é hora de recuperar uma boa gramática. Brincar de foracluir algumas coisas, trocando os papéis, mudando as datas, obliterando a filologia… Acho que nunca tivemos tanto tempo para nós quanto esta noite, mas eu te ouço apenas entre ruídos. É o domingo. Um galo canta perto daqui, talvez seja imaginação, meu gato ronrona perto de mim. Entre os sons que abafam tua voz, ouço algo sobre vagalumes, desejos, oráculos… Qual o meu horóscopo para hoje? Tenho que te provar que não sou coelho, mas gato. Meu zodíaco chinês enviesado. Tu me dizes coisas que minha lógica compreende, mas não sei se gosto de entender, de saber o que ecoa… uma noite qualquer, talvez mais específica do que deveria, sempre retorna. Eu estou assombrado, mas não são meus fantasmas, é este que tu me deixaste para além de um post-it colado num espelho, uma voz que vibra no escuro dos olhos fechados. “Se o amor que me deixar, me deixe num domingo, eu não vou reclamar, posso até achar que ficar só é lindo…”… Bethânia faz meu ruído. Eu tento dormir, mas não consigo. Reaviva a eterna luta, sem senhor nem escravo, entre o ente e o ser. O ente precisa dormir, mas o ser pensa, pensa, pensa… quem faz esta história? De quem é esta voz que se prende a este silêncio? Escrever é brincar de trapezista, sem rede de segurança, tecendo o perigo, se escondendo nas lacunas, mas o que vejo na minha janela aberta me contraria: as nuvens se abrem. A segunda-feira é que faz isto. No meu sem-tempo dos dias, é o tédio que escoa como areia na ampulheta. Fiz o que não deveria: abri a caixinha das lembranças e dos papéis passados. Fotografias são estetoscópios feitos para tempos futuros. Entre os olhos azuis, verdes, castanhos… eu elaborei meu próprio alfabeto. Codinome: desastre. Quando se sabe que deve parar de contar estrelas, porque elas já não estão mais ali, que não fazem mais nenhum desenho, nenhum sonho antigo, nenhuma pequena ilusão de verdade… Acabo de sair do banho, corpo limpo, pele nua, rosto sem maquiagem. Ignoro o espelho. Precisava fazer os pensamentos escoarem pelo ralo. Abro ainda mais todas as janelas do quarto. Deitado sobre os lençóis limpos, o vento entrando pelas duas janelas e roçando a pele, repasso minhas escolhas. São seis horas da manhã e não posso dizer que dormi. Em um mês tudo acaba. Um mês… o que isto significa? Que a vida é como uma pequena picada de inseto na pele, marca e coça, por vezes do pequeno buraquinho, são as minhas próprias unhas que me fazem sangrar ainda mais. Eu não sei mais em que acredito… queria poder não estar aqui, nu sobre a cama, conjecturando. O céu se abrindo azul lá fora faz parecer que isto é mais fácil. Talvez eu pudesse listar os projetos, os nomes… mas há algo que sempre volta, assombrando a minha não-lembrança dos meus próprios sonhos. É a hora de, pouco a pouco, ir esquecendo este período. Talvez não tenha sido vida, a vida como vida, real e dolorosa, real e dolorida… Mas é noutra coisa que penso. Preciso suspender este texto. Há intrusos que se dependuram nele demais. Estará preso naquele “a”, quarta linha, terceira palavra, em que sílaba. Eu sempre abro um pouco mais os portões do meu próprio Nifleheim no campo aberto do Gai-Hinnom. Não sei o que vejo tanto quanto não sei do controle que tenho quando escrevo. Sou eu quem escrevo ou aquele que coloca as vírgulas? Talvez eu durma logo mais, talvez, como sempre, não sonhe, talvez só me esqueça, o que por si só, neste momento, seria um alívio. Não que isto seja uma pequena morte, mas um momento de fôlego. Na maioria das vezes, viver pode ser uma loucura perigosa demais.

Balé & tradução


O que vai aqui, em épocas de “Black Swan” e Balé em voga, é a tradução de um texto de Mallarmé, feita em duas direções: primeiramente para auxiliar uma amiga na leitura dele; segundo, estabelecendo as relações possíveis entre o a dança e o texto, fazendo com que o texto levante o sentido “sur les pointes” impossíveis, para fazer imagem. Ler a dança na esfera da aparição, um discurso que dá um fantasma no palco.
A tradução era um composé de notas dispersas que ajunto aqui. Creio que Mallarmé neste texto faz da escritura um movimento lúdico, impõe movimento à imagem que desejar capturar e que dança (também e desde já) diante de seus olhos. É preciso que o texto dance em conjunto com o balé que sobre o qual tece seus apontamentos. Assim, se o que se escreve é um texto enquanto apresentação, um texto também eventual, pois também se faz performance.
Esta tradução é, ao seu turno,ainda uma maneira de recuperar outra potencialidade da dança e rememorar meus anos como bailarino clássico. Se o joelho esquerdo não me permite dançar, hora de usar a mão direita para danças na página. De todo, poder-se-ia dizer, num duplo caractere de movimento, que esta tradução, também se movimenta, quer capturar o próprio do texto, mas que na sua transposição, o passo bêbado (pas-de-bourré) a atravessa, realizando um outro movimento na cena, correndo por suas linhas para fazer dançar ainda mais uma vez “um” sentido.
Assim restará a leitura enquanto um pas seul, um movimento solo.
__________


BALÉS (1)
S. Mallarmé
(trad. minha)

A Cornalba (2) me encanta, dança como quem desvela: pode se dizer que sem a aparência de ajuda oferece à um enlevamento ou à queda através de uma presença voadora (3) e sonolenta de gaze, ela aparece, chamada no ar (4), sem se sustentar, do fato italiano de uma agradável tensão de sua figura.
Toda a lembrança, não! do espetáculo ao Éden, precisa de Poesia: isso que se nomeia assim, pelo contrário, abunda, deboche amável para o espírito liberado da freqüentação dos personagens de vestidos, hábitos e palavras célebres. Somente o charme nas páginas do libreto não passa pela representação. Os astros, eles-mesmos, aqueles que tenho por crença que, raramente, é preciso desordenar não sem razões consideráveis de meditativa gravidade (aqui segundo a explicação, o Amor os move e os monta) eu folheio e apreendo que eles estão de saída; e a incoerente falta altiva de significação que cintila no alfabeto da Noite consente a traçar a palavra VIVIANE, iludindo o nome da fada e título do poema, ainda que qualquer lances de pontos (5) estelares sobre uma tela de fundo azul: pois o corpo de balé (6), não figurará o autor de a estrela (a melhor forma de poder chamá-la!) a dança total das constelações. Ponto (7)! daqui se parte, você vê naqueles mundos, direito ao mundo da arte. A neve também em cada floco não eleva no vai-e-vem de um branco ballabile (8) ou mais uma valsa (9), nem o lance vernal das florações: tudo isso que é, efetivamente, a Poesia, ou natureza animada, sorte de um texto por se congelar em manobras sem valor (10) e a deslumbrante estagnação das musselinas coesas (11) e fogo. Também na ordem da ação, vi um círculo mágico por outra coisa desenhada pela volta continua ou os lagos da fada mesma: etc. Mil detalhes picantes (12) de invenção sem algum atingir à importância de um funcionamento provado e normal, no feito. Qualquer um jamais, principalmente no caso do sideral precipitado, com mais de heroísmo passará a outra tentação, de reconhecer no mesmo tempo que das analogias solenes, esta lei, que o primeiro sujeito, fora da moldura, da dança seja uma síntese móvel, em sua incessante ubiqüidade, das atitudes de cada grupo: como elas fazer senão detalhar, em tantas frações, ao infinito. Tal qual uma reciprocidade de que resulta o in-individual, em coreografia e em conjunto, do ser dançante senão que o emblema de qualquer...
Julgamento, ou axioma, a afirmar de fato do balé!
À saber que a dançarina não é uma mulher que dança, por estes motivos justapostos que Ela não é uma mulher, mas uma metáfora resumindo um dos aspectos elementares de nossa forma, espada, taça, flor, etc., e que ela não dança, sugerindo, pelo prodígio de recursos ou impulsos, com uma escritura corporal que precisa dos parágrafos em prosa dialogada tanto quanto descritiva, para exprimir, na redação: um poema liberado de todo aparelho do escrivão.
Depois de uma lenda, a Fábula perfeita como a combinação do gosto clássico ou maquinário celeste (13), mais ainda o sentido restrito de uma transposição de nosso caractere, assim que de nossas maneiras, ao tipo simples de animal. Um jogo rico consiste em re-traduzir com ajuda de personagens, é verdadeiro, mais instintivo como delimitador e mudos que aqueles à quem uma linguagem consciente permite de se enunciar na comédia, os sentimentos humanos dados pelo fabulista aos namorados voláteis (14). A dança é asas, agita-se como pássaros e das partidas do ao-nunca, dos retornos vibrantes como flecha: a quem escruta a representação dos Dois Pombos (15) aparece pela virtude do sujeito (16), isso, por obrigatoriedade seguida de motivos fundamentais do balé. O esforço da imaginação para achar estas similitudes não se anuncia árduo, mas é qualquer coisa como perceber uma paridade medíocre mesmo, e o resultado interessa, em arte. Engana! salvo o primeiro ato, uma alegria encarnação dos pombos (17) na humanidade mímica ou dançante dos protagonistas.

Dois pombos se amam de amor terno (18)

dois ou mais, por pares, sobre um teto, assim que o mar, visto no arco de uma fazenda tessaliana, e animados, este que esta, melhor que pintar, na profundidade e de um acerto. Um dos amantes ao outro os mostra si-mesmo, linguagem inicial, comparação. Tanto que pouco à pouco as velocidades (19) do casal aceitam a influência do adestrador do pombal, e picadas ou sobressaltos (20), extasiados, que se vê neste esvaecimento de lascividade sobre ele penetra (21), com semelhanças distraídas. Crianças, eis os pássaros, ou pelo contrário, os pássaros criança, mas que se pode compreender a troca de sempre ou de durante, ele e ela, deverão exprimir o duplo jogo: pode ser, toda a aventura da diferença sexual! Ou eu irei parar de me elevar (22) à alguma com-sideração (23), que sugere o Balé, adjuvante e o paraíso de toda espiritualidade, porque depois deste ingênuo prelúdio, nada tem lugar, salvo a perfeição dos executantes, que vale um instante de exercício-atrás (24) do olhar, nada… Fastidioso de colocar os dedos sobre a inanição qualquer saída de um gracioso motivo primeiro. Aqui a fuga do vagabundo, da qual coloca, por menos, à esta espécie extática e impotente à desaparecer de quem deliciosamente ata (25) suas pranchas a dançarina; pois quando virá, no aviso do mesmo local ou centro (26), no tocante da adorada do repatriamento, com a intercalação de uma festa à qual tudo vais [re]tornar sobre a tempestade, e que os rasgos, perdoados e fugitivos, se unirão: isso será… Vocês conhecem o hino da dança final e triunfal em que diminui até a nascente de sua alegria bêbada o espaço posto entre os noivos pela necessidade da viagem! Isto será… como a coisa que se passou, senhora ou senhor, casa de um de vocês com qualquer beijo muito indiferente em arte, toda Dança não é senão este ato de misteriosa interpretação sagrada. Somente, pensando (27) assim, é que se faz chamar novamente por uma nota de flauta o ridículo de seu estado visionário quanto ao contemporâneo banal que precisa, depois de tudo, representar pela condescendência pela poltrona da Ópera.

À exceção de uma relação percebida com nitidez entre o aspecto habitual do vôo e inúmeros efeitos coreográficos, pois a transposição em Balé, não sem trapaça, da Fábula, habita qualquer história de amor: é preciso que virtuoso sem par por meio do divertimento (nada é senão trecho e colagem) o encanto a Senhora Mauri (28) resuma o motivo por sua divina mistura de animalidade turva e pura à todo propósito as alusões não postas em foco, assim que diante (29) de um passo ela convida, com dois dedos, uma dobra (30) trêmula de sua saia e simula uma impaciência com as plumas em torno da idéia.

Uma arte tem a cena, histórica com o Drama; com o Balé, outra, emblemática. Aliada, mas sem confundir; isto não é certamente de imediato e por tratamento comum que ele precisa ajuntar duas atitudes possessivas de seu respectivo silêncio comum, a mímica e a dança, hostis a todo golpe se lhes força o contato. Exemplo que ilustra este propósito: não é menos, por render uma idêntica essência, aquela do pássaro, habita os dois interpretes, imaginada por eleger (31) uma mímica ao lado de uma dançarina, esta é confronta muita diferença! A outra, se é uma pomba, deverei ignorar o quê, a brisa por exemplo. Por meio, muito judiciosos, ao Éden, ou segundo os dois modos de arte exclusivos, um tema marca o antagonismo que habita seu herói participando de um mundo duplo, homem já e criança ainda, instala a rivalidade da mulher que marcha (32) (mesmo à ele sobre os tapetes de realeza) com aquele, não mais querido através do fato de sua acrobacia somente, a primitiva e fada. Este traço de distinção de cada gênero teatral coloca em contato ou oposição se encontra direcionando a obra que emprega o desparecer de sua arquitetura mesma: restará procurar uma comunicação. O libretista ignora do ordinário que a dançarina, quem se exprime pelos passos, não compreende da outra eloqüência, mesmo o gesto.

Por meio do gênio dizendo: « a Dança figura o capricho ao desenvolvimento rítmico – aqui com seu nome, as quaisquer equações sumárias de toda fantasia – ou a forma humana na sua mais excessiva mobilidade, onde verdadeiramente se desenvolve, não se pode transgredir, no entanto, eu o digo, senão a incorporação visual da idéia»: isso, pois um golpe de vista lançado (33) sobre um conjunto de coreografia! pessoa a quem neste meio se impõe de estabelecer um balé. Conhecida a expressão de espírito contemporâneo, habita eles mesmos, suas faculdades têm por função de se produzir miraculosas: é preciso substituir, eu não sei qual impessoal ou fulgurante olhar absoluto, como o clarão que envolve, depois de tantos anos, a dançarina do Éden, fundando uma crueza elétrica às brancuras extracarnais de manchas (34), e faz bem ao ser prestigioso recolhido além de toda vida possível.

O único entretenimento imaginativo consiste, em suas horas ordinárias de freqüentações nos lugares de Dança sem visar a qualquer condição prévia, paciente e passivamente, à se perguntar diante de todo passo, à cada atitude se estranhas, estas pontas e taquetés (35), allongés (36) ou ballons (37). «Quê pode significar isto», ou melhor, de inspiração, o ler. O golpe se operará em pleno devaneio, mas adequado: vaporoso, nítido e amplo, ou restrito, tão somente que o doente em seus trajetos (38) ou a transposição por uma fuga a bailarina iletrada se livrando dos jogos de sua profissão. Sim, aquilo lá (estás perdido em uma sala, expectador estranho (39), Amigo), por pouco que tu deposites com sua submissão aos seus pés de inconsciente reveladora assim como as rosas que elevam e lança na visibilidade das regiões superiores um jogo de suas sapatilhas de cetim pálido vertiginoso, a Flor do começo de tua poética instintiva, não espera nada de outra aposta na evidência (40) e sobre o verdadeiro dia de milhares de imaginações latentes: então, por um comércio em que parece seu sorriso depositar (41) o segredo, sem tardar ela te entrega através do último véu que sempre resta, a nudez teus conceitos e silenciosamente escreverá tua visão à maneira de um Signo, que ela é.

Notas de Leitura & Dança

(1) Pensar o caso do balé é lembrar que este ao mesmo tempo designa o conjunto coreográfico, quanto o corpo de bailarinos. Por outro lado é caracterizado na ação ou no movimento, figurativamente, como o balé dos animais, da chama da vela. Já quando caracterizado de ballets-rose (para garotas) ou ballets-bleus (para garotos) implica em reuniões clandestinas de crianças ou adolescentes para satisfazer a “perversão” de pessoas de certa idade. Etimologicamente ballet é o empréstimo francês do italiano balletto, proveniente de ballare, dançar. O objetivo, portanto, destas notas é tentar verificar o quanto o texto de Mallarmé também por si só dança, jogando com o léxico que concerne ao balé. Por este motivo é que as notas se multiplicam, tentando esclarecer aquilo, que em termos de dança, poderia não ficar claro. O texto original encontra-se em S. Mallarmé, Oeuvres Complèstes, 1945, p. 303-7. (Todas estas notas são minhas considerações).

(2) Elena Cornalba, bailarina italiana, que teve composta especialmente para si duas peças de Riccardo Drigo, intituladas L’echo (O Eco) e Valse mignonne (Valsa delicada). Foi ainda bailarina principal de Le Talisman (O Talismã), um balé fantástico de Marius Petipa também musicado por Drigo, e bem como La Vestal (A Vestal), coreografado por Petipa e musicado por Mikhail Ivanov.

(3) Há no balé uma série de movimentos que podem ser executados como volé, em vôo, como o brisé volé, que é a realização de um movimento brisé, partido, que é fundamentalmente um assemblé batido realizado em movimento (a perna em movimento arrasta-se da segunda posição para a segunda en l’air de forma que a ponta do pé fique a alguns centímetros do chão, bate na frente ou atrás da outra perna que se deslocou ao encontro dela, em seguida ambos os pés voltam ao chão simultaneamente em demi-plié na quinta posição), no caso de sua execução volé, o bailarino acaba sobre um pé apenas depois de sua execução e com a outra perna cruzada na frente ou atrás, a base deste passo é um movimento fouetté com jeté battu, acabando com a perna levantada em cou-de-pied devant ou derrière

(4) En l’air, como movimento do balé indica um movimento que vai ser feito no ar, como, por exemplo, um rond de jambe en l’air, ou ainda que a perna em movimento, depois de ter sido aberta numa segunda ou quarta posição, será levantada a uma posição de 45°, 90° ou 120°.

(5) Opto por pontos, porém no original consta alfinete [épingle], querendo enfatizar justamente a formação de uma imagem através de picadas, perfurações, nesta tela.

(6) O corpo de balé caracteriza o primeiro nível de uma companhia de balé, cujos integrantes constituem o suporte dos solistas e primeiros bailarinos, dançando quase sempre os grandes conjuntos, tais como as Willis, em (meu balé predileto) Giselle, ou os Guerreiros, em Danças polovitsianas. O corpo de balé pode ter sua função associada à do corpo da ópera.

(7) Com uma pequena licença poética pode-se acrescentar um “e” breve em point, e encontrar aqui outro movimento clássico: pointe, a ponta, que é um recurso técnico e artístico desenvolvido pela dança do século XIX, significando dançar sobre as pontas dos pés em sapatilhas especialmente preparadas para este fim. Começou a ser utilizado antes de 1820, sendo Gosselin e Istomina as primeiras bailarinas a se valerem da técnica em apresentações. Maria Taglioni foi quem transformou o uso da sapatilha de ponta em recurso técnico e artístico, passando a ser um meio de expressão dos ideais de elevação do balé romântico, sendo o marco deste o balé La sylphide, de 1832. A ponta também permitiu o aperfeiçoamento da pirueta. Raramente as danças em ponta foram utilizadas por coreógrafos voltadas para os bailarinos, não obstante, pode-se citar Nijinska, Les fâcheux (1924); Lifar, Feira de Sorochinski (1943) e Ashton, com The Dream (1964). Do ponto de vista cultural é importante lembrar ainda que os cossacos, da Ucrânia e Geórgia, há séculos executam nas pontas de suas botas diversas passagens de suas danças folclóricas.

(8) Passo de dança executado por qualquer dançarino ou por todo corpo de balé, geralmente ao final de uma ópera ou de um balé-pantomima. Do ponto de vista musical designa qualquer música passível de ser dançada ou com espírito de dança, uma tradução literal poderia ser apontada a partir destas características enquanto “dançável”, ou ainda, em consonância com uma direção de sentido possível de ser encontrada no texto, para aproveitar o termo de origem grega utilizado por Laban em seu The language of movement: a guidebook to choreutics (Londres, 1966), poder-se-ia dizer coreótico, uma vez que este põe em cena as diversas formas e movimentos de dança e sua relação com o corpo humano.
(9) Diferente da valsa “tradicional”, de origem germânica, executada por casais e caracterizada pelos giros sucessivos e pela rapidez dos passos, no balé há o pas de valse, executado com um gracioso balanço do corpo e com diversos movimentos de braço, podendo ser executado de frente ou en tournant.

(10) Aqui é aberta uma ambigüidade: de carton, equivale tanto a dizer do papel, quanto também ao uso figurativo de sem valor, falso (quando se trata de uma coisa), sem consistência quando é atribuído a uma pessoa.

(11) Lies pode ainda apontar para o caráter de depósito, de precipitação, de resíduo.

(12) Neste caso picante, piquants, não estaria ligado a um caráter erótico, porém erógeno, oriundo de picar, como um alfinete ou espinho sobre a pele [agulhada]. Importante lembrar que em dança os movimentos piqué se caracterizam pela exigência de que neste passo deve-se tocar com a pointe ou a demi-pointe do pé que já está em movimento em qualquer direção ou posição desejada com o outro pé suspenso no ar, sua realização pode ser piqué: en avant, en arrière, en arabesque, à terre, tourné en dedans, tourné em dehors, detourné, enveloppé e também piquer la pointe.

(13) Empyrée aponta para o espaço celeste compreendido em seus diferentes ângulos, na astronomia antiga significava a esfera celeste, cúpula, mais elevada onde estavam os elementos ígneos, mitologicamente aborda as divindades celestes.

(14) O texto indica em vôo, namorados voadores, porém como este movimento parece estar inscrito em volátil, opto por esta tradução e por enriquecer ainda as características destes namorados.

(15) Les Deux Pigeons: balé em três atos, coreografado por Mérante, roteiro de Régnier e Mérante, música de A. Messager, cenário de Rubé, Chaperon e Lavastre, figurino de Bianchini. Estreou em 18.10.1886, no Balé da Ópera de Paris, com R. Mauri e M. Sanlaville. O tema baseia-se numa fábula de La Fontaine: Pepio é um jovem camponês que, atraído por um bando de ciganos e pela vida errante que levam, abandona sua amada Gouroli para segui-los. A jovem se disfarça de cigana e reconquista seu noivo que, arrependido da aventura, volta a sua terra natal. Aveline também preparou, em 1911, uma versão em um ato para Zambelli. Ashton também coreografou uma produção para o Royal Balé, cuja estréia aconteceu em 14.02.1961, no Convent Garden, em Londres, sendo que nesta execução a obra foi reambientada no Segundo Império, reduzida para dois atos e três cenas, e Pepino tranformado num jovem pintor.

(16) Em francês sujet detém a ambigüidade posta entre sua acepção gramatical, de sujeito, mas também aponta para as acepções de assunto, motivo, propósito.

(17) Há em balé um passo de difícil execução, característico da variação do balé L’oiseau bleu, coreografado (também) por Petipa, intitulado ailes de pigeon, asas de pombo, ou ainda pistolets, no qual a perna esquerda é atirada para cima enquanto o bailarino pula para a direita e, ao mesmo tempo, lança a outra perna até tocar o tornozelo esquerdo; em seguida trocam-se as pernas para um novo movimento, havendo então mais uma mudança e o encontro do pé direito com a perna esquerda estendida no ar. Geralmente é realizado en avant e en arrière.

(18) Os versos completos de La Fontaine são: “Deux pigeons s'aimaient d'amour tendre: / L'un d'eux, s'ennuyant au logis,/ Fut assez fou pour entreprendre/ Un voyage en lointain pays”.

(19) Allures, aponta tanto para a velocidade quanto para o aspecto.

(20) Paralelo à soursaute, existe como passo de balé o soubressaut, um salto realizado da quinta posição para frente (en avant, croisé ou ouvert en avant). Quanto o corpo está no ar os joelhos e as pontas estão esticadas, e o pé da frente deve esconder o pé de trás. Cai-se simultaneamente com os dois pés na quinta posição com o mesmo pé que iniciou o movimento à frente, também pode ser realizado sur les pointes ou demi-pointes, geralmente a realização das pontas é sous-sous (relevé na quinta posição para frente, portanto, os pés estarão bem juntos no momento de se levantar nas pointes ou demi-pointes de maneira a dar impressão de um só pé).

(21) Glisser, deslizar, uma das características possíveis dos passos em balé: o deslizamento, glissade, geralmente executado com o pé em movimento da quinta posição na direção desejada com o outro pé fechando-se junto dele. Os glissades realizados com ou sem a mudança dos pés começam e acabam com um demi-plié. Há seis tipos de glissades: devant, derrière, dessous, en arrière; a diferença entre eles depende das posições de partida e de encerramento, bem como da direção.

(22) Élever, elevar, em dança, élevé, indica a subida do bailarino sobre a pointe ou demi-point. Já como característica de élévation, aponta para a habilidade do bailarino de “subir alto” dançando, sendo este o termo utilizado para descrever a altura atingida em passos pulados tais como entrechats, grand jetés etc, combinada com ballon de modo que o bailarino pule com graciosa elasticidade, como o movimento de um bola de borracha que toca no chão num momento e salta outra vez no ar. A elevação é reconhecida pela distância entre os pés em ponta do bailarino no ar e no chão. Ao descer depois de um pas de élévation (qualquer movimento que encerre um salto) as pontas devem tocar o chão em primeiro lugar, rapidamente seguidas pela sola dos pés e do calcanhar. Todos os passos de elevação começam e termina com um demi-plié.


(23) Opto por grafar consideração separando as formas para evidenciar o duplo aspecto da observação que é o movimento siderado da dança e ao mesmo tempo a esfera das idéias e considerações.

(24) Arrière implica a direção de um movimento, en arrière, e designa passos que podem ser executados para trás, ou ainda, na direção oposta ao público, como o assemblé en arrière.

(25) No texto parece implicar o gesto de estar cativo dos encantos da dançarina, mas atache, ainda implica nas partes passíveis de serem atadas, como os tornozelos e os pulsos.

(26) Foyeur implica a casa, o lar, porém em dança pode indicar o centro enquanto um dos locais em que a dança pode acontecer no palco.

(27) Songer, implica pensar desta maneira, mas também sonhar.

(28) Acredito que esta Senhora Mauri seja Rosita Mauri, (Tarragona, 1849 - Paris, 1923), dançarina que estreou no T. Principal de Barcelona, em 1868, dançou no La Scala e no Balé da Ópera de Paris (1878-1907), onde se tornou étoile. Minha crença se baseia no fato de que ela criou papéis em: La korrigane (1880) e Les deux pigeons (1886), ambos de Mérante, e em La maladetta (1893), de Hansen.

(29) Avant, uma das direções possíveis dos movimentos realizados em um palco, em avant, para a frente, em direção ao público.

(30) Pli, devolve em dança o plié, dobrado, movimento que designa a flexão dos joelhos executada nas cinco posições básicas, no instante em que se começa ou termina um passo, ou como exercício destinado a conferir elasticidade e força aos músculos e tendões das pernas; geralmente inicia as aulas de dança acadêmica estando subdividido em demi-plié, quando os calcanhares permanecem no chão, e grand plié, quando a flexão é maior, realizada à demi-pointe, por exemplo.

(31) “Imaginada delírio” também se pode ser ler aqui, aproximando d’élire de délire, impondo o gesto de desleitura (de-lire).

(32) Em itálico no texto de Mallarmé, marche também aponta uma série de passos no balé, como por exemplo, o rictus marcial do pas-de-marche.

(33) Jeté, lançado, atirado, diz-se de um pulo de uma perna para outra, no qual a perna em movimento descreve um movimento de lançamento no ar e parece continuar sendo atirada. Existe uma grande variedade de jetés que podem ser realizadas em todas as direções. A mais considerável, creio, é o grand jeté en avant, um grande lançamento para a frente, geralmente precedido por um movimento preliminar como um couru ou por um glissade que dá o necessário impulso. O pulo é feito de maneira com que o pé é lançado para a frente com um grande battement, a altura do pulo dependendo da força do impulso e seu comprimento dependendo da força do impulso da outra perna que é lançada para cima e para trás. O bailarino tenta permanecer no ar numa atitude propositadamente expressiva ou num arabesque e desce na mesma pose. O mais importante, além do golpe de vista em que se lança este movimento, é seu inicio com um plié cheio de impulso para terminá-lo com um plié suave e controlado.

(34) Fards implica no resultado do verbo farder, pintar, assim pode assumir tanto o caractere de maquiagem, fards à joues, ou sombra, fards à papières, abrindo assim o campo da aparência e da (dis)simulação.

(35) Mallarmé alude aqui ao taqueté, estaqueado, termo utilizado para designar todos os passos de dança em que é acentuado o uso da sapatilha de ponta, como o pas de bourré e o piqué.

(36) Chama-se allongé, alongado, esticado, estendido, a linha alongada, geralmente utilizada em combinação com o arabesque: uma linha horizontal que se forma com os braços estendidos para frente e para trás. Cabe-se salienta que a ligne, linha, designa o perfil apresentado pelo bailarino durante de alguns passos, marcações ou poses. Diz que um bailarino tem um bom ou mau sentido de linha, na conformidade dos arranjos da cabeça, corpo e pernas numa posição ou movimento. assim sendo, é vida de regra que uma boa linha seja indispensável ao bailarino clássico.

(37) Ballon, balão, bola, termo utilizado em dança para designar a capacidade de um bailarino de saltar, dar uma pequena pausa no ar e descer suave e levemente. Também é usado para descrever a capacidade de saltos de um bailarino. Todos os passos pulados requerem o ballon para que o dançarino possa, com facilidade aparente, manter por um momento no ar uma pose ou posição como se estivesse no chão.

(38) Circuits abre ainda, na direção de um corpo-máquina, na crueza elétrica, a esfera dos circuitos. Opto por trajeto, para manter a direção dada na leitura dos movimentos, no texto, não ignoro porém esta segunda nuance.

(39) Étranger anuncia tanto o estranho quanto o estrangeiro.

(40) Mise aponta tanto para o verbo mettre, pôr, colocar; quanto para a aposta, que pode ser entendida ainda como encenação, mise en scène.

(41)Verser, assume o caractere de depósito em banco, o que vai de conformidade com o aparecimento deste comércio; mas pode ser ainda, versar, verter.