quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

estou de recesso de mim.
a cidade sem luz, sem amplitudes se resume a isto.
frases sem... com aquela direção impossível.
preciso sobreviver a mim.
mais que 15 minutos
menos que o instante de consciência
o dia é aquilo que baixa e cai
se a terra gira
não sinto
é sempre o suspenso da letra
o quadro torto
as golas deslocadas
que implicam
e se desvendam
estou de recesso de mim.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

esboço

comei um pequeno romance. sem sentido. sem direção. escrevendo e naufragando. o personagem, nome, descrição e trejeitos me apareceu: clarissa. talvez um pequeno resquício de londres. talvez a ucrânia que insiste. quanto tempo levará esta desventura. sobrevirei ao fantasma. terá suas páginas. o sistema é lógico. sem arte e sem arestas. a pele que corta não é a pele de alguém. mas o branco enfadonho da página. onde viverá? com que cruzará o caminho todas as manhãs? qual sua cartografia... é preciso enfrentar a imagem ainda. insistir nela. fazer o fantasma tomar corpo no fundo do olho, na superfície do espelho, no vão dos caracteres. a ideia é talvez uma recuperação de algumas velhas notas e esquemas de certo romance que gostaria e cheguei mesmo a escrever (pensar também é de certa forma escrever), mas não sei como, entre as várias mudanças que fui realizando nunca cheguei a encontrar o manuscrito novamente. A idéia básica era a mesma: uma não-história de uma mulher num sem-tempo e sem-lugar, um espaço aberto entre o que se escreve e pode se escrever no corpo. Não obstante, é uma história sobre certo tempo e certo espaço, tomado como corpo. quem sabe onde isso irá chegar? é melhor deixar que o navio parta, sem bússola, apenas com as estrelas na direção.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"Eu te envio de volta meu coração".
(Epístola de Paulo a Filemon, v. 12)

se eu tivesse alma e a deslocarei com duas ou três palavras, mas alma não tenho, sequer procuro. não tenho nome. sem corpo, fantasma do teu desejo. isto não é uma resposta, acredite. isto é isto, e apenas. sem verdade. sem mentira. sem aventura. não sei dizer de uma experiência. desta imagem que risca no fundo dos olhos. organizo, catalogo, disponho? tente criar um argumento nesta sua lógica em que se suporte que eu não seja mortal. eu tenho que resolver um problema. para além de A, B e C. simplificando: meu problema é que em algum espaço, mas em tempo determinado, para B, A = C. Logo? não consigo dar conta deste logo. a síntese é impossível. sem as premissas. me dá um aporte. um sistema de apoio. o que te envio é mais do que letra ou angústia matemática. meu bisturi lógico não encontra o quê cortar. e agora? me dá mais que esta suspensão. este fora de si. o além do limite talvez seja puro delírio...

domingo, 26 de dezembro de 2010

SOS

é hora de contabilizar os danos. o dado já rolou. o correio não veio. eu espero. eu apenas espero. você num interior colonial, queijo & café. eu aqui: champagne e caviar de aparências. queria estar contigo, neste outro nome suposto. o corpo dói. o anti-histamínico vence doze horas depois. mas isto não significa nada. queria romper este silêncio. esta dor repleta de quilômetros. fevereiro é tão longe e logo ali. quando tudo finda. quando tudo afunda. você jogaria uma bóia para me salvar? craniectomia occipital seguida de punção direta de fístula dural do seio... que me importa a anamnese. não tenho você. aí, nesta terra quente, quase central do brasil. me vejo andando até o final da velha estrada de ferro d. pedro II e te encontro nas velhas minas. talvez eu seja como o trinta-réis-ártico sempre à procura do último lugar. talvez eu só valha estes trinta réis mesmo. bico longo para abrir fechaduras. me diz deste seu segredo. me diz desta tua ausência. não me deixa sentir sua falta. é tão mínimo o de ti que lateja aqui, mas tão importante. como uma imagem borrada de monet, que nunca é somente um borrão, mas camille que se desvenda à impressão do nascer do sol. te aguardo na escadaria di duomo di milano, luvas brancas, lenço em seda vermelha amarrado no punho. promete que não demora?

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

nem mesmo um lance de dados abolirá o acaso

mallarmé em pesada capa me persegue. fuma fuma fuma. a fuma gira e esconde. há o cálculo impensado. eu suspendo sempre a norma. todo texto é em eterno estado de exceção. de mim. de ti. de ambos. de nenhum. quem infere à cena está inserido nela? poderia trocar de livro, sentar, à margem da estrada como de um rio, sentar e chorar. mas eu não choro, carlos, forte como joão que corre sempre em ritmo de valsa vienense. mas há o trem sempre, no interior fantasmas, correndo sempre, entre navios, para dentro do corpo, fazendo trilhas e veias. sem capitão o navio segue à deriva. derivando as palavras em ritmo de sigma. é sintoma. resolvo pensamentos escrevendo, abstraindo na palavra a imagem absurda de si. sem recolhimento. também não há dados. apenas o giro vazio em bloco mágico. fundo rosa inescrito. vendendo sílabas e invertendo o mundo. há sempre aquele impossível de ser dito, há o que eu ouço demais. há a parede longa e úmida, datilografando em rachaduras e chanfraduras as rugas que me inventam um rosto. inventar também é um encontro. invenio. sem aquele mais além. o que resta deste lance, como última aposta, como a saliva no fundo da taça sem sereia nenhuma, apenas a sirene na rua e o calor que agita os leques. e aqui o aqui se prolonga num tempo extático.

alguma ausência

é ponta de lápis, meio largo, meio que rasgando a página. penso, não existo. não digo, nem insisto. o papel de parede desbota num dos cantos. talvez o amarelo não seja das páginas, mas do sorriso. uma voz fala ao fundo. não escuto. o escuro talvez possa ser confortável. eu gosto da força de um talvez. ou não. há isto de pé: o castelo de cartas sem princesa prisioneira. os olhos pesam, mesmo à sombra. estou cansado. disto tudo. das coisas que ouço. destas palavras vazia. eu sempre escuto atrás das palavras, no lugar entre o erro e a intenção. pinto o quadro. no joelho volta a dor e é a lembrança. há o código falhos. sem o pincel do indevido e... entende... os textos se escrevem. as palavras pingando das torneiras. oblitero a sintaxe. os conectivos suspendem o sujeito num entre-dito não-dito que roda roda roda roda como o chão xadrez deste corredor excuso. a biblioteca pesa num mais ainda. as prateleiras despencam. preciso pensar e não quero. devo cair ali. sem esquina, sem virada, sem olhar. o quê o espelho replete é esta mediocridade toda ossos. as palavras estão vazias e sem valor. não use estes gravetos para pintar a parede de tua caverna. há ainda o escuro na lateral de mim, naquele abismo em que eu me perdo mergulhando em mim, naquela água viva que se despinta como um segredo. é a queda. isto apenas. reitero sempre as mesmas frases como máquina de fala, como se pudesse gastar o lado de cá, as cores, estas palavras sem lamento. uma dose de uísque sem segredos, as mãos sujas de tinta e esta fraude que escreve sem cessar e sempre retorna ao mesmo lugar.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

cenas-pensamento VI

tenho medo. eu tenho medo. tenho medo do futuro, mas tenho mais medo ainda de estar certo. vejo a cadeira de balanço na varanda de frente para o pomar. Os anos conseguidos e acumulados nos corredores da biblioteca entre mil-e-uma-páginas se materializando nos cantos dos olhos. sem certezas. A imagem do gato agora se cindindo em outros dois, quatro, oito… bancando adília lopes nos trópicos. não sei fazer rendilhados, nunca fui bom em pão-por-deus. não creio em cartas-abertas. o joelho que agora apenas dói, cede. é, dizem, o futuro. a ampulheta vira. o silêncio é soturno como olhares distantes. eu tento não respirar quando escrevo, como se realmente a vida estivesse em risco enquanto traço as letras, combinando-as, grafando as palavras, lentamente fazendo surgir a frase como um murmúrio silencioso. como o poema, aqui, sempre à espera. um garoto que escreve tem grandes chances de ser um velho que fala sozinho.

cenas-pensamento V

é noite (e tudo é noite). o chão está frio. meu gato ronrona dando a ilusão desta outra pessoa possível que poderia dormir ao meu lado. nenhum de nós exige o completo comprometimento um com o outro, mas isto devolve um tipo outro de comprometimento. acredite. não é jogo de palavras. talvez seja a madrugada fria, o vento murmurando entre as árvores ou, última hipótese, o chocolate razoavelmente bom, com gosto de laranja, mas que não é o meu preferido. chocolate amargo com laranja, comprado às pressas. prefiro pistache. minha heroína de salto-alto, potencialmente de solado vermelho, sabe disso e dos meus segredos. inclusive aquele que te inclui e que nem é segredo. não deveria registrar isso. as madrugadas de insônia trazem pensamentos brutos: onde você está? o quê gostas? como dormes? como suporta este silêncio intenso? tenho mais livros do que roupas na minha mala. a fazenda é literalmente um campo aberto. preciso de um mau conselho que seja bom p’ra mim, não de bons conselhos que nunca me servem. eu insisto e faço diário. você ainda volta aqui amanhã? vejo alguns faróis: polícia de cidade pequena. Insistente, assustada. eu sempre penso que as coisas são pessoais.

cenas-pensamento IV

um galo canta. outra vez. o dedos se chocam com as letras. outro canto. o canto do quarto é escuro. o s cantos de mim além de escuros são densos e úmidos. apesar de tudo não é uma floresta tropical que ressurge e vibra, mas o deserto que insiste. esta secura dolorida de mim. de saber-se assim. não nasci para fazer nem o que acho que sei fazer. me deixa gostar de ti, do meu jeito. datilograficamente vencendo os quilometros. talvez eu nunca veja um pôr-do-sol além do painel que estou pintando. talvez eu só tenha os dedos sujos de tinta, sem lágrimas, na testa o suor ainda. quem preenche o espaço lateral agora, tem garras e morde. mas isto só me diz que ele está aqui.

cenas-pensamento III

não tive tempo antes de correr para cá de pegar minhas cartas. se é que eu tinha alguma. eu nunca tenho. eu apenas envio. letras cheias de letras. cheias de mim. apagando as laterais, borrando a ponta dos dedos. andromaque, amanhã te envio minha carta tão longe de paris. mas ainda penso em ti. aqui, chuvas de verão, sonhos outonais. o cheiro da manhã que poderá vir é tão forte que dói.

Cenas-pensamento II

luzes apagadas. tentei vislumbrar o teu rosto. eu gosto da lógica. eu queria tanto o arrebatamento profano. é impossível. eu acredito no um, no dois. a vida é isto. o mínimo de matemática no sem sentido aberto. esse corpo cansado pede um abraço. acho que vivo para isto. instaurar a cena, dos meus lençóis solidários abrindo o horizonte da insônia. é tão difícil uma resposta? tu disse que eu poderia acreditar. você me deu o um e eu fiz a conta.

Cenas-pensamento (em viagem) I

dobro as peças de roupa. mais livros do que roupas na mala que pesa como meu desejo. é preciso escrever. é premente que se escreva. não isto: este é puro efeito colateral de um pensamento maior. sou lógico. acredito na beleza do p ou mesmo nos fibonacci.mesmo um floco de neve responde a beleza da geometria. não obstante não calculo,escrevo. tento pensar. não que seja vital, mas por agora é preciso. valentino é um bom garoto. troque a gravata turquesa do pescoço por um laço vermelho para combinar com os olhos verdes. vem ao meu lado no ônibus, não reclama, dorme e observa a paisagem. quase 4 horas de curvas, araucárias, curvas, pastos. desconhecidos presos num mesmo destino. não. não acredito em destino. na mesma direção. um pensamento vetorial. aqui. sozinho com valentino. o táxi é velho e cheira mal. o motorista grunhe qualquer coisa. siga. sinal vermelho. sem conversas. casa. conforto. valentino faz vezes de cometa em espaço aberto. salta. eu aqui. sorrio. não sei mais conversar. as horas passam. envio notícias. nada recebo. espero. leio. freud brinca de tentar me ajeitar num desconfortável divã. escrevo algumas páginas. boas para um primeiro dia. boas para uma retomada. sem genialidades: é trabalho. tomo meu sonho, bruxa medieval, espero as pupilas mudarem de cor. você ainda me deve uma foto para seu retrado. a mala aberta ao pé da cama. o pijama rosa. valentino com seu laço vermelho cochila e ocupa toda a cama. 3h33: já é amanhã. escrevi um postal para você. "andromaque, je pense à vous...". espero que não se perca. espero não te perder. odeio silêncios.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Beyond Borders

acordei jolie, angelina jolie. olhos pinceladas e sorriso impossível. pronta pra escrever seu nome, em sangue, na minha camiseta branca. simples assim. sem crimes. sem acordos. eu-você diante do tempo suspenso, num espaço qualquer. lookin' to get out. assumindo as condições diante do espelho, diante da espera. minhas palavras não fariam um longa metragem. mas sabem esconder o corpo, disseminando os ossos e os desejos. without evidence. não acredito no pecado original. abra o mapa. persiga a linha. sem horizonte: o mapa apenas me diz de onde você não está, mas onde você pode estar. se os km fossem o cm de ansiedade. mas o tempo pássa e roubando vidas. não penso. rímel em sépia na cena. saltos vermelhos. vestido longo preto. arma na coxa. um brilhante no incisivo esquerdo. vítima sem consciência: em queda livre.

Sahara

venha à minha casa, e diz deste espaço onde eu & você nos confundimos. e destas flores da escrita. silêncio diante da escolha racional. ainda me ama? você ainda pode lembrar do meu rosto? você me conhece ...
meu castelo de cartas no meio do deserto é um assassino misterioso.
em møllehøj o céu não fecha, não agora e nem nunca. o ponto cego da objetiva te captura. passo a língua na paisagem. as papilas gustativas vibram quando passam por suas pupilas: as papoulas profundas de teus olhos escuros. não faço versos como quem chora: eu sequer faço versos. falsário roubando lentamente as palavras. senta-te diante de mim, toma café comigo, aproveita as horas que se esquecem. me deixa me perder nas linhas de teu rosto. é o tédio! - os olhos seus que a chorar sempre estão. é o amor! ainda, apenas dom desconhecido na penumbra a te tocar de leve com as pontas dos dedos. tiro minhas roupas e como um deus antigo vou desnudo para teus braços. nada, somente esta espuma que ainda insiste, entre as palavras, como um balbúcio. pinto as cavernas e minha caveira balança. foi o rítmico suspense do sinistro que nos colocou assim. você entenderia este meu lance, este último lance de dados? o leque na mão desluvada não refresca a angústia. você saberia, em sonho, dormindo, repetir ainda meu nome? talvez o silêncio seja a moira tecendo e tecendo e tecendo uma tragédia sem fim.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

الصحراء


تعال إلى بيتي ، ويقول ان الفضاء حيث أنت وأنا الخلط بينهما ، وهذه الزهور من الكتابة. الصمت في اختيار منطقي. تحب ما زال لي؟ يمكنك لا تزال تذكر وجهي؟ ماذا تعرف لي...
بيتي من البطاقات في وسط الصحراء هو لغز القاتل.

暫停

寫:現在。
一達達主義詩
花你的眼睛
模仿太陽
給我一個吻
沉默
你看一下嗎?

It is Monday in her mind

abro a janela para voar do quinto andar. os milhares de sorrisos e palavras à toa na caixa de e-mails me agonia. I hear her great heart purr. o corpo feito um velho relógio: enguila. a gente poderia se ver no aberto do céu, suspensos no ar. se encontrando ali, onde te mostrei, ali na minha estrela preferida. sylvia plath em brasília correndo na contra-mão. ana c. em algum lugar na europa. as pedrinhas de caio f. chacoalhando de leve no bolso. impossível ler o que deveria ler agora. mais ainda escrever. a cabeça vazia como um crânio de plástico. isto é uma frenestração occipital. o aberto no lateral extraindo dali o viscoso da angústia. quando pesa uma dúvida? você deseja que eu, como espelho, apenas veja, mas nunca me vê em meu sem-fundo prateado. o que você vê é teu rosto deslocado para o fundo de minhas pupilas. I think it is a part of my heart. a cinderela é a única que percebe, neste salão, o tiquetaquear do relógio. quanto tempo ainda eu tenho? o suficiente para um cocktail e um beijo? e deixa sua impressão na noite, como o caractere no avesso do papel carbono.

quase um retrato

Audrey observando a chuva através da janela, sentada sobre meu ombro. “Devo ter medo de gostar de ti?”. É sábado. E chuvoso. Ouço alguns gritos felizes, vindos de algum sem-lugar. No excesso, algumas coisas sempre escapam. Vou silenciar. Respirar devagar, no baixo da página. Audrey arranha, morde. Isto é instinto ou algum tipo de carinho? Minha biblioteca cai, as pilhas de livros se espalham. Minha pequena biblioteca. Sem raras borboletas ou coleção completa. Estes olhos verdes, olhos de loucos, que me observam através de um segredo felino. O quê eles dizem. Sim ou não? E ele? Audrey me responde lambendo as patas. Meu corpo pesa e afunda entre os lençóis. A gata, guardiã egípcia, não me responde, não evoca Bastet, sua mãe posta nas estrelas, sem oráculos nos olhos caçadores. Talvez por isso para os gregos, a mulher fatal era a virgem caçadora. Não sou grego. Não sou mulher. Não sou virgem. Não caço. Minha violência é grandiloqüente e só isto. Palavras que se acumulam para nada. Eu só queria uma pequena certeza, um mínimo de sentido, talvez seguro, neste mar de restos e vozes.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

tarde (ainda)

(uma resposta para um poema de ronaldo)

eu não imagino a tarde, espero. calendário sonolento que escoa. penélope, para além de qualquer deusa grega, trança os sonhos junto aos cabelos. não sei onde é o longe. o mais longe do longe. o giro, a curva da abóboda celeste. na parede uma foto de brigitte bardot nua e fumando. a fumaça devolve o quente pensamento. eu quero àquela tarde. sem tempos perdidos. sem corridas perigosas pelas escadas. minha vida em sépia, talvez tivesse algum tom de azul melancólico. sem sons. a cena suspensa. a dores crescendo em progressão geométrica. a vida sempre tocada em acorde de sol maior. preferindo sempre a casa, sem o palco, sem a tela do cinema, de janelas abertas. o mundo é isto. do real e do impossível de mim. o que dizer para ti? eu quero aquela tarde, não muito longe daqui. uma tarde que não morre, mas se põe, como um selo numa carta, como um beijo na testa, como uma mão em uma luva. qual a cifra. põe os instrumentos à um canto, como quem deposita os olhos e depõe contra a própria verdade de (seu) desejo. assim, ao rés do chão, no tocante da pele, ali no úmido do nós em que nada faz sentido, mas apenas fricciona o desejo de... uma gota d'água não é necessáriamente uma lágrima. as minhas tardes são feitas para eternidade, presas no relógio, decido o que retorna nesta cadeia, neste eterno retorno. não é nunca a tarde que morre, mas o desconhecido que como o deserto, ou o mar, ou o céu, a amplitude do corpo se desvela sem legendas, sem fotografia, assim, de um jeito que apenas na própria tarde e no corpo, a partir deste espaço no centro de mim, se desvela.

à procura do passado passado

sem chance. eu durmo sozinho. uma mão na escuridão é o que toca as costas. o corpo suado depois da dança. o corpo encontrado quando as cortinas, do palco, do quarto, se fecham. houve, há tempos, praia, céu estrelado, abraços mais quentes e finos. beijos. a febre posta nas palavras. dois anos, talvez um pouco mais. o passado não há. não volta. é preferível as fotografias aos velhos fantasmas. é preciso descansar. e agora esta dor no joelho, do passado, direto do ballet. a água escoa pelas costas. o banho. o sono. as pálpebras que nunca se fecham. sem segredos ou cadeados. meu livro ainda será escrito por outras mãos.

o não-previsto

prefiro ignorar o que acontece diante dos meus olhos. a escrita é fuga. tela ligada. tela: mil cores para nada. assim, sem poesia nenhuma. é o que eu não queria, ou queria, mas noutras circunstâncias, que acontecesse que acontece, mas comigo aqui. apenas penso. apenas isto me resta. pensando na cena e nem posso desenhar. não tenho lápis, não tenho papel. eu ainda queria descobrir este coração que eu deveria ter e não sinto. e tenho cabeça. e mil cálculos. as letras dão esse choquinho na mão. não consegui recriar o mínimo deste homo perfectus. não quero saber com quem você dorme. quero o banho. esfolando a pele, na necessidade higiênica do crime. não fiz nada. eu nunca faço nada. eu não deveria ficar apenas nisso. mas eu sei o que vai acontecer. eu sei o quê vai acontecer. o que diz a orelha do teu livro. eu tenho uma dedicatória que não sei o que significa. me conta teu drama que te conto o meu. meu divã destrói a chance deste reencontro. mas você opta por uma cama distante. e que não deveria ter aceitar. eu sou o psicanalista. meu drama é apenas voto de confiança. pura palavra. pura pincelada na maquiagem do semblante. denuncia logo teu crime. me diz do teu não. não me deixa na espera. não nasci para estar aqui: penélope tecendo seu tear. eu não estarei aqui depois de seus sete mares. eu não deveria lembrar, mas lembro. você não deveria volta, fantasma sem palavras.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Na cozinha

fazendo tagarelice culinária com o @samukaraulino acabei parando pra pensar no que eu sei fazer de mais especial na cozinha. algumas pessoas já experimentaram algumas delas, como o @francageorge e @oliviapasouza...
Ana Maria Braga, me avalia:

Jantar especial do Ev

(1) entrée: petiscos clássicos (pistaches frescos, castanhas de cajú, queijo parmesão em lascas) e crudités. Acompanha: Chardonnay.

(2) Consommé: salada niçoise e gazpacho español. Acompanha: Merlot-Sauvignon.

(3) À la table: risotto de aspargos, creme de maçã ao curry e creme de ervilhas. Acompanha: Brût.

(4) Dessert: sorvete. Acompanha: Sauterne ou qualquer vinho doux naturel.

Será que dá pra impressionar com isso? hein?

Do que procuro

Aceito o tédio, o cotidiano, o mais comum dos dias. Sem esta premência de um dia que supere o outro. Apenas um dia: como o outro. Um dia feito de um “bom dia” e fechado por uma “boa noite”. Sem aventuras pequeno-burguesas, sem taças quebradas, sem o furor de uma paixão ao cair das horas. Um dia feito no dispêndio das horas. Talvez com algum sorriso. O quê você leu hoje? O acaso como o estranhamento dos efeitos do quadro. Um dia em que o corpo se esconde e envolve no corpo, na pele do outro, para esconder-se num sonho noturno, na respiração sonolenta, de um corpo que também se abandona a escuridão tangente de dois. O que te aconteceu hoje? Um dia em que não o igual, mas apenas dia feito em vida, na liberdade da vida. Sem exigências. Feito entrega, talvez com um beijo. Sem relógios atrasados. A gata ronronando levemente sob sua almofada. Sua mão sobre a minha. O futuro ali, ao dobrar da esquina. Um dia feito das minúcias do dia. Uma xícara de chá, um bom chá em boa porcelana, um livro, não apenas um livro, mas aquele em que os desencontros do tempo se acumulam e se amarelam como um álbum de fotografias. Sem evoluções. Um dia de pequenos prazeres postos à superfície, talvez nova, apesar das rugas, um dia feito para eternidade. No limite de si, desdobrado ao espelho, como numa cadeia infinita de séries também infinitas, um acaso condensado numa pequena palavra que surge no último piscar de olhos, antes que o sono venha, antes que o abraço afrouxe.

Para Audrey

Os grandes olhos verdes, o corpo quente aqui, pousado entre minhas cochas enquanto escrevo. Digitando comigo. Vez ou outra tentando morder a ponta dos dedos que se chocam com as teclas. Corre e salta sobre o teclado. As patinhas pintadas, em que não se descobre se eram originalmente pretas ou rosas. Recolhendo em lambidas este segredo de noite esquecida. Escolhendo ferozmente seu canto na cama, as suas horas, seu dia. Um pequeno animal preso aos seus dois meses de vida, não se sabe ainda felino, mas feroz, leoa que sabe que aqui talvez seja o maior de seu território, dominando aos poucos miados sua verdade imperiosa. Água. Comida. Carinho. Soninho. A respiração frágil daquele que não sabe o perigo que corre ao observar o mundo através de um vidro polarizado, cujos os raios de luz, enchem o quarto de luz, no fundo rosa das paredes. E dorme. Assim, abandonando-se então a sua impossível de ser escondida condição de filhote. Fazendo do mínimo afago, o meu conforto. E um encontro de uma maneira de:

Do que não se vê

Rostro absoluto, firmeza mentida del espejo.
El espejo se olvida, del sonido y la noche
y se puerta al cambiante pontífice entreabre.
Máscara y río, grifo de los sueños.
(Lezama Lima, Muerte de Narciso)


O corpo molhado, o espelho capturando o corpo que se observa e lembra dos primeiros passos. Première position. Plié. O peso das mãos, com as linhas pesadas de um destino que não se deixa ler, obriga a cair esta fadiga. Uma mariposa voa a um canto, dando a cena congelada o movimento impossível de queda. É uma opera que talvez se arme no fundo real do espelho. Noites mortas em que as bordas secretas para além do suco de laranja e das torradas, além do acumulo e das falhas que o músculo absorve. Há na sombra uma estátua de um bailarino que se apaga. Sem música. Sem cor. Cabelos molhados, o rosto esperando o vento de uma moto de James Dean, mas isto é cinema, não é real, nem é desejo. É apenas uma boa imagem. De minha janela, aos pés da cama, entrevejo o mar, no azul profundo de tanta história, de tanta estrela não refletida sob o fundo opaco. Caí então o corpo como máscara. A única possível no encontro de si. É o sangue que corre que dá cor ao espetáculo armado de ossos e disto, impossível dizer. Sem super seres poderosos. É uma tentativa também de entrada neste país, nas vias do sonho, sem controle. Ali onde o mesmo gesto reiterado é potente e prolifera como num caleidoscópio sem imagem. O que indica aquela moldura? Não sei o porquê me visto também de noite.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

de tua cidade

Em silêncio descobri essa cidade no mapa
a toda a velocidade: gota
sombria.
(Heberto Helder)

é simples assim. tentei ver meu percurso. é, daqui 2 meses ainda. minha rota possui pedágios. qual o preço que devo pagar? quantos de ti existem na rede. tentei levantar os dados, os perigos. isto. só me restou a cidade em aberto. não sou paulista. o quanto meu relógio se adianta na rodovia dos bandeirantes? 1667 km. simples assim. o quando do espaço que ainda resta? qual o ponto 050 do brasil quem é mais que o meio do caminho. ali, pedra sapão, estátuas, cinderelas. sonhos. via s. o sibilino ser que suspira. o que resta adiante de um (certo) oeste?

a mosca e o leão

(de um verso talmúdico)

parou. sorriu. distante. é assim que uma história não se permite começar. sei que você não entende hebraico. eu aqui, tu aí. silêncio. esperando um banho. eu aqui, te esperando. e nada. e só. e isto. estou recapitulando as horas. não devo acreditar no que dizes. talvez a vida seja um desenho animado. onde eu vejo neurose, você ve pornografia. vou viajar. mesmo. e se meu se e somente se não fosse simplesmente isso. se a minha escolha não é toda esta. vamos ao fundo da metonímia, para desencotrarmo-nos no labirinto mal-formado do desejo. as peles. a voz que eu não tenho. a certeza que não tenho. aquilo que eu não insisto. cansei. apenas me deixa dormir e sonhar? uma vez ainda.

(d)isto

meio ginsberg

(I opened my door)

teclado aberto como um horizonte sem fronteiras. esperando. quem sabe aquele sentimento a mais. esperando que você apareça. mas você nunca vem. talvez eu não seja um poeta. talvez eu não queira ser poeta. sou um simples estenógrafo dos dias, do tempo. do meu dia. do meu tempo. disto que é aquilo que finjo ser esta vida. eu erro a ortografia inventando um código. procure. sempre. correndo num supermercado em paris.correndo através da avenue opéra. sem música. estou extremamente fatigado para fazer estas imagens. estou cansado de ter de implorar este excesso. meu trabalho de casa será um haikai nunca publicado. "bebo meu chá sem açucar, não sinto diferença nenhuma".um orgão selvagem. será que estive no teu sonho. o que significa estar em sonho? o que significa um simples pedido. há aquele eterno desejo lateral. eu abri minha dor. minhas dores naõ tem portas ou janelas. são asfixiadas pelo sem-espaço das palavras. Can I bring back the words? o privilégio desta existência é o que eu te digo. minha existência intermintente em poesia sem poetas e sem deuses. eu e você abandonados à batalha nos lençóis. não acenda a luz agora. não quero ver as marcas de "your long sad face". nos lençóis, não há derrota.