quinta-feira, 29 de abril de 2010

Royal Flush

os diamantes na orelha incomodam. a pele coça e escama. com a espátula retiro as camadas de tinta do quadro. o cheiro de resina disso que descola como dúvida. o lado esquerdo da cabeça é o que ainda dói. amanhã: europa, rio de janeiro, nova iorque. é preciso escrever para fazer retrato. para pintar. escrever como quem pinta, para aí desistir da imagem.
a torneira aberta, o cílio adormecido que caí e se cola na face, a pálpebra trêmula de cansaço. quando terei a resposta? um império que rumoreja entre as flores capitais e se esquece, como lingerie, num canto do quarto. os saltos vermelhos não deixam ver sua cor na tela em preto-e-branco. a cor contamina, mas não se mostra. apenas contorno, faço a curva.
minha fronte lembra da febre e do toque. ainda. das garras contidas, do livro não lido, da tequila esquecida. não sei se me lês. ou o porquê disto. preciso de café. prescindo do sono. tenho fome. o sol que se abre não me aquece, sinto frio, o vento, a dor, a navalha nas mãos de um espanhol.
quer pipocas? vê o espetáculo. eu sei onde você vai hoje, mas não te encontro. o labirinto do labirinto. eu te ensinei a jogar poquêr. kicker. algumas vezes não é preciso mais do que uma quadra, mas apenas algumas palavras, os olhos atrás dos óculos escuros, o meu valentino, o seu ray-ban, o dior dele, o chanel dela. meu lenço armani me enforca. engulo a dúvida e espero o contato. ainda. apenas um ''não'', seguido de um ponto, já significa. talvez demais.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

minhas desculpas novamente!

peço desculpas por ontem, eu não me importo. te enviei sanaâ um de meus poemas. uma palavra larga, maior que a ferida, como uma pedra lançada em um lago. danação!
já selei meu destinho para você me deixar assim? a palavra nos faz torto? sem querer, assinaremos as letras da morte de um grande amor que poderá morrer tão rapidamente?

a leveza dos sonhos me atraiu,
o doloroso grito de um coração na baía, o tempo frustrado, as expectativas do sem você. eis as testemunhas de que eu não quero o nojo.
a palavra fantasia faz tantos presos, homônimo fonético como um beijo sutil. quem vem feria minha sorte e quebrar nossos corações, provocando meus sentidos e me cercando de vergonha.
você está preso no canto do meu poema, toando me minhas músicas, você tem de estar em outro lugar, para exigir o seu direito ao momento do coração.
desculpe, sanaâ, desculpe por este erro. estou em ordem e derreto em vergonhas. minhas desculpas pelo "escudo" frágil
, vem quebrar o meu destinho e meu coração de pedra.

uma xícara de café frio

a caneta equilibrada em uma orelha, as olheiras definidas. um pouco de aritmética. eu ouvi, mas não sei o quê ouvi. deveria obter alguma certeza de uma presença foule. talvez. eu cometi um crime, não sei. quelques-uns de mots qui, jusqu'ici, m'étaient mystérieusement interdits. reclamo e desdigo: desdita. sabe quando o que se quer apenas é dormir um pouco mais para calar as dores do corpo, as dores para além do corpo, ou as dores que impossíveis ainda insistem no corpo... sei esperar, como quem joga cartas. sem querer que o jogo mude ou a sorte venha, apenas esperando, à espreita. escrevendo como zola, qualquer palavra para passar o tempo, uma estrofe não muito evidentes, derrubando os homens em uma história não tão monótona. escrever para a belle du jour... à une belle jeune fille, para um último adeus, para alguns velhos olhos. escrevendo "je t'aime", em chinês ou grego antigo, ou ainda sobre a areia do aramaico, como quem escreve suas revoltas contra as paredes das prisões. mas como se não bastasse, é apenas aqui, escrevendo no laptop em um trem velho, perdendo-se em curvas e idéias, nas prateleiras da biblioteca, tentando escrever algumas linhas, para ti, antes que você se vá. é preciso o quente do café, o doce do chocolate, esse abraço no vazio. o silêncio suportável das salas de leitura que gritam em caracteres miúdos nas páginas em branco.

terça-feira, 27 de abril de 2010

os canos

(certamente, para andrea)

preciso escrever para não pensar. o barulho dos canos no fundo do hotel insiste crimininosamente. ''criminosamente'', um título interessante para um romance, não acha? deste silêncio sangrento, das palavras que se arrastam, das marcas de dente deixadas. 180°. eu só preciso de um sim e/ou de um não. não deveria ser difícil. mas é preciso decidir. eu tenho um punhal e não sei usá-lo. meu endereço atual é um quarto de hotel, anote: 113 Jane Street, New York City 10014. preciso que me procure, patologicamente. eu apenas devoro minhas notas aqui. os canos ainda persistem nesta esquina, escoando minhas idéias, entre vômito, sangue e muita água e ainda mais nas pessoas que passam. tudo se confunde. sei que estas aí, perto da ópera, do espetáculo. aqui, as dobras se acumulam apenas. eu preciso saber e não prescindo da resposta. os canos murmuram numa algaravia que eu não entendo. eu preciso parar de romper os colares de pérolas. eu preciso pintar o quadro, último presente. enviei meus mensageiros até ti. eles se perderam em algum lugar em meio ao mar, este mar pintado entre óleos e aquarelas. eu não direi eu te amo: ele só pode ser dito uma única vez, eu aprendi isso. eu tenho anotado isso: 12 - rue de Richelieu, Paris. velha forca, muitas forças. eu ainda insisto em não pensar, mas em manter esta sintaxe rumorejante, como que quer dizer que está aqui ainda, mas não sabe se pode gritar, mas sabe que gritar não responde, apenas esvazia o corpo. não quero o vazio do corpo. o vazio do meu corpo. o vazio do teu corpo. o vazio dói e dói criminosamente, como os canos que se enchem e se esvaziam repentinamente, nas madrugadas, entre montpensier e riverview.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Notas rápidas de viagem

(segunda, 26)

a torre ao fundo dói e lateja. não sou uma criança tão frágil, mas precisava saber no fundo da gaveta o que se passa e o que acontece. ainda não dormi para evitar os pesadelos. a mala ainda está ali, ao canto, toda pronta. caso me chames de volta. caso digas não. caso se afastes dentro do dominó do espelho em chamas.

(domingo, 25)

a donzela fugiu do castelo enquanto o príncipe dormia, conta penélope assustada em sua trama. o tear maquina, à espera, ela sabe que ele poderá demorar mais do que deveria. onde andará ulisses? em quais mares ou corpos afoga sua boca ávida? os postais não foram enviados, a carta não foi entregue. ainda espero minha resposta.


(sábado, 24)

longa caminhada. os baforejos e as lentes. as pessoas estranhas. tanta gente. tantas bolinhas. bolinhas. petit pois. pois, então. o que dizer disso. eu preciso escrever a nota rápida, sem o gosto amargo da saliva. esquecendo os detalhes para que somente eu possa lembrar.

(sexta, 23)

tomando um café com rembrandt. ele me olha. o fundo escuro. a tela escura. a luz oposta. os desejos opostos. as mãos simétricas, em curvas a linha deslocada. focamos a toalha, a natureza morta que devoramos lentamente. bebericando devagar o doce. o resquício de febre pede água. maquio os olhos, em quadros orientalizantes, meio egípcia, chinesa, talvez barroca. viajante misteriosa entre sedas e especiarias. sinta no ar meu perfume e me siga.


post-it

(pra Rê)


1,2,3... testando.
Não me conta nada de sumpaulo, besta.
O que acontece?
Tenho sauda'demais
bem merdelangue
e muita inveja do teu oiticica com warhol.
casa comigo?
Ain, pobrezin do meu bebê febril.
Então, como eu queria São Paulo,
ou Nova Iorque contigo.
Acho que estou com saudades de óculos valentino caminhando ao meu lado...


(quinta, 22)

É água, apenas água que escorre e escoa por mim. O corpo, que sei quente, se faz de deserto e não pensa. Sei apenas do (mais) quente lateral e do sorriso fechado, como o boquete de Marilyn Wahrol. Disponho quadrados, quadrantes, áreas. Sem medidas. Sem leis. O corpo suspenso não oscila, se esquece na queda para se encontrar sempre na aterrissagem. Giro e flutuo sem gás de descolagem, meus saltos não riscam o capô profundo de seus temores. Meu rosto agora desfigurado faz pequenas lições de piano, molto vivace, em teu corpo. Os endereços se enroscam como as ruas. Minha boca explodiu e perdeu meu sorriso numa febre rósea e lenta. Eu falo francês e tenho enxaquecas, mas me sinto leve. Sem água, sou ar, deserto. Poeira.

(Quarta, 21)

como lembrar? do que lembrar? a mochila, as roupas, isso que dói. os pés que caminham. mário ou piva? o que dizer escondido entre leques, olhando ao longe a avenida paulista. as meninas da gare são hoje os garotos da estação, caçando no metrô. não quero racionalizar, mas deixar a nota suspensa, como o corpo à espera.


(terça, 20)

sangue: um símbolo, ainda. o corpo quente. quente. como quem se acha entre triângulos e quadrados. eu esperei numa fila em silêncio, não rias. abri a nota. não dou mais que uma palavra que não seja fria. não sei mais de mim do que este nome. o peso do nome em silêncio. eu quero um abraço na sala escura ao som de jimi hendrix. diante da tela enorme apenas as fotografias passam. o tempo fora dos prédios. o tempo através dos prédios. não quero ser marginal. a função destas formas encaixadas apenas me faz esquecer apenas de mim. não quero montar quebra-cabeças.


(Segunda, 19)

Um dia entre trevas, um morto que rola sem luzes, mas quando se sabe que há a luz não precisa se perguntar o que é a luz, precisa? Eu sei que ainda nos meus quilometros. Não esqueço uma página, não esqueço um rosto. Nomes, substantivos, não se confundem com as coisas, mas enlaçam os traços de olhares ocultos. O corpo é vulnerável. Sem tempo para vampiros. Tenho frio e estou quente, muito quente. Preciso de água, tenho sede.


(Noite, Domingo, 18)

Quase não hoje e quase amanhã. Rápido, estranho. Talvez. O relatório exige a lógica que eu renunciei para continuar. O diário de viagem resta assim, aberto, folhas estanques e machucadas, mais uma vez. Há a luz, as estrelas, o vermelho e o verde, opostos cromáticos, quem sabem possam dar notas harmônicas? Do que dizes, do que eu não entendo. Sou muito literal algumas vezes e viajo quando as portas não podem ser abertas, tropeço em impressões, em códigos, mas ainda sei achar uma escada sem que me seja necessário indicar o caminho. Tudo é questão de vigas e alicerces, muito medieval, nada do meu século. Tão medieval como o incubo que abraçou o sonho da noite e com beijos róseos me abriu em febre o dia, o calor do corpo se fazendo quente, os tremores que não diziam medo, apenas estou aqui e me entrego. Fácil, mas espero.


(Domingo, 18)

Do que gira e se deixa enganar. De quando a música ruim de ontem apenas nos derruba na manhã de hoje na cama. Manhã. Talvez a última delas? Quantos dias ainda resta sem o gosto ocre de noite na boca? A boca. Ainda ela. Minhas calças sujas, o rosto suado, quase mendigo, nunca um príncipe. O corpo abandonado à espera. São Paulo é grande como um codex de devassidões, não obstante, apenas os prédios, a noite, a lua, o céu escuro e impossível de estrelas aparecem. Piva, Mário, quantos meninos ainda poderão ser vistos nestas luzes? A Paulicéia ainda regurgita sua ópera de pé quebrado. De olhar enviesado, um americamen vende sopas, atrizes, vacas verdes e orgasmos. Os acidentes impossíveis de se deixarem ver estão no sentido inverso, no andar de baixo, escondida na dobra da escada da exposição. Os monstros ainda habitam o fundo do corredor.


Passaporte
(sábado, 17)

Para Andrea, como sempre.

Não sei foi um mal ou bem, não sei nem o que se passou entre os pêlos e os copos na parede. O corpo não saberia dizer de outra maneira: ao esquecer-se foi do espaço, do fora-do-tempo, não se deixou capturar. Não havia um fora para olhar, não havia quem olhasse. É, talvez, um pouco doloroso. E não poderia ser menos que isso. A névoa confunde os olhos, as identidades. Este não pára, vai direto, mas para onde? Minha fotografia está manchada. Eu não tenho motivos para não crer e aceitar, todavia, gira e lateja, entre as jóias sem valor, os saltos carcomidos pelos passos. Tudo o que era o teu todo amor. Quilômetros de silêncio: eu errei sim, mas fostes tu mesmo o culpado. É mais do que o espaço de segurança que é (ainda) preciso. É este lugar de conforto em que o reflexo do vazio não chora. Existe ainda, n’alguma gaveta, uma primeira pedra guardada? Os olhos doem pelo gesto não realizado, nesta escuridão, sequer o vidro devolve alguma imagem. Imagem baforada. As mãos pedem álcool e assepsia. Dor da minha cabeça: esquecer, lembrar. Qual o código desta área? Os satélites que observam? Eu ainda verei teu rosto? Sem precisar procurar teu rosto numa terceira ou primeira alucinação? Eu não vendo bem minha paranóia. Não vou sangrar um delírio numa banheira e eu sequer sei cantar para contar alguma história de amor. Lembro coisas sem datas. Eu esperaria apenas um sinal a mais. Mas sinal do quê? De teu silêncio? O silêncio é o lugar fantasma roubando covas, significantes e talvez aquele elo que faz “Ele”. O sol não deixa as linhas neste inguiado de faces recusadas. Preciso reorganizar minha constelação, para um novo desenho. A minha noite, como meu tempo, não dorme. Eu apenas espero aquele abraço. Tu o sabes, como ninguém, que eu quero, o que quero. Sem águas doces. Eu comi sem fome. Ainda tenho mais meio caminho. Dá-me a mão Beatriz, minha terra tremeu. De resto, eu terei aquele chá real para beber silenciosamente, como teu solene sorriso, na minha ilha distante.


Iansã

(Sexta, 16)

De que me cercas, entre as estrelas, do que devolves nas mil faces do meu espelho. A tempestade que não inunda o mundo faz raios partirem o que há dentro de mim. Afoga e soluça. Eu tenho teu cheiro. Cavalgo o mais impossível dos ventos, domestico pensamentos. Ser açoitado por uma brisa feita dor de fim de tarde, sem romantismos, não estamos no verão. Não me pergunto se o sol virá, prefiro não. Eu tenho um banquete impossível, cedros, amendoeiras. Eu devorei meus mirtilos, doces encantos que daria àqueles lábios. Eu preciso saber que horas são. Eu exercito as mesmas palavras há longo tempo. Combinando os arranjos e concordâncias. Eu não preciso de um poema. Eu não preciso de uma longa novela, de um quadro, duas árias magníficas ou um estojo de maquiagem. Eu tento capturar sua face. Meu vento volátil e selvagem grita, sacode e esperneia. Estou aqui, nem chovi hoje, nem trevoeei hoje. Meu voou foi calmo. Minhas trevas longas. Meus trovões afogaram as sereias do meu caminho. Perdi a voz. Apenas isso. Te oferto um coração seco e velho pelo vento deste deserto imenso e imerso nestes olhos de cerâmica bárbara, sem máscaras. E isto apenas.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

s-cena

quadro
janela
espelho
a voz impossível dizendo do eco
quatro telas espera
as tintas que borram um rosto
as cortinas que sombreiam a cidade
a luz que arma uma face
não entendemos tua língua
eu que digo e os pincéis que navegam
na abóbada
arco
desejo
- o poema não quer pensar-
nos reunimos em torno do cadáver
facas serras e medos
alongando o olhar por cima e por dentro
escrevendo escrevendo escrevendo
cortando raspando escolhendo
sem ação e sem gosto
a boca não saliva
sem ais o corpo se abre
frios dedos se fecham
olhos vítreos se abrem
na ação do agora
clínicamente

(Heart the glass. Blondie)

O tornozelo dói. As tintas e a maquiagem se misturam para consertar um rosto que a noite digeriu. A dor vibra em cordas, nos pêlos da pele e dos pincéis. Não reproduzo mundos, não brinco de metáforas e metonímias, sequer construo alegorias. Fogos de artifício. Firewords. Os efeitos apenas como paredes de labirinto. Sem entradas e saídas, apenas movimento no movimento. A esfinge não faz perguntas, por isso o enigma é de impossível resolução. Eu não entendo o seu ritmo, não gosto de formas. Falo e escrevo como o mundo de uma ética impossível, neste espelho babélico em que penteio os cabelos e escovo os dentes. Não faço mais pontas, apontes e aportes. A aliteração é um jeito de forçar na letra o som. Bater, bater e rebater até fazer música. O meu espelho não tem fundo, raso como os olhos em que agora não passo rímel e não tranço os teus desejos aqui. O seu silêncio de cidade grande me inquieta. A tequila chacoalha na bolsa, as malas estão cheias. Possivelmente não leve mapas ou livros. Tenho medo das escritas em eu. Primeiras pessoas são sempre as últimas. Gosto dos retratos e dos dossiês, mas meu detetive se perdeu entre inglês e francês: fugiu com alguma canadense (improvável). Cansei, porém, de banca o analista. Apenas faço fogo agora e uso o carvão pra escrever no vazio das paredes. E simplesmente não consigo fazer que a imagem dance. As palavras como coisas letárgicas insistem na queda e caem no vazio, sem som, esticando uma voz que não há e dizendo do que não pode ser.

(Stairway to Heaven. Led Zepelin.)

Choses dans les tenebres, selon ses lumières. O que ouço é apenas isso. O que escrevo e registro, mais uma vez ainda, é o silêncio. Doze horas. Minha mala esta quase pronta. Meu corpo já ressente o perigo. Me comprometo em escrever um romance. Ainda me falta uma nota, um perfume ainda. Ceci n’est pas ça que tu as pensé. Je le sais. Escrevo em vermelho. Eu perguntei, certa feita, sobre anjos, mas não obtive respostas. Minha pergunta se fez apenas minha questão. Impossível de ser perguntada restou de lado, no fundo do meu espelho. minha biblioteca está vazia. Sem acertos ou assertivas. A minha Paris não está no início do século. Não entendo nem meu português. E que angústia isso: um caderninho à Picasso que não pode ser roubado. Os moleskines foram feitos para jamais serem perdidos ou pedidos emprestados. Não procuro mais nenhuma função além das barras. Desenhei minha sintaxe e minha lady vitoriana que sabe demais guardou os pergaminhos sagrados deste mar morto aberto entre as costelas e respiração impossível. Sempre almoçamos à francesa, mas hoje (não entendo) fomos à italiana: largos e gordos. É apenas futuro, como torneira aberta. Para não economizar frases e destruir minha anorexia. Descrição? Rasgo no teu relógio que não volta as horas nosso intervalo alucinatório. Não teremos, talvez, sequer NY. Entende algo? Claro que não, estou tão longe que até pode ser até esta Paris. Mas há algumas palavras aqui que consegues entender, não? Não, não invoque com a caligrafia. Quando ela é simples ou rebuscada, tu apenas vê os riscos e não o que se forma a partir daí. É preciso se afastar da superfície. Meu D não é um M. (politic/politique). Temos fome, sede e necessidades especiais, mas ouvimos, tentamos e entendemos. A família sofre junta.

Andaluzia

(minha querida Willow)

Nem, faz um tempinho… já, já vou deitar-me. Mas vá please. Lá vai ficar abandonado na catraca do metrô. Chato com os horários. Vocês poderão ir sem chapéu, bem fora da lei da casa. Corra ou não dará tempo. Eita rapaz! Volta quando pra cidade? Uia, e você? Tem aceitado? Acho ele bonito e gente boníssima, hein! Se não arriscarmos, nunca saberemos o que poderia ter sido. E nunca vou deixar de arriscar. Podes estar se privando de algumas histórias e histórias fazem bem. Há interesse de sua parte? Olha, resumamos assim: a cada dez seduzidas minhas, vinha meia dele como “compensação”… acabou que a coisa parecia unilateral. Só eu tinha de seduzir. Cansei e terminei tudo. Baby, pedirei um tempo agora, coisinha complicada aqui. (Revisando bibliografia). Adoro cupidar. (…valha-me Nossa Senhora, há quanto tempo ele foi s’imbora, para além dos braços de Iemanjá…). Okie dokie.

Dactiloscopia

¨Dedos inferem no teclado:
Nome:
Data de nascimento:
Breve dossiê:
O pouco valor desta espécie -
O ângulo facial que des{d}enha -
( ) Caucásico
( ) Mongólico
( ) Negróide
( ) Indiano
( ) Australóide
Sob o metal, separados para análise, os genitais.
Corpo putr-efeito.
Exame das rugas, dos pêlos, do globo
# [ocular].
/Radiografia./
\Caligrafia\.
|Fita métrica & ossos longos.|
(não brinque de fada do dente)
Impressões.
Próteses, restaurações, ausências.
Expressões.
Calos. Arcadas. Fraturas. Amputações.
É preciso supor a imagem.
É preciso superpor as imagens.
Esquecer a genética. Sem grupos. Sem crenças. Sem tatuagens.
Margem de erros: _____ pontos!

Vesalius V

Vesalius IV

Vesalius III

Vesalius II

Vesalius

Do que (ainda) resta

segunda-feira, 12 de abril de 2010

De um quadro anônimo

É apenas o vazio dos olhos, o que se vê. Sem nomes, santos ou cores. Táctil o que dança é a música. Eu odeio jogos. Os esbarrões são possíveis e não improváveis durante as noites. Poucas vezes o meu camundongo violento enfrenta a serpente faminta e saí do labirinto. Ele não tem medo da morte, tem medo da dor. Não sou bacharelesco, minhas idéias é que são antiquadas. Minha sintaxe é larga, rompida, como uma estrada aberta, cortando os vales, fazendo sulcos nas páginas. Não deixo as coisas pra depois, eu apenas deixo o fluxo das coisas. O tempo acumulado em cada palavra é o tempo-coringa de sua certeza impossível e de uma validade repentina. O que eu não recuperei? A tela rasgada da Gioconda quanto vale ainda? Somente Rembrandt, entre cores e sombras, pode pintar um Rembrandt, então não me preocupo com essas falsificações. Depende de ti, pincel e página. Comprei carvão e espaço. Rompendo estrelas, sem luzes, sem anos, sem deslocamento. O que resta é vazio impossível do som da galáxia. O álcool não tira meu ritmo, é como carro envenenado. Gas. Gas. Como fazer ser perfeito aquilo que nunca se fez? And he hit the gas. Não gosto de acordes e acordos lineares. Minhas árias e melodias são impossivelmente surdas, agudas, gritadas. Mergulhadas em vinho, algemando o próprio do ser, fora do espaço. Insólito para mim são os crimes, não gosto de foras-da-lei. Os quadros não tem valor de moeda, não são cinema, não assim, isto que pensas em metes em cunhas e valores. Unitário é tão valor, tão moeda, tão rua. Tão não isto que apelo como vida. Não se invade meus pinceis a custo módico. Desenhando em papel-moeda. Sem ser fiel a nada, nem à tinta. Não coloco pra fora dores. Não rogo aos deuses ou céu. Enfio meu estilete nos mitos… cortando cartões impossíveis. Meus quadros são presentes, não postais. Bolsa de valores sem significar ações, é o que resta. Sei que absolutamente não entendes. Bem sei. Não desloco palavras, combino forças. Não peças desculpas pelo que foi feito, as coisas não se concertam. Um vaso Ming jamais será o mesmo depois da queda. Recomponha a arte, reencene. Abra as cores. Venha ao meu labirinto e se perca nos mares, tintas, caravelas, ossos, frutas. O corpo glicerinado não se esquece, mas não lembra. Sintaxe e arquiescultura. As formações antigas eram mais trabalhadas. Como exaurir o sem fim, fundo ou fonte? Sim, ainda lembro, tenho um retrato seu pintado entre néon e fumaça. Não sei se realmente me vio sorrindo. O quadro é o que resta. Sem vestígios. Fundo branco de la Fontaine no banheiro publico, fumando placidamente um cachimbo.

Não sei quem assassino ou como assino.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Um crime

3h33.

o vento frio, o corpo quente, em febre. como pedir desculpas por ter te acordado de madrugada? vejo os ponteiros dos relógios se encontrando, mas parece que o tempo não passa. segundos, minutos e horas: tudo tão igual. eu acabei de tentar ler um outro tempo. não consegui. abri ainda mais as cortinas dos delírios e enviei para os sonhos, pombos, mariposas, aranhas, tecendo recados e grunhindo minhas mensagens dolorosas. não irei implorar uma resposta. não sei o que sinto no istmo de mim. qual carruagem chegará primeiro? quando sonho engolirá alice em seu pesadelo? 8 cavalos brancos são o suficiente para um príncipe? as cartas de baralho de nada servem, sou paciente, mas não sei jogar paciência. renego os dados, prefiro os jogos lógicos aos de azar. apenas nos teus braços eu corro riscos, no silêncio e no inaudito de tuas palavras. sei que dormes. as orquídeas enroscam o corpo de um e o enforcam na noite. uma dama inglesa sonha seus deleites de chuva e prazer. uma matilha de lobos orientais uiva para um céu sem estrelas. um francês ainda bebe em alguma taverna. uma senhora italiana embala seu bebê que chora. entre cascatas e quedas d’água um cadáver passa despercebido. (o meu coração arrítmico embala os teus suspiros noturnos, sem que o saibas - e eu sei que deliro). eu quero os meus livros de volta, aqueles que eu ainda não escrevi e te emprestei. não tenho tempo para tempos rápidos. adiaremos nosso café? minhas sedas, meus linhos, estão úmidos. minhas pérolas se perdem nas gavetas. preciso fumar, mas eu não fumo; apenas carrego um isqueiro negro, no bolso esquerdo, para te servir quando precisares. (sempre recusei minha nobreza). meus livros se espalham pelo chão, misturando-se com as roupas lançadas em desespero. um espirro sem tempo, apenas o espaço tortuoso do quarto, embriagado sem álcool o corpo balança. é a caveira. é a ruína. suor, calor, sem dores o corpo se cinde num duplo desejo. o externo se rompe, o corpo aberto acolhe sua imagem palpitante: a minha verdade é que eu te queria, com esta chuva, com este lamento, aqui, sem platonismos, sem necessidade poética, apenas de vida. a vida que eu não sei fora do tempo. suspensa na angústia que devora: um oroboro. quando a febre passar e for hora de acordar, minhas pálpebras dobrarão o mundo e um mar de luz oriental impossibilitara que eu te encontre no limite do sonho: já estarás acordado e, armado, teu relógio gritará as ordens e as horas.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Retratos rápidos

(por Lennon)

Acho que tu tem o jeito perfeito de ser o menino pequenino vestido em branco e preto que se envergonha por causa dos meus maus hábitos enquanto eu bebo horrores em um bar e tu tenta me explicar que as palavras escritas na parede em sangue eram em latim e significavam uma profecia do século XVIII que foi esquecida pelos historiados e eu continuava bebendo e tipo, já sei onde podemos encontrá-los, me siga. E tu também ia dar uma ótima vítima de sequestros repetitivos: Seqüestrei seu fiel escudeiro, se você não me encontrar a meia noite no beco, eu mato ele. E daí tá lá, o Ev amarrado.

Colóquio Sentimental

Entre: ser/estar.

Permaneces até quando aqui?
Estarei em férias, o tempo nunca sobra.
Não há tempo.
O pijama, Norah Jones, vinho e algum vazio.
Mas temos tempo, não?
São 18 horas ainda.
Eu não sei as horas, não desta maneira.
É preciso não olhar a lua.
Sem conhaques amadores.
Enquanto dois se pegam no canto escuro da rua, entre sais e óleos, esqueço-me na banheira.
Tudo para ser diva, esqueço-me.
Sem flores do dia.
Definindo paraíso: banheira, chocolate, música e alguém pra pensar.
Falta algo?
Salvo sim.
Que horas é o voo?
Estou em pensamento ao seu lado.
Em algum lugar esta tocando Haendel.
(Tenho planos e projetos para um seqüestro)
Por um momento pensei em feliz com s.
Tens algo para fazer hoje à noite?
Menino barroco…
Eu adorei falar contigo.
Buonanotte, ragazzino!
Quando voltar, grita.
Honeybunny!

do que retorna VIII

picabia
passou
nem nasci e passei
não me resta muito
e no fundo
do fim final
da fila
grito
peço algum
socorro

do que retorna IX

sem médias rosas
saudades e outras
quem não sente?
não te darei meu retrato
minhas molduras não riem
encosta a mão fina
no fino revolto castanho dos cabelos
impele o vento
sem paciência
agita os guizos
faz barulho
quebra as verdades ao meio
e fica sem dormir
comigo

do que retorna XI

cito mal virgílio
não tenho praça, touro, toureiro
este não é o sonho que não tive
e por isso esqueci
e admiro o rosto imaginário que me surge na janela
enquanto o galo canta
mas não ouço

do que retorna XII

telegramático
estado caótico de hoje
desfasagem
riscos operísticos e operados para amanhã
bisturi em ré menor
como recusa sentimental
ordenamento morto
os filósofos
talvez uns originais
hodler x debussy
abramos a porta
faço pontos e bordo
inconscientemente
eu os vejo assim
sujeito sus-pecto
uma confissão de Cézanne
o ir-redutível
não cuspo arte
hamlet talvez tenha existido sem Shakespeare
só talvez
sem compromissos
um branco: silêncio tenso
ponto matemático

do que retorna XIII

paris sem sentido
ainda hoje
uns são arquitetos
fotógrafos e jogadores de xadrez
nus
místicos e dançarinos
políticos que confiam em videntes
nada contra
ainda restam astrólogos
com metáforas de flores
e pincéis em punho

sem me saber

VII

querido
vontade de te esmagar
check up

VIII

babe, sorry.
imprevistos.
beijo.

IX

tadinho.
tomei mil bagas.
se fizer efeito, te ligo.
beijo.

domingo, 4 de abril de 2010

Beverly Hills 90210

você não sabe, mas o velocímetro corre e voa. espeta. refaz. sempre leva vantagem quem esta na frente. mas o não há o tempo sem espaço. assim, confunde e dobro teu retrato. diz de mim no que resta de ti. abraça, beija, me acolhe. onde tu esta? cometa. faça estes olhos abrirem neste lampejo. abarca. retumba. uma pessoa lógica nunca espeta uma paixão. sem colegiais. a tese que se escreve pesa. mal-páginas em branco para nada, peso em estantes. números. os doces. sem certezas. eu quero apenas ouvir tua respiração sem me perguntar se estou certo. sem flores.

manuscrito

um estrado com cortinas de veludos com dragões bordados, sobre ele locke descansa, como personagem mascarado. no fundo da sala, atravessando o espelho, na virada dos olhos, no vermelho da retina, hobbes encontra uma reta a mais, um gole a mais. entre ele a névoa pesada. nicotina. pedras. contas, contras e cálculos. o mar aberto em fera. o palácio como selva. um mundo sem réplicas terrenas ou celestes. leviatã não é oroboro. eu venho esperando há um bom tempo, diz alguma voz. no fundo da catedral o coro de vozes híbridas se fundem e se confundem. na porta, entre as cruzes, algumas teses pregadas em alemão intelegível. um quê de sensorial faz as gágular resmungarem. um violino-navalha fia um destino. sofia abraça os cravos amarelos da terra santa. tábuas se quebram. um pesadelo surrealista não é sonhado. é apenas o rosto de cleopátra com os olhos cegos, bela feito tirésias, escorre, desce e soluça. eu queria poder dizer de ti, a ti, disto que sinto, mas eu sei que foges. não consigo te encontrar. nosso filho futuro atravessa as ruas. os céus azuis são pardos. quase vermelhos. não nos vemos por aqui. as páginas se acumulam. papel. champagne. caviar. sem queijos e delírios. sem lírios cristãos. o vinho pagão é o que verte um pecado a mais, sem nome. um beijo a mais. aquele beijo que foi prometido desde de antes mesmo do éden, na descida da cúpula celeste. os arco-íris não selam uma aliança, feitos de bruma, apenas dizem uma mensagem que não significam em preto e branco. um dado pode ser sempre importante, ainda mais quando lançado fora do tempo. sem outros nomes. esperaremos o início do jogo. as velas caem, gritos ainda, luz. muita luz.

Herrschaftsvertrag

por onde começar? os códigos se inflamam. eu queria não sentir ciúmes. mesmo. eu queria que este castelo de espelhos não refletisse o mais íntimo dos pensamentos. mas queria tanto uma outra coisa também. karl se faz tão século XVIII querendo me convencer a garantir alguma liberdade. 200 euros é bem diferente de 200 pesos. matteuci me seduz no fundo de seus olhos azuis, selando cartas e despachando, rápido e eficiente. tão liberal. devoro algumas groselhas bem devagar, sujando os lábios. você não precisa pedir minha mão ou outra parte de meu corpo a ninguém mais além de mim. tire as luvas. a literatura não mata. um tez mais morena talve diga do pecado na linha do sol. façamos direito. Le droit des gens doit être fondé sur un miroir. e isto apenas. pega minha mão, me põe para dormir. neste estado eu não quero mais pensar. afogo um desejo em um copo de absinto. esquecendo as místicas nestas entradas lentas. uma letra a mais. me abraça, guardando o meus pesadelos. minha poltrona range. o veludo despotado das cortinas assusta. teu sorriso distante no escuro ainda me lembra o reflexo da guilhotina. e eu nem espero ser salvo.

test drive

para Lara.

fraco. os traços desenhados sobre o vidro, na poeira da areia, se desfaziam. fracos. o açucar faz vezes de neve e faz o calor futuro dar a volta no corpo. sem carros. o hospital arma os crimes. não gosto de milagres da natureza. uma curva longa, sem cortinas. o cansaço. as dores. nenhuma palavra a mais. nenhum projeto. tudo se joga nas páginas de alta-velocidade de uma biografia que vai sendo escrita no desejo. sem platonismos. sem programar latinos e pornografia. continuar pintando a parede. ele parece um baby, diz a voz sincera comentando uma foto. lustro os saltos. a mão feminina dela aperta a minha. engatamos uma terceira, pisamos fundo e liberamos a sintaxe. sem peso na consciêncie e sem aditivos no motor.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Suite Bergamasque

As notas vibravam um pouco acima do que deveriam. Entre as cortinas um gemido suspenso no ar, o arco feria ainda mais o violino. A dor fazia ecoar um prazer oitavado. Um pouco antes da chuva. Um enigma sem variações não faz um pescador de pérolas. O que dizer daquela voz distante que insiste na presença. Ele dizia para ele daquela presença que não houve, mas aconteceu como falta. O mar nem era tão grande. Os quilômetros ainda mais nítidos. Não havia, obstante, como. E não houve. Mas aconteceu algo mais. A força renitente de um querer, de um ‘te querer’ para se esconder no fundo, sem caprichos italianos, do escuro de seus olhos castanhos. As moscas se prendem na tinta fresca do quadro, borrando os contornos, dançando as borboletas de teus cílios. Uma silhueta estende a mão. No corredor, com o rosto baforando no vidro, ofegantes dedos insistem. A unha contra o vidro. A mão apertando o cristal, duas esquinas adiante, cinco andares abaixo, numa angústia delirante. A sede percorrendo o seco dos ossos como um lamento aspirado do pó de alguma estante. Não é preciso mais do que aquele instante: a mão oferecendo o copo, a mão que aceita o copo, a boca que bebe do copo, a boca que anseia a outra boca, os olhos que dizem o que a boca não consegue dizer, o corpo fazendo calor, o frio silêncio-bruma entre dois corpos. Não é mais necessária a marca estranha. Os quilômetros dobrando uma ilha ao meio, afundando os naufrágios estésicos em frotas de barquinhos de papel em retirada. O que resta de um poema que é dedicado aos olhos que não o podem ler? A garrafa de tequila sobre uma mesa de tampo negro e luzidio refletindo o quadro, um presente, enchendo-se de pó na cabeceira da cama onde dois corpos apenas tocam o silêncio rasgado em veias azuis e vermelhas da descoberta. Os olhos se olham, completos (pálpebras, íris, globo e cílios ainda), não se reiterando um no outro, apenas uma piscadela tácita de que aceita, oferece, aquiesce. Sem teorias.

afixado em uma parede

Eu quero fazer ponta, ponto.
A neurose bate a porta, desenho o arco profundo
e senil
dos teus olhos.
A máquina trava.
Recua.
O pó entre os insetos.
Odeio insetos.
Pontualmente.
A solidão literal:
o bilhete à porta
solto, torto e molhado.
Um golpe violento de tesoura.
Aponto a marca.
10 pontos
corte profundo
(suspendo os erros de ortografia)
preto e branco
quero fazer ponta, pronto