segunda-feira, 3 de setembro de 2012

mais uma vez estou só. quem me encontrou entre os lençóis no final de semana? minha vida é como o tabuleiro aberto de um crime. quantas peças tens? quais as regras para me movimentar?  com que talheres comer e como me portar? abdiquei de minha garrafa de absinto. saí da casa de amigos e andei na madrugada deserta, noturna e sem sombras. sem crimes ou mistério. andei até suar para expurgar a dúvida. o que percebi não tem preço. percebo e avalio em planos geométricos os gestos e os comentários. acho que é hora de me pôr à escuta e esperar, esperar que alguém sinta minha falta (que nunca é sentida) e fazer o que eu sei fazer: virar as páginas e ler e ler e ler ainda e um pouco mais. pego o celular e passo em revista os nomes. crio uma cena imaginária: a que poderia, em caso de crise agora, pedir ajuda? quem me atenderia? acho que ninguém, no estágio atual. tantos nomes estranhos, tantas palavras indevidas. não te enviarei mais poemas, é hora de valorizar os caracteres economizando na letra, nas palavras enviadas. é preciso não gastar a literatura com quem não entende. é preciso não perder os sentidos no meio do labirinto. a maquiagem desaba aos poucos do rosto. não bebi. tenho duas opções, como andar para frente e voltar para trás, beber do chá ou do refrigerante. o poeta português ao longe ainda mais sinais de fumaça, quase nunca, mas nos últimos dias um ou outro verso aparecem e se recolhem no fundo de minhas retinas doloridas. eu optei por não, por um talvez. acabei trancado num carro por conta das palavras dele e sozinho na rua, com meus livros nos braços. é importante saber cuidar dos livros. diferente das pessoas eles estão ali, sempre ao alcance da mão, como fuga, como esperteza pensada, como crime mal-passado. a amiga não tão distante, ainda que um istmo de oceano nos separe não diz mais nada. o garoto de são paulo que enterrou minha carta no parque ibirapuera.  o menino duas quadras a frente que me engana e bule com outro amigo. aquele outro que, nojento, me persegue. o coelhinho dos meus delírios em febre, perdido... os fantasmas equidistantes... o garoto que é burro o suficiente para tentar me enganar com palavras esculpidas em ciclamato. e eu, acidulantemente idiota, deixo ir e girar seus botões. quantas pessoas apenas passam pela minha vida piores que estes que esbarram comigo nas calçadas e me olham de lado, mas deixam seus nomes sem função em tudo. aqui, em algum lugar, uma porta bate, me assusto. e nos sobressalto perco a palavra. queria tomar banho, mas minha pele coça. há tanto tempo não sei o que fazer.... e me sinto só. não sei onde encontrar. foi hollywood quem me estragou... tanto cinema! o velho sonho de, na saída da biblioteca, esbarrar com alguém, livros despencam, o mundo despenca, olhos nos olhos, mão na mão, um acaso impossível e improvável num universo de cutucos e mentiras sem substância. eu me arrisquei, mas não mais. deixa estar, eu insisto. por mais que eu creia nisso, isto talvez não seja para mim. a casinha, a cerca branca, o balanço no jardim.... meu lugar é o parque abandonado, o tubo, o corte na língua, o passo de ballet que não se sustenta, lesão no joelho. olho enviesado. escrita errática. queria poder confiar um pouco além, naquele passo em falso, na sustentação do cadafalso, mas sei que ninguém lê, a não ser eu. o que se desdobra em mim atravessa peles tão estranhas e fingidas e maquiadas quanto a minha. entre o possível chupão no pescoço (interpretação diversa e alheia) e o real da  alergia solitária... é isto, pura mancha. uma alteridade real, corpo com corpo, mão desluvadas e sem perigo, não se aventura aqui há tanto tempo. é toda tua dúvida que vomita em mim. e eu riu ainda mais laconicamente: tu que não acreditas tens o que eu acredito e não tenho. só posso querer ou invejar. mas não mais, não quero e não posso nem isso. não me permito. vou sumir devagar, já que não faço falta, se qualquer um pode ocupar o lugar. qualquer um. tão dificil. creio que nada nos torna mais especiais do que a entrega do amor, mas isto é crença, tão próxima do era uma vez quanto dos horóscopos. quem me encontrará minhas páginas amanhã,quando nem meu corpo restar só, entre os lençóis? quando minha voz rouca não tiver mais o corpo viadinho para contradizer... eu sou o aval deste delírio para ti, a verdade que não possuis e que rombas. ris de minha angústia e de minha melancolia como se fosse apenas um tira-gosto de férias, como se eu não tivesse pratos para lavas, como se não subisse e descesse escadas. só porque não aperto os mesmos botões que você e cravo os dentes no primeiro ser vivente e respirante que me lance algum olhar carregado. nem cigana dissimulada, nem musa iluminada. nem mesmo vidente. apenas isto, leitor de quartos escuros. sobrevivente.