«o que resta de hieróglifos na gaveta»
░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░░sei que não me lês (insisto nisso) nem poderias. imagem distante ao alcance da mão. ali, além do vidro, no fundo falso de uma meia verdade. toda esta história gravada n'um quarto. menos de 1/4 de rugas do que deveriam. a lâmina roça a pele. tantos pelos e através. mas é só a linha do rosto. não a linha verde-azulada que segue na direção das mãos, através dos pulsos. no rosto descubro o branco da página. a tez rosácea do sangue. talvez devesse. não bebo há dias. nem fumo. o vidro gelado. a baforada que esconde o rosto. em meio aos sons líquidos escrevo uma letra. tão idiota. prolongo e dobro a curva, corredor de biblioteca. os livros que me devoram. acho melhor não me proteger em francês. uma palavra mal-calculada e tudo se põe a perder. em cada palavra lida ou escrita resta um pouco de mim. eu não sei economizar, nem mesmo a vida. o rosto insiste, imagem que se confronta com o rosto em minha memória. os olhos não eram esses. não com este tom de treva e labirinto. a angústia, n'aquela época, tinha grandes esperanças. este longos cílios e curvos que se encarregam e carregam e escondem meus sonhos. a lâmina toca a pele, beija-a num beijo de morte. um beijo que se quer íntimo, quer o íntimo, a porta de entrada para o crânio. rasga (!) a pele abrindo um oco. abre as peças. rompe o lacre. desvela a carta. o puro buraco-negro de ilusões dispersas que nunca chegaram a se completar, nem mesmo como meia-ilusão. meu mapa astral não assinalava isto. os romances que li não me ensinaram a sobreviver a isto. eu vou te vencer no cansaço. antes do solução final, se ainda estiveres aí. preso aí, não será mais do que o esqueleto alvo de tua ruína. preciso de tempo para as respostas. mas tempo não há. não tenho mais meus 17 em que as beiradas do mundo se tocavam. os 14 em que as pernas alongadas, suspensas, sobreviveriam a mais de 3 humildes metros. o céu ameaça uma chuva que já veio no centro de mim. alagou as páginas, espalhou-se pelos papéis, imergiu o que restava n'uma grande onda de café puro. não apago meus erros ortográficos. o lapso indica o restinho de mim que ali se dependurou. aquele resto do rosto velho que não se reflete mais, dado que este aqui, reflete muito. caco do corpo. esta escrita se faz no exato do meu corpo. fico nu diante do reflexo das palavras. o vislumbre sedutor deste limite. um limite de corpo enquanto limite de forças. não me faço tão má retórica. texto longo e confuso, cheio de cicatrizes nos extremos. no centro, uma marca roxa de nascença. signo original. 3 vezes escorpião sobrevivendo no triângulo das águas em meio ao círculo de fogo. poderia reabrir minhas notas como pequenos espelhos de maquiagem. mas agora, ainda agora, já-agora, agora-mesmo, nu, diante do espelho, esguio e oblongo, o outro lado do espelho, poço impossível, resta vazio. quem fugiu de quem? a imagem correu para o plano do ideal. deixou aqui apenas as estrelas, constelações que nada me dizem. astros que não conheço. tudo tão funesto e misterioso. resto ali, no canto, no chão, recitando, meio grego, meio romano, nada medieval, meu canto(de)chão. no tapete, pregado à tapeçaria. como quem diz do túmulo, do que é seu. do beijo de uma caveira na outra caveira. as carnes que aos poucos fenecem e exalam verdades grosseiras. preciso me encontrar, passar em revista nos quadros da casa. meu anjo me abandonou no átrio vazio de uma catedral que nem se erigiu e se santificou. deixei um pedaço de minha carne, um quadrado de pele esticado e pendurado aí. é tão típico as coisas começaram n'um falso apogeu. a atmosfera tensa, sem ser fog, mas nuvem de incensos de turíbulos doirados. cinco minutos depois só resta o talvez, o ainda, ou o nada. [mãs...] o jogo de morte falha quando não há CO2. ante eu sabia do espelho. pergundo e indago. linhas da mão. linhas do céu. análise combinatória. 3 com 6 com 12 e mais um número a esmo. agora apenas o sedutor reflexo cor de velocidade e nervos que tremem nas mãos de um espanhol. há um certo machinismo vibrando. era tão mais fácil quando [se] podia confiar no espelho e ele enganava, mas não enganava. o inferno agora já seria alguma garantia. cansei de me perder aos poucos, lanço o corpo (como o grande almirante com seus dados) para além do vidro. esquecerei-o lá. não mais dolorosamente, pouco-à-pouco, pedaço-à-pedaço, mas, por isso, para enrolar o corpo, preciso de frases longas e precisas. não posso dormir: a sombra que circunda este corpo, fantasma na máquina, pensa demais. o menino Páris sempre falha. ele e sua janela repleta de brancos narcisos. tudo pelo mal de uma escrita dupla, geminiana. só não queria odiar junto com as luzes e cores a armação e o fosco do espelho. o lado impossível aos olhos. ''pareces um criminoso'', um dos fantasmas, conviva deste banquete, exclama. ainda sinto a vigilância pulsando, discreta. resto com minhas janelas bloqueadas, cortinas cerradas. o corpo ainda cheira à mofo. as moscas o evitam. ainda há o doce e excessivo perfume de recusa. as mãos trêmulas me obrigam a comer estas palavras sem pausa dramática de embrulha o estômago. tudo se acumula no intrincado da imagem. it's over. fuga. minhas noções de espaço não foram herdadas de um bom arquiteto. a orientação é uma bússola sem agulha. não se erigem mais palacetes. jogo fora um pouco de tempo que misturo e passo na cara para aplacar a destruição. deveria escrever mais cartas e postas. enviar os bilhetes. o espelho dói no (meu) corpo (e bastante). tenho medo das minhas molduras. aquelas que não escolhi. e Paris muda. dá o pomo a outra. e não muda mais. e penso nos fantasmas-diários que com suas páginas-lâminas vão me devorar. e por isso encho páginas para acabar logo com eles, com elas. liquidá-los. bem jules verne: será que as amizades envelhecem?. bebo as palavras, mastigo as estrelas. trago meu uísque com maçã. gole quente e seco. gosto de pó. no quarto branco cheio de luzes e paredes que se fingem alcochoadas. algumas palavras rescendem e deixam seu cheiro no ar. ninguém poderá fugir. você chegou até aqui. as palavras se acumulam aos poucos n'este vazio díficil de encher que devora e vai explodir, (me) liberando não só (d)o espelho, mas essa cicatriz negra sobre o fundo branco com que passeia minha mão direita. à esmo e sem juízo.
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