terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O fantasma sem sepultura

«Far away. Nickleback»
«Lover, you should've come over. Jeff Buckley»
«Fleur de saison. Emilie Simon»


Fumaça. A valeriana não muda o mundo, sequer serve como chave para os sonhos. Por isso ainda estou aqui. Falando no vazio, para nunca mais. Aqui. Faz apenas belo os meus olhos castanhos, rajando-os de vermelho e indizível. Foi preciso apenas o escuro, o ventilador ligado a um canto. Eu tive na mão pincéis e água-forte. O zumbido doendo latejante além de mim, às costas, três costelas acima, lado esquerdo. Tu não deverias. O álcool fugindo das verdades, mas não agora. Na base do princípio da dor. O chá ainda quente queima os lábios. Diz, devagar, criança bebericando pesadelos à borda do mundo. Uma gota apenas no ponto-cego do olho. Vapor. Me confundo com as fórmulas, brinco de anatomia olhando uma árida geografia. Abriria uma janela se pudesse respirar, mas não devo. Não faz frio. Nada deve ser dito ainda. É na superfície, a parte mais profunda do que vejo, apenas um resto de constelação. Um grito dói. Apenas isso. Dói porque é um grito de dor. Os ossos se deixam roer pela memória. Num canto fundo do tempo, um bárbaro faz fogo. Isto apenas. As fotos secretas não ficaram para ti, mas para a flor feita bolor carcomendo as rendas e pele. Nada desbota, a lembrança é que apaga. Trancado no meu baú, o soluço apenas silencia. Venci o vômito e escrevi em um pedaço de papel velho meu pecado. Ainda preciso que me ajeite os ossos, encaixando-os, como der ou puder, mas sei que não fazes bem de quebra-cabeças. As ampolas quebradas a um canto, um sorriso doentio deixado entre lenços, uma luva enforcada num cabide, as roupas confusas se confundem com o corpo. Minha esquina, esquerda, siga. Vê o mar? Poderias me esperar tranquilamente naquele banco em que, nas minhas primeiras tardes, eu fazia cor do pôr-do-sol e devorava pipocas. Na hora de sempre, pouco antes da fuga. Faz inferno no estômago e não quero os postais dos mensageiros do apocalipse. É possível um pouco de vida hoje ainda? Não quero tua máscara oculta. A estante dos escritos de instante já é grande. O tempo diz do que não há. Nada é meu, a não ser este corpo afivelado em todos os poros para que o último fôlego não (me) escape. Peço apenas, humildemente, de tua autoria, um alexandrino perfeito em minha lápide. Sáfico, talvez. E disto apenas.
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Evandro Brèal

Um comentário:

  1. Sempre textos de um português impoluto e sensibilidade ímpar!

    Parabéns por um ano de blog!

    bjoooooooo
    =************

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