terça-feira, 5 de janeiro de 2010
A efígie do medalhão
Quando você começa a chorar assistindo filme idiota da TV aberta, às três horas da manhã, isso é indício de problema. Por vezes a vida é assim, rendida ao rotineiro tic-tac que exige nada mais do que uma presença que não há. Não tem motivo. Aí, então, certeiro, você decide ter um animal de estimação. Não tem como, espaço pequeno, etc etc etc e você nem tem responsabilidade para consigo mesmo. E então tudo o que doía devagar começa a doer mais, sem lamento, apenas dor. No entanto, você sabe que tudo isso não tem importância, que a dor estava prevista no roteiro, que talvez amanhã tudo mude (e mudará). E assim, quando o sol começa a raiar na borda do poço, quase iluminando o fundo, mais um golpe e a maré muda. E as dores começam a marcar o rosto, os nervos começam a dominar os dedos, a voz rígida começa a se tornar trêmula, a poeira vai acumulando, os papéis aumentam em pilhas… e nada há que fazer, apenas manter o plano. Seguir o roteiro. Acreditar no roteiro como quem acredita na salvação, pensar que neste inferno poderá estar uma parcela do paraíso. Engendrar na rota. Mergulhar. As coisas começam a ser calculadas veementemente. A escrita passa a ser seca. Burocrática. O desenho, uma maneira de fazer a catarse funcionar quando nada mais faz sentido. E assim, riscando página e vida, manchando os cabelos de branco. Secando o corpo. O medo aumenta. O crime aumenta. A morte parece chamar. E tudo que poderia ser ou ter sido se torna incerteza, não acaso, não sorte, mas incerto como portas que rangem em filme de terror sensacionalista, mas ainda assim assustam. Logo, descobre que não há uma história para ser escrita e os planos ruem de vez. É preciso então escrever o codicilo. Tudo já tem endereço certo. Até mesmo os diários e os lixos. No entanto, é preciso a decisão. Abrir o medalhão, entrever no espelho ali posto, na falta de uma fotografia de quem se possa recordar, e ver o rosto impossível. Tentar dizer eu mais uma vez. Fechar. E dedicar a si uma lápide puramente anônima, sem versos brancos ou reais. Sem festividades. Um semblante é algo para não ser lembrado.
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