sábado, 2 de janeiro de 2010

Proscênio

Prossigo um romance por Hollywood

a máquina disparou seu raio luminoso. tempus mortuum. outros tantos raios ainda pavoneavam pelo céu. a objetiva abriu e fechou. meu olho também piscou. a máquina piscava para mim. deslocava aquilo que capturava de mim que nem eu mesmo sabia. um perfume conhecido me invadia as narinas, fazia bem. era o meu velho perfume. um frasco esquecido no fundo mágico e falso de uma gaveta. eu tinha de sorrir para a máquina suspensa. eu que havia parado de usar perfumes depois de… devagar abri os botões que me seguravam ainda aqui. um vento frio imaginário parecia percorrer o amplo espaço aberto pelas velas que tremeluziam. uma garrafa de bom vinho. uma garrafa de fino champanhe. a mesa posta. o pudim yorkshire, as lentilhas, o risoto. outras velas. tudo aquilo que como maná prouvera no deserto à espera de alguém que não viria. não sabia da existência do convite. nem de mim. a blusa tirada devagar. o vapor subindo lentamente da banheira. o cálice cheio. os animais acordavam o vento e o vento batia na porta. o corpo nu entregue sem esperanças. o que poder esperar do amanhã? não, não seremos todos irmãos, diz minha sonata. a água batendo acima do pescoço afogava um sorriso inexistente. o estômago ardia. o sono não vinha. e eu penso em ti, meu cisne, sabendo que não existes. sabendo que as estrelas brincam com a tortura ampla do meu mau trágico. a tragédia três vezes envenenada pelos escorpiões que se ocultam nas frestas desta casa velha, como fios de cabelo nos vincos das roupas. um vislumbre assoprando na cortina. plenitudo potestatis: esquecimento. a taça pedia mais do que apenas os lábios. o corpo pedia mais do que apenas a água aquecida. era mais que necessário espiar o horizonte dos sonhos. no fundo da garrafa de champanhe via teus olhos refletidos no verde-amarelo-azulado do vidro, dizendo do que estava ali no reflexo feito desencontro. mas apesar de lindo, o céu que se vislumbrava e me deslumbrava nas suas luzes, na brincadeira que as nuvens armaram em torno da lua, não era possível ver alguma estrela. mas todo mundo sabe que as estrelas estão lá, ainda que não as veja. pensei em enviar alguns sinais. escrever uma breve carta. mas era mais que necessário que eu te inventasse para este papel. concedesse-lhe um nome, uma corpo, mínimo resquício daquela tela que chamei de “mimus vitae”. mas eu te desconheço. não sei se existes. a água quente e doce acolhia as minhas águas salgadas de minhas fontes frias, sombrias e gélidas. um pouco de vergonha por exigir de[ti]mais, por escrever de[ti]mais, por fazer demais isto desenhar-se no impossível do eu. alguns goles. o relógio desanda quando as coisas respiram e suspiram demais. ainda era necessário comer entre outros goles. o corpo molhado, as espadas coladas ao corpo, era preciso também brincar de príncipe na corte ausente. linho todo feito linhas. Fechei os três botões, deixando dois abertos para as mãos livres. o frio. o cachecol embebido em perfume de memória se fazia moira de melancolia. era o vazio que resistia ainda. o vazio dos últimos e certos (certamente derradeiros) últimos dias. entre outras coisas, não era lícito, ou preciso, correr. a mesa se fazia salão ao som das teclas que marcavam os passos. Entscheidung. é preciso acabar com as coisas, não brincar de comprador de segredos. sem promessas colocar no lugar do coração o almejado marca-passo. respirar. a comida restará para amanhã. as garrafas, vazias ou não, como eu, também. me agarro agora ao perfume apenas. encerro o postal e guardo-o ao lado do frasco quase que vazio do aroma de balanço velho. amanhã arrumo tudo, amanhã (espero) tudo se ajeita.

3 comentários:

  1. sem promessas! mas mesmo no mais vazio, sempre resta um tantinho de esperança.

    há de ser mais leve! (ou: assim seja.)

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  2. Oi, vi um scrap seu nos recados de um amigo em comum, e resolvi passar por aqui...vc tem talento...gostei muito do seu texto...
    me adiciona aino msn pra gente poder conversar e trocar ideias.

    lounge_dms@hotmail.com

    Douglas,
    abraços...

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  3. Simplesmente perfeito!
    Posso ser como vc quando crescer?

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