quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Besta Fera
A pata macia prende a comida. Cansei de brincar e não tenho fome, diz a voz soberana de lábios rosados. A vítima se debate, corre, tenciona viver, mas viver já não deve. Insetos volteiam luzes. O desejo abre à unha fendas famintas. A flor é uma garra cansada. O gato macilento lambe o prato vazio. Não saberias dizer o quanto odeio estar aqui. Ainda aqui, ronronando segredos de espião russo, escondendo diamantes no estômago. Esquecendo quanto vale a vida. Essa voz que causa náusea e ódio. Este rosto borrado. Sigo enrolado no meu quadrado mágico, sabendo dizer muito mais do que não. No entanto, a mão desprezada sempre me deixa no escuro. Sinto o gosto de sangue futuro nos lábios. Como assassinar o impossível? Não tenho medo da água. Afogo e afundo sem reticências. O ar que escapa não tem cheiro de morte. Aliso pele-pêlo, destilo veneno. Destrincho em finas porcelanas tuas palavras e ignoro o silabário inútil do sentido que não tens. Não chafurdo em cadáveres. Memória plena feita coleção de ossos. Colar de pérolas e dentes. Não troco pele. Ela coça, enruga e dói, mas não sai. Rosto vazio com atmosfera sectária de secretária administrativa carimbando protocolos multicolores. Bom dia, senhor. Boa noite, senhor. Ele não está, senhor. Retorne mais tarde, senhor. Três vias autenticadas, senhor. E o demônio crescendo quieto-calmo nos olhos longitudinais, abaixo das samambaias artificiais. Devorando devagar o crime, sugando o sumo dos ossos. Esperando. Esperando apenas a gola entreabrir e o vislumbre jugular saltitar. Esperando. Esperando apenas os dados caírem na mesa.
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