terça-feira, 5 de janeiro de 2010
nota
Queria acreditar no que dizes. Esta batida que, no fundo da noite, não me deixa dormir está dentro de mim. E insiste. Dois olhares, dizes. Dois retratos sobrepostos. No entanto, não sei com que pincel pintas este quadro para me enganar. Talvez eu queira e precise destas ilusões em, ainda assim, não acredito. Crer e desejar, duas instâncias. Eu sei desejar tanta coisa e crer em tão poucas delas. Não acredite neste rosto lavado que tens diante de ti, ele é tão falso nesta sua não-maquiagem maquiada. Armado apenas com um isqueiro eu fiz um furo naquele quadro que pintei com grossos traços e mão pesada. A consciência ainda exigia o conserto daquela perspectiva. Tenho as venezianas abertas e fantasio com teu rosto que resta apenas desfocado numa fotografia. É estranho como as coisas despencam devagar, como a pele que desgruda do crânio. Os ossos despregam e quebram facilmente. Poderia brincar neste conto-de-fadas exigindo a prova de meu cavalheiro errante e pedir o meu presente. Assim, meu souvenir fora do tempo e do espaço, uma pena apenas, roubada de um anjo travesso. O copo d’água se faz doloroso no amargo da boca. Impossível engolir. É doloroso não merecer sequer um post-it colorido numa anotação esparsa. Dizes que desejas, mas o que desejas? Eu tenho 60 anos agora e pouco tempo. Tenho todas as rugas comportadas por um gole de sakê. Meu oriente é egípcio e faz as pestanas delirarem em cores e fumaça. Sinto falta dos meu chocolates. Eu não quero ver nosso filho. O tempo é feito dominó com peças a mais e peças faltantes, mas ainda assim é preciso que todo jogador termine com seu jogo. Não gosto de análise combinatória. Eu só queria que pudesses jogar sem blefar e com as cartas à mostra, quem sabes assim poderias ganhar.
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