domingo, 31 de janeiro de 2010
quatro quadras
sei como tentei. devagar remoendo a pintura e descascando lentamente. esperando a ajuda do tempo. querendo se libertar da moldura e da maquiagem à óleo. simetricamente comedido. as linhas e perspectivas 77 x 53 cm. um borrão feito sorriso. eu te vi quando não devia. recebias flores fenecentes. as minhas claras dúvidas e opacas certezas. é preciso parar de fazer diário. função de jornaleiro sem bicicleta. eu esperei a mensagem rápida. e tu foges. sempre foges. eu não entendo as metáforas. falta o elemento lá. figuras de linguagem não funcionam pra mim. não as procure jamais aqui. não há motivos. as mesmas palavras são sombra. aguadas e lacrimais. eu me canso de estar assim. deitado, no escuro, uma lagartixa adotada devora lentamente uma mariposa. vida. as teias de aranhas sem aranha agora. não vamos romantizar o anel de polícrates, tu não sabes o que significa. no entanto há ainda o quadro. quarto repleto de velas. desacredito. dúvido e muito. é preciso. de resto, de dentro do quadro vou forçando as unhas. é preciso ceder e não voltar. sem anéis. mil esquadros. fazendo pó da tinta. um dia o buraco se abre, acidentalmente, por um vulto estranho que cai na pintura, para me tirar dela.
sábado, 30 de janeiro de 2010
conversa de coxias
para um bailarino
nada tens nas mãos e me olhas. deposito o copo de vodka, não desce, queima e sacode. se tu soubesses mais de mim não virias até mim. eu sequer te havia visto antes. mas tu viestes a mim. e foi mágico. e te tirei pra dançar, mas mesmo dançando, não quis. não poderia te deixar ir. precisavas de açucar, não tinha. eu sempre fui ácido, amargo, azedo entre as contas e pontas. no entanto, assim como fazias rosto e me olhavas por trás dos óculos fundos. eu queria. tu precisava, não de mim, mas do doce. questão de vida. eu nem sequer a cerveja poderia. enfim é preciso coragem. mas é preciso mais que isso, carinho. é preciso saber de si, no outro. nuca, bochecha, lábios. um toque superficial e profundo. eu não sei o que beijo significa pra si ou em si, mas todo o beijo é mais que um toque. eu esperei, fiz o convite. abri a cena. poderias cerrar as cortinas, mas enviou-me um último convite. não sei. espero a resposta, uma vez que a resposta eu dei. sabes, espero um desenho teu, mesmo em Paris. ou além disso. eu não entendo como não compreender que pessoas jovens podem ser velhas ou ainda como o tolo ouro pintado faz vistas de marfim na caveira que se entranha na parede. eu sinceramente espero que apareças, mas espero também que não. não depende mais de mim, mas do destino. tu não quis vir. é interessante. dançar tocando as nuvens num beijo labiríntico e sem paredes. sentado esperando o tempo apenas.
nada tens nas mãos e me olhas. deposito o copo de vodka, não desce, queima e sacode. se tu soubesses mais de mim não virias até mim. eu sequer te havia visto antes. mas tu viestes a mim. e foi mágico. e te tirei pra dançar, mas mesmo dançando, não quis. não poderia te deixar ir. precisavas de açucar, não tinha. eu sempre fui ácido, amargo, azedo entre as contas e pontas. no entanto, assim como fazias rosto e me olhavas por trás dos óculos fundos. eu queria. tu precisava, não de mim, mas do doce. questão de vida. eu nem sequer a cerveja poderia. enfim é preciso coragem. mas é preciso mais que isso, carinho. é preciso saber de si, no outro. nuca, bochecha, lábios. um toque superficial e profundo. eu não sei o que beijo significa pra si ou em si, mas todo o beijo é mais que um toque. eu esperei, fiz o convite. abri a cena. poderias cerrar as cortinas, mas enviou-me um último convite. não sei. espero a resposta, uma vez que a resposta eu dei. sabes, espero um desenho teu, mesmo em Paris. ou além disso. eu não entendo como não compreender que pessoas jovens podem ser velhas ou ainda como o tolo ouro pintado faz vistas de marfim na caveira que se entranha na parede. eu sinceramente espero que apareças, mas espero também que não. não depende mais de mim, mas do destino. tu não quis vir. é interessante. dançar tocando as nuvens num beijo labiríntico e sem paredes. sentado esperando o tempo apenas.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Do que diz uma estrela
Out of joint.
É preciso andar descalço, sem os tão óbvios sapatinhos de cristal. Comprando brigas além das peles que roçam, troçam,trocam... bebidas e taças cortando os ares. Ele olha ele. Sabe que não sabem. Um terceiro ponto faz a mão que escreve e não diz do que fica no fundo dos olhos. O hálito faz curva no desejo, a mão traça os arcos catedráticos sabendo-se vazia e coletando sonhos como moedas no ar. Mas nada há. Um dia errado apenas. Um dia para observar e correr com os livros pesados embaixo do braço. Contando as horas para um remédio a mais. Para uma fuga ainda maior. Dobrando esquinas maiores que as páginas. Fazendo as orelhas de burro no destino. Nietzsche e suas três mulheres. Evitando aquele sorriso, sem estilo. Ponderar é brincar na balança. Ele prefere as navalhas de corte reto. A mão apenas brinca fazendo penas e penas. Manchas. Manchando o céu e pintando de negro a noite como uma redundância para que tudo escureça e no fundo feito grafite um desenho se arme. Tu entendes o segredo disto aqui? Há uma marca na coxa. Há um apertado no lábio. Mas há, mais forte e perenemente o livro pesado dizendo ainda do dom do poema. É díficil não exigir nada? de um golpe. De outra parte, não importa, estrategicamente, é preciso recuperar o itinerário. Astro-e-lábio. Espada em punho, decepe a cabeça!
É preciso andar descalço, sem os tão óbvios sapatinhos de cristal. Comprando brigas além das peles que roçam, troçam,trocam... bebidas e taças cortando os ares. Ele olha ele. Sabe que não sabem. Um terceiro ponto faz a mão que escreve e não diz do que fica no fundo dos olhos. O hálito faz curva no desejo, a mão traça os arcos catedráticos sabendo-se vazia e coletando sonhos como moedas no ar. Mas nada há. Um dia errado apenas. Um dia para observar e correr com os livros pesados embaixo do braço. Contando as horas para um remédio a mais. Para uma fuga ainda maior. Dobrando esquinas maiores que as páginas. Fazendo as orelhas de burro no destino. Nietzsche e suas três mulheres. Evitando aquele sorriso, sem estilo. Ponderar é brincar na balança. Ele prefere as navalhas de corte reto. A mão apenas brinca fazendo penas e penas. Manchas. Manchando o céu e pintando de negro a noite como uma redundância para que tudo escureça e no fundo feito grafite um desenho se arme. Tu entendes o segredo disto aqui? Há uma marca na coxa. Há um apertado no lábio. Mas há, mais forte e perenemente o livro pesado dizendo ainda do dom do poema. É díficil não exigir nada? de um golpe. De outra parte, não importa, estrategicamente, é preciso recuperar o itinerário. Astro-e-lábio. Espada em punho, decepe a cabeça!
correio
asdfg çlkjh
zxvb ;.,mn
qwert poiuy
zxvb ;.,mn
qwert poiuy
ele não queria escrever. o outro, embora perto, se fazia distante, não queria entregar. um traçava meia letra, o outro, balançando câmbio, corpo e perna, cruzavas as cifras. ele com a mão torcendo o pulso sabia o que o outro esquecia no algoritmo secreto. um beijo selado. 4 rodas feita aro. duas feitas cisne num lago. o que se envia se perde, mas o que se paga nunca compensa. as redes lançandas entre um e outro criminosamente não indiziam. faça-faziam cama, nuvem, água. restava, imensa, a carta. um laço, cetim vermelhos, dois nós, orelinhas de coelho. motivo infantil dava a graça. o além da linguagem. um e outro. ele e outro. apenas ninguém. o processo. o cadastro. incerto. os pontos, as vírgulas, as curvas. os fones. música alta. gemido. te-le-grá-fi-co. um sonho fora do sono. ausente de eco e repentes rompantes. as cordas do violão velho estouram. um agudo oitavado de morte. crítico. rasgando as páginas. o que comunica menos que as palavras? o que diz mais que um olhar?
copo
não tenho sono. o que faço com isso, essa pergunta feita dia que amanhece e tece a ausência na rua. os carros e motores ressonam. fome. mas não apenas fome. fome que é devorada de pérolas e entremeada de elos, frágeis cristais. penso. imagino apenas. na moto que passa. no vazio. se é convite. desespero. os jornais que recebo. meu cão não traz. o cão esquecido entre outros estigmas. a ânsia feita ão. escondendo os livros vermelhos entre outras capas. tirando os crimes, pondo os castigos. uma sombra apenas sépia. eu não deveria te dizer, não nesta língua com sobras e cascalho. o talhe, o parágrafo, espera a carta. espera apenas. que eu já comecei a escrever. daqui. desterrado, como que desenterra o desejo roubado. o anel. três brilhantes. eu acho que mereço mais que um abraço. mas e o gole de uísque. sem gelo. doído, sem acento. meio cheirando a relva e madrugada. feito palha flácida que desaba. apenas o golpe seco de fogo. e estilhaço no peito. o que resta, é sempre um pouco mais de desejo.
Herrschaftsvertrag
eu não assinei o contrato. tu disses que eu podia dizer eu. e assim eu posso. compro um lugar. eu tentei tocar suas costas, bancando o teórico e dizendo não. não. eu gosto do não. como quem diz sim e pinta os olhos. moça escondendo o sorriso atrás do leque. eu te dei espaço e terras para tuas fortalezas e nas minhas idades médias te encontrei velho e comedido. na minha biblioteca onde de cueca branca, eu vejo o mundo além das cortinas. tão clichê. e pensando em como pensar destrói e te tira de mim. cada vez mais quadro pintado em uma de minhas aquarelas manchadas. eu queria muito ser a primeira pessoa. ou talvez a terceira, mas sempre a esperança da última é maior. sem santas ceias, não partilho hóstia, mas não entro na competição. saio do campo como quem detesta geometria. sou de linhas, entre dois pontos. rompendo as sedas e entrando no baixo calão. eu te digo que existe estas coisas. taxionomista do impossível, taxidermista de corpo ausente. meu corpo e delito sem marcas é apenas sonho, como sempre. assinala o xis na minha lápide. me aceita, monumento, história, fantasma.
notas de agora
eu diria que queria, entre três copos, o problema. o toque impertinente do olhar. e distante. cortante. sem rimas. sem tudo isto que se erige imagem. sem fundamentos. eu ainda queria. e querer sem depois e apenas agora e para sempre, se fazendo assim no canto do olhos. escondendo os segredos. e querendo. ainda. e doendo no querer velado. sem ser oração e suplício. apenas querendo um futuro com um tempo a mais. um mais ainda. e talvez, quem sabe, soubessemos, que há força. no abraço, uma força contida nos lábios apertados que não podem dizer disso. mas sei que não. não é assim. e mais uma vez me calo. olhando as horas, apenas elas, horas, sem tempo. tendo fome da mão sem luva. dos postais que não chegam. do meu presente apenas. o espelho quebrado. tu lias pra mim debaixo da chuva. e sabia fenecendo as rugas. e sabia endurecendo os ossos. e quebradiços os sonhos e as fechaduras. eu me calava. desenhando assim. quietinho. no íntimo de mim, um sonho velado.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
um ano versado
Sempre me perguntei de onde veio a palavra aniversário. É, desde criancinha tenho essas tendências estranhas, daquelas que o pai acha estranho e a mãe sempre fala "deixa a menina, ela é diferente"... Mas, voltando, sempre me perguntei: que coisa quer dizer aniversário? O prefixo é fácil: ani - ano. Agora... Versário? Nunca descobri.
Tenho cá pra mim que vem de verso. Simplesmente porque gosto de pensar que a vida é assim, cheia de poesia. Poesias bonitas, feias, degradantes, iluminadas, felizes, tristes, pictóricas... poesias, poemas, frente e versos...
Um ano de (in)versos. Parabéns, Pactum. Que venham mais anos. E versos.
de @lamaringoni
Tenho cá pra mim que vem de verso. Simplesmente porque gosto de pensar que a vida é assim, cheia de poesia. Poesias bonitas, feias, degradantes, iluminadas, felizes, tristes, pictóricas... poesias, poemas, frente e versos...
Um ano de (in)versos. Parabéns, Pactum. Que venham mais anos. E versos.
de @lamaringoni
[On me dit que nos vies ne valent pas grand chose
Elles passent en un instant comme fanent les roses
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux]
porque não é em qualquer lugar que Carla Bruni surge nos últimos 9 minutos de um dia de comemoração e diz que:
[Disseram-me que as nossas vidas não valem grande coisa,
Elas passam em instantes como murcham as rosas.
Disseram-me que o tempo que desliza é um bastardo
Que das nossas tristezas ele faz suas cobertas
e porque o tempo é sim um bastardo
mas pra quem tem muito mais do que um ano de vida.
que venham dois anos, três, cinco, quinze...
e que o tempo disponível pra escrever a nota de celebração seja compatível com a idade do blog.
23:59
Robb'
Elles passent en un instant comme fanent les roses
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux]
porque não é em qualquer lugar que Carla Bruni surge nos últimos 9 minutos de um dia de comemoração e diz que:
[Disseram-me que as nossas vidas não valem grande coisa,
Elas passam em instantes como murcham as rosas.
Disseram-me que o tempo que desliza é um bastardo
Que das nossas tristezas ele faz suas cobertas
e porque o tempo é sim um bastardo
mas pra quem tem muito mais do que um ano de vida.
que venham dois anos, três, cinco, quinze...
e que o tempo disponível pra escrever a nota de celebração seja compatível com a idade do blog.
23:59
Robb'
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
O fantasma sem sepultura
«Far away. Nickleback»
«Lover, you should've come over. Jeff Buckley»
«Fleur de saison. Emilie Simon»
Fumaça. A valeriana não muda o mundo, sequer serve como chave para os sonhos. Por isso ainda estou aqui. Falando no vazio, para nunca mais. Aqui. Faz apenas belo os meus olhos castanhos, rajando-os de vermelho e indizível. Foi preciso apenas o escuro, o ventilador ligado a um canto. Eu tive na mão pincéis e água-forte. O zumbido doendo latejante além de mim, às costas, três costelas acima, lado esquerdo. Tu não deverias. O álcool fugindo das verdades, mas não agora. Na base do princípio da dor. O chá ainda quente queima os lábios. Diz, devagar, criança bebericando pesadelos à borda do mundo. Uma gota apenas no ponto-cego do olho. Vapor. Me confundo com as fórmulas, brinco de anatomia olhando uma árida geografia. Abriria uma janela se pudesse respirar, mas não devo. Não faz frio. Nada deve ser dito ainda. É na superfície, a parte mais profunda do que vejo, apenas um resto de constelação. Um grito dói. Apenas isso. Dói porque é um grito de dor. Os ossos se deixam roer pela memória. Num canto fundo do tempo, um bárbaro faz fogo. Isto apenas. As fotos secretas não ficaram para ti, mas para a flor feita bolor carcomendo as rendas e pele. Nada desbota, a lembrança é que apaga. Trancado no meu baú, o soluço apenas silencia. Venci o vômito e escrevi em um pedaço de papel velho meu pecado. Ainda preciso que me ajeite os ossos, encaixando-os, como der ou puder, mas sei que não fazes bem de quebra-cabeças. As ampolas quebradas a um canto, um sorriso doentio deixado entre lenços, uma luva enforcada num cabide, as roupas confusas se confundem com o corpo. Minha esquina, esquerda, siga. Vê o mar? Poderias me esperar tranquilamente naquele banco em que, nas minhas primeiras tardes, eu fazia cor do pôr-do-sol e devorava pipocas. Na hora de sempre, pouco antes da fuga. Faz inferno no estômago e não quero os postais dos mensageiros do apocalipse. É possível um pouco de vida hoje ainda? Não quero tua máscara oculta. A estante dos escritos de instante já é grande. O tempo diz do que não há. Nada é meu, a não ser este corpo afivelado em todos os poros para que o último fôlego não (me) escape. Peço apenas, humildemente, de tua autoria, um alexandrino perfeito em minha lápide. Sáfico, talvez. E disto apenas.
_____________________
Evandro Brèal
«Lover, you should've come over. Jeff Buckley»
«Fleur de saison. Emilie Simon»
Fumaça. A valeriana não muda o mundo, sequer serve como chave para os sonhos. Por isso ainda estou aqui. Falando no vazio, para nunca mais. Aqui. Faz apenas belo os meus olhos castanhos, rajando-os de vermelho e indizível. Foi preciso apenas o escuro, o ventilador ligado a um canto. Eu tive na mão pincéis e água-forte. O zumbido doendo latejante além de mim, às costas, três costelas acima, lado esquerdo. Tu não deverias. O álcool fugindo das verdades, mas não agora. Na base do princípio da dor. O chá ainda quente queima os lábios. Diz, devagar, criança bebericando pesadelos à borda do mundo. Uma gota apenas no ponto-cego do olho. Vapor. Me confundo com as fórmulas, brinco de anatomia olhando uma árida geografia. Abriria uma janela se pudesse respirar, mas não devo. Não faz frio. Nada deve ser dito ainda. É na superfície, a parte mais profunda do que vejo, apenas um resto de constelação. Um grito dói. Apenas isso. Dói porque é um grito de dor. Os ossos se deixam roer pela memória. Num canto fundo do tempo, um bárbaro faz fogo. Isto apenas. As fotos secretas não ficaram para ti, mas para a flor feita bolor carcomendo as rendas e pele. Nada desbota, a lembrança é que apaga. Trancado no meu baú, o soluço apenas silencia. Venci o vômito e escrevi em um pedaço de papel velho meu pecado. Ainda preciso que me ajeite os ossos, encaixando-os, como der ou puder, mas sei que não fazes bem de quebra-cabeças. As ampolas quebradas a um canto, um sorriso doentio deixado entre lenços, uma luva enforcada num cabide, as roupas confusas se confundem com o corpo. Minha esquina, esquerda, siga. Vê o mar? Poderias me esperar tranquilamente naquele banco em que, nas minhas primeiras tardes, eu fazia cor do pôr-do-sol e devorava pipocas. Na hora de sempre, pouco antes da fuga. Faz inferno no estômago e não quero os postais dos mensageiros do apocalipse. É possível um pouco de vida hoje ainda? Não quero tua máscara oculta. A estante dos escritos de instante já é grande. O tempo diz do que não há. Nada é meu, a não ser este corpo afivelado em todos os poros para que o último fôlego não (me) escape. Peço apenas, humildemente, de tua autoria, um alexandrino perfeito em minha lápide. Sáfico, talvez. E disto apenas.
_____________________
Evandro Brèal
A Hundred Suns
Round eyes,
each second to grow,
sensing for fine hearts
see through covers
of sweating truth -
unable,
incapable of hesitation
I summon the catalyst
to wake the distracted pupils
drowned in few idle colors,
polluted by dirty disguises -
unable,
incapable to recognize the aquarelle of love
As the Goddess permeates
perception runs in joy
to find me stars to shine
in the fire skies indoors
From room to home
the world embraces the sons
of the Mother who lets her children go
and reach out with free hands and heart
for the exploding truth
met in the eyes of lovers
burnt by outer space fireworks
unfurling a hundred suns
from the pupils once asleep in gray.
____________
por Pike.
each second to grow,
sensing for fine hearts
see through covers
of sweating truth -
unable,
incapable of hesitation
I summon the catalyst
to wake the distracted pupils
drowned in few idle colors,
polluted by dirty disguises -
unable,
incapable to recognize the aquarelle of love
As the Goddess permeates
perception runs in joy
to find me stars to shine
in the fire skies indoors
From room to home
the world embraces the sons
of the Mother who lets her children go
and reach out with free hands and heart
for the exploding truth
met in the eyes of lovers
burnt by outer space fireworks
unfurling a hundred suns
from the pupils once asleep in gray.
____________
por Pike.
Aniversário é data pra comemorar, data pra dizer que é experiente, que viveu muita coisa.
Data pra relembrar o que passou e projetar o que há de vir.
Chega um dia que você tem que parar tudo e dizer pra quem você gosta que é um dia feito pra você.
Dia de abrir o coração, dizer e ouvir coisas boas.
Coisas boas que hão de ser reflexo de uma vida.
Pode ser um blog, mas é reflexo teu. Tua cara.
Ago que sentes, que vives, que faz ser o que é. Pactum Subjectionis.
por @Luizeduardos
Data pra relembrar o que passou e projetar o que há de vir.
Chega um dia que você tem que parar tudo e dizer pra quem você gosta que é um dia feito pra você.
Dia de abrir o coração, dizer e ouvir coisas boas.
Coisas boas que hão de ser reflexo de uma vida.
Pode ser um blog, mas é reflexo teu. Tua cara.
Ago que sentes, que vives, que faz ser o que é. Pactum Subjectionis.
por @Luizeduardos
an-in-versário
há uma coisa horrível a contar, pecado inconfessável que ele escondeu enquanto refocilava nas paredes.
um ácaro sem muita perspicácia passou algumas vezes por entre as pastas nas luzes fluorescentes que piscavam por sob grades.
um tornozelo de três metros. uma garganta fechada.
pérolas.
armação toda de personagem, cigarro oblongo que nem fuma, mas feito para o mise-en-scène.
sentada na redação da vogue.
diamantes. os amigos que fugiram.
bloqueios de memória, nos hiatos dos lapsos da sala escura detrás das câmeras quantos ais.
deveria ser tua câmara clara, com todos os acidentes que possibilitam contar uma história impossível mal soletrada.
saltos presos na lama. há mais anos. adiante e ao revés.
- por george frança
um ácaro sem muita perspicácia passou algumas vezes por entre as pastas nas luzes fluorescentes que piscavam por sob grades.
um tornozelo de três metros. uma garganta fechada.
pérolas.
armação toda de personagem, cigarro oblongo que nem fuma, mas feito para o mise-en-scène.
sentada na redação da vogue.
diamantes. os amigos que fugiram.
bloqueios de memória, nos hiatos dos lapsos da sala escura detrás das câmeras quantos ais.
deveria ser tua câmara clara, com todos os acidentes que possibilitam contar uma história impossível mal soletrada.
saltos presos na lama. há mais anos. adiante e ao revés.
- por george frança
Eu - Satã
A maior desgraça deste mundo é ser Fausto sem Mefistófeles. Olá, Satan!
Macário.
- Não te endoudeça o vinho a formosura. Esse vinho que lhe queima a boca não te traz juízo. Não é de hoje que o vinho leva ao longe a sanidade do homem.
- Sanidade? Há muito já não a tenho.
Creio nessa, como a experiência de simples convicção. Já que em sua forma o exílio eleva meus pensamentos, e como creio: há muito o que se aprender com a solidão, contudo de forma alguma me faço esperar de bom grado que daqui eu me saia com total felicidade. Simplesmente creio em meio às minhas conjecturas que não serei o mesmo ao ir embora.
Já percebi meu estado de catárse, pois constantemente ébrio vejo o mundo com outros olhares e com outros pesares, volto então a crer no consolo da solidão e penso no meu simples mundo facilmente criado e retoricamente confortável. Em anos vagando não me via tão próximo a mim mesmo.
Meu corpo submerso na banheira: então acendo um cigarro, vejo a fumaça indo vagarosamente de encontro ao fim, minha taça de vinho cheia, novamente ébrio à realidade. Sempre foi assim, de encontro ao âmago ébrio e solitário da minh’alma, como se defronte ao espelho eu estivesse, vejo por meus olhos cada vulto da libertina vida. Eu sei que é o fim, o mesmo fim da fumaça, agora a mim pertence.
Minha última saudade, é a daqueles amores que eu tinha com ela, aquele perfume enebriante, aquela boca fresca, sua alva pela, seu doce caminhar...
- É hora.
- Vamos. Aqui me despeço do vinho, no inferno não vou precisar dele.
Aqui jaz minha última lembrança: esse coração cravejando o sangue, que a ela pertence.
Frederico Fagundes
26/01/2010
Macário.
- Não te endoudeça o vinho a formosura. Esse vinho que lhe queima a boca não te traz juízo. Não é de hoje que o vinho leva ao longe a sanidade do homem.
- Sanidade? Há muito já não a tenho.
Creio nessa, como a experiência de simples convicção. Já que em sua forma o exílio eleva meus pensamentos, e como creio: há muito o que se aprender com a solidão, contudo de forma alguma me faço esperar de bom grado que daqui eu me saia com total felicidade. Simplesmente creio em meio às minhas conjecturas que não serei o mesmo ao ir embora.
Já percebi meu estado de catárse, pois constantemente ébrio vejo o mundo com outros olhares e com outros pesares, volto então a crer no consolo da solidão e penso no meu simples mundo facilmente criado e retoricamente confortável. Em anos vagando não me via tão próximo a mim mesmo.
Meu corpo submerso na banheira: então acendo um cigarro, vejo a fumaça indo vagarosamente de encontro ao fim, minha taça de vinho cheia, novamente ébrio à realidade. Sempre foi assim, de encontro ao âmago ébrio e solitário da minh’alma, como se defronte ao espelho eu estivesse, vejo por meus olhos cada vulto da libertina vida. Eu sei que é o fim, o mesmo fim da fumaça, agora a mim pertence.
Minha última saudade, é a daqueles amores que eu tinha com ela, aquele perfume enebriante, aquela boca fresca, sua alva pela, seu doce caminhar...
- É hora.
- Vamos. Aqui me despeço do vinho, no inferno não vou precisar dele.
Aqui jaz minha última lembrança: esse coração cravejando o sangue, que a ela pertence.
Frederico Fagundes
26/01/2010
do que escorre
por Aline Natureza
sinal de ocupado. ela liga o chuveiro. sente a temperatura da água com a ponta do pé: fria. ela treme e chora. não devia ter dito aquelas palavras. mas precisava. e disse. “falados os segredos calam”. o cheiro dele. suor-saliva-porra. ela sente o gosto negro da pele dele e acredita que as marcas estão gravadas nela. rasgadas na carne. profundamente. ela gosta da profundidade dos corpos. da profundidade do pau dele. as veias pulsando dentro dela. e tudo mais fundo. ela não precisa fechar os olhos pra lembrar o corpo dele na cama. um meio-sorriso depois do gozo. ele goza bonito e era bom ver os olhos dele morrendo os dentes apertados e o meio-sorriso. ela lembra que foi assim na noite passada. forte. impossível não se apaixonar. impossível não se machucar. ela não devia ter dito aquelas palavras, mas precisava. e disse. ele não ouviu. saiu em silêncio. nele doía saber que não teria mais a carne branca e úmida dela. o calor latejante dos pêlos muito pretos e muitos. o cheiro doce da boceta dela. ele não queria que ela tivesse dito aquelas palavras. dói. mas precisava. e foi embora. ela telefona. quer voltar. quer que ele volte. sinal de ocupado. ela liga o chuveiro. sente temperatura da água com a ponta do pé: fria. ela treme e chora.
sinal de ocupado. ela liga o chuveiro. sente a temperatura da água com a ponta do pé: fria. ela treme e chora. não devia ter dito aquelas palavras. mas precisava. e disse. “falados os segredos calam”. o cheiro dele. suor-saliva-porra. ela sente o gosto negro da pele dele e acredita que as marcas estão gravadas nela. rasgadas na carne. profundamente. ela gosta da profundidade dos corpos. da profundidade do pau dele. as veias pulsando dentro dela. e tudo mais fundo. ela não precisa fechar os olhos pra lembrar o corpo dele na cama. um meio-sorriso depois do gozo. ele goza bonito e era bom ver os olhos dele morrendo os dentes apertados e o meio-sorriso. ela lembra que foi assim na noite passada. forte. impossível não se apaixonar. impossível não se machucar. ela não devia ter dito aquelas palavras, mas precisava. e disse. ele não ouviu. saiu em silêncio. nele doía saber que não teria mais a carne branca e úmida dela. o calor latejante dos pêlos muito pretos e muitos. o cheiro doce da boceta dela. ele não queria que ela tivesse dito aquelas palavras. dói. mas precisava. e foi embora. ela telefona. quer voltar. quer que ele volte. sinal de ocupado. ela liga o chuveiro. sente temperatura da água com a ponta do pé: fria. ela treme e chora.
Um ano
Pois bem, um aninho. Babyblog. E para tanto resta apenas uma comemoração entre amigos, como quem divide uma xícara de chá ou um caneco de cerveja, impossível para mim. Os verdadeiros amigos saberão o motivo. É por isso que essa comemoração é mais deles do que minha, claro que muito os obriguei, mas fica nisso. E bom... agora é com eles.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Muito longe
para Andrea,
como sempre,
que entende até a lógica do improvável:
Uma vida feita teoria.
É este o tempo e o lugar das ausências e dos erros, onde é preciso construir a chance. Abrir o guarda-chuva, mesmo quando há apenas o sol. Eu não vou dizer o que você quer ouvir apenas por isso, mas talvez eu e você possamos sonhar com isso. Há uma cocerinha no nariz, um convite para dançar. Eu preciso pegar meu ônibus. Meu caminho está traçado, mesmo sem poder te dizer isto. Neste lugar em que os fantasmas desenham lápides e jogam com os próprios ossos. É assim, longe dos relógios, no beco escuro, à procura de um telefone público, onde as esquinas se encontram com o medo. O lixo jogado ao vento faz apenas acumular o medo. Eu não posso tocar o rosto. A escultura que eu planejei é como as estruturas que refiz e não sei mais sonhar. E nem é porque tenho pesadelos. Pesadelos seriam alguma certeza. É preciso apenas deixar ir.
como sempre,
que entende até a lógica do improvável:
Uma vida feita teoria.
A janela para o horizonte
Tudo o que eu sinto na sua face é que faz meu problema, eu sei que gostas de mim, querido, eu sei. Isto que faz comigo, abrindo minhas rugas, zombando do desespero. Eu sei disto. Mostre as lágrimas de teus olhos. Ame-me, diga que me ama. Diga-me daquele que me ama. Minha mãe me mostrou um velho quadro meu, os astros em quadrantes mágicos sabiam. A minha velha foto num balanço. A fotografia tinha cheiro das tristezas guardadas, não se fazia doce. O quadro me diz, preencha-me. Encha-me das cores impossíveis de teu pensamento. Eu poderia dizer que isto é o que não pode acontecer. Há maneiras mais simples para respirar e mostrar um passo maior de vida diante do espelho. Não quero este rasgo, essa agonia enquanto as páginas de meu diário são engolidas pelo fogo. É preciso se livrar de algumas coisas. Acredito nisso. Talvez este seja meu crime. Faça-me parar. Parado eu, eu mesmo, apenas escrevo disto que pretendo dizer e fazer, sem voltar os olhos para o espelho. Sem fazer absolutamente nada, a não ser tirar o pó que se acumula nas janelas. Não gosto de vermelho, o calor dói na pele. O piano empoeirado quer as mãos como o corpo quer um beijo. Fazendo-se donzela de priscas eras com uma lata de spray colorido fazendo mechas nos cabelos, a maquiagem pesada, o coturno. Não preciso mais do vestido longo ou das tranças. O cavalo branco foi envenenado. Eu sei, agora, que não precisas de mim. eu apenas preciso dos meu saltos selvagens, do batom como espada, dos segredos agarrados aos cílios: vítima mordaz que caça quieta. O predador de passos leves e macios que não tem vítima. Meu pulso me segura embaixo d’água uns minutos a mais, é preciso afogar o raciocínio. Mais um. Eu acredito que para além da água salgada, olhos e boca sobrevivem. Devorando um pedaço maior de dia, sem sonho, sem açúcar, apenas isto. Um giro maior do ponteiro, contando os ângulos. Mais quatros segundos apenas para a inconsciência.
Valeriana
«True Colors»
É preciso rasurar as velhas fotos, pintando os fundos vazios e ocultos entre os pensamentos e as chaves velhas. Eu encontrei aquela velha carta que tu me enviou e não entendo, sei do que queres dizer, mas não obstante o tom, a fivela aguda lacerando meus lábios desejos de um pouco mais do que palavras. A saliva que escorre raivosa, não. A prisão se faz presente, não sei correr no vasto labirinto de prédios e nuvens. Talvez pudesse levantar da cama. Só talvez. O banho talvez ajudasse a compor um sonho. Insisto em não querer te encontrar, por isso mudo meu caminho e meus endereços. Eu apenas sei correr. Correr e saltar as barreiras tomadas como negros abismos feitos dessa dor devagar. Eu tenho tempo para o tempo, ainda assim as memórias só se fazem ao compor o meu mal. Pensar em outra coisa te escondendo atrás do meu pensamento. Eu não sei sentir este doce que havia leve no teu sorriso. A cicatrizes, a sombra nas pálpebras. Não sinto o gosto da festa exalando das pelas. Devoro meu tempo dobrando páginas e selando envelope. Faço minha vida das cores, desta palheta limitada de cores. Não quero abrir as janelas, singrando o mares, respirar faz o peito doer. A loucura não é estar aqui, mas o porquê de ainda me colocar aqui. Meio que sem querer. Abra a mão, aceita e guarda esta minha última oferta. Um abraço, antes de dormir. Uma cantiga de ninar com brilhantes roubados, trançando os cabelos com os sonhos. Quebrando a chave na fechadura.
É preciso rasurar as velhas fotos, pintando os fundos vazios e ocultos entre os pensamentos e as chaves velhas. Eu encontrei aquela velha carta que tu me enviou e não entendo, sei do que queres dizer, mas não obstante o tom, a fivela aguda lacerando meus lábios desejos de um pouco mais do que palavras. A saliva que escorre raivosa, não. A prisão se faz presente, não sei correr no vasto labirinto de prédios e nuvens. Talvez pudesse levantar da cama. Só talvez. O banho talvez ajudasse a compor um sonho. Insisto em não querer te encontrar, por isso mudo meu caminho e meus endereços. Eu apenas sei correr. Correr e saltar as barreiras tomadas como negros abismos feitos dessa dor devagar. Eu tenho tempo para o tempo, ainda assim as memórias só se fazem ao compor o meu mal. Pensar em outra coisa te escondendo atrás do meu pensamento. Eu não sei sentir este doce que havia leve no teu sorriso. A cicatrizes, a sombra nas pálpebras. Não sinto o gosto da festa exalando das pelas. Devoro meu tempo dobrando páginas e selando envelope. Faço minha vida das cores, desta palheta limitada de cores. Não quero abrir as janelas, singrando o mares, respirar faz o peito doer. A loucura não é estar aqui, mas o porquê de ainda me colocar aqui. Meio que sem querer. Abra a mão, aceita e guarda esta minha última oferta. Um abraço, antes de dormir. Uma cantiga de ninar com brilhantes roubados, trançando os cabelos com os sonhos. Quebrando a chave na fechadura.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
eu talvez saiba do que preciso, com o mapa nas mãos. sem bússola. assim, na fumaça.
querendo um ou dois caminhos.
faz calor no frio.
o que está, como está.
espero as devidas notícias no crayon disfarçado.
quebrando devagar os copos, ausculando as portas.
cavalgando nas dúvidas do sem fim.
como?
não sei, o contorno da mão não diz das linhas do destino dentro da mão.
apenas isso.
não digo. respiro dolorosamente. respiro.
como não.
isso me cansa. isso descansa. decanta.
as rugas pesam, escondidas como marca-página dentro de um livro de poemas ruins.
ensaio a vida.
ensaio a topografia do segredo.
não tiro as roupas,
me perco nas dobras do pijama.
sabes enviar um abraço lento?
querendo um ou dois caminhos.
faz calor no frio.
o que está, como está.
espero as devidas notícias no crayon disfarçado.
quebrando devagar os copos, ausculando as portas.
cavalgando nas dúvidas do sem fim.
como?
não sei, o contorno da mão não diz das linhas do destino dentro da mão.
apenas isso.
não digo. respiro dolorosamente. respiro.
como não.
isso me cansa. isso descansa. decanta.
as rugas pesam, escondidas como marca-página dentro de um livro de poemas ruins.
ensaio a vida.
ensaio a topografia do segredo.
não tiro as roupas,
me perco nas dobras do pijama.
sabes enviar um abraço lento?
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Violinos de Nero
fumo lentamente e desvendo teu clichê. ou ao menos tento. ao abrir em abraço as minhas verdades. ao fechar em silêncio secreto meus medo. nos veremos outra vez? sem ressentimentos? a casa ao fundo queima. queimo em mim os meus arquivos. repiso as notas, observações. fogo criminoso. eu te leio e tu sabes que sim. no mínimo movimento eu entendo o que queres dizer. devoro meu filet. parcimônia. eu sou assim meio frio. eu sou assim um tanto distante. desenho. anoto. o atrito do arco é que faz minhas dores arderem. eu só queria te olhar, mais uma vez. sem luz. no escuro. no calor do indízivel.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
limpando caveiras
quando se queria e não se pode. a mão silenciada não grita. sem digital, sem rosto, sem identidade. eu queria insistir no que há aqui. mas não posso, uma carta vinda de longe me faz sorri. é bom, é neutro. zurich. ainda assim. meus espiões se rebelam. nao me mandam os avisos, não preenchem os protocolos. eu fico na torre de marfim, espiando e pintando rostos estranhos que me assombram a mente. o rosto que eu queria pintar, não consigo. o fundo vago de teus olhos claros. não restou nem ao menos uma fotografia. o incêndio foi grande. o corpo carbonizado ainda respira. tenta. devagar. tu sabes que isto eu escrevo para você. tu lês. eu sei. mas não me importo. ou não sei. e não digo. não quero. não dá. não há nada para além do espaço que há aberto na minha mente. a branca mão que acena. o sorriso. os pés limpos. os nervos corroídos não fazem sentido. a escrita do corpo deixou o mundo. o pó diz apenas do tempo (&) do fim.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Besta Fera
A pata macia prende a comida. Cansei de brincar e não tenho fome, diz a voz soberana de lábios rosados. A vítima se debate, corre, tenciona viver, mas viver já não deve. Insetos volteiam luzes. O desejo abre à unha fendas famintas. A flor é uma garra cansada. O gato macilento lambe o prato vazio. Não saberias dizer o quanto odeio estar aqui. Ainda aqui, ronronando segredos de espião russo, escondendo diamantes no estômago. Esquecendo quanto vale a vida. Essa voz que causa náusea e ódio. Este rosto borrado. Sigo enrolado no meu quadrado mágico, sabendo dizer muito mais do que não. No entanto, a mão desprezada sempre me deixa no escuro. Sinto o gosto de sangue futuro nos lábios. Como assassinar o impossível? Não tenho medo da água. Afogo e afundo sem reticências. O ar que escapa não tem cheiro de morte. Aliso pele-pêlo, destilo veneno. Destrincho em finas porcelanas tuas palavras e ignoro o silabário inútil do sentido que não tens. Não chafurdo em cadáveres. Memória plena feita coleção de ossos. Colar de pérolas e dentes. Não troco pele. Ela coça, enruga e dói, mas não sai. Rosto vazio com atmosfera sectária de secretária administrativa carimbando protocolos multicolores. Bom dia, senhor. Boa noite, senhor. Ele não está, senhor. Retorne mais tarde, senhor. Três vias autenticadas, senhor. E o demônio crescendo quieto-calmo nos olhos longitudinais, abaixo das samambaias artificiais. Devorando devagar o crime, sugando o sumo dos ossos. Esperando. Esperando apenas a gola entreabrir e o vislumbre jugular saltitar. Esperando. Esperando apenas os dados caírem na mesa.
domingo, 10 de janeiro de 2010
À procura [parte III]
III
Um tempo lento parecia pairar sobre as cabeças.
Um torrão de açúcar a mais no chá não significa que ele ficará bom, ela insistia nisso. Falava para si, como se pudesse dar lições, enquanto tomava o chá amargo. Do apartamento em que se confinava, da janelinha do banheiro, caso ficasse na ponta dos pés, poderia ver o mar. Simples assim. Mas ela não se importava. O apartamento meio vazio, meio silencioso, machucava um pouco, mas se acostumara. Não tinha fome e não queria saber que horas eram, não sabia o porquê e lembrava coisas que não gostaria de voltar a sentir. Era aqueles momentos rompantes de um dia cansativo, em que apenas o abandono ao pijama, ao vazio, ao esquecimento na cama, ao seu gato, poderiam fazer sentido. Ou apenas o vazio fazia sentido. Tudo se explicaria se dissesse que era domingo.
A cabeça doía um pouco. Mal lembrava como conseguiu chegar em casa, mas sabia que o belo escarpin vermelho destruído ao lado da porta deveria significar alguma coisa.
Os domingos sofriam de uma lenta tortura. Clarissa sabia que sobreviver aos domingos, a todos os domingos, era possível, mas sempre neste ritmo lento, de vazio, de amargo, como o chá. Mas chá ela sabia apreciar, além de, apesar de toda aparente fragilidade, saber-se muito resistente.
- Ele não me ligou de volta, reclamou pressentindo alguma verdade antiga latejando.
Ele, um personagem sem relevância talvez nesta cena, mesmo para Clarissa com seus longos cílios e olhos rasgados. Ela odiava correr riscos, mas vez por outra, deixava-se correr riscos como um lembrete maior do “porque não voltar a fazer isso”. Mas sabia que isso era uma grande mentira, corria os riscos por que ainda tinha alguma esperança. Ela, como ninguém, odiava ter esperanças.
Sorveu o último gole do chá. Se arrastando voltou-se na direção da cama, caso caísse ali nem mesmo o apocalipse a acordaria. Mas decidiu, como todos os domingos, tentar fingir que não era domingo. Precisava de um banho, um banho rápido apenas, para recompor o mínimo de, como dizer, de possibilidade de aparecer diante do mundo estranho. Tirou rapidamente o camisão xadrez que usava para dormir (camisolas significavam em sua enfática retórica uma noite especial) deixando aparecer um corpo bem feito, apesar de cansado. Tinha uma cicatriz, herança de uma infância pouco calma, na nuca.
Um banho gelado para aplacar a fúria, eis o que receitou para si. Odiava como ninguém a força lacerante do contato com a água gelada, mas neste momento era o que precisava. Um banho rápido, nada mais. Sentir-se dona de seu corpo, e nada. mais. Os pés doíam ainda, marcados pela longa caminhada. Mas decidiu não pensar no ontem, queria vencer o domingo. As dores apenas lembram que ainda se está vivo. Os anjos não vivem. Eles não sofrem, não se doem.
Ainda com a pele úmida, jogou sobre o corpo uma camiseta branca com o rosto de Marilyn Monroe estampada, um jeans meio velho, calçou os tênis com um pouco de dificuldade. Os cabelos curtos ainda pingavam, mas não queria saber das pessoas, precisava apenas caminhar, correr esquecendo o corpo no vento para que o vento lembrasse o corpo, para ajudar o tempo, o domingo, a andar um pouco mais depressa.
Um tempo lento parecia pairar sobre as cabeças.
Um torrão de açúcar a mais no chá não significa que ele ficará bom, ela insistia nisso. Falava para si, como se pudesse dar lições, enquanto tomava o chá amargo. Do apartamento em que se confinava, da janelinha do banheiro, caso ficasse na ponta dos pés, poderia ver o mar. Simples assim. Mas ela não se importava. O apartamento meio vazio, meio silencioso, machucava um pouco, mas se acostumara. Não tinha fome e não queria saber que horas eram, não sabia o porquê e lembrava coisas que não gostaria de voltar a sentir. Era aqueles momentos rompantes de um dia cansativo, em que apenas o abandono ao pijama, ao vazio, ao esquecimento na cama, ao seu gato, poderiam fazer sentido. Ou apenas o vazio fazia sentido. Tudo se explicaria se dissesse que era domingo.
A cabeça doía um pouco. Mal lembrava como conseguiu chegar em casa, mas sabia que o belo escarpin vermelho destruído ao lado da porta deveria significar alguma coisa.
Os domingos sofriam de uma lenta tortura. Clarissa sabia que sobreviver aos domingos, a todos os domingos, era possível, mas sempre neste ritmo lento, de vazio, de amargo, como o chá. Mas chá ela sabia apreciar, além de, apesar de toda aparente fragilidade, saber-se muito resistente.
- Ele não me ligou de volta, reclamou pressentindo alguma verdade antiga latejando.
Ele, um personagem sem relevância talvez nesta cena, mesmo para Clarissa com seus longos cílios e olhos rasgados. Ela odiava correr riscos, mas vez por outra, deixava-se correr riscos como um lembrete maior do “porque não voltar a fazer isso”. Mas sabia que isso era uma grande mentira, corria os riscos por que ainda tinha alguma esperança. Ela, como ninguém, odiava ter esperanças.
Sorveu o último gole do chá. Se arrastando voltou-se na direção da cama, caso caísse ali nem mesmo o apocalipse a acordaria. Mas decidiu, como todos os domingos, tentar fingir que não era domingo. Precisava de um banho, um banho rápido apenas, para recompor o mínimo de, como dizer, de possibilidade de aparecer diante do mundo estranho. Tirou rapidamente o camisão xadrez que usava para dormir (camisolas significavam em sua enfática retórica uma noite especial) deixando aparecer um corpo bem feito, apesar de cansado. Tinha uma cicatriz, herança de uma infância pouco calma, na nuca.
Um banho gelado para aplacar a fúria, eis o que receitou para si. Odiava como ninguém a força lacerante do contato com a água gelada, mas neste momento era o que precisava. Um banho rápido, nada mais. Sentir-se dona de seu corpo, e nada. mais. Os pés doíam ainda, marcados pela longa caminhada. Mas decidiu não pensar no ontem, queria vencer o domingo. As dores apenas lembram que ainda se está vivo. Os anjos não vivem. Eles não sofrem, não se doem.
Ainda com a pele úmida, jogou sobre o corpo uma camiseta branca com o rosto de Marilyn Monroe estampada, um jeans meio velho, calçou os tênis com um pouco de dificuldade. Os cabelos curtos ainda pingavam, mas não queria saber das pessoas, precisava apenas caminhar, correr esquecendo o corpo no vento para que o vento lembrasse o corpo, para ajudar o tempo, o domingo, a andar um pouco mais depressa.
À procura [parte II]
O frio doía na pele, já vermelha de tanto friccionar com as mãos tentando se aquecer. Chovia muito. Os saltos finos mergulhavam em poças d’água suja, o jeans colava-se a pele, a chemise fina deixava entrever o corpo bem-feito. Bebera demais. Os cabelos curtos caiam sobre o rosto. A cidade parecia morta e não havia nenhum táxi à vista. Os faróis passavam rápidos. Os prédios se faziam sombras tímidas, como torreões medievais cuja donzela se perdera. A maquiagem, como todo resquício de dignidade, escorria e parecia arrancar a pele. A chuva açoitava, mas o que mais doía era o vento zunindo nas orelhas. Ela não perguntava o porquê disso. Três daiquiris a mais do que devia e um pequeno infortúnio fizeram isso. Mentira. Ela escolheu isso. Já deveria estar acostumada à chuva e a solidão, o elemento novo era, no entanto, a bebedeira. Ela sempre odiara beber, porém aquela noite, entre a luzes enigmáticas, entre os corpos se oferecendo, entre a música que lhe forçava os tímpanos, escolhera o fundo do copo. Erro óbvio, como tudo que fizera. O copo entornado tornou tortuosos os caminhos do corpo. Não deveria ter saído. Não mesmo. Mas depois desta noite o que restasse de si estaria um pouco mais forte, um pouco mais resistente, pensava tentando manter alguma salvação. Os pés anestesiados pela água gelada nem doíam. Ela só queria um banho quente, sua cama, seu gato e nada mais. Tudo parecia rejeitá-la, mas ela sabia que no fundo era ela mesma que não queria nada daquilo. A vida não poderia se resumir a isto. Poderia ser muito mais simples que isso ou muito pior, mas não queria assim. Não queria se fazer vítima, mas recusava a oferecer seu corpo como banquete para um marmanjo desconhecido. Não, assim não queria. Precisava ter algum sentido, fazer algum sentido. No entanto, tudo parecia dizer que não. Um carro estranho parou, ele gritou alguma coisa, ela, com a mão, retirou a franja que caía sobre o rosto, os olhos negros dela pareciam habituados com o frio.
- Não, obrigada... já estou perto de casa...
O estranho assentira, fechou o vidro e tornou ao seu caminho. Ela sabia ser muito convincente, mas mentira, teria de andar muito ainda. Não, não queria estranhos agora. Odiava isso. Não queria precisar de alguém, era horrível demais pensar que a sua felicidade poderia estar na mão de um estranho. Ela era feliz, só não estava naquele momento. Depois do fundo do poço, depois do efetivo fundo do poço ela estaria bem. E, bem, as circunstâncias que se encontrava poderiam ser literalmente o fundo do poço: estava confusa, tinha frio, havia muita água e a escuridão. Apesar de tudo ela sabia que iria sobreviver, precisava apenas andar.
- Não, obrigada... já estou perto de casa...
O estranho assentira, fechou o vidro e tornou ao seu caminho. Ela sabia ser muito convincente, mas mentira, teria de andar muito ainda. Não, não queria estranhos agora. Odiava isso. Não queria precisar de alguém, era horrível demais pensar que a sua felicidade poderia estar na mão de um estranho. Ela era feliz, só não estava naquele momento. Depois do fundo do poço, depois do efetivo fundo do poço ela estaria bem. E, bem, as circunstâncias que se encontrava poderiam ser literalmente o fundo do poço: estava confusa, tinha frio, havia muita água e a escuridão. Apesar de tudo ela sabia que iria sobreviver, precisava apenas andar.
À procura [parte I]
de um certo exílio
com ecos de Antero de Quental
para Andréa de Carvalho
como convite a aventura
(... uma vez que o era uma vez não cabe mais...)
QUATRO horas da manhã, um caminho errado, uma decisão, um gole de vinho a mais. Tudo o que dói sempre dói mais, machuca mais, no silêncio da madrugada. Algumas coisas não são escolhas deliberadas, nem mesmo posições tomadas que devem ser sustentadas até o final da cena. A noite estava bonita, uma enorme lua, estrelas em profusão como se o céu tivesse se preparado para alguma coisa especial. Era uma noite sensual, qualquer um poderia perceber isso, mesmo que da rua não pudesse vislumbrar o vulto esguio no terraço do prédio. Havia notas doloridas de uma música feita caminho, como algum dia, sozinha assim no terraço, o vulto armado apenas de um cálice de bom merlot, a pele branca exposta ao vento, a fina camisola de seda, um desejo impossível palpitando no peito. Ela sabia o que deveria fazer, mas não poderia, não mesmo, a não ser nesta noite, deste décimo terceiro andar. As coisas poderiam ser tantas, e boas, ela sabia, ela mesmo dissera isso ao telefone a uma amiga durante a tarde. Há momentos em que não se pode fazer muita coisa, era isso que ela sabia, dali, de sua vista privilegiada, observando a mancha negra que o mar fazia no horizonte. Mas não havia mais nada, nenhuma certeza a que se agarrar, nenhum sonho restava ainda intacto. A mão branca de dedos finos e unhas roídas tocou o rosto. Havia marcas ali que não eram marcas do tempo, mas marcas de um tempo que ela não poderia vencer, marcas silenciosas de desespero. Talvez o que procurasse não existisse, talvez estivesse junto com as estrelas. O vinho amargava ainda mais o gosto de solidão da noite. Ela se habituara a esta dor, fazia-a talvez se sentir um pouco mais viva, um pouco mais… mas não era isso que ela queria para si. Não entendia como ser viva assim. Viver assim, não era viver. Não parecia viver. Ela mais do que ninguém entendia que uma noite sozinha significava o mesmo que uma taça de vinho vazia, significava que outra, taça ou noite, se seguiria, e de novo, e de novo, e novamente. Era preciso encontrar algo, nem mesmo que… Num gole rápido, seguido de um gemido adocicado, esvaziou a taça, bebeu assim o vinho raro que ganhara de presente. Bebeu como se fosse simples água de torneira, sem prazer. Para tomar em uma ocasião especial, disse-lhe o pai. Ocasião que não chegava e pelo visto não chegaria nunca. Olhou o cálice, um Waterford, presente de vovó para quem tomar um vinho refinado exigia um cristal à altura. Tão frágil, tão belo, tão único. No parapeito, olhou o chão, tão solitária e ímpar quanto o velho cristal. Sorriu mostrando os dentes perfeitos, marcados ainda pelo vinho. Ela sentiria falta do cristal, mas decidiu experimentar. Quanto equivaleria, em dor, treze andares? Quanto? Assim, simplesmente, soltou o cristal. A taça rodopiou e foi assumindo rapidamente sua invisibilidade. A noite não deixava perceber o movimento, embora ela jurasse perceber a taça em queda pelo vislumbre de um reflexo, não conseguiu ouvir um som, nada. Obviamente o cristal se partira em milhões de fragmentos, impossível permanecer intacto depois de um vôo como este, mas apesar da certeza, a seda da camisola reluzia tímida e criminosa, o azul escuro se confundindo com o céu da madrugada, era necessária alguma certeza, dizia para si, um soluço agudo cortou a noite abafada e quente, voltou-se ao parapeito, inclinou-se muito, sentido o vento no rosto, treze andares, a sensação do vento fazia a pele arder num fogo gostoso, mas havia necessidade de conferir uma última verdade universal, uma lei, precisava ir, e rápido, lá embaixo ver como ficou sua taça. O vento era… muito… convidativo…
com ecos de Antero de Quental
para Andréa de Carvalho
como convite a aventura
(... uma vez que o era uma vez não cabe mais...)
QUATRO horas da manhã, um caminho errado, uma decisão, um gole de vinho a mais. Tudo o que dói sempre dói mais, machuca mais, no silêncio da madrugada. Algumas coisas não são escolhas deliberadas, nem mesmo posições tomadas que devem ser sustentadas até o final da cena. A noite estava bonita, uma enorme lua, estrelas em profusão como se o céu tivesse se preparado para alguma coisa especial. Era uma noite sensual, qualquer um poderia perceber isso, mesmo que da rua não pudesse vislumbrar o vulto esguio no terraço do prédio. Havia notas doloridas de uma música feita caminho, como algum dia, sozinha assim no terraço, o vulto armado apenas de um cálice de bom merlot, a pele branca exposta ao vento, a fina camisola de seda, um desejo impossível palpitando no peito. Ela sabia o que deveria fazer, mas não poderia, não mesmo, a não ser nesta noite, deste décimo terceiro andar. As coisas poderiam ser tantas, e boas, ela sabia, ela mesmo dissera isso ao telefone a uma amiga durante a tarde. Há momentos em que não se pode fazer muita coisa, era isso que ela sabia, dali, de sua vista privilegiada, observando a mancha negra que o mar fazia no horizonte. Mas não havia mais nada, nenhuma certeza a que se agarrar, nenhum sonho restava ainda intacto. A mão branca de dedos finos e unhas roídas tocou o rosto. Havia marcas ali que não eram marcas do tempo, mas marcas de um tempo que ela não poderia vencer, marcas silenciosas de desespero. Talvez o que procurasse não existisse, talvez estivesse junto com as estrelas. O vinho amargava ainda mais o gosto de solidão da noite. Ela se habituara a esta dor, fazia-a talvez se sentir um pouco mais viva, um pouco mais… mas não era isso que ela queria para si. Não entendia como ser viva assim. Viver assim, não era viver. Não parecia viver. Ela mais do que ninguém entendia que uma noite sozinha significava o mesmo que uma taça de vinho vazia, significava que outra, taça ou noite, se seguiria, e de novo, e de novo, e novamente. Era preciso encontrar algo, nem mesmo que… Num gole rápido, seguido de um gemido adocicado, esvaziou a taça, bebeu assim o vinho raro que ganhara de presente. Bebeu como se fosse simples água de torneira, sem prazer. Para tomar em uma ocasião especial, disse-lhe o pai. Ocasião que não chegava e pelo visto não chegaria nunca. Olhou o cálice, um Waterford, presente de vovó para quem tomar um vinho refinado exigia um cristal à altura. Tão frágil, tão belo, tão único. No parapeito, olhou o chão, tão solitária e ímpar quanto o velho cristal. Sorriu mostrando os dentes perfeitos, marcados ainda pelo vinho. Ela sentiria falta do cristal, mas decidiu experimentar. Quanto equivaleria, em dor, treze andares? Quanto? Assim, simplesmente, soltou o cristal. A taça rodopiou e foi assumindo rapidamente sua invisibilidade. A noite não deixava perceber o movimento, embora ela jurasse perceber a taça em queda pelo vislumbre de um reflexo, não conseguiu ouvir um som, nada. Obviamente o cristal se partira em milhões de fragmentos, impossível permanecer intacto depois de um vôo como este, mas apesar da certeza, a seda da camisola reluzia tímida e criminosa, o azul escuro se confundindo com o céu da madrugada, era necessária alguma certeza, dizia para si, um soluço agudo cortou a noite abafada e quente, voltou-se ao parapeito, inclinou-se muito, sentido o vento no rosto, treze andares, a sensação do vento fazia a pele arder num fogo gostoso, mas havia necessidade de conferir uma última verdade universal, uma lei, precisava ir, e rápido, lá embaixo ver como ficou sua taça. O vento era… muito… convidativo…
Tédio
«endomingamento»
Sete horas da manhã para quem não dormiu não são sete horas da manhã. O cheiro de café tradicional, feito de pedras, grãos e o que tiver. Poucas pessoas sabem o que é um bom café. Não vou bancar o barista, ainda preciso de açúcar. Mas trocaria de bom grado este xícara por três gotinhas de Voleplas e gim inglês… mexido, não batido. Sem acenar à francesa eu sei a máxima: quem não dorme não pode sonhar. Não liguei ainda. Meu corpo não ferve mais. Pantagruel e Gargantua nunca lutaram sob estas luzes. Não sou dado a tomar estalagens por castelos, criadas por damas galantes. Não desliguei ainda. É incrível ouvir o galo cantar fazendo a manhã. Minhas tarde feitas de cavalgadas que trazem a noite galgando estrelas. O que há para além da imagem: o rosto cansado, os olhos vermelhos, o grito que não saí e não faz a manhã. Não tenho notícias e sequer dizes de mim. Eu me sei cansado e sozinho. Sei que escolhi estar só, mas ainda assim o preço marcado na pele arranhada, pelos óculos partidos que impedem de ver o mundo. O querer saber do outro de mim. Do outro em mim. A imagem resta borrada sem os segredos da borra de café que habita no fundo da xícara.
Sete horas da manhã para quem não dormiu não são sete horas da manhã. O cheiro de café tradicional, feito de pedras, grãos e o que tiver. Poucas pessoas sabem o que é um bom café. Não vou bancar o barista, ainda preciso de açúcar. Mas trocaria de bom grado este xícara por três gotinhas de Voleplas e gim inglês… mexido, não batido. Sem acenar à francesa eu sei a máxima: quem não dorme não pode sonhar. Não liguei ainda. Meu corpo não ferve mais. Pantagruel e Gargantua nunca lutaram sob estas luzes. Não sou dado a tomar estalagens por castelos, criadas por damas galantes. Não desliguei ainda. É incrível ouvir o galo cantar fazendo a manhã. Minhas tarde feitas de cavalgadas que trazem a noite galgando estrelas. O que há para além da imagem: o rosto cansado, os olhos vermelhos, o grito que não saí e não faz a manhã. Não tenho notícias e sequer dizes de mim. Eu me sei cansado e sozinho. Sei que escolhi estar só, mas ainda assim o preço marcado na pele arranhada, pelos óculos partidos que impedem de ver o mundo. O querer saber do outro de mim. Do outro em mim. A imagem resta borrada sem os segredos da borra de café que habita no fundo da xícara.
sábado, 9 de janeiro de 2010
Um tapa na cara no escuro. Feche as pernas, não abra os segredos assim, tão fácil e vulnerável. Não se poder ver a sorte numa xícara de capuccino. Eu sinto falta. Saudades, dir-se-ia. Mas eu pinto rostos e tantos que me perco no meio deles, mantenho a minha maquiagem. A estrada, agora, está vazia. Eu estou, sempre, vazio. A passagem aberta na noite não responde. Precisaria fazer um telefonema, bem o sei. Precisava achar meu alçapão, lá onde encontrei meu livro de receitas e as cartas prontas. Eu não gosto de engolir estas regras. Decidir as cabeças que rolam e não saber, no fim, certo e errado. Quebrei meu óculos, criminosamente, ontem à noite. Esta é uma verdade! Não me faças perguntas retóricas, eu sei migrar. Pulando as linhas eu não escrevo mais, eu pinto. Faço um desenho no aberto e no aperto. Sempre fugindo, sempre correndo, sempre não sabendo saber direito o caminho. As bússolas mentem. O céu engana. Eu queria uma pequena pintura, apenas. Não intervenha no meu tabuleiro. Velas acesas e distendidas, que venha o mar.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
fundo do copo
o corpo torto, as lentes escuras protegem da luz. não diga, não fale, não pense. abra apenas os braços, bem lentamente. como quem sabe o que quer mas não encontra. os balanços estrelados disfarçam, diz-faz a imagem. e como quem espera, senta à beira da mesa. os copos entrelaçados duplicam os caminhos sem possibilidade. tudo é uma direção, não acima, nem abaixo, mas ao fundo. no rasgo, no vão, na falta do olhar. no silêncio absurdo do absoluto feito ausência. eu bebo para me vencer.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Tribunal da Inquisição
Fiz uma pequena relação do que não deve acontecer. Tracei um perfil. Não tenho a pedra da verdade, mas sei usar o âmbar amarelo de Tales. Um texto só é confessional, na medida de quanto mais cifrado ele vale. Ou quanto mais ele aparenta suspender o seu tempo imediato. Um isqueiro preto e olhos profundos fazem sentido pra ti? Eles armaram as grades de Smolni, eu fugi do tifo, pelo Cáucaso. Entre fumaças e varandas repletas de papoilas desenhei um imenso rosto em nanquim, escrevia na linguagem do impossível. O labirinto está armado, o Minotauro, de jaqueta de couro e motocicleta, esperando algumas curvas adiante. Tu consegues atravessar um retrato? É preciso tirar o limo, o excesso. Ou talvez não. É preciso saber jogar e lhe ofereço um jogo novo: um xadrez de apenas 14 peças em que as peças mudam de função a cada movimento. Uma dama poderá assim, talvez, na pior das hipóteses, ser um rei. Contra-senso? Não acredito. O mais divertido do jogo é que ele pode não acabar. 64 possibilidades. Nenhuma cabeça rolando. Um jogo preto no branco. Não faça caras de menino rebelde ou latino sedutor, pra mim isso não vale nada. Meus sapatos preto 14% são mais cruéis que seu punho. Então, esquece e não acorda. Não mande flores no dia seguinte, teu perfume irrita, seu corte de cabelo é péssimo. Cansei. Assina o curriculum, deixa foto e envia pelo correio. O epitáfio de 1727, na Abadia de Westminster, não fui eu quem escreveu.
Socialist Poetry
I know 3 trades
I speak 4 languages
Foucht for 5 years
Have 6 children
And no work for
7 months
But I only want
One job
I speak 4 languages
Foucht for 5 years
Have 6 children
And no work for
7 months
But I only want
One job
DIETA
Estou cortando palavras. Voltei aos velhos cadernos. Encontrei um dos meus, de matemática. Epígrafe idiota. Vida em preto e branco por trás de uma capa vermelha. Lição do dia: ângulos correspondentes são congruentes. Lógica distorcida para a mesma medida. Não me chamo Hipotenusa. Não sei ser radical. Meu índice está fora do real. Sabemos que é preciso simplificar, reduzir, mas não resta nunca muita coisa além das palavras ecoando. Ondas. Pode-se interpretar a igualdade, mas expor o corpo sem nome. Número marcado num código de barras. Quais as propriedades? Onde situar? Meu inconsciente faz vezes de co-ciente e não posso listar os fatores. Resumidamente: 037000211662. Resolvendo às avessas o enigma. O que torna uma sentença verdadeira? Um acréscimo de informação não muda o percentual de entendimento. Um gráfico poderá ser artístico? É preciso reduzir a voz ao mínimo, sem expor o desejo. Sei apenas do que me dizes e não dizes muita coisa, mas não me assustas. Tuas frases estão no grupo das não-inteiras, fragmentadas e obscuras. Dê-me a terça parte de mim, é um número ímpar refletido enquanto dorme no espelho, mas não é o inverso de mim. Eis o sistema. Identidade total, mas nem sempre semelhante. Minha sombra tem pouco mais de três metros e quilômetros de terror. Olhe-me apenas na curva tangente, linha do horizonte. Ou te faço calculus, pesada estátua. Medusa.
A Champollion e Rawlinson
Tenho dois potes de tinta e habito Alexandria. O espectro do sol brilha vermelho no horizonte. Estou indo. Meu mar não é sequer azul. Oriente misterioso. Minha biblioteca não foi queimada. Sei que tu não me entender, tu vens de Feldhofer, com suas lanças e suas flechas. Os ecos de tua gruta não me assustam. Tua cabeça é meu troféu. Sou verde, misturo azul e amarelo. Águas de rios. Águas de céus. Brincas de Princeps Augustus e corres entres menires e dolmens. Aprisionado no meu vaso de argila, sem escudo de plumas, perde o rosto numa máscara de barro. Nem sempre é dia de caçador, há dias em que não há caça, que as fogueiras não iluminam teus caminhos subterrâneos. Recolho-me a meu silêncio templário. Apago as velas e incensos, meu templo sem-deus. Teu Deus não me salva. Minha estrada é feita de estrelas, habitando no fundo do mar e no raso dos teus olhos. Minha missão é sobreviver entre estranhos espelhos quebrados. O reflexo marca apenas um rombo feito no meu corpo. Meus guizos e chocalhos não levantam mortos. Medéia, cavo meus infernos, faço-me em pedaços para no descenso descobrir teus jogos de enigmas. O sol não vai raiar amanhã, sabemos disso. Estou tendo alucinações, mãos fantasmagóricas tocam meu corpo, roubo cinzas, vejo um rosto de olhos vermelhos na porta. As gárgulas me abrem os portões pra me salvar. Eu vou vencer na ponta de meu florete teu sangue bárbaro.
Vôo 19
Rápido. Troque as cartas. Respire fundo. A senha, por favor. É capaz de dizer que dia é hoje, Edgar Cayce? Sinto-me impossibilitada de voltar. Há coisas que não se pode mudar, assim, fazendo vezes de meio mortal, meio suicida. Afinal, o legítimo suicida não tem tempo para mudar de idéia. Quando você cai, apenas cai. Não pára. Não dá para dizer, no meio da queda, desisto, aliás, dá pra dizer, mas isso não muda nada. Não tira o chão do lugar, não afeta a gravidade da situação. Abri a janela esta manhã e não poderia dizer que faria sol e não fez. Não reconheceria dezembro ou janeiro. Meu corpo esta impregnado de suor, tento fugir, correr… apenas isso. Acho melhor esquecer a carta, não? Mando um telegrama, talvez? Mas quem ainda manda telegramas? Não banque o taquígrafo comigo, eu conheço os mínimos sinais que emites. Sem breves suspiros ou longos arrepios. Tenho observado bem as pedras, não as nuvens. O que varia nem sempre é tão importante quanto o que fica. Preciso te apresentar alguém. Quando não importa, importa? Não me venha com essa de que poderá não estar vivo amanhã, você já não está aqui, nunca esteve. Não banque o detetive, isso é apenas magnetismo. Vê? E nem preciso ser simpática e sorrir ou abusar do decote nos seios fartos que não possuo. Não acredito em hipnotismo e não me venha fazer vezes de Brian Weiss, querido. Falta tempo. Preciso terminar de escovar meus cabelos. Vou à caça. Tem comida congelada na geladeira. Eu só preciso abater alguns aviões. Queda-livre. Um presente made in Taiwan, novidade. É pós-guerra: eu escovo os dentes e abalo três economias, fria e calculista. Sem curvas, mas muito profissional. Minha cinta liga verdades. Carrego a bolsa e tenho um 38, cabo de madrepérola, para eventualidades. Saltos vermelhos e charuto: fatal. Você já está morto Cayce e não fui eu quem matou. Preciso urgentemente de um tubinho preto.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Noções de criminologia
Breve adendo à pele marcada.
É melhor ignorar o comitê de boas vindas. Escrevi as notas para que você possa decifrar um código, teu presente. Nada de louras magras com um corpão. Alguns rapazes são ridículos, porém, não é sempre que se vê garotas de biquíni em o seu habitat natural. Ele é lindo, okay. Estou longe de tudo, bancando Veronica Mars na Universidade, para tentar saber se alguém lembrou de mim. Você já notou que as outras garotas, geralmente, não resolvem crimes? Ainda assim, vou procurar suas coisas, sozinha. Não obstante, é assustador. Alguma saída? Acho melhor não tentarmos, você não anda muito pelo deserto. Cascavéis, coiotes, escorpiões, hippies e chá de cogumelo. Juntando histórias impossíveis, perdendo dinheiro, tendo febre, muita febre. Vivendo da morte sonífera dos dias. Eu tô bem, ou talvez não. Um laço de bônus de aniversário: preciso aprender a não discutir arquitetura com meu pai. Do acúmulo e da fome. Pensando em desistir disto e procurando um pouco de coragem, 100 ml de álcool 75% e uma caixinha de fósforos. Eu sei dizer até o que você está pensando. As gotas de suor na tua testa são signos impossíveis de ignorar. Quantas vezes eu ouvi, cara, eu vacilei. Eu odeio isso de ‘cara’. Violentando os textos, violando os acordos. Queimando a biblioteca. Pura dinamite. Vocês são ridículos. É seu amigo, o bêbado da cidade. Será que as meninas vão gostar? Então, gangue, afim de rock’n roll? Como ser, definitivamente, inteligente no meio de loiras gostosas? Geralmente, sou eu quem escolhe meu criminoso, Wallace. É a minha deixa. A sessão da meia-noite não espera por nada. As entradas estão presas no espelho. Vou buscar os documentos no carro e me mando para vocês ficarem sozinhos. Faço isso porque sou boa n’isso. Você me segue, eu te mato.
É melhor ignorar o comitê de boas vindas. Escrevi as notas para que você possa decifrar um código, teu presente. Nada de louras magras com um corpão. Alguns rapazes são ridículos, porém, não é sempre que se vê garotas de biquíni em o seu habitat natural. Ele é lindo, okay. Estou longe de tudo, bancando Veronica Mars na Universidade, para tentar saber se alguém lembrou de mim. Você já notou que as outras garotas, geralmente, não resolvem crimes? Ainda assim, vou procurar suas coisas, sozinha. Não obstante, é assustador. Alguma saída? Acho melhor não tentarmos, você não anda muito pelo deserto. Cascavéis, coiotes, escorpiões, hippies e chá de cogumelo. Juntando histórias impossíveis, perdendo dinheiro, tendo febre, muita febre. Vivendo da morte sonífera dos dias. Eu tô bem, ou talvez não. Um laço de bônus de aniversário: preciso aprender a não discutir arquitetura com meu pai. Do acúmulo e da fome. Pensando em desistir disto e procurando um pouco de coragem, 100 ml de álcool 75% e uma caixinha de fósforos. Eu sei dizer até o que você está pensando. As gotas de suor na tua testa são signos impossíveis de ignorar. Quantas vezes eu ouvi, cara, eu vacilei. Eu odeio isso de ‘cara’. Violentando os textos, violando os acordos. Queimando a biblioteca. Pura dinamite. Vocês são ridículos. É seu amigo, o bêbado da cidade. Será que as meninas vão gostar? Então, gangue, afim de rock’n roll? Como ser, definitivamente, inteligente no meio de loiras gostosas? Geralmente, sou eu quem escolhe meu criminoso, Wallace. É a minha deixa. A sessão da meia-noite não espera por nada. As entradas estão presas no espelho. Vou buscar os documentos no carro e me mando para vocês ficarem sozinhos. Faço isso porque sou boa n’isso. Você me segue, eu te mato.
Ossos
Epílogo à pele marcada
Concordamos em ver outro terapeuta, não brincamos de marionetes de uma criança de 15 anos. Eu não tenho sentimentos assustadores. No seu universo nós não tomaríamos sequer uma xícara de café juntos. Afinal, sem crimes, sem nós. Algo bastante bíblico. O corpo ainda tá emitindo muito calor, talvez ele não esteja morto há tanto tempo quanto parece. A maior frustração da vida dele deve ter sido um game over no Mortal Kombat. Recapitulando notas. O caso é meu. Embora não pareça o caso do filho da viúva. Não há nenhuma evidência de canibalismo. Nenhum engenheiro de informática devorado. O que restava era umma xícara de chá de ervas, na pia, como se ele estivesse saído só por um instante. Espero que um olho mais artístico que o meu possa decifrar os padrões. Manchas negras sobre um fundo branco sempre dizem mais do que parecem. A isto chamo possibilidade. Apesar de tudo você nunca o verá pagando quatro dólares por um tomate. Eu deixo pistas, muitas. Eu disse que não estava disponível durante a semana, por isso ele nos atendeu em pleno sábado à noite. Porém há algo mais divertido: um cadáver, talvez dois. Simplesmente só cansei de hippies ecológicos fazendo vezes de missionários fanáticos. Não sou obrigado à maconha quanto às emissões de carbono.
Você está simplificando assuntos muito complexos, é assim que passava de ano? Talvez em álgebra. Ele falava com insetos, mas o cara foi cozido, portanto, estranho é um termo relativo. Os planos se derreteram feito sorvete num dia quente de(ste) verão. Tudo faz parte de uma invasão, não uma festa. O objetivo final não gira em torno do nosso impacto no ambiente. Mas do que resta, criminosamente, escondido. Ossos podem ser pulverizados, sem sentimentos melancólicos, porém ainda são ossos e ainda assim doem, não sei se o suficiente, mas o bastante.
Concordamos em ver outro terapeuta, não brincamos de marionetes de uma criança de 15 anos. Eu não tenho sentimentos assustadores. No seu universo nós não tomaríamos sequer uma xícara de café juntos. Afinal, sem crimes, sem nós. Algo bastante bíblico. O corpo ainda tá emitindo muito calor, talvez ele não esteja morto há tanto tempo quanto parece. A maior frustração da vida dele deve ter sido um game over no Mortal Kombat. Recapitulando notas. O caso é meu. Embora não pareça o caso do filho da viúva. Não há nenhuma evidência de canibalismo. Nenhum engenheiro de informática devorado. O que restava era umma xícara de chá de ervas, na pia, como se ele estivesse saído só por um instante. Espero que um olho mais artístico que o meu possa decifrar os padrões. Manchas negras sobre um fundo branco sempre dizem mais do que parecem. A isto chamo possibilidade. Apesar de tudo você nunca o verá pagando quatro dólares por um tomate. Eu deixo pistas, muitas. Eu disse que não estava disponível durante a semana, por isso ele nos atendeu em pleno sábado à noite. Porém há algo mais divertido: um cadáver, talvez dois. Simplesmente só cansei de hippies ecológicos fazendo vezes de missionários fanáticos. Não sou obrigado à maconha quanto às emissões de carbono.
Você está simplificando assuntos muito complexos, é assim que passava de ano? Talvez em álgebra. Ele falava com insetos, mas o cara foi cozido, portanto, estranho é um termo relativo. Os planos se derreteram feito sorvete num dia quente de(ste) verão. Tudo faz parte de uma invasão, não uma festa. O objetivo final não gira em torno do nosso impacto no ambiente. Mas do que resta, criminosamente, escondido. Ossos podem ser pulverizados, sem sentimentos melancólicos, porém ainda são ossos e ainda assim doem, não sei se o suficiente, mas o bastante.
Baudelairiana
Cantate Vates!
Pange lingua!
Plange lingua!
Quomodo sedet solas civitas plena populo
facta est quasi vidua domina gentium
princeps provinciarum facta est sub tributo.
Plorans ploravit in nocte,
et lacrimae ejus in maxillis ejus
non est qui consoletur eam ex omnibus caris ejus
omnes amici ejus spreverunt eam, et facti sund ei inimici.
Quia zelavi super iniquos, pacem peccatorum videns.
Et fui flagellatus tota die, et castigatio mea in matutinis.
Amicus meus osculi me tradidit signo.
Infelix.
Quod ego facio, tu nescis modo, scies autem postea.
Dormian et requiescam.
Rimbaud secreto.
Pange lingua!
Plange lingua!
Quomodo sedet solas civitas plena populo
facta est quasi vidua domina gentium
princeps provinciarum facta est sub tributo.
Plorans ploravit in nocte,
et lacrimae ejus in maxillis ejus
non est qui consoletur eam ex omnibus caris ejus
omnes amici ejus spreverunt eam, et facti sund ei inimici.
Quia zelavi super iniquos, pacem peccatorum videns.
Et fui flagellatus tota die, et castigatio mea in matutinis.
Amicus meus osculi me tradidit signo.
Infelix.
Quod ego facio, tu nescis modo, scies autem postea.
Dormian et requiescam.
Rimbaud secreto.
A efígie do medalhão
Quando você começa a chorar assistindo filme idiota da TV aberta, às três horas da manhã, isso é indício de problema. Por vezes a vida é assim, rendida ao rotineiro tic-tac que exige nada mais do que uma presença que não há. Não tem motivo. Aí, então, certeiro, você decide ter um animal de estimação. Não tem como, espaço pequeno, etc etc etc e você nem tem responsabilidade para consigo mesmo. E então tudo o que doía devagar começa a doer mais, sem lamento, apenas dor. No entanto, você sabe que tudo isso não tem importância, que a dor estava prevista no roteiro, que talvez amanhã tudo mude (e mudará). E assim, quando o sol começa a raiar na borda do poço, quase iluminando o fundo, mais um golpe e a maré muda. E as dores começam a marcar o rosto, os nervos começam a dominar os dedos, a voz rígida começa a se tornar trêmula, a poeira vai acumulando, os papéis aumentam em pilhas… e nada há que fazer, apenas manter o plano. Seguir o roteiro. Acreditar no roteiro como quem acredita na salvação, pensar que neste inferno poderá estar uma parcela do paraíso. Engendrar na rota. Mergulhar. As coisas começam a ser calculadas veementemente. A escrita passa a ser seca. Burocrática. O desenho, uma maneira de fazer a catarse funcionar quando nada mais faz sentido. E assim, riscando página e vida, manchando os cabelos de branco. Secando o corpo. O medo aumenta. O crime aumenta. A morte parece chamar. E tudo que poderia ser ou ter sido se torna incerteza, não acaso, não sorte, mas incerto como portas que rangem em filme de terror sensacionalista, mas ainda assim assustam. Logo, descobre que não há uma história para ser escrita e os planos ruem de vez. É preciso então escrever o codicilo. Tudo já tem endereço certo. Até mesmo os diários e os lixos. No entanto, é preciso a decisão. Abrir o medalhão, entrever no espelho ali posto, na falta de uma fotografia de quem se possa recordar, e ver o rosto impossível. Tentar dizer eu mais uma vez. Fechar. E dedicar a si uma lápide puramente anônima, sem versos brancos ou reais. Sem festividades. Um semblante é algo para não ser lembrado.
nota de orelha
todos os textos são um textos
todos os textos soam texto
apenas naquele texto ex-certo
que não constava palavra
entre as frases quebrada
obscuros períodos de imagens
m'esticas & mestiças
todos os textos soam texto
apenas naquele texto ex-certo
que não constava palavra
entre as frases quebrada
obscuros períodos de imagens
m'esticas & mestiças
nota
Queria acreditar no que dizes. Esta batida que, no fundo da noite, não me deixa dormir está dentro de mim. E insiste. Dois olhares, dizes. Dois retratos sobrepostos. No entanto, não sei com que pincel pintas este quadro para me enganar. Talvez eu queira e precise destas ilusões em, ainda assim, não acredito. Crer e desejar, duas instâncias. Eu sei desejar tanta coisa e crer em tão poucas delas. Não acredite neste rosto lavado que tens diante de ti, ele é tão falso nesta sua não-maquiagem maquiada. Armado apenas com um isqueiro eu fiz um furo naquele quadro que pintei com grossos traços e mão pesada. A consciência ainda exigia o conserto daquela perspectiva. Tenho as venezianas abertas e fantasio com teu rosto que resta apenas desfocado numa fotografia. É estranho como as coisas despencam devagar, como a pele que desgruda do crânio. Os ossos despregam e quebram facilmente. Poderia brincar neste conto-de-fadas exigindo a prova de meu cavalheiro errante e pedir o meu presente. Assim, meu souvenir fora do tempo e do espaço, uma pena apenas, roubada de um anjo travesso. O copo d’água se faz doloroso no amargo da boca. Impossível engolir. É doloroso não merecer sequer um post-it colorido numa anotação esparsa. Dizes que desejas, mas o que desejas? Eu tenho 60 anos agora e pouco tempo. Tenho todas as rugas comportadas por um gole de sakê. Meu oriente é egípcio e faz as pestanas delirarem em cores e fumaça. Sinto falta dos meu chocolates. Eu não quero ver nosso filho. O tempo é feito dominó com peças a mais e peças faltantes, mas ainda assim é preciso que todo jogador termine com seu jogo. Não gosto de análise combinatória. Eu só queria que pudesses jogar sem blefar e com as cartas à mostra, quem sabes assim poderias ganhar.
sábado, 2 de janeiro de 2010
Proscênio
Prossigo um romance por Hollywood
a máquina disparou seu raio luminoso. tempus mortuum. outros tantos raios ainda pavoneavam pelo céu. a objetiva abriu e fechou. meu olho também piscou. a máquina piscava para mim. deslocava aquilo que capturava de mim que nem eu mesmo sabia. um perfume conhecido me invadia as narinas, fazia bem. era o meu velho perfume. um frasco esquecido no fundo mágico e falso de uma gaveta. eu tinha de sorrir para a máquina suspensa. eu que havia parado de usar perfumes depois de… devagar abri os botões que me seguravam ainda aqui. um vento frio imaginário parecia percorrer o amplo espaço aberto pelas velas que tremeluziam. uma garrafa de bom vinho. uma garrafa de fino champanhe. a mesa posta. o pudim yorkshire, as lentilhas, o risoto. outras velas. tudo aquilo que como maná prouvera no deserto à espera de alguém que não viria. não sabia da existência do convite. nem de mim. a blusa tirada devagar. o vapor subindo lentamente da banheira. o cálice cheio. os animais acordavam o vento e o vento batia na porta. o corpo nu entregue sem esperanças. o que poder esperar do amanhã? não, não seremos todos irmãos, diz minha sonata. a água batendo acima do pescoço afogava um sorriso inexistente. o estômago ardia. o sono não vinha. e eu penso em ti, meu cisne, sabendo que não existes. sabendo que as estrelas brincam com a tortura ampla do meu mau trágico. a tragédia três vezes envenenada pelos escorpiões que se ocultam nas frestas desta casa velha, como fios de cabelo nos vincos das roupas. um vislumbre assoprando na cortina. plenitudo potestatis: esquecimento. a taça pedia mais do que apenas os lábios. o corpo pedia mais do que apenas a água aquecida. era mais que necessário espiar o horizonte dos sonhos. no fundo da garrafa de champanhe via teus olhos refletidos no verde-amarelo-azulado do vidro, dizendo do que estava ali no reflexo feito desencontro. mas apesar de lindo, o céu que se vislumbrava e me deslumbrava nas suas luzes, na brincadeira que as nuvens armaram em torno da lua, não era possível ver alguma estrela. mas todo mundo sabe que as estrelas estão lá, ainda que não as veja. pensei em enviar alguns sinais. escrever uma breve carta. mas era mais que necessário que eu te inventasse para este papel. concedesse-lhe um nome, uma corpo, mínimo resquício daquela tela que chamei de “mimus vitae”. mas eu te desconheço. não sei se existes. a água quente e doce acolhia as minhas águas salgadas de minhas fontes frias, sombrias e gélidas. um pouco de vergonha por exigir de[ti]mais, por escrever de[ti]mais, por fazer demais isto desenhar-se no impossível do eu. alguns goles. o relógio desanda quando as coisas respiram e suspiram demais. ainda era necessário comer entre outros goles. o corpo molhado, as espadas coladas ao corpo, era preciso também brincar de príncipe na corte ausente. linho todo feito linhas. Fechei os três botões, deixando dois abertos para as mãos livres. o frio. o cachecol embebido em perfume de memória se fazia moira de melancolia. era o vazio que resistia ainda. o vazio dos últimos e certos (certamente derradeiros) últimos dias. entre outras coisas, não era lícito, ou preciso, correr. a mesa se fazia salão ao som das teclas que marcavam os passos. Entscheidung. é preciso acabar com as coisas, não brincar de comprador de segredos. sem promessas colocar no lugar do coração o almejado marca-passo. respirar. a comida restará para amanhã. as garrafas, vazias ou não, como eu, também. me agarro agora ao perfume apenas. encerro o postal e guardo-o ao lado do frasco quase que vazio do aroma de balanço velho. amanhã arrumo tudo, amanhã (espero) tudo se ajeita.
a máquina disparou seu raio luminoso. tempus mortuum. outros tantos raios ainda pavoneavam pelo céu. a objetiva abriu e fechou. meu olho também piscou. a máquina piscava para mim. deslocava aquilo que capturava de mim que nem eu mesmo sabia. um perfume conhecido me invadia as narinas, fazia bem. era o meu velho perfume. um frasco esquecido no fundo mágico e falso de uma gaveta. eu tinha de sorrir para a máquina suspensa. eu que havia parado de usar perfumes depois de… devagar abri os botões que me seguravam ainda aqui. um vento frio imaginário parecia percorrer o amplo espaço aberto pelas velas que tremeluziam. uma garrafa de bom vinho. uma garrafa de fino champanhe. a mesa posta. o pudim yorkshire, as lentilhas, o risoto. outras velas. tudo aquilo que como maná prouvera no deserto à espera de alguém que não viria. não sabia da existência do convite. nem de mim. a blusa tirada devagar. o vapor subindo lentamente da banheira. o cálice cheio. os animais acordavam o vento e o vento batia na porta. o corpo nu entregue sem esperanças. o que poder esperar do amanhã? não, não seremos todos irmãos, diz minha sonata. a água batendo acima do pescoço afogava um sorriso inexistente. o estômago ardia. o sono não vinha. e eu penso em ti, meu cisne, sabendo que não existes. sabendo que as estrelas brincam com a tortura ampla do meu mau trágico. a tragédia três vezes envenenada pelos escorpiões que se ocultam nas frestas desta casa velha, como fios de cabelo nos vincos das roupas. um vislumbre assoprando na cortina. plenitudo potestatis: esquecimento. a taça pedia mais do que apenas os lábios. o corpo pedia mais do que apenas a água aquecida. era mais que necessário espiar o horizonte dos sonhos. no fundo da garrafa de champanhe via teus olhos refletidos no verde-amarelo-azulado do vidro, dizendo do que estava ali no reflexo feito desencontro. mas apesar de lindo, o céu que se vislumbrava e me deslumbrava nas suas luzes, na brincadeira que as nuvens armaram em torno da lua, não era possível ver alguma estrela. mas todo mundo sabe que as estrelas estão lá, ainda que não as veja. pensei em enviar alguns sinais. escrever uma breve carta. mas era mais que necessário que eu te inventasse para este papel. concedesse-lhe um nome, uma corpo, mínimo resquício daquela tela que chamei de “mimus vitae”. mas eu te desconheço. não sei se existes. a água quente e doce acolhia as minhas águas salgadas de minhas fontes frias, sombrias e gélidas. um pouco de vergonha por exigir de[ti]mais, por escrever de[ti]mais, por fazer demais isto desenhar-se no impossível do eu. alguns goles. o relógio desanda quando as coisas respiram e suspiram demais. ainda era necessário comer entre outros goles. o corpo molhado, as espadas coladas ao corpo, era preciso também brincar de príncipe na corte ausente. linho todo feito linhas. Fechei os três botões, deixando dois abertos para as mãos livres. o frio. o cachecol embebido em perfume de memória se fazia moira de melancolia. era o vazio que resistia ainda. o vazio dos últimos e certos (certamente derradeiros) últimos dias. entre outras coisas, não era lícito, ou preciso, correr. a mesa se fazia salão ao som das teclas que marcavam os passos. Entscheidung. é preciso acabar com as coisas, não brincar de comprador de segredos. sem promessas colocar no lugar do coração o almejado marca-passo. respirar. a comida restará para amanhã. as garrafas, vazias ou não, como eu, também. me agarro agora ao perfume apenas. encerro o postal e guardo-o ao lado do frasco quase que vazio do aroma de balanço velho. amanhã arrumo tudo, amanhã (espero) tudo se ajeita.
Assinar:
Postagens (Atom)