domingo, 29 de novembro de 2009

proibido

"ela sabia o que dizia ao ler no rosto dele o impossível de mim. só restaria o crime, para o qual eu não tinha coragem."

tu foges aos abraços, escapas pelo vão dos dedos. armo a cena impossível, quero te inserir nesta biografia tão fingida, mas tão minha. neste roçar de peles que ainda está lá. longe, oculto nas dobras das pálpebras. assim te faço imagem e retoco nesta minha galeria de tentativas. ao lado, sempre ao lado, na série de tentativas. há um vaso, um quadro mal acabado, uma estátua quebrada, uma maquete e um projeto de vida. pensava na minha pequena criança, tão distante e tão selvagem.
ao mesmo tempo, na chuva que caia, nos olhos cegos bem-fazejos daquela cigana que proferiu minha sina. uma sina de monstro sem campanário, mal-fadado à luz do dia. entre-disse aqui e pediu meu coração imerso numa taça de vinho. não sei se teria coragem para oferecê-lo. mas gostaria, aos teus olhos morenos, lânguidos que eu almejo.
tocaria talvez um tempo a mais, um beijo a mais, uma certeza a mais.
eu não te devolveria esta verdade minha. tão fingida quanto um postal
no entanto, seu eu tornaria, este capítulo, agora rasgado. cansado, eu faço do impossível a minha ficção, que mergulho em café romano, entre os livros, numa companhia que ainda quero libertar.
e, assim, ensinando, à francesa, como se seguram os talheres, como se parte um sonho sobre uma refinada porcelana, abro diante da mesa a carta. esqueço o menú que se seguira. mas abriremos, orientais, nossas espadas de samurais esquecidas a um canto, te ensino a devorar. faremos deste peixe, uma posta, uma aposta última. escolheremos o perfume certo, a roupa certa, os astros certos. te ensino um pouco do meu crime de verdade, você sabe, é possível, mas para se proteger terá de sacrificar o outro, para estar assim do jogo. entrar no jogo é poder perder, sair ao controle, cavalos selvagens correndo rumo a desfiladeiro. ainda podes aprender. mas desfruta ainda destas sedas e destes aromas, não é o momento para um cadáver. é preciso, sobretudo, saber se entregar inteiramente, entregando apenas uma parte de si, conservando as outras intocáveis. algoritmos de desejo que não entram e não se enquadram na cena. eu queria te poder ensinar mais do que esta página murmurante num francês velho, sem gemidos, mas de palavras contidas neste cadeira de balanço. mas não quero que vires monstro, flor ou estrela. para além do naufrágio, deste lance de dados, quero entres na poesia e que a faças viva. é importante que notes, e só tu o sabes, a mudança das vozes que estão presas na minha caixinha de maquiagem. eu posso suspender as esferas, bancar o interprete supremo, apagar as luzes e reformar um espaço ordenando novos desenhos as constelações. mas sabes o preço, assim, gemido num agudo lascinante de não poder, de desejar sempre para além da forma perfeita, o efeito pérfido da força que tange rompendo os músculos, sem dor, mas ainda assim em brilhos que fazem surgir a imagem do fundo do espelho. eu simplesmente acredito, neste lugar outro, do qual só tu ainda tens esperança.

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