quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Réquiem desesperado

Suspenda a música, grita a voz sem corpo. Recua desesperado ante a imagem movente no espelho do sonho, o terror feito flores e perfume. Assim, meio abraçado, meio corpo tomado emprestado, meio-a-meio entre o consigo e o contigo, o beijo. O corpo se desfaz da nudez disfarçada e se dá, no sonho, em meio as cortinas de (não importa o fundo da cena, mas isto que grita). Um brilhante saltita dentro do cálice de champanhe. O cheiro é insuportável, mas tudo se suporta. O Atlântico é navegável até mesmo diante da tormenta e do desespero. Mas não se quer sair daqui, quer-se apenas fechar a porta, calar o piano. Tocar o secreto do corpo fingindo, simplesmente fingindo, que ninguém sabe onde fica e o que se deseja. Desistir do grande pensamento. Desistir da humanidade ao se fazer atravessar em xícaras de chá, maquiagem e pílulas multicolores para o amanhã. Um amanhã que é imprescindível que tarde, como é preciso lembrar e temer os roubos. O cansaço devora silenciosamente no aperto do peito, o fígado aberto, bebendo em sangue os temores deste amor que não veio e não se fez e se perde. Nada se faz. Nem bom, nem mal. O piano batido com pressa e raiva, a mão analfabeta que escreve sem sentir, mas sente mal ao sentar-se diante de um grito pintado em cores violentas na tela. O sentir é mais do que a pele. A pele é mais do que o limite do corpo. Há certo querer, uma voz feita mordida, no arroubo silencioso do não-beijo. Aqueles que esperam o final da música sabem que a dor maior já si frustrou lá no intimo do rés dos pêlos. O soco se paralisa no ar, os solavancos suspendem os arrepios. O corpo se arremata contra o corpo sem o desejo violento, sem a posse, apenas, ultimo reflexo de morte, a sorte posta no sangue e na inconsciência. Tudo não passa da inconsistência sonâmbula da vida. Essas coisas, todas, só daqui, pois o aí, não há. Nesta orquestra de bancos vazios e buracos orbitais, se oferece sanguinolento e fétido um coração que se de-compõe do ritmo, quase dragão, unicórnio, borboleta, bombeando o liquido azougue, na treva da voz, fazendo palpitar a insígnia da melancolia. Para as cortinas, o ultimo lamento de uma certeza: uma unha quebrada, no vão das teclas, não sangra.

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