quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Egmont

overture in F minor Op. 84

Rosas. Sequer gosto de rosas. Flor que despetala na primeira lágrima. É preciso tecer com os raios da manhã este bordado de pontos cruzados. Pontas de cruzadas de olhares detestados. O paladar salgado de quem acorda de um pesadelo ameaça sempre o dia. É preciso mais do que um teste feito texto que se acorda nos acordes que são acordos entre pausas. Espreguiça lentamente abrindo as mãos, tocando meu cabelo. Descobri o mote feito mulher. A poesia feita em prosa aberta para além do que começa com o era uma vez. E foi assim que pus num envelope virtual, e por isso virtuoso, um pedaço da minha pele marcada. Um pedaço deste couro que se faz cinto e sentido em mim. De mim. Por isso desenho devagar as arestas, como quem ensaia a dança, como que aprendendo a dar os laços no cetim, na seda, nas vírgulas que impelem os pontos. A sutura que não se abre. A voz que se faz corte. Não preciso mais correr. Meu tempo marcado está no esperar até junho. Talvez em fevereiro o impossível aconteça. Desisti de milagres. A minha catedral é feito estético da pura forma. A estesia deixo como dedo cegando o olho. Acho que a falta não é sentida bem como a fala não é ouvida. Eu sonhei um sonho tão mágico. Acordei sem as pérolas, sem asas, com um cheiro ocre no ar. Meus livros se devoram enquanto devoram a mim. O quadrado branco de um naco de carne é o que resta fora da marcha. Forjo um título como quem força a fechadura. Forço um não mais, um não ainda, para fazer epígrafe, lápide, moldura. Para dizer do salto XIV e da flor de lis tatuada em cada ombro. O coral de vovó foi roubado, não poderia dizer que está guardado. Não o consigo recuperar de maneira alguma. Nunca. Seria bom que voltasse para mim. Mas tanta coisa não volta. Tanta coisa é apenas lá distante estrela reluzente e insistente como o zumbido frenético de uma tuba, de uma tumba, do mover-se do cadáver. Porém, de-testado, o corpo desfalece, como flor, flor ferida aberta na raiz dos cabelos, emaranhando as tranças, as lembranças, as heranças, mas sobretudo flor que não se faz flor, mas flor que acontece flor, sem ter cor, perfume, som. Longe de ser rosa, apenas roda e aparece às vezes condicionando o vôo das borboletas.

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