terça-feira, 1 de dezembro de 2009

PES-A-DELO (ou: pas au-delà)

(o relógio do coelho pensante parou).

a cabeça tem um abismo. prende estes cachos ruivos teimosos. uma condenação sanguínea atravessa em sonhos os olhos abertos. a nuca ressente uma mordida vazia que nunca houve. os cabelos, no barulho terrorista do ventilador, parecem pétalas úmidas se desfolhando ao sopro sedutor. isso se chama insônia. isso se chama rasgo de cafeína numa noite. abaixo do arco-íris a minha própria íris me engole. o buraco. ela se sente doente, o corpo morto mal (se) movimenta (n)os dedos. nua na cama, a pele ainda molhada pelo banho gelado, faz tremeluzir a silhueta à luz das velas dispostas em um canto qualquer. o canto do demônio devorador dos papéis raros. o vento gelado no seio alvos endurece os mamilos, o róseo das coxas se perde num gemido. há uma cicatriz no joelho esquerdo. assim como há também um tapa de um cafajeste suspenso na cara (isso faz algum tempo?). olho o agora. ela insiste dentro do vidro, o caixão de cristal rumoreja. a bela não dorme, por mais que queira. as cores não são mais propriedades, mas efeitos lisérgicos no astigmatismo que se prende nas retinas. ela se afoga. nada comeu. nada bebeu. põe o dedo na garganta, precisa vomitar. como tantas outras coisas, não consegue. todas suas velhas cicatrizes marcadas no globo velho de sua sala-de-estar doem angustiosamente. uma num tubo de ensaios. outra entre jornais. outra num labirinto sem alçapão. e tantos outros roteiros errados. ela quer se vestir com as páginas, insiste, empilha os livros, dispõe arquitetonicamente dos volumes. rejeita os dicionários. ela que sabe ter toda a compostura e feita musa, mais que uma estrela, ela que ainda precisa durar. as roupas desmoronam ao chão. restam os óculos como máscara que ela tateia à procura. entre sedas negras e fios dourados, ela beija sua própria mão. é sua dama, seu próprio cavalheiro. sem desejo. ela não é mais esta carne. está além do último círculo concêntrico racional. a matemática não contempla mais sua lógica. nem se poderia chamar de lógica este sentir. ela quer ainda assim tocar o ar. procura no escuro das chamas a sapatilha, mas apenas o pé dói. mas o coração perdido, bem lírico, dói mais. só restam os livros e a fúria tenebrosa batendo em um piano com as unhas longas. e batendo e batendo como sinos da madrugada. será um resto de relógio preso na garganta? ela tenta pedir ajuda, mas o aquário é mudo. bate uma nota a mais, segura o pedal sinfônico, mantém em sustenido este sentido na direção do teu grito de desejo. há calores se abrindo como péroladas serpentes no umbigo. é indefinível o vulto invisível ao espelho. eu quero ter teu beijo. um universo cindido em dois. ou mais, ou apenas, ou ainda mais. daqui eu seguro teu sapatinho de cristal e cuidas do meu pequeno de rubi. encontro no meio de um parágrafo. a datilógrafa suspende um soluço em busca da solução. uma aspirina: solução química. mas nem você com suas leis aparece. ou mesmo você que carrega livros entre os arranha-céus. ou tu que querias apenas estas mãos. o mundo se abre no fundo negro e refratário de um par de olhos. linda e selvagem, com toda a classe tornada salto-alto, ela se levanta, ereta, sustenta com equilíbrio a própria dignidade dos séculos. está sem os saltos, se dá conta. recompõe o cabelo. uma fivelinha com um pequenino diamante (presente de um amante, pudera....) prende as labaredas. os cavalos relincham à porta do quarto. o mar, aos poucos, inunda a noite. ela perfuma delicadamente o pescoço e os pulsos. morde os lábios para devolver um pouco de cor a este quadro velho. ao alcance de sua mão (o arsênico?) envia colibris com mensagens para além da fechadura. nua, se duplica em duas. senta-se diante de si, vulto recortado na escuridão de pedra, para jogar um xadrez musical. sente-se, ainda, doente. eu preciso insistir daqui mais uma vez e soprando deixo tuas velas no escuro. ela deseja um corpo distante, talvez deseje seu corpo. o signo do esquecimento dói obliterado no cravo seco dentro do 3º romance, 7ª prateleira, balzac. respira, ainda vive. está acordada. é preciso implorar, por favor, Alice, dorme logo, meu bem.

Um comentário:

  1. o problema está nesses relógios do paraguai. se fossem aqueles com máquina suíça, tudo seria tão diferente...

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