sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

«quanto tempo dura o dia?»

os saltos na mão, pronta para qualquer assalto, os óculos embaçados, os pés nus no asfalto, ela caminha. queria ter pr'onde ir. uma direção. quereria talvez, saber-se no quente, para além dos lençóis. o suor se mistura com as lágrimas. sal com sal. o amargo de dentro com o azedo de fora. um gosto ocre na boca. os faróis passam através. as mãos doem mais do que os rasgos que o asfalto faz ao arranhar a sola dos pés. ela sempre soube como sofrem os pés. uma cicatriz a mais não significa uma dor a mais, muito menos ainda que a dor passou. uma cicatriz a mais é como um vazio a mais: um lugar de espera. o céu negro, sem nuvens. eu tenho me afastadado tanto da imagem, aqui resiste um sujeito que esconde uma lira estranha nos porões da casa. o que se pode esperar? nenhum táxi. nenhum verso. o demônio de dentro sobrevive às alturas, o coração acelerado resiste em queda livre. o bem, o mal - é tudo igual. depressa, na névoa, no ar sujo sumamos! não há motivos para insistir. o salto tem o bico gasto. ela se rebaixa aos cuidados com o que se vê diante dos canhões de carga dupla. os olhos ensaguentados em dor são míopes apenas. se tu quiseres desistir de mim, insiste ela, ainda tens tempo. eu gosto de ti como quem gosta e apenas. eu sobreviveria assim. certas dores apenas doem, mas não matam. há um dia horrível. os marcos da vida. se tudo der certo, apenas me espera, me acena, me dá o meu abraço. sobretudo, guarda os meus beijos. eu quero você tanto bem. eu não sei de deveria acreditar nesta latência de cores, eu não acredito. mas não quero desistir de escrever este romance como possibilidade última de ser postal. e nem podes me enviar o postal que eu desejo. há o baú singelo das lembranças no poluído dos ruídos. e eu nem saberia descrever o teu perfume. quem vem chegando? há um tambor rufando, pessoas felizes. mas do lado de cá a treva insiste. latente, debaixo do sol quente, das ondas do mar, o bucólico irrita, o lírico enjoa, o sem-nada oprime. há uma certa angústia premente. tudo parece tão simples, como o caco de vidro que acabara de lhe penetrar a sola do pé.

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