segunda-feira, 18 de abril de 2011

Je m’arrete

“Dou uma pequena pista para quem quiser escutar: Não se trata de ouvir uma série de frases que enunciam algo; o que importa é acompanhar a marcha de um mostrar”.

Martin Heidegger.

Paro minha leitura do texto do Sr. Winnicott acerca da “Primitive Emotional Development” para tentar organizar isto que me paira e que me afeta. Escrevo meu “Je m’arrete’’ como se escrevesse certo “J’accuse”. É quase meia noite, talvez seja a hora, momento soberano, de dar um basta a tudo isto, escrita e espaço, implodindo este mundo, esta dispersão de mim. Acho que todas as coisas em que acredito neste exato momento são tão assombradas, tão imagens, que não se desfazem ao toque, porque não podem ser tocadas. Não haveria como fazer isto numa carta fechada, selada e secreta. Como escreve Paulo a Filemon, só posso te dizer que te enviei meu coração novamente, mas não sei se recebeste, não sei o que fizeste com ele. (Talvez nem tenha ido aos correios buscar ou não entendeste o que eu queria). Este é o ponto em que toda minha lógica falha (eu ainda estou à espera). Minhas anotações em meu diário fazem vezes das fotos que não temos, ou daquela foto que eu a todo custo, tentei inventar. Não consegui. Deve ser dilemático, ter de pintar algo, para que consiga fazer ali, no campo branco da tela, aquele pouquinho de alegria sobreviver um pouco mais, e toda esta angústia do fazer impede que a peça, com toda sua delicadeza seja concluída. Cansei de chorar no banho, onde criminosamente eu sei,mas não digo que te amo. Aprendi a lição de Roland Barthes (que eu te dei). Nem posso assumir que sejam lágrimas. É melhor culpar o shampoo. Talvez seja da minha natureza ser sozinho, mas não consigo encontrar bons exemplos para isto. A fenomenologia falha e invejo os pingüins: um amor para todo e sempre. Talvez minha alma, como minhas crenças, tenha sido devorada pela lógica (uma reiteração). Eu quero tão pouco, procuro tão pouco. Este pouco que se assemelha a esta ruga que sinto pulsante no canto esquerdo do lábio e na pálpebra que treme. Tu me disseste que já havia desistido de mim em novembro (mas tu nem sabias do que eu estava desistindo agora… e é isto que dói. Você preferiu desistir antes e primeiro… sem querer saber do que eu desistia). E eu aqui, ainda parado organizando tudo, tentando entender onde fui fazer a desgraça. Qual meu erro? No meu sonho cinematográfico pode se resumir somente ao escuro. Tu dizes que eu não deveria. O poema não faz barulho. Tu o sabes. (“ah… se já perdemos a noção da hora…. Se juntos já jogamos tudo fora…” – não consigo mais ouvir. Perdi as noções e acabei me jogando fora). A poltrona aberta, eu te aperto, tentando me confundir, me perder em ti, no teu rosto, no teu belo corpo, no seu sorriso de caçador com o reflexo falso de uma cimitarra algoz. Entre a tela e seus olhos havia as mãos e os beijos… a insistência latente do desejo. Eu queria teu corpo em mim, mas mais do que isto, entre os corpos,eu precisava acreditar no real da pele que eu tocava. Mas você me oferecia as suas dúvidas, as suas questões, nunca, quase nunca me disse de tuas certezas… eu tenho grandes medos sabia? Quando você me perguntou deles? Quando, por um único momento, você tentou me arrancar para além da referência, do livro sobre a mesa, de um problema de estético-política, para um agora, para um nós tão mais carne quanto real. Eu sei alguns de seus pequenos prazeres… e o que você sabe de mim? Minha vida nesta pequena suspensão: estar agora na fazenda, abandonando-me no meio das árvores, do frio, do sol, com os dados presos nas mãos. Eu não poderia te obrigar a estar aqui comigo, agüentando isto. As suas escolhas de cada um tem ser os seus riscos, eu não poderia pedir, não poderia insistir, por mais que eu quisesse (e isto me abisma) era ético dizer não aos meus interesses egoístas de te ter ainda mais perto aqui, sorriso ao alcance da mão. “Eu desisti em novembro”, dizes. Não posso dizer, já que estou escrevendo isto, que realmente desisti, queria desistir de desistir, mas preciso esclarecer os vãos, as lacunas. Talvez esta minha delicadeza e requinte barroco cedam a esta violência medieval de querer saber o que farias por mim. Não sei mais em que universo, mas eu ainda acreditava, apesar de todo o silêncio, talvez o nome disso seja ter esperança e seja algo parecido com fé (e isto machuca muito, minha lógica não suporta este descontrole). Ou talvez serei eternamente esta tentativa frustrada de escritor medíocre que não sabe para quem escreve ou sobre o quê escreve. Ou pior ainda: um pensador quem nem mesmo sabe avaliar o que escreve e pensa. Eu gostaria que tu me desses teus motivos, ajudaria a entender o desastre que sou. Talvez eu acredite só em mim e tenha nascido criminosamente para estar à escuta, à espera na solidão, esperando os fantasmas passarem, sem grandes pesadelos. O escuro do medo é onde eu sobrevivo. Não queria ter de implorar… eu começo a pensar nos meus passados, na tentativa de traçar um perfil… Obviamente já houve rapazes, belos garotos, outros homens perfeitos em sua plasticidade. Mas não é esta perfeição que satisfaz…que diz da possibilidade, deste encontro de peles. Mas o que dizer destas lembranças laterais? É horrível não poder se saber ali (ou aqui) entregue. Eu nunca peço nada. Na minha falta de exigências, apenas querendo aquele encontro, ambos entregues, pele à pele, corpo à corpo, olhar prendendo olhar. No momento em que apenas o corpo é, sem significar nada, sem querer nada além da pele, sem esperar o êxtase dos lençóis suados, mas esta presença silenciosa que se dá e acontece. Sem grandes sentidos. Esperando, na confusão de um abraço, vencer a lamúria platônica de um banquete. Aqueles momentos que por vezes parecem transcender o tempo, o tempo como esta insistência da vida em tocar as pontas do tédio, de alguma existência, uma dor não de todo dor, mas a dor como este indescritível sorriso de alguém que nem sabe que sorri enquanto dorme. Não sei dizer se já amei. Certamente não amei ao modo comum, verbete de dicionário. Mas ao meu modo, torto e tangente, como quem brinca com números complexos e divide por zero. É doloroso algumas vezes ser tão incapaz destas simplicidades apaixonadas como as outras pessoas. Mãos dadas, parques, sorrisos, talvez um beijo. Cinema. Mais tarde, toques furtivos, arroubos e talvez amor, bebendo saliva como quem bebe vodca barata, para enlouquecer, para sair de si, para a queda e o delírio. Mas sempre restará a possibilidade da ressaca, e assim como se encontram estas pessoas desvanecem. Só consigo perceber a vida, sem estes delírios românticos, no requinte de quem abre um bom vinho, sem excessos. Talvez eu só seja capaz de um amor sóbrio, fático, mas com o estofo semelhante ao amor verdadeiro, neste amor que é o impossível de si, um impossível de si, e que descobre na sua mecânica a vida, um amor que se endereça ao lugar em que não se pode conhecer a verdade verdadeira. Um amor incapaz de si, de dizer seu nome. Ou ainda isto seja apenas um conforto para esta frieza sem limites, e me engano escrevendo isto, escondendo-me um pouco mais, na impossibilidade de encarar a vida como uma brincadeira, mas sem martírios, apenas, quem sabe, concessões. Amar poderia ser tentar, em vão, fazer o retrato da pessoa (melhor obliterar os nomes, escrever é aproximá-lo ainda mais). Dar-lhe, para além de seu tempo algumas páginas de circunstância? Tentei desenhar teu rosto: Fracassei! Era seu presente de aniversário. Armado talvez do excesso, do desejo, bem pudera, em que quadro não caberias como a imagem de uma última folha de outono. Tão clichê, tão banal, que insiste em fingir que há algo ali. Este pequeno latejante inexplicável que finge poesia. Na mão suspensa não era seu rosto que refletia sobre o papel. Nos ouvidos não era tua voz que ouvia. Resta algumas vezes a manhã e o amanhã. São crus, não cruz, nem cruéis, mas loucas palavras (como um banquete num grande salão, num brinde tantas vezes tentado entre Verlaine, Ronsard, Musset, Rimbaud, Hugo e tantas mãos empenhadas em fazer com que aconteça este encontro de homens). O que se tem é sempre a tentativa, a data, nunca date. Eis o desencontro. Lembro-me de um de meus namorados, com seus grandes olhos claros, e o fim, repetido, cheio da voz dos anteriores, a assertiva: “você é frio, você não tem coração, você é incapaz de amar…”. Silenciei. Poderia oferecer para ele,deste meu lugar arrogante, o princípio da incerteza de Heisenberg, mas é fato: eu posso ser incapaz de amar. Mas o mais cruel nisto é que sou eu quem sempre acredito, que não insisto, não exijo, apenas espero as escolhas, aquiesço. O fim de meu primeiro namoro foi uma opção racional: eu e meus estudos, ele e os deles. Fim. Sem mágoas ou dores. Porém houve momentos mais destrutivos, como a noite em que, durante o sexo, o garoto me chamou pelo nome de meu melhor amigo. Minha única exigência era apenas que ele estive ali comigo e, de repente, éramos três ou dois, só que eu era coadjuvante de uma orgia imaginária. Ou talvez eu fosse apenas o corpo, orifício que serve como máquina, ao nome do outro, à imagem da outro, a vontade de que o outro (não eu) estivesse ali.. Obviamente ele pediu desculpas, não tenho esta política, acontece… disse-lhe para não pensar nisto, que não havia problemas. Mas e esta dorzinha de pêlos eriçados que me diz que não era comigo que ele fazia amor, aquela atividade não era pra mim, eu era a conseqüência. É tão complicado escrever sobre o que se sente, reorganizar isto que ao lembrar ainda lateja. Mas isto estava tão perto da vez em que na impossibilidade de ficar com meu amigo, o garoto se “contentou’’ comigo. Houve tantas suspensões doloridas, tantos pequeninos olhares suspensos… mas estas coisas não deixam cicatrizes, não como as que o ballet deixou nos meus pés, a do joelho esquerdo, a do parquinho de criança… Houve ainda o garoto, ele era lindo, braços fortes, chamava-me de Google, dizia que se podia ser carinhoso até com as máquinas, até que por fim, desistiu de mim: “informações demais, pouco sentimento”. Eu já pensei em tentar rever os livros por este ângulo. Impossível deixar de lado o pequeno anjo azul que, ao saber de minha alergia a lúpulo, para que pudesse me beijar sacrificou sua garrafa de cerveja e esperou…. E esperou…. E teve seu beijo. Na contrapartida deste, também existiram aqueles que não quiseram esperar, exemplifico: festa qualquer, ao saber de minha alergia o garoto começa a tomar qualquer coisa destilada, como se simplesmente com isto eu devesse me atirar aos seus pés. Eu, minha gim tônica, tentando alguma conversa, nisto, o terceiro elemento (realmente aprendi a dar muito valor ao principio do terceiro excluído) aparece e atropela minhas delicadezas. Eu me sinto, quem sabe, inseguro fora deste meu lugar de delicadezas, criminosamente chamado de lugar de feminilidades… mesmo meu amor pela literatura, acho que fui devorando aos poucos. Tudo o que eu toco parece se quebrar. Eu parei sete anos da minha vida estudando e apenas isto, para quê? Chegar agora, ansiosamente, e ter de baixar a cabeça porque fui vencido. Talvez seja essa a lição que eu devesse aprender. Eu não sei concluir as coisas…queria simplesmente abrir o peito para poder aliviar a angústia desta espera. Dia 20 de maio, sexta-feira, às 9h da manhã, o que um dia foi uma crença, vai se resolver. É defender o mestrado, cumprir a etapa. Eu costumo preencher direitinho meus protocolos. E quanto aos sonhos? Talvez o melhor seja deixar de sonhar e começar de novo, sem doutorado, sem amores possíveis ou impossíveis. O que eu quero? A resposta agora é simples: o meu lugar, a minha casa, o meu espaço. O lugar em que eu possa organizar as minhas coisas, ler as artes, agradar meu gato de estimação. Um lugar para poder envelhecer. Não, não sou realmente uma pessoa para o requinte e para o glamour. Sou disto, deste silêncio que brilha no vermelho do pôr-do-sol (tão idiota quanto Charles Bovary). Tenho pequenas burocracias a resolver: voltar a Florianópolis, passar na minha caixa postal, encaminhar as coisas… decidir. Cortar a minha cabeça. (O que pensava Marie Antoinette quando caminhava para a guilhotinha?). Penso se devo fazer daqui o meu lugar, em meio as árvores… como quem se retira da cena para não prejudicar mais, mas também para buscar o seu conforto. Talvez eu não seja capaz desta coisa dita sociabilidade, talvez não acredite, mas suspeite demais ou ainda talvez seja hora de me vender a um sistema para fazer dinheiro, saindo da lógica do pensamento, para a lógica diária e acomodada de apertar parafusos. Quem sabe ter um pequeno chalé para mim, onde? Não sei, eu e meus gatos…. Adotar uma pequena criança no final de vida, como alguém para herdar os livros, não que estes possam ser uma herança boa, mas um mal genético que se suporta nas estantes. Não sei mais o que escrevo, tenho este mal. Toda escritura minha sempre anda ás voltas com certa fugacidade que lhe é própria. Considero este o último texto deste blog. Não sei se voltarei a escrever nele. Talvez seja necessário parar de escrever por um tempo. Quem sabe mais tarde volte a ele ou crie outro, mas por agora o que preciso é parar de escrever. É hora de se afastar para produzir sentido, alguma latência no vazio, na falta insistente da escrita. Trocar a tarde sentado diante do computador por uma tarde num café, por um pôr-do-sol, sem exigências de sentido, apenas ali, eu e a mágica do momento. Reapreender algumas pinceladas… tentar descobrir algum caminho,um mapa, ou talvez, nenhum caminho, nenhum mapa, nenhum segredo ou erro, nenhuma política fria numa imagem fundo da segunda-guerra ou palavras de ordem num romance. É hora de respirar, abrir os olhos, talvez sonhar, ler algum poema apenas porque é belo, e nada mais. Sem exigências, ainda mais uma vez, apenas à espera, uma xícara de chá , folhas esparsas e pincéis… melhor ignorar possíveis beijos de boa noite e abraços de bom dia.

Já são oito horas, ainda não dormi. O pensamento cavalga rápido demais. já levantei, fiz o café (para um). Escolhi a roupa. Hoje inicio mais uma dieta, preciso. Talvez lembrar um pouquinho que estou vivo, correndo este risco silencioso e controlado. Talvez isto seja tão obsessivo e explique as minhas falhas neste campo. Afinal, o obsessivo agüenta muita coisa, com exceção de uma única apenas… ainda quero pensar melhor nesta estrutura do ‘ser’ tudo para o outro e acabar ‘nada sendo’…. Se isto vem a ser uma última postagem, não preciso limitar os caracteres porém, o paradoxo da tecnologia: não limitar os caracteres limita o número de leitores, mas eu só preciso que um destes leitores, chegue realmente até a última linha. Quem sabe? Gostaria de fingir que poderia esperar uma resposta disto, mas ela não virá. Eu só sou capaz destes diários. Não quero descobrir nada deste final de semana: para além dos limites do casarão há a cerca, o campo, as árvores e outras tantas árvores. Tenho medo do que possa ter acontecido. Você nem sequer saberia dizer o porquê d’eu conseguir suportar tanta coisa grandiosa e desmoronar com aquelas pequenas joaninhas de jardim em termos de questões. Há sempre estas coisas pequeninas, lacerando as páginas, dizendo não, não, não, abertas como janelas, perigosas como tuneis de prisões. Talvez minha única certeza, cheia dos lapsos e dos vazios ortográficos, é que eu escrevo para que você se lembre como eu escrevia bem, como eu gostava de escrever…. como me dedicava nisso… estranhos, se estiverem lendo isto, eu deveria reenviá-los a todo um passeio por uma determinada biblioteca… de resto, somente existirão as conseqüências e os mal-entendidos (mesmo quem deveria estar entendendo tudo aqui, certamente já deu suas paradas de “what”). Só poderia dizer que fui feliz, naquele sofá, naquele exato momento, pela forma como através da janela, as luzes do monitor do notebook refletiam em seu rosto, as sombras na parede, a noite fria que entrava devagar, juntando-se a esta grande sensação de impossível dizer… e no fundo, não importa se voltarei a sentar naquele sofá ou em outro (no chão da cozinha), se terei outros momentos como aquele, ou apenas aquele pairando na memória, porque todos serão o mesmo momento. Serão iguais. E é isto: agora, neste momento, depois de tudo, tanto silêncio, eu posso dizer que tive isso. E, o relógio ainda continua terrível. São nove horas, minha cabeça já começa a doer. É preciso arrumar a cama, lavar os pensamentos no banho e torcer a alma. Tempo nublado e dois comprimidinhos rápidos para manter o dia. Sou do tipo facilmente esquecível… não te preocupes.

15h - hora de publicar, aquiescer, esquecer.

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