quarta-feira, 27 de outubro de 2010

cravatte nere

“what’s bred in the bone will not out in the flesh”.
(robertson davies)


há dois em cena e o convite sobre o criado-mudo. ninguém fala. ninguém insiste. num canto uma televisão ligada que ninguém assiste. diante do espelho ele arruma a gravata. o outro, secando o corpo, apenas observa atento. nas costas molhadas uma marca. para além da gravata, no colarinho, uma pequena marca. no chão uma taça de champagne quebrada (eles sabem o que é champagne, acredite). não se vê, cheia ou vazia, em canto algum a garrafa. apenas uma taça…. quebrada. a caligrafia em dourado no convite e o fundo escuro do quarto. quase uma cena em sépia como uma fotografia velha. um não irrompe no silêncio, bem lento, num murmúrio sonolento, na melancolia de quem não precisa. o perfume. há a verdade feita álbum de tias velhas desbotado. seco, o corpo se abandona na cama. acende um cigarro. quando? de novo? talvez? eu sei. diálogos rápidos, mecânicos, batidos à máquina. este pede pelo telefone um gazpacho español… frio como a vida, mas ainda assim, sempre se pode comer, o gazpacho e a vida. nenhum osso quebrado. alguns pesadelos. de quem é marca em vermelho? o que se oculta num labirinto de jardim? encontrar o enigma já é encontrar alguma coisa. pronto: nó perfeito, calças alinhadas, cabelo posto, óculos, sapatos, a luva na mão que fechou a porta. um sorriso numa cor impossível (ainda estamos em preto e branco, como a ilusão de um sonho que engana). nas sedas, o corpo, nu, em febre, se desenrola. no pulso a chave, dentro do corpo a dor. três goles de água. o três é um número bonito, não achas? O espelho duplica o mundo. sozinho consigo,conversa sem precisar de palavras. matemática impossível. o corpo treme. quer outro banho? quer outro corpo? não tem desejos. o delírio nunca vem, os fantasmas nunca batem à porta. a memória falha. o corpo adoece de si. o convite ainda sobre o criado-mudo, a taça quebrada… sem flores na cena. ele não gosta de flores. nu vai até a janela, arrastando os passos no trigésimo andar. o horizonte néon. céu escuro. sem desejos ou estrelas. candente. qual seu preço? brincando de forca: palavra, quatro letras, que eu não tenho. no espelho do banheiro, um recado. que língua é esta? sei do gosto, sei da cor, do toque, mas não sei o sentido. blackout. e tudo é preto. o pé chuta a garrafa, impossível de ver, sente o líquido escorrendo, molhando os pés, o tapete, umedecendo as lembrança. sem esperanças, impossível o destino. abandonado se esquece na cama, nu ainda.

LISBOA

(para Aline Natureza)

Apreendi Lisboa como que num poema cortado por um terremoto. Remando lentamente e soprando meus barquinhos de papel (rasgados de algum livro de Adília). Via o poema como um rio onde deságua aqueles poucos versos que se atracam num beco para se assaltarem. O azul do céu com o azul do mar, o sem limite com o medo escuro de ali, na cidade ainda, respirar um pouco mais. Não são os jacarandás que vejo em curta sombra alongando-se pela parede de um armazém dançando em linhas, criando o desenho de sombra que é apenas sombra, sem querer ser mais que a sombra do próprio destino. Talvez houvesse, por algum desejo ou desígnio, uma ou outra igreja despontando na contra-face do horizonte azul, o horizonte em terra, o horizonte feito pedra, dispersando as mãos, os rostos, degraus abaixo, degraus acima, ocupando os fortes. Os barcos eram assim semeados. Não há os barcos. Apenas o bonde, talvez insista. O barulho confuso se mistura num café preto e na fumaça de um cigarro bem lentamente. A fumaça recorta a cidade como em nuvem. No fundo da xícara é que a cidade sempre acaba.

(1987)

Tentei traçar o mínimo de mim em algumas linhas. Doeu. Doeu muito. Impossível suportar o que escrevi. Desdobrado sobre mim, como quem vê de cima, que vê além, através, como que de dentro. Sentido o coração batendo na mão. Sentindo o coração batendo na boca. Descobri o corpo em queda e também o dentro-fora do corpo. O resquício. Sem respostas. Talvez por isso não durma. Talvez por isso não tenha certeza. Talvez por isso o mundo seja um corredor de biblioteca: sem fractais. Nem aqui, no sótão abandonado de um bilhete, não reconheça a assinatura. Não sei disto. Também não posso escrever disto. É preciso dizer o não e fazer a escolha. Sem correr riscos. No limite desta vida destroçada. Deste corpo que pisa em falso e fraqueja. A culpa: minha. Mea maxima culpa. Ou nenhuma. Eu sou quem corri o risco, perigosamente, na garupa de uma motocicleta, rodando louco, rodando alucinadamente. O vento não trouxe a liberdade. Não me importo em não ser feliz como os outros. Talvez seja preciso desistir algumas vezes. Não tenho escolha. E dói não poder… não saber… mas eu sei. Sei como saber, mas dói. Toda dor é sempre última e a pior, mas, pior, não mata. Eu sei do meu crime. Não precisei vender fósforos. Estou cansado. Não quero ter de falar. Ignoro sonhos possíveis. Visito meu pequeno museu de lesões: a língua, o molar direito perdido, o joelho esquerdo, as costas, os olhos, os pés. Um corpo para fora da cartografia. Um corpo só corpo. Um corpo descoberto em dor. A dor que me lembra que ainda estou aqui, e vivo. Ainda aqui. não aprendi nenhuma lição. Não tenho os papéis de carta.A porta de meu quarto não tem chave. De quem roubei o francês que falo? Há um peso. Uma exigência de vida. Não quero mais voltar pra esta mesa, para esta escrita, para os mesmos corredores e os mesmo livros sem fim. Sem nomes, títulos, com horizontes azuis infinitos, como o mar. Nunca gostei do mar. O meu grande romance já foi escrito e perdido no banco de algum ônibus, há 6 anos. Talvez não devesse, não fosse esta insistência, escrever mais.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

phoenix

persona

espelho/quadro

Quem espreita
por meus olhos
no espelho
sou eu
(Adília Lopes)


o que vejo? o lápis correndo na folha solto. solta, a mão, o pulso. isto. que traço? quem pode? não digo. não calo. não tenho calos na mão. o que eu tenho para fazer. minha vida não é um A1. qual a gramatura da dor? tomando café requentado. que borrão faz mais sentido que isto? é isto que sempre retorna. você poderia deixar as mãos lânguidas cairem uma vez mais. o corpo. o seu corpo. não vamos brincar de tristão e isolda. sem lágrimas. te peço ainda. a estrada roda. o carro com suas rodas corre. fugir: abrindo o mapa, mais uma vez. como quem percorre a biblioteca. como quem percorre um cemitério. diante do abismo só resta o desastre. diante do espelho, o retrato. retraço toda a vida na palma da mão. no ventre da mãe. o que grita, enigma, dentro de mim. este ser que se move-movente suspirando ainda. fugindo ainda. o tempo agora. a imagem-ainda é que assombra. imagem-já. quem pode atravessar o sonho? um velho conta o tempo. sem tempo. sem labirinto. fora de si como fora do mundo. sem as molduras e sem assinatura de arquivos. diga disso. não tenho hipóteses. o tempo garoa em cores leves.

epitáfio

hoje recebi a notícia de que alguém morreu. menos um na minha vida. quem sabe? estou cada vez mais cansado disto. as palavras não tem sentido, mas ainda insisto em alguma procura. distânte, talvez alguém reze pelo corpo. não sei dizer se há alma. o que seria isto? sem substância. tento brincar com o relógio, perigosamente. eu sei como vou morrer. simples assim. sem cavernas. talvez devesse chorar um pouco. não entendo. há coisas que não entendo. não suo frio. não sei das palavras de conforto. talvez seja necessário esquecer mais do que o dia e a noite.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Árias Pequenas



(Para Bandolim)


Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

(Hilda Hilst)

tenue de soirée

isto é uma valsa, mas não sei valsar. o que me ensinaram os romances, insiste madame bovary. o nosso amor é tão bom, nosso horario é que nunca combina, ele é funcionário e, eu, sou bailarina. l'affaire se complique. parece fácil afirmar ou negar. muitas mulheres poderiam ser como emma, se não o são ou não o foram é não por uma virtude inatacável, mas por falta de determinação. este vazio aqui, sempre presente, é que é para sempre.la chair est triste. tento apenas gastar todas as palavras. la rue assourdissante autour de moi hurlait: charles, me deixa te amar para além de uma mulher, com todas suas flores murchas, capaz de abandonar sua própria filha. apesar disto ninguém jamais soube o destino de berta, para além da madame, a mademoiselle bovary. e no entanto o estado lhe pede, senhores, que julguem gustave culpado por isso.

vanitas

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

quase peça

(dois corpos em cena)

você gira, torneia e me esbarra. não bato, não retruco: mordo! seu beijo tem um gosto diferentes, nem bom, nem ruim, estranho. uma cicatriz a mais. espero ligações demais. não patino, danço. sem rasgar o corpo, me diga o que desejas? entre dormir e não dormir sempre insisto no ainda. meu joelho falha, a carne responde. um chocolate. é o copo. vou dormir e não volto. que palco é este? quem é você? quem escreveu isto? o silêncio não diz. nem é sonho, nem pesadelo, é algo diferente. cores exóticas. abro as portas: da casa, do corpo, da alma, da mente. a imagem fugidia. abraço o travesseiro. onde estará a voz? insisto na queda. há sempre o momento em que o corpo vence a mente. declino. só, durmo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

tenue de ville

à mark simpson

no atual pé das coisas, vai dizer que você não prefere fazer compras ao invés de fazer sexo? queridinha, prosecco não é champagne. esqueça estes teus dourados, isto é, como dizer... apenas não insista. sacrifique o teu pesadelo, amor, não faça cara feia. é caviar almas. comendo devagar como quem devora diamantes. há uma máquina fria e distante e complexa aqui. sem cisnes ou esculturas de gelo. isto aqui ainda não é o harvey nichols, mas ainda assim, suporte. quem disse que os saltos são os que doem, é teu pé que é assim, meu bem, são sandálias de rubi, à stuart witzman, vamos correr para oz? não me ligue, não te atendo no meu goldwish lemillion. é preciso um pouco mais do que aparência. entende? respira, sua vida ainda é bem bollywood, mas... há coisas bem maiores que esta educação, está nos genes... quem sabe? parfume IV. sente e aprecie o pollock de minha sala de estar. talvez, sem meios cruzados e meias palavras. preciso de meu banho de banheira. agora.


Solo et pensoso i piú deserti campi

apenas em campo. o pé. o passo. é isto. algumas vezes algumas palavras são apenas só palavras. não sei. encontro um livro perdido. do que digo? em que insisto? não se pode tirar a sorte quando não se acredita nela. tudo se resume a cáculo de possibilidades. (...ove vestigio human l'arena stampi....) é preciso atropelar petrarca. não há o lance. sem embaixadas. sem impérios. sem verdade. a farsa, a blague. o apocalipse. sem anjos. estranjos. você não entenderia isto. um dia é preciso atravessar o vitral, esquecer os santos, o inferno. o que há. saltar a murada. pegar o vento. riscando o verso raso ao meio: in ogni caso non esiste luogo dove Amore non possa seguirlo. é talvez uma possibilidade que reside no limite da impossibilidade. o espelho quebrado, o azar. o quê ainda insiste nestes pontos negros...

bailarina

intelectus

quase um lugar

pro sr. Octavius

M. Foucault


(para o Flávio G.)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

em 50 anos

(auto)retrato

corpus

poème au hasard

le débat suppose une contradiction:
c’est un soldat qui a peur.
marcarades ou masques en rade de brèves
je me souviens de mon enfance,
tout est gris et confus.
derrière un mot il y en a toujours un autre
mes doigts nerveux
le mot est lancé
les sirènes ne meurent point
tout instant de bonheur est un profond tourment
une princesse dans une triste roman
sans la page de la fin

painel de descontrole

"eject".

não há como sustentar as palavras, o tempo - que é o tempo? - sem referentes. a navalha de ockham não está mais tão afiada assim. me perco entre botões. tantos papéis. tantos retratos. resta a possibilidade de um último traço diante do abismo. sem rasuras, assino com esta coisa caligráfica que me escorre do pulso. sem alma para vender ao diabo. sem reticências. nada impele o movimento, dentro do delírio no fundo das retinas, essa verdade que sempre engana.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Nightmare

Le cheval de la nuit

j'allais me mettre à table quand on sonne à la porte,
J'ouvre et voilà qu'apparait

ah voilà la panne
un fils est sorti
il rentre donc chaudière

O menino grávido

(de um mito Pawnee)

grandes olhos negros, luzidios como a noite, mãos finas, traços finos, a criança tocava corpos que se animavam. no fundo da pele a mágica se misturava com as incertezas de seu impossível. talvez não soubesse como, mas curava. e de todas as certezas talvez nenhuma lhe fosse válida. certo dia, velho feiticeiro desceu a montanha, com suas barbas longas e grandes olhos vermelhos, vinha com ele sua esposa, mulher com cabelos trançados como serpentes. os dois eram como animais noturnos, se esgueirando entre mil segredos e mil armadilhas."diga-me como fazes tuas curas e te ensinarei todos os meus segredos", disse o velho bruxo. a pequena criança não queria saber, o medo do velho era grande como o medo que tinha de maus sonhos e pesadelos.o velho nada conseguiu junto ao menino, manda sua mulher trazer seu velho cachimbo. nele misturou folhas secretas e palavras de ordem.
dia seguinte o casal presenteia a criança com o cachimbo.
mil feitiços acometeram o menino. enfeitiçado se descobre grávido. vergonha. vergonha. vergonha. a criança deixa a aldeia para encontrar a morte junto as feras da floresta. porém, os malvados animais choram com a degraça do garoto e resolvem ajudá-lo. curam seu feitiço, extraem da ampla barriga sustentada pelo corpo magro do garoto o feto, e contam-lhe seus segredos mágicos. o rapaz aos poucos se recupera. vingança. vingança.vingança. a criança volta a aldeia, pede sangue. sua alma de besta-fera exige. com seus novos poderes mágicos mata o velho bruxo. a fera dentro de si se acalma. bom curandeiro ele se torna. algumas estrelas ainda contam sua história.

black-tie

para carlos e olívia

uma taça na mão, um saia longa, new look dior, entre marilyns, brigittes e elizabeths, ela não aparentava tanto quanto o fino chamapanhe que segurava. sem ser étnica, nem folk. deixaremos de lado o flower power. pas chic. um james dean olhava sedutor a um canto, cary grant num sorriso torto (calvin klein demais), marlon brando fazendo malabarismos com um cigarro, sem motocicleta. ela tinha seu próprio motorista. anos 50 para além dos 2000. jogava charme, uma james bond qualquer não sobrevireia sob seus saltos prada. modrian, ysl -1965. delicadeza oriental nos olhos bem maquiados e com mil labirintos. um menino bonito sorri, pena que ele pensa que é john travolta. saturday night fever. ela investe na bolsa (tão fashion yuppie!), ouve madonna, bowie & jimi hendrix. menos prazer, mais poder. passa por um kurt cobain de cabelos compridos, raiva!, ele nem a vê. por este ela sacrificava um versace ou um gucci. este certamente a levaria para além da lua. sem luta por um quinhão de fama. um brad pitty faz um barman de armani. uma monica lewinsky insiste neuróticamente em limpar o vestido: moda-brechó. as celebridades no ar. artistas, roqueiros, gays, punks. um toque no celular, 3 segundos para vestir e matar. afiandos os saltos, luvas de seda, sem digitais. quem será a primeira vítima?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

escrevo, falo, insisto

cenas congêneres

(1) a linguagem não corresponde mais às coisas.
(2) a vida atravessando a prova do niilismo.
(3) arte destruída.
(4) uma sociedade real é feita com corpos, não apenas imagem.
(5) o que permanece igual perde sua identidade.
(6) o que retorna é sempre a potência do que nunca foi.
(7) você quer? você deseja?
(8) entender a linguagem ou julgar o sujeito da enunciação?
(9) os fatos produzem notícia.
(10) toda dicotomia é relacional.
(11) a psicanálise: soberana demais.
(12) sem essência, sem identidade = só linguagem.
(13) a pura linguagem neutralizou a identidade.
(14) apresentar x representar.
(15) máquina da linguagem.

a queda da bastilha

(de uma decisão, quase destino)

uma pena escreve lentamente. entre os grão de areia, entre o deserto que cresce com cada letra. sem tempo para navalhas, não me leve a mal. tem isso aqui, dentro de mim. e sequer consigo culpar alguém. é meu crime. são duas da madrugada e há duas noites eu não consigo dormir. meus olhos estão vermelhos. meus ossos rangem. eu não tenho a quem escolher. queria poder chorar um pouco mais sem ter à vista a guilhotina como uma torre de liberdade. onde estará minha peruca? minhas luvas e meus sapatos. morrer sem nome talvez seja uma maneira de encontrar o corpo. talvez eu tenha feito algumas escolhas erradas. não sei. não voltarei a galgar estes degraus. não verei o mundo deste torre. eu preciso, violentamente, do silêncio. um silêncio amplo e quase profundo. como esta minha casa de móveis roupados. estou nu sentado na pedra fria e nem sequer consigo chorar. não acredito na igreja ou no sacré coeur. me calo devagar. e cada vez mais. fico assim. sem nada. mãos abertas. roupa suja. eu me assusto com os barulhos que invento nos corredores. não será a gestapo que me fara andar nestas linhas. isto é tão mais adiante e tão menos francês. eu respiro profundamente como um cadáver que não pode responder. não tem respostas e não dirá oráculos. que importa o amanhã diante das molduras vazias? que importa isto. eu queimo devagar todas as páginas. eu preciso fugir. eu não tenho nem mesmo a única e última das coisas em que acreditava.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Para Andrea

sinto todas as saudades
que quase dói
que quase me esqueço.

uma história roubada de Sérgio Godoy

Em toda a minha vida
Aprendi que chupar sorvete
Era melhor que chupar os dedos
Brinquei com tantos homens
Sem saber se fui
Perverso
Ou ingênuo
(Sérgio Godoy)


talvez demais,
como que pinta o olho esquerdo que lacrimeja
em que bolso guardei a minha meia verdade
o meio beijo escondido
impossível de ser roubado

estou mal.
sem milliet
sem piva
sem os documentos perdidos no fundo de uma gaveta
(o que queria dizer mesmo aquele poema?)

eu não dormi
não poderia no segredo íntimo velado
nesta melancolia que corta mais que os pulsos
e não sabe
nunca chorar

Girassol da madrugada

Não preciso perscrutar teu R.G.
de dentro deste meu salão rococó
descobri teu nome Roberto
Assim. Que jamais um pudor te humanize.
Pétalas engasgam teus sonhos.
Piva, sabemos que na contra-luz habitavas o olhar de Mário
tens agora o que é teu.
Gozas sempre no aperto do último minuto.
É teu sinal que se espalha
traiçoeiramente
e se instala
(algo escorre: saliva, sangue ou semên?)
nas línguas
nos corpos
nas coxas
descendo lento
sedento
e cedendo ao desejo
(não escondes os olhos no meu braço)
Não abandonarei jamais de-noite as tuas carícias
nossa epopéia assim se faz
mítica e desértica
o amor sempre cede ao desejo
e, cético, começa na cama
com os lenções desarrumados feito campo de batalha
teu dedo
(mil tentáculos tens)
persegue o impossível de mim
nos encontramos
para além do inferno de Dante ou Rimbaud
(o silêncio nunca cai em nossa paisagem)
há ainda as paradas
(abro os olhos e digo ah!) :
Lautreámont, Aristóteles, Artaud, Macunaíma,Empedócles, Mickey Mouse, Ganimedes,Batman, Baudelaire, Willer, Cavalcanti, Darcy Ribeiro, Maquiavel, Bórgia, Castracani, Vírgilio, Lorenzo de Médici, Ferenczi, Wagner, Luiz II da Baviera, Modigliani, Hegel, Bosch, Uccello, Drummond, Corbiére, Breton, Joyce, Proust, Trakl, Pessoa, Sade, Bataille, Freud, Homero, (quem eram os outros que o alcóol apagou?)...
sem foguetes!
quem será o próximo a se prostituir em nossos delírios?
(bem sabes que sempre prefiro os nobres e os artistas,
mas sempre acabo noutras camas)
Somos ciumentos de nossos gemidos.
Dormimos
(pra guardar o segredo inglês de Freyre)
enquanto ainda toca
na tv ligada
uma ária desconhecida.

début de l'âge d'or

le scorpion
est un genre d'arachnide
répandu
dans les régions chauds
de l'ancien monde.

La queue est formée
d'une série de 5 articulations
prismatiques.

Les pinces rappelant
les grosses pattes
de l'écrevisse,
sont des organes
de bataille et d'information.

La queue se termine
par un sixième article
vésiculaire
resérvoir à venin.
Un dard courbé et aigu
déverse dans la piqûre
l'humeur venimeuse.

Ami de l'obscurité
il se ménage
sous les pierres
une exacavation
pour échapper à l'eclat
du soleil.

Peu sociable
il évince le fâcheux
que vient troubler
sa solitude.

Quelle rapidité foudroyante
et quelle virtuosité
dans l'attaque!
Malgré sa fureur
le rat même
succombe à ses coups.

Quelques heures après...

Hipótese IV

Um tempo lento parecia pairar sobre as cabeças.
Um torrão de açúcar a mais no chá não significa que ele ficará bom, ela insistia nisso. Falava para si, como se pudesse dar lições, enquanto tomava o chá amargo. Do apartamento em que se confinava, da janelinha do banheiro, caso ficasse na ponta dos pés, poderia ver o mar. Simples assim. Mas ela não se importava. O apartamento meio vazio, meio silencioso, machucava um pouco, mas se acostumara. Não tinha fome e não queria saber que horas eram, não sabia o porquê e lembrava coisas que não gostaria de voltar a sentir. Era aqueles momentos rompantes de um dia cansativo, em que apenas o abandono ao pijama, ao vazio, ao esquecimento na cama, ao seu gato, poderiam fazer sentido. Ou apenas o vazio fazia sentido. Tudo se explicaria se dissesse que era domingo.
A cabeça doía um pouco. Mal lembrava como conseguiu chegar em casa, mas sabia que o belo escarpin vermelho destruído ao lado da porta deveria significar alguma coisa.
Os domingos sofriam de uma lenta tortura. Clarissa sabia que sobreviver aos domingos, a todos os domingos, era possível, mas sempre neste ritmo lento, de vazio, de amargo, como o chá. Mas chá ela sabia apreciar, além de, apesar de toda aparente fragilidade, saber-se muito resistente.
- Ele não me ligou de volta, reclamou pressentindo alguma verdade antiga latejando.
Ele, um personagem sem relevância talvez nesta cena, mesmo para Clarissa com seus longos cílios e olhos rasgados. Ela odiava correr riscos, mas vez por outra, deixava-se correr riscos como um lembrete maior do “porque não voltar a fazer isso”. Mas sabia que isso era uma grande mentira, corria os riscos por que ainda tinha alguma esperança. Ela, como ninguém, odiava ter esperanças.
Sorveu o último gole do chá. Se arrastando voltou-se na direção da cama, caso caísse ali nem mesmo o apocalipse a acordaria. Mas decidiu, como todos os domingos, tentar fingir que não era domingo. Precisava de um banho, um banho rápido apenas, para recompor o mínimo de, como dizer, de possibilidade de aparecer diante do mundo estranho. Tirou rapidamente o camisão xadrez que usava para dormir (camisolas significavam em sua enfática retórica uma noite especial) deixando aparecer um corpo bem feito, apesar de cansado. Tinha uma cicatriz, herança de uma infância pouco calma, na nuca.
Um banho gelado para aplacar a fúria, eis o que receitou para si. Odiava como ninguém a força lacerante do contato com a água gelada, mas neste momento era o que precisava. Um banho rápido, nada mais. Sentir-se dona de seu corpo, e nada. mais. Os pés doíam ainda, marcados pela longa caminhada. Mas decidiu não pensar no ontem, queria vencer o domingo. As dores apenas lembram que ainda se está vivo. Os anjos não vivem. Eles não sofrem, não se doem.
Ainda com a pele úmida, jogou sobre o corpo uma camiseta branca com o rosto de Marilyn Monroe estampada, um jeans meio velho, calçou os tênis com um pouco de dificuldade. Os cabelos curtos ainda pingavam, mas não queria saber das pessoas, precisava apenas caminhar, correr esquecendo o corpo no vento para que o vento lembrasse o corpo, para ajudar o tempo, o domingo, a andar um pouco mais depressa.

scorpion

Hipótese III

O frio doía na pele, já vermelha de tanto friccionar com as mãos tentando se aquecer. Chovia muito. Os saltos finos mergulhavam em poças d’água suja, o jeans colava-se a pele, a chemise de linho deixava entrever o corpo bem-feito. Bebera demais. Os cabelos curtos caiam sobre o rosto. A cidade parecia morta e não havia nenhum táxi à vista. Os faróis passavam rápidos. Os prédios se faziam sombras tímidas, como torreões medievais cuja donzela se perdera. A maquiagem, como todo resquício de dignidade, escorria e parecia arrancar a pele. A chuva açoitava, mas o que mais doía era o vento zunindo nas orelhas. Ela não perguntava o porquê disso. Três daiquiris a mais do que devia e um pequeno infortúnio fizeram isso. Mentira. Ela escolheu isso. Já deveria estar acostumada à chuva e a solidão, o elemento novo era, no entanto, a bebedeira. Ela sempre odiara beber, porém aquela noite, entre a luzes enigmáticas, entre os corpos se oferecendo, entre a música que lhe forçava os tímpanos, escolhera o fundo do copo. Erro óbvio, como tudo que fizera. O copo entornado tornou tortuosos os caminhos do corpo. Não deveria ter saído. Não mesmo. Mas depois desta noite o que restasse de si estaria um pouco mais forte, um pouco mais resistente, pensava tentando manter alguma salvação. Os pés anestesiados pela água gelada nem doíam. Ela só queria um banho quente, sua cama, seu gato e nada mais. Tudo parecia rejeitá-la, mas ela sabia que no fundo era ela mesma que não queria nada daquilo. A vida não poderia se resumir a isto. Poderia ser muito mais simples que isso ou muito pior, mas não queria assim. Não queria se fazer vítima, mas recusava a oferecer seu corpo como banquete para um marmanjo desconhecido. Não, assim não queria. Precisava ter algum sentido, fazer algum sentido. No entanto, tudo parecia dizer que não. Um carro estranho parou, ele gritou alguma coisa, ela, com a mão, retirou a franja que caía sobre o rosto, os olhos verdes dela pareciam habituados com o frio deslocado.
- Não, obrigada... já estou perto de casa...
O estranho assentira, fechou o vidro e tornou ao seu caminho. Ela sabia ser muito convincente, mas mentira, teria de andar muito ainda. Não, não queria estranhos agora. Odiava isso. Não queria precisar de alguém, era horrível demais pensar que a sua felicidade poderia estar na mão de um estranho. Ela era feliz, só não estava naquele momento. Depois do fundo do poço, depois do efetivo fundo do poço ela estaria bem. E, bem, as circunstâncias que se encontrava poderiam ser literalmente o fundo do poço: estava confusa, tinha frio, havia muita água e a escuridão. Apesar de tudo ela sabia que iria sobreviver, precisava apenas andar.

linha cortada

estou analisando sua digital. minha chance de erro: uma em 16.777.216. isto significa que tenho uma vantagem dem 12 pontos. podemos conversar um pouco mais? os desenhos não se repetem. seu polegar opositor não significa uma vantagem. olha este seu sorriso amarelo. hum. esqueleto fixo. arcada móvel. cérebro contra corpo. se é que entende. não adianta brincar de ficar trocando de rosto. são as pegadas que te desmentem. o mesmo vício sempre. a mesma história sempre. vamos assinalar os caracteres? idade. classificação. execução. um dia te escrevo uma carta. só pra te provar que eu escapo a grafotécnica. um dia te ensino como. talvez por ter um cérebro independente e ser ambidestro, honey. minha destreza não te assusta? vai leonardo da vinci, vai brincando comigo.seu delta é apenas uma marca. prova criminosa do que eu já sei que posso encontrar. como o seu sapato 43 com o bico sujo de sangue.

Hipótese II

Quatro horas da manhã, um caminho errado, uma decisão, um gole de vinho a mais. Tudo o que dói sempre dói mais, machuca mais, no silêncio da madrugada. Algumas coisas não são escolhas deliberadas, nem mesmo posições tomadas que devem ser sustentadas até o final da cena. A noite estava bonita, uma enorme lua, estrelas em profusão como se o céu tivesse se preparado para alguma coisa especial. Era uma noite sensual, qualquer um poderia perceber isso, mesmo que da rua não pudesse vislumbrar o vulto esguio no terraço do prédio. Havia notas doloridas de uma música feita caminho, como algum dia, sozinha assim no terraço, o vulto armado apenas de um cálice de bom merlot, a pele branca exposta ao vento, a fina camisola de seda, um desejo impossível palpitando no peito. Ela sabia o que deveria fazer, mas não poderia, não mesmo, a não ser nesta noite, deste décimo terceiro andar. As coisas poderiam ser tantas, e boas, ela sabia, ela mesmo dissera isso ao telefone a uma amiga durante a tarde. Há momentos em que não se pode fazer muita coisa, era isso que ela sabia, dali, de sua vista privilegiada, observando a mancha negra que o mar fazia no horizonte. Mas não havia mais nada, nenhuma certeza a que se agarrar, nenhum sonho restava ainda intacto. Restava a escova de cabelos pousada na penteadeira. A mão branca de dedos finos e unhas roídas tocou o rosto. Havia marcas ali que não eram marcas do tempo, mas marcas de um tempo que ela não poderia vencer, marcas silenciosas de desespero. Talvez o que procurasse não existisse, talvez estivesse junto com as estrelas. O vinho amargava ainda mais o gosto de solidão da noite. Ela se habituara a esta dor, fazia-a talvez se sentir um pouco mais viva, um pouco mais… mas não era isso que ela queria para si. Não entendia como ser viva assim. Viver assim, não era viver. Não parecia viver. Ela mais do que ninguém entendia que uma noite sozinha significava o mesmo que uma taça de vinho vazia, significava que outra, taça ou noite, se seguiria, e de novo, e de novo, e novamente. Era preciso encontrar algo, nem mesmo que… Num gole rápido, seguido de um gemido adocicado, esvaziou a taça, bebeu assim o vinho raro que ganhara de presente. Não queria saber do agora. Bebeu como se fosse simples água de torneira, sem prazer. Para tomar em uma ocasião especial, disse-lhe o pai. Ocasião que não chegava e pelo visto não chegaria nunca. Olhou o cálice, um Waterford, presente de vovó para quem tomar um vinho refinado exigia um cristal à altura. Tão frágil, tão belo, tão único. No parapeito, olhou o chão, tão solitária e ímpar quanto o velho cristal. Sorriu mostrando os dentes perfeitos, marcados ainda pelo vinho. Ela sentiria falta do cristal, mas decidiu experimentar. Quanto equivaleria, em dor, treze andares? Quanto? Assim, simplesmente, soltou o cristal. A taça rodopiou e foi assumindo rapidamente sua invisibilidade. A noite não deixava perceber o movimento, embora ela jurasse perceber a taça em queda pelo vislumbre de um reflexo, não conseguiu ouvir um som, nada. Obviamente o cristal se partira em milhões de fragmentos, impossível permanecer intacto depois de um vôo como este, mas apesar da certeza, a seda da camisola reluzia tímida e criminosa, o azul escuro se confundindo com o céu da madrugada, era necessária alguma certeza, dizia para si, um soluço agudo cortou a noite abafada e quente, voltou-se ao parapeito, inclinou-se muito, sentido o vento no rosto, treze andares, a sensação do vento fazia a pele arder num fogo gostoso, mas havia necessidade de conferir uma última verdade universal, uma lei, precisava ir, e rápido, lá embaixo ver como ficou sua taça. O vento era… muito… convidativo…

Dans la position missionnaire

Avec plaisir,
c'est pas grave!
Voilà l'objet de tout tes soucis
je suis face à lui
et de mon point de vue
j'ai une vue directe
(je peux voir son joli torse).
aussitôt fais me voilà dans tes bras
en train de nous embrasser,
son torse est doux et soyeux,
je me mets à genoux:
oh excusez moi, monsieur, mais je comme a perdre mes forces a force de tenir la carcasse de cette chaudière!
Le vieux clicclac du sous sol est là
Oh, non, si car pourquoi crois tu que je suis là pour m'occuper de toi petit dévergondé,
(il sait que tu te branle en sniffant ses slips)
Je suis aux anges
et nous voilà reparti pour faire l'amour.

en voyage à barcelone

je répondu avec un clin d'oeil
personne est venu s'occuper de toi
(je crie de bonheur)
ses va et viens sont ponctués de baisés
où nos langues se mélanges
en attendant
de toute façon il sera un jour au courant
à sa place
je te trouve bien en forme!

pour un mec de votre âge

jeune homme
Ok excusez la tenue mais il fait chaud
je vois
une déformation au niveau de ton caleçon.
je peux admirer ce torse de bel homme poilu
moi j'en peu plus excuse
j'enlève ma chemise
cela ne me dérange pas maintenant
(...tu n'as pas trop chaud
toi avec seulement ton caleçon...)
et je l'amène au sous sol où se trouve la
(je n'ai plus d'eau chaude
et je viens de finir mon boulot
et franchement j'ai vraiment besoin d'une douche)
Comment mon age,
mon ange, tu sais:
je bande encore et si je te la mettais dans la bouche tu serai surpris.
Dans la bouche?

Monsieur

si tu as un problème quelconque,
fais appel à Monsieur

Bon
j'arrive dans l'après midi
et je venais de décrocher un job pour l'été
je restais donc seul à la maison
je te dis qu'un petit jeune en détresse avait besoin de tes services
je ne vous attendais que cet après midi
oui
à l'air bien chaud, Monsieur s'il te plais garçon,
et monsieur tu va le sucer
avec plaisir!
maisje devais faire vite
ah! bonjour...
merci je vous attends…

Rencontre au musée

mon ami attire les regards partout où nous sommes
ses beaux yeux bleus éclairent son fin
a peine assis, mon ami me désigne l’un d’entre eux
Un échange de sourires et de petits gestes commence alors entre ils
Il prend place sur la chaise
L’excitation est à son comble
Tout va bien !

rendez-vous

à Barcelone
Café de Zurich
sur la Place Catalunya
17h30
en première ligne sur la terrasse
face à la bouche de métro

Hipótese I

É preciso escovar os cabelos com força, ela repetia, os dedos agarrados fortes a escova que se fazia vezes de espada. Talvez escovasse tantos os cabelos na tentativa de perder a cabeça. Os fios ruivos sempre se desalinhavam. Revoltos pairavam diante do verde profundo dos olhos. A camisola branca deixava transparecer as pintas como pequenas manchas na seda. No dia de hoje só restava a ela se lembrar do dia de ontem. Nem precisara escrever uma página ou duas no diário surrado que carregava. As coisas doíam na pele. Pensava em tantas coisas enquanto se olhava no espelho escovando os cabelos vigorosamente. O banho talvez tivesse dito de algo a mais, mas era algo que não estava no corpo, não parecia no corpo, que parecia atravessar o corpo que doía. Como uma dor sem direção, numa eletricidade macabra, como se predissesse algum mau augúrio. Não obstante não conseguia acreditar na má sorte, se houve alguma, ela já tinha chegado a ela. Os dados já tinham sido lançados e a sorte já tinha sido repartida. Queria dormir e se esquecer, mas parecia impossível fugir ao espaço que se confinara. O quarto não era tão seguro assim, bem como um quarto de hora poderia ser tão criminosamente dolorido que as escovadas no cabelo não diriam nada. Não escovava os cabelos para ficar bonita, não desejava ser bonita, não mais, nem sequer poderia ser bonita. Era uma maneira de continuar ali, diante do espelho, se segurando a alguma coisa, insistindo silenciosamente na existência.

du fin de Mlle. Audrey

je suis taille moyenne et très mince
pas bronzée
tu est grand, baraqué,
souriant et très sexy:
rugbyman !
pas de classe
pas de chic
pas noblèsse
L’heure n'étant pas propice,
(coup d'hazard:
malheureusement
tout le restau c'est plein)
nous nous installons à une table
sur notre terrasse parisienne
une légère hésitation
devant cette situation voulue mais déconcertante
qui ne durera que quelques secondes
(ce petit jeu fort sympathique et excitant)
A la fin du repas,
je m’absente pour aller aux toilettes
Pour ma part
J’attends.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Oswald Spengler tem uma porta no seu tornozelo


no contra-olho de Piazza V, de Roberto Piva.
(para Ibriela)

Herrschaftsvertrag

à rousseau.
« on ne sait comment »
je fais avec toi une convention
(mais quel type de convention ?)
toute à ta charge
(mon schéma de domination est
sexuelle, oui...
et par du tout en lettre,
parfois... soit légitime)
et toute à mon profit
j’observerai tant qu’il me plaira,
et que tu observeras tant qu’il me plaira.
comme littérature:
jeu alliant stratégie, prouesses physiques et résistance psychologique.
"Oh oui, maître, encore !"
...
c'est insoutenable.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sim, fique!

só mais um pouco a lembrança insiste. talvez seja hora de voltar a arequipa, de rever o velho afeto. o quadro pintado que é meu e do qual só tenho a fotografia. não sei falar quíchua. é nas altitudes dos antigos vulcões, ali no abraço de uma amizade suspensa. la ciudad blanca. a caligrafia das montanhas diz daquela que insiste e que fizeste trêmula no papel. os camponeses são aqueles que sempre passam iluminados pelo sol. tão à villanueva. na descida do impessoal, tua história e a dos teus é que pesa naquelas pedras. as plataformas que suspendes como sonho. quando eu decidi pelos livros, tu decidias apenas a este silêncio frio de escrita. o que conservaremos amanhã além desta poeira e desta insistência?

Letter

Sir

I am now availing myself of the Liberty you have frequently honoured me with, of dedicating one of my Novels to you. this poetry... for there could be no doubt of his sex, though the fashion of the time did something to disguise it — was in the act of slicing at the head of a Moor which swung from the rafters. He was very much admired indeed. He is as beautiful as a weathercock. I love the Surrealism. That it is unfinished. Only not quite so useful. It was the colour of an old football, and more or less the shape of one, save for the sunken cheeks and a strand or two of coarse, dry hair, like the hair on a cocoanut. Do you understand the sounds of the typewriter? (Includes manuscripts, early printed texts, corrected proofs and first editions). The 'scholar' me, you, worn out on poor pay, only our silence made us seem a pair. Yet fear that from me, it will always remain so; that as far as it is carried, it Should be so trifling and so unworthy of you, is another concern to your obliged (dadaist) humble

Servant
The Author

Ps. My city's fit and noble name resumed, choice aboriginal name, with marvellous beauty, meaning, a rocky founded island -- shores where ever gayly dash the coming, going, hurrying sea waves.

mais uma página

chove um pouco mais do que deveria. não sei o porquê de todas minhas pequenas histórias sempre começarem assim. com um chove. não tenho culpa, pode verificar, as condições do tempo realmente são estas. sozinho no ônibus, mas não, realmente, o ônibus não estava vazio. dentro dos meus jeans apertados, com meu tênis da série "azuis especiais calvin klein" enxarcados, com as meias úmidas e pés gelados, com meu capuz sobre os cabelos, escondendo o rosto, meu guarda-chuva também azul. mas a cena não é tão azul assim. leio e desvendo um pouco a biografia de françoise dolto. com ou sem lacan. o que eu descubro? a chuva ainda caí. as pinceladas sempre, neste caso, devem ser de cima para baixo, leves e imperceptíveis. lentamente, tinta óleo. nada para máquinas fotográficas. você não entende o que dói aqui. darwin diria que passei por cima da seleção natural. a minha perna esquerda diz do meu mais novo sintoma. quer que repasse tudo isto aqui dando os termos e a voz a kaplan & sadock? estou só. como no ônibus. como na chuva. sem chance. o tempo escoa como a água pelos ralos. a estrada nem é tão longa assim. o ônibus vira-e-mexe faz um curva perigosa. você finge. eu minto. crimes de 15 minutos que não passam no cinema. o livro que tenho na mochila desta vez é algo singelo."gosto muito de você, acho que estou apaixonado, mas acho que este versinho tá de pé quebrado. página 60. 10 edição. o menino maluquinho. queria poder colorir isto tudo de outro jeito. saber o motivo. sem ter de lançar os dados de novo, e de novo, e ainda, de novo, sem saber quem matou o capitão. e não consigo voltar a ler mário de andrade. não consigo também passar a ler sérgio milliet. e ninguém lê esta insistência com um pouco menos de olhos e um pouco mais de ténica, para perceber que na terceira linha, há uma vírgula que pulsa. sem boderline. o que se faz sentado, entre um sinal vermelho, o mar ao lado, é cair, apenas, na espera do julgamento. é a gravidade que inventa o tempo. o tempo apenas inventa a fome.

las tentaciones de san antonio

«Maester, snijt die Keye ras. Myne name is lubbert das.»

el santo ha ido buscar agua, pero el modo de replegarse advierte que los monstruos le acechan. estamos ante una amplia estancia de palacio que sirve de taller a el bosco. observemos que el artista no está pintando en el lienzo lo que nosostros, espectadores, estamos viendo. los suenõs... estos, en vista de que no cede a la tentación, pondrán fogo a la choza del ermitaño.(...del pintor..). su cuerpo, bien como cristo, es de una belleza extraordinaria. el pintor aparece vestido a la turca. (un año antes de la morte del retratado). cabellera rizada y negligente, cuello de encaje, jubón negro achuchillado y capa cruzada. esplédindo retrato lleno de expressión. impossible la adoración de los magos. con la mano lleva la cuchilla hediéndole la cabeza y el pecho atravessado por un pincel. primorosamente labrado. y será siempre la obra maestra de todos los tiempos. muy bello de color. al fondo: hércules atormentado por la túnica de nessus... el centauro... pã... no es un medio punto, sino un arco rebajado, en que está felizmente incluida la composición, toda ella harmónica de luz perfectamente equilibrada de contenido. todo es deslumbrante en este lienzo, sedas, joyas, bandas, angeles,resaltes, bordados, recamos, gemas y condecoraciones. las veladuras de color fluido. la carnación es falsa: demasiado sin sangre ni templor vital... y con luces arbitrarias y aun inseguras. la tela más bella es la que no conocemos, y también la más provocativa. los reflejos dorados entre frondas azules y verdes oscuros, y unas figuritas que tienem a la gracia de los flamencos. la belleza del momento. en otro tiempo: composición de atroz realismo con fondo de oro. jugozo, lozano, moderno, y refleja de la vida misma: es lo pincel de la locura y de los pecados mortales. en el primer plano: un hombre arrodillado tiene las gafas en una de sus manos. siete jugadores: nada de mitología, ni de batallas victoriosas, ni de faustos desfiles. no existe presencia de la mujer. no es la última obra del pintor. del mismo estilo de los más populares de dali. son, como se ve, una pintura brillante, más que un diseño o una alusión: es copia de un original perdido. o acaso réplica.

desencontros

eis meu sonho íntimo: estou te esperando. sonhamos ainda esta hora, verlaine. e sou eu, como uma velha criança, cheia de certezas que te faz crer, que ouves, que pensas e que respondes as minhas questões? meu coração não é esta noite eterna que aprisiona nas tuas palavras. (... ainda, mesmo entre as grossas nuvens de suas baforadas, eu te vislumbro, mallarmé...). nossa história é nobre e trágica. feita em versos, sem redondilhas e sem chave de ouro. e bêbemos e cantamos e...impossível dizer disto... fora de paris. ah, seus dedos de adolescente mágico e marot-to. não peço clemências. só peço que não pares. toda minha vida é este bem que se prende ao teu olhar. (... tout rossini, tour mozart et tout weber...) sem charmes secretos. meu coração, sem respirar, observa de joelhos, sua boca de coral, que não está meio fechada, mas quase aberta nestas palavras. os perfumes não se frisam nas narinas, a rua esperta, a rua aperta, como as coxas entre as coxas e os desejos e os buracos de fechadura. toda volúpia é uma biblioteca de prazeres. que grita, que caí, que insiste, que rasura linhas e que te por fim te captura. mas ainda escapas, numa escarpa distante. ali, onde apenas os bilhetes e os meninos de recado sabem nos encontrar.

de um canto de adalgisa nery

"venho das areias ainda cobertas pelos mares"

a mulher se ausenta. o ventre úmido. a pedra transpirando a imagem futura. méxico, 1945. os olhos cobrem a paisagem. há, nas pupilas cerradas, bocas que morrem entreabertas. há o fogo queimando os tecidos lentamente. não conseguimos ver estrelas no fundo desta angústia. o que quer dizer o perfume da rosa? tal é o silêncio depois das grandes lágrimas. o tempo não pesa nos eternos desertos. ambos temos medo de abrir os olhos e nesta confusão de olhares nos encontrarmos só. eu, apenas, mortalmente só. há um poema feito todo falsas palavras. há o além do poema feito todo carne que pesa, dói, grita e chora. o corpo se esfregando nu, esfolando-se na incerteza a pureza das águas, no banho feito apenas para o dia seguinte. controlados os relógios. (guardamos a nota para o contato, para os acontecimentos: rio, 28-III-45). minha guerra é outra. o poema tropeça no amanhecer. méxico, rio, denver, nova-york, búfalo, filadéfia, los angeles & a presença da morte. e essa ternura, e boas cores e tons, que nunca chega. os dedos nunca roçam meu pensamento.

uma oitava abaixo

ele não falava muito, mas olhava excessivamente. a voz calava fundo. tantos outros rapazes. qual a tessitura destes sons. o violino é que cortava o pulso. ele não falava. no agudo singelo, seu grito de dor era uma soprano bem afinada. ad honorem dei. como dizer desta cisão, do que apenas os ouvidos sentiam... il ragazzo... matteuccio. um tempo marcado pelos pedais, pelas teclas brancas e negras. era ali, na lateral do olho que as teias de aranha se prendiam. ele não falava muito. não podia falar. a voz, aquilo que sobressaía, era o que tinham feito dele. entre os cachos, entre a maquiagem, ele não podia falar. cada nota, cada palavra sobrevoava um outro mundo. ele não sabia falar. mas como cantava...

iara

ritrato rosso

bom selvagem

ritrato blue

ritrato

ritrato

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

gayface


















"Three to Tango"
queres a forma perfeita, o beijo, o cheiro do Apolo ruivo,
o armário entre aberto, com as roupas esquecidas,
abre os olhos, queeny...
vê quem te abraça ainda mais forte....
Sabemos da impossibilidade das horas,
mas eu nunca durmo enquanto dormes
e te vejo assim,
amor, vazio, sustentando o rosto do impossível...
a maquiagem borrada
em três palavrões
e ofensas públicas
(a púbis se faz segredo e degredo)
abre os horizontes
da complementaridade ilusória.

o que vemos além da vidraça entraberta,
vê como as curvas
e como a luz bate tímida no teu rosto

o pecado
feito luz e sombra

há sempre os arranha-céus
o corpo arranhável
o nosso segredo
e as horas que passam
nesta que caem.

meu dormir não vem. espero alguém.

a cama bagunçada, o cobertor torcido de angústia, o travesseiro molhado. impossível o amor, improvável o desejo. o dístico ainda paira. uma verdade inocente posta em palavras. ainda assim criminoso. quem de longe se aponta e todo prosa foge ao meu texto. há algo que se remexe vigorosamente dentro de mim. devorando o pano de fundo de cada sonho. poderá haver no poema um galo que canta entre canhões da segunda guerra, caroline? tão menos paris hoje. tão mais o amplo deserto. quente. quente. o corpo imerso nos lençóis feitos de areia quente. há a febre. o chão que escapa. os olhos bem aperto, onde um fio de areia aos poucos costura o cansaço. quem virá em meio as dunas, enfrentando o cavaleiro negro dos dos meus pesadelos. não sou isto de ficar à janela, estes vazios da parede que tenho cerrados. a angústia reside no topo da estante, ali onde apenas o pó se acumula. o corpo é que resiste ainda, diante da mente fracassada. o corpo ainda tem fome, sede e respira. quantas horas aguentará ainda? na incerteza da chegada. não posso dormir, estará atrasado? quando chegará? nenhuma notícia. nenhum código secreto, nem mensageiros. resta aqui, inquieto, apenas à espera.

circular 666

"Porque aqui na terra o tédio está muito grande" (R.Piva).
.
é hora de mudar o tom. simples assim. inocência nunca perdida, dado que nunca encontrada. sem manifesto. faz a cara da vanguarda, salto alto e maquiagem. hype. tão descartável quanto tudo. hora de abrir as coxas ao desconhecido, de ir além do escuro do cinema contingente. a experiência limite: as paredes do meu quarto. palco instalado entre poucos livros. são mateus jamais escreveu um evangelho, negro alto, samba com o dorso nu. selvagem. potência primitiva. e se preciso de palavras? talvez. o que se constrói é um próprio pensamento. talvez o tom nunca mude. nem as palavras. sem livro futuro ou biografia. há palavras que escapam a este "certo-saber".não sou situação ou oposição. que entendo de política? o apocalipse pra mim é só um filme com muitos efeitos especiais. sem lições para apreender.sem vivência urbana, sexual, mística ou anárquica. talvez sem crença, mesmo neste significante. a palavra não salva. mas o quê é salvar? só silêncio se salva. e resta o resíduo: poesia epifenômeno da vida. registro? um dia ainda escreverei um grande poema em latim, talvez aprenda grego clássico, só para isto. já sei o dia em que vou parar de escrever. a data. a hora. o limite marcado. questão de código de barras. estou, aos poucos, acabando com as correspondências. eu não vivi o inferno de dante, só o purgatório, mas ao invés de subir, eu desço... cada vez mais fundo. não quero encontrar beatriz, quê faremos? vamos brincar de a amiga e o amigo gay? o criminoso desta história é vírgilio e esta ilha. bora ouvir o vento batendo na janela e ver o quê acontece. nesta terceira parte de mim que ainda insiste e tem medo do que está escrito no post-it colado no dia do meu aniversário. sem mais: fim.

bibliobiografia

este blog é biografia post-mortem. todo dia. toda hora. registro. quase que quase. dos livros que li. dos livros que não li. dos livros que desisti de ler. dos que odiei. dos livros quase pessoas. dos livros mais amados que as pessoas. do livro que te dei. dos livros que matei para não matar alguém. há algo no meio da minha cabeça entre as frontes. algo que é preciso vencer. nota para agora: conversar com as três senhoras bovary, há uma geração de histéricas bem-comportadas. ah, meu pequeno charles, como você define o amor neste seu buquê de flores murchas? o comportamento tecnocrata dos desejos: sua chamada está sendo enviada para a caixa de mensagem e estará sujeita à cobranças após o sinal.

modernidades

01-X-2010

e tudo é museu. 3x1. a aparição e a nostalgia da coleção. quer integrar sua cultura com a minha? "ele é um intelectual de conceitos pós-modernos de estufa", dizem sobre mim. todo poema pode ser toda uma arte contra a história da arte. qual o valor do seu acervo? e queremos ver. queremos ver. queremos? ver? sua latência chamo de recalque. o lugar da curadoria (teu desejo), sem reservas técnicas. e nem sabe quem foi o 'marquês' rebelo. coleção: sem tipologia moderna. atropelando walter benjamin, rasgando as notas da memória. warburg me diz: desmancha este livro, ele vale por dois. fuchs x funes. arquivo incompleto. pura fisiognonimia: e eu não gosto de ti, tu és feio. simples assim. sem diplomacia. cadê sua análise? se fosse possível dar uma cara para latino-américa, acho que ela não seria bonita. seu documento de identidade e as provas de propriedade na mão. perscrutando as margens do retrato, ali onde falta àquele rosto. vamos pegar o métraux? era uma vez o historicismo.

Nefertiti

a catástrofe ronda a linha do teu perfil, como quem sobrevive em sedas na wall street. dama educadíssima. a morte não poderá ser escrita. encontrando as digitais num quadro de vermeer, uma carta de k. talvez um astrônomo indecente tenha te escrito entre estrelas. onde habitaremos amanhã?

empire state

para andrea

é nos grandes topos que as grandes decisões acontecem. tu salta duas teclas ao piano. se escondendo devagar, entre as notas, no acento solto, é new york que descobres, palpitando no fundo bêbado do olho. há um beijo selvagem dentro do concreto, do couro, das motos. o cabelo ao vento. quem som. a jazz band ainda toca. as palavras macias misturadas ao blue & blood do crime noturno. puxa o zíper devagar, o ponto oblíquo da objetiva diz da revista de amanhã. aperta o passo no salto-alto. sabemos dizer ainda. afundando os dedos na neve pedimos mais uma dose. é a cidade quem oferece. sem esperanças. há a fumaça subindo dos bueros. clima de suspense. saca a caneta do bolso e escreve um número de telefone. correndo pela selva, tão vazia e tão infinita. o crime é latência. o desejo na pele. a cidade do novo mundo. ela escoa dentro de nós. insistentemente.

telefone

alô. quem fala e disse que ligaria? depois, mais tarde, quem sabe. isto. quê? como? não sei. mas eu sempre sei. disto. que não ligarias. que não retornas. que é mais do que hora. tu desistes. eu quase que. ainda assim. sem crimes. tenho algo pra ti. não tenho nada pra ti. hora de revanche. v de vingança. o v do meu nome. você sabia? sem pesquisas. sem opiniões. cansei. assim. simples. não. ahn? repete. mais uma vez. chega. fim. sem beijos finais.

um intelectual argentino