Tentei traçar o mínimo de mim em algumas linhas. Doeu. Doeu muito. Impossível suportar o que escrevi. Desdobrado sobre mim, como quem vê de cima, que vê além, através, como que de dentro. Sentido o coração batendo na mão. Sentindo o coração batendo na boca. Descobri o corpo em queda e também o dentro-fora do corpo. O resquício. Sem respostas. Talvez por isso não durma. Talvez por isso não tenha certeza. Talvez por isso o mundo seja um corredor de biblioteca: sem fractais. Nem aqui, no sótão abandonado de um bilhete, não reconheça a assinatura. Não sei disto. Também não posso escrever disto. É preciso dizer o não e fazer a escolha. Sem correr riscos. No limite desta vida destroçada. Deste corpo que pisa em falso e fraqueja. A culpa: minha. Mea maxima culpa. Ou nenhuma. Eu sou quem corri o risco, perigosamente, na garupa de uma motocicleta, rodando louco, rodando alucinadamente. O vento não trouxe a liberdade. Não me importo em não ser feliz como os outros. Talvez seja preciso desistir algumas vezes. Não tenho escolha. E dói não poder… não saber… mas eu sei. Sei como saber, mas dói. Toda dor é sempre última e a pior, mas, pior, não mata. Eu sei do meu crime. Não precisei vender fósforos. Estou cansado. Não quero ter de falar. Ignoro sonhos possíveis. Visito meu pequeno museu de lesões: a língua, o molar direito perdido, o joelho esquerdo, as costas, os olhos, os pés. Um corpo para fora da cartografia. Um corpo só corpo. Um corpo descoberto em dor. A dor que me lembra que ainda estou aqui, e vivo. Ainda aqui. não aprendi nenhuma lição. Não tenho os papéis de carta.A porta de meu quarto não tem chave. De quem roubei o francês que falo? Há um peso. Uma exigência de vida. Não quero mais voltar pra esta mesa, para esta escrita, para os mesmos corredores e os mesmo livros sem fim. Sem nomes, títulos, com horizontes azuis infinitos, como o mar. Nunca gostei do mar. O meu grande romance já foi escrito e perdido no banco de algum ônibus, há 6 anos. Talvez não devesse, não fosse esta insistência, escrever mais.
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