terça-feira, 25 de maio de 2010

A máquina de escrever e calcular

(Ou bem à Willian Burroughs)

A moça de salto e saia curta girou nos calcanhares, os cabelos voaram. Era meu reflexo no espelho do corredor. Levava sempre às últimas conseqüências aquela impressão. Eu precisava encontrar um garoto selvagem para ele aquela noite. Secretária de diplomata, segurava as pontas enquanto (ele) dava. Sempre mentindo, entre México e África do Norte. Mentindo que mentia. Ele geralmente encontrava garotos e ficava com eles, enquanto estivesse por perto. Lawrence e Roger insistiam em dizer que eu era uma versão feminina de Lúcifer e que no fundo ele tinha vendido a alma a mim. Mentira deslavada, e eu sempre odiava voltar ao Japão, lugar que ele preferia a Londres. Muito mais fácil. Era sempre eu que apagava os rastros. Odiava ir chamá-lo de manhã e encontrá-lo nu, ele insistia em balançar a genitália para mim, respirava fundo, e olhava para ele dizendo que não estava nas minhas mãos mudar a economia do Marrocos e que se ele não se comportasse teria que ir sozinho à Mônaco para o casamento de Caroline. Se não fosse obrigado a usar terno, ele seria junkie, como os meninos que procurava. Era extravagante. Ele invocava em se dizer árabe no momento oportuno, dizia, que não havia palavra naquela língua para fidelidade. Eu não sabia dizer o quanto isso era verdade. Frisava que os árabes eram mais tolerantes do que se pensava. Todo o blábláblá de Peter girava num repeteco de establishment, establishment. Eu encarnava a censura para ele. Ele adorava lembrar quando Ginsberg “deu bafão” e contou na frente da galera como masturbou Orlovsky, dizia que faria melhor, e descrevia os movimentos que faria com a língua. Isso quando não sacava minha caneta e começava a chupá-la vigorosamente, parando apenas quando eu o ameaçava de salto em punho. Nos momentos em que o mandava trabalhar insistia num axioma de sua alta filosofia que servia para tudo: “Tudo é ilusão. Mas as ilusões têm a tendência de se fazerem tão reais quanto possível, o que é fácil de compreender. De outro modo, não teriam saída”. Diante de mim sua retórica se fazia irônica, nada de pau ou boquete. Vocabulário que ele dominava para suas fugas, de mim, para investidas noturnas independentes, o que me fazia perder a noite em guetos e cuidando dos paparazzi. Eu insistia em dizer para ele que era estupidez se deixar obcecar, seja pelo que for. No fundo riamos junto, com um teatrinho bicha dele, fazendo-se de “não entendido”: “oh, ninguém sabe nada a meu respeito. Meu caro, todo mundo, mas todo mundo, sabe tudo a seu respeito”. E que odiava mulheres e que só me mantinha por perto porque eu era o pior elemento da corja. E abria uma gargalhada sem classe alguma. Eram aqueles os sinais contraditórios de sua angústia, principalmente quando vinha se desculpar por ser gay, dizendo que os ensinamentos de São Paulo são hoje letra morta e inoperante. Mortos desde que a pílula separou o prazer sexual da reprodução. Mortos desde o controle de natalidade. Eu sempre odiei comiseração, mas ele tinha demências costumazes, como comemorar o 3 de dezembro como um aniversário, e contava, desde 73 a idade de sua “loucura”. Ele sempre quis saber o que me excitava, mas eu dizia apenas para ele calar a boca e não pensar nisto. Afinal, entre minhas rendas e meus leques, os meus perfumes faziam a mágica. De resto eu dizia para ele que sexo e riso eram incompatíveis e que ele ria para comprar as pessoas, enquanto ele sempre retrucava com o fato de que o valor do dinheiro esta no fato de que algumas pessoas não tem nenhum. Ele era dado a imagens fatídicas, desculpando-se por seu prazer, reiterava que no fundo sempre preferia o coito anal, dizia que era a coisa mais racional que duas pessoas poderiam fazer juntas, muito mais preferível do que a fellatio. Chupar um pênis era uma coisa suja, não obstante completava que o prazer era o que importava e que raramente pensava nisso diante de uma delicinha. E ria. Tentando me chocar. Não obstante eu sempre me vingava e, no meu tailleur negro, com cara rainha superiora o assustava sempre que teria de receber Anita Bryant e sempre lhe delegava funções e dizia, como súcubo despretensiosa, que ele só ganharia o “presente” da noite, caso despachasse todas as funções. Era tudo questão de explosão aritmética. Eu sempre fui démodé. Já ele…

Um comentário:

  1. de longe a melhor coisa que eu já li que você escreveu. e é exatamente o tipo de coisa que eu gosto de ler. talento define.

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