segunda-feira, 31 de maio de 2010

O jogo labiríntico

Para Daniel Córdova

Apresento-te o meu palco, mas afirmo que preciso que você abra a janela para respirar. Cenário simples, bem simples. Uma mesa, duas personagens, sem rosto e, talvez o que poderia ser o personagem principal, um trio de dados. Entre minhas caravelas e seus navios climatizados, o mar aberto, à deriva. Os dados que caem não são os dados que se encontram na rede. O que pescamos no nosso jogo não são apenas as cartas caídas e roubadas, aqui nem existem coringas. Há um poeta francês, você o conhece também, que exclamava entre grossas fumaças que o mundo existia para resultar num grande livro. Você já começou a escrever o seu espetáculo? O enredo pode ser relevante, nos casos em que apenas sua janela está defronte da minha janela. Um labirinto simétrico em aberto. Talvez entre espaço e tempo, o suspenso é que seja o relativo. Tão relativo quanto abrir ou deletar um e-mail desconhecido. Então, sem poker, sem cartas, temos os dados. Jogue se quiser e quanto quiser, tipo o seu pague quanto merecer. Acompanha? Qual o gesto adequado para esta cena? Eu sempre gostei de perfis. Nada de 3x4. Sei que te devo um ritrato, sem terrorismos, talvez antrax. Não me mande ouvir Toni Braxton que eu já escuto “spanish guitar” como trilha sonora. Você apenas finge que presta atenção, mas com outros dados escondidos na luva, nunca joga os verdadeiros. Sempre gostei de sépia, preto e branco, acho que uma cena assim, bem xadrez, pode ser interessante. Palco enquanto tabuleiro de jogo. Não sei, sem realce, sem linhas, sem psicologias, apenas a cena, nua, aos quadros diante da luz. (sem delays humorísticos: tipo "gabi entrevista"). Quem é dama, rei, cavalo ou peão? É trama séria, densa, tensa. Corpos suspensos naquilo que não se fala e não se escreve. Sempre me penso meio bispo, na transversa, casa preta, rosto em diagonal, frases tangentes. Compreende a gravidade do teu personagem e a gravidez do meu? Oops, I did it again. O horóscopo é que avisa em manchete de capa: criaturas que jogam dados podem dominar o mundo. Aposto o meu vinil de “Like a prayer”, que tal? Não resuma o meu labirinto assim: filho de intelectuais - infância clássica - gay - adolescência difícil - metal - vida adulta bem resolvida – pop. O público rumoreja diante da cena silenciosa. A máquina de café quebrou. A vitrola é um radinho a pilha. É preciso ao menos inventar uma cena antes de fechar as cortinas. Alguma idéia? Jogue as cartas, assuma o dominó. Um gesto suspenso ainda.
- Recolha as garras, capitão, seu almirante ordena, abra a mão e lance os dados!

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