domingo, 2 de maio de 2010

Criminosamente

Nua, ela escova os cabelos, ainda tem trinta minutos para preparar as armas. A pele perfumada, macia e alva, tão anjo indefeso, fria no fundo dos seus olhos escuros. Um poço feito linhas racionais. No silêncio, oculto no quarto, aquele desejo por sangue palpita. Um brilho cerebral no canino direito. Os cabelos ruivos presos num coque, deixando à mostra o pescoço, um vestido preto, clássico, pérolas. Os saltos vermelhos, armas, prontas para arrasar qualquer coração inocente. O acento medieval escondido nas dobras da língua. O chapéu e os óculos escuros, a linha da boca em contraste com a linha dos olhos. Linhas que se cruzam para abrir um semblante perfeito, num sorriso que sangra. A pele sem marcas, só a marca de nascença de sua pérfida nobreza. Tão seleta para a devora, como se contasse estrelas ou diamantes raros. Não obstante, ela quer ser vítima, oferece-se para a morte, para um último duelo, que espera não vencer. Tem febre de calor, do calor do outro, é preciso que ele resista, que ele vença. Que a luta não seja aberta, que os olhares trocados toquem os ossos, silenciosamente. Não precisa do espelho, sem narcisismos ela sabe apenas o que se busca. Ele está pra chegar. Bebe o champagne, mergulhando uma luz vermelha nas faces. Não importa no fundo a cor, mas o peso de seu uso. A luz perfeita. Quando ele chegar, o que encontrará? O punhal guardado no decote, não para matar, mas para proteger o coração. O arsênico no anel. Mil armadilhas espalhadas. Os rostos empalhados ocultos em algum labirinto, uma vez vencidos restam como ornamentos. Mil anos apenas a aproximam da morte, é preciso encontrar um sentido num beijo e não menos que isso. È preciso que o toque fale, que a maquiagem borrada não seja indicio de uma beleza perdida, do que se passou e passou. Mas que os pincéis permitem descobrir sua contra-natureza. É preciso estar preparada para morrer ou entregar as armas.

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