segunda-feira, 24 de maio de 2010

Algumas amizades particulares

"Ou bem à Roger Peyrefitte"

Recebi também, como ele, um telegrama com uma fita negra. “Retornar a Paris. Urgente. Incidentes.” Deixou Atenas apenas com uma valise. Os meninos que deixou para trás sequer lembrava os nomes, como nunca lembrava onde os achava. Sabia o que fazia com eles. Escreveu a Jean e Henri dizendo que meu sistema era impenetrável como um cerco a Jerusalém, talvez quisesse colocar alguma metáfora sexual ali, coisa que sempre fazia, mas nunca entendi o porquê de escolher Jerusalém. Talvez fosse pelo fetiche que alimentava pelos Cavaleiros de Malta. Lembro-me quando o Sr. Gunn pediu-me para falar dele, eu só lembrava de seus óculos fundos, de sua sopa de inglês-francês. Que nada… Eu tinha que repetir para ele o fato de que, querendo ou não, concordando ou não, tudo o que era gay me dizia respeito. Eu lembro dele em Ardouane, ainda na escola, arrogante como sempre e não sabia sequer diferenciar Montaigne de Rousseau. Meu futuro foi quase ser padre, se a companhia dele não me estragasse tanto. Dizia que tudo o que era gay era bom e, assim, nada impuro. Uma educação moral, afirmava. O curso secundário. As cadeiras. Ele insistia para que eu fosse brincar em Versalhes, repito isso há mais de cinqüenta anos, era insuportavelmente pouco diplomático. Eu odiava aquelas perguntas. Ele era muito século XVIII. Eu era Paris demais, século XVI demais. Ele era Arentino, e tantas e tantas vezes se fingia de italiano e dizia que se chamava Pietro. Quando foi para Bervely Hills, nunca mais soube direito o que acontecia. Ele era gato manhoso de meias palavras comigo. Mas sabia do problema, o livro que escrevera. Alain insistia em dizer para ele: “Jacques, o senhor precisa procurar o ministro da justiça e pedir sanções legais. Porque é uma história verdadeira e não uma obra de ficção”, eu apenas bebericava meus vinhos finos e assinava algumas cartas. Olhava para eles e insistia: “Bovary, c’est moi!”. E tinha de rir. Jacques adorava se meter com jovenzinhos ainda imberbes, falando de suas peles doces, de suas coxas torneadas, do cheiro rosa recém saído da infância. Dizia-se também grego, mas dizia tanta coisa. Sempre que me enviava um ou outro postal estes vinham recheados de John, Peter, whatever… sempre com o mesmo p.s: “mas talvez dentro alguns anos não me agrade mais, ficará peludo, cabeludo…”. Sempre a mesma coisa. Ele se consolava escrevendo e saindo às ruas, encontrando seus garotinhos, eu me afundava nos meus livros, nos pincéis, no violino. Ele queria Berkeley em 65, Paris em 68. Nestes momentos eu me contentaria com Firenze nos 1500. Mas ao menos nos refinamentos, nos muitos talheres e muitas taças, no menù refinado à mesa, dado que á cama ele era pouco seleto, concordávamos. Nada de “sex and crime”. Ele dizia que sexo era bom, eu esperava sempre mais e nem era do sexo. Crime já era demais, quase um estupro, pra ambos. Não gostava de sangue em cena. Mas ficava aí, ele fazia de mim aquele lugar impossível, era a musa que sabia, ele precisava fazer de conta que eu me interessava pelas coxas dele em outras coxas. Era uma idéia generosa. Ele queria fazer-se imagem do escritor gay, eu queria apenas ser um pouco mais humano. E talvez ele fosse gay demais e, eu, humano excessivamente. Neste turno, diferente do retorno dele, o meu retorno à Paris, foi por ele, para um último réquiem.

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