segunda-feira, 31 de maio de 2010
dói. talvez nada explique o porquê da dor, mas dói. este silêncio cadente. tenho raiva. fúria inconformada. do lado alguém usa uma furadeira que me faz doer ainda mais. não suporto ou sobrevivo. 1821, a fonte do sangue. você não entende as referências explícitas, quem dirá aquelas chaveadas. a ficção lateral, a boneca de dentro da boneca. sem acento russo. eu precisava de ajuda, quem o fez? quem poderia fazê-lo? tenho raiva sim e me dou a este luxo. gosto dos luxos e não me importo se há ainda pobres no mundo. a morte já é em si uma riqueza a mais para tantos. os rios de sangue abrem as ondas, que eu entendo no longo murmúrio. eu atravesso a cidade como um campo fechado. a natureza rosna em rouge.
O jogo labiríntico
Para Daniel Córdova
Apresento-te o meu palco, mas afirmo que preciso que você abra a janela para respirar. Cenário simples, bem simples. Uma mesa, duas personagens, sem rosto e, talvez o que poderia ser o personagem principal, um trio de dados. Entre minhas caravelas e seus navios climatizados, o mar aberto, à deriva. Os dados que caem não são os dados que se encontram na rede. O que pescamos no nosso jogo não são apenas as cartas caídas e roubadas, aqui nem existem coringas. Há um poeta francês, você o conhece também, que exclamava entre grossas fumaças que o mundo existia para resultar num grande livro. Você já começou a escrever o seu espetáculo? O enredo pode ser relevante, nos casos em que apenas sua janela está defronte da minha janela. Um labirinto simétrico em aberto. Talvez entre espaço e tempo, o suspenso é que seja o relativo. Tão relativo quanto abrir ou deletar um e-mail desconhecido. Então, sem poker, sem cartas, temos os dados. Jogue se quiser e quanto quiser, tipo o seu pague quanto merecer. Acompanha? Qual o gesto adequado para esta cena? Eu sempre gostei de perfis. Nada de 3x4. Sei que te devo um ritrato, sem terrorismos, talvez antrax. Não me mande ouvir Toni Braxton que eu já escuto “spanish guitar” como trilha sonora. Você apenas finge que presta atenção, mas com outros dados escondidos na luva, nunca joga os verdadeiros. Sempre gostei de sépia, preto e branco, acho que uma cena assim, bem xadrez, pode ser interessante. Palco enquanto tabuleiro de jogo. Não sei, sem realce, sem linhas, sem psicologias, apenas a cena, nua, aos quadros diante da luz. (sem delays humorísticos: tipo "gabi entrevista"). Quem é dama, rei, cavalo ou peão? É trama séria, densa, tensa. Corpos suspensos naquilo que não se fala e não se escreve. Sempre me penso meio bispo, na transversa, casa preta, rosto em diagonal, frases tangentes. Compreende a gravidade do teu personagem e a gravidez do meu? Oops, I did it again. O horóscopo é que avisa em manchete de capa: criaturas que jogam dados podem dominar o mundo. Aposto o meu vinil de “Like a prayer”, que tal? Não resuma o meu labirinto assim: filho de intelectuais - infância clássica - gay - adolescência difícil - metal - vida adulta bem resolvida – pop. O público rumoreja diante da cena silenciosa. A máquina de café quebrou. A vitrola é um radinho a pilha. É preciso ao menos inventar uma cena antes de fechar as cortinas. Alguma idéia? Jogue as cartas, assuma o dominó. Um gesto suspenso ainda.
- Recolha as garras, capitão, seu almirante ordena, abra a mão e lance os dados!
Roubo
De alguma forma essa cena costumava retornar com mais frequência quando me olhava ao espelho, e foi talvez um pouco por isso que resolvi eliminá-los de casa. Sem querer vejo as vezes minha própria imagem refletida em alguma das vidraças ou no fundo de um copo, mas desvio logo os olhos. Mesmo assim posso perceber uma sombra difusa, parece cinza e longa. De certa forma, então, o que poderia dizer de mais exato se quisesse descrever a mim mesmo, seria algo assim: sou cinza e longo. Ou: é cinza e longo o que de mim oblíquamente se reflete em certos vidros.
Marcadores:
Caio F.,
Marinheiro,
Triângulo das águas
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Um livro e olhares, apenas
(ou muito à Roland Barthes)
Só ele para me trazer de volta ao Marrocos, mas quem resistira aquele charme. Ele era francês, mais do que isso ele era o francês. Se ele não fosse gay certamente eu teria me casado com ele, ele não teria morrido solteiro, eu não estaria aqui precisando lembrar dele assim. mas de todo não reclamo. Reclamar era o universo dele. Ele lia muito, isto eu sabia, mas também sabia o que me esperava assim que bati na porta de seu quarto de hotel. Julia, ele disse e abriu os lábios num sorriso descompromissado. Ainda bem que você veio, je suis angoissé! Ele era um amante que sempre dizia tantas coisas, ele pensava demais, talvez este fosse o problema. Ao me mostrar o quarto, não se conteve, ele tinha dessas, tout de même, ce n’est pas chic… Olhei para sobre a escrivaninha, notei, era trabalho o que o havia trazido ao norte da África mais uma vez. Enquanto ele se arrumava diante do espelho, espiei o que tinha ali. Montaigne, Proust, Picard, Racine, Freud, Adler, Queneau, Benda, tanta gente, e tantos daqueles havia conhecido por ele. Eram fantasmas que ele havia me apresentado. Naquela noite jantaríamos juntos. Então ele parou na janela, chamou-me. A proximidade com o deserto seduzia, havia um vento leve, o deserto rumorejava. Apontou-me o que vira, divisávamos uma silhueta, um garoto, um belo garoto negro numa jaqueta jeans surrada, enquanto olhávamos o garoto parou, olhou para cima, sorriu. Orland apenas me sorriu, ele tem um belo corpo, parece ter olhos inteligentes, gosto disso, olhos inteligentes. Ambos nos abraçamos, resolvemos não sair do quarto de hotel, nos perguntávamos quem queimaríamos naquela noite. Tínhamos um hábito estranho, uma vez que precisávamos pensar, sempre sacrificávamos um de nossos pensamentos. Ele sorriu, sorria muito, sadicamente para mim, dizendo que devíamos ter nos encontrado na Tailândia, me culpava de ter ido “fazer” a América sem ele. Sem emoções contidas, ele sacou um Kant e um Descartes entre os muitos de seus livros, mandando-me escolher a vítima. Falou amorosamente, sem dispêndio, apenas como o juiz que delega o limite, sem crise, iríamos praticar um negócio sem orgasmo, mas, obviamente, com muito gozo. Ele chamava esta brincadeira de “coitus reservatus”, era o presente romântico dele para mim, uma vez que assim sabíamos que a criatura queimada nos perseguiria certo tempo. Não irá escolher, garota? Perguntou-me enquanto completava com um: … vois les sacrifices que nous faisons pour toi… nous t’avons donné a vie… mais qu’est-ce que j’en ai à foutre, de la vie! Riamos, era o que nos restava, fazendo assim teatro e teorema, sempre pensando, um pouco mais e mais além. Acabávamos sempre bebendo demais, falando demais, entregando-nos demais ao impossível que nos segurava ali, distantes e juntos, sempre juntos. Trop penser me font amours, dizia ele, nestas horas. Eu apenas encostava minha cabeça junto ao ombro dele, enquanto atirávamos páginas ao fogo, Kant e Descartes, eram descartados enquanto cantávamos juntos, pouco ébrios, lúcidos demais, tentando pensar em não pensar, abandonados ao nosso gesto, à nossa companhia.
Só ele para me trazer de volta ao Marrocos, mas quem resistira aquele charme. Ele era francês, mais do que isso ele era o francês. Se ele não fosse gay certamente eu teria me casado com ele, ele não teria morrido solteiro, eu não estaria aqui precisando lembrar dele assim. mas de todo não reclamo. Reclamar era o universo dele. Ele lia muito, isto eu sabia, mas também sabia o que me esperava assim que bati na porta de seu quarto de hotel. Julia, ele disse e abriu os lábios num sorriso descompromissado. Ainda bem que você veio, je suis angoissé! Ele era um amante que sempre dizia tantas coisas, ele pensava demais, talvez este fosse o problema. Ao me mostrar o quarto, não se conteve, ele tinha dessas, tout de même, ce n’est pas chic… Olhei para sobre a escrivaninha, notei, era trabalho o que o havia trazido ao norte da África mais uma vez. Enquanto ele se arrumava diante do espelho, espiei o que tinha ali. Montaigne, Proust, Picard, Racine, Freud, Adler, Queneau, Benda, tanta gente, e tantos daqueles havia conhecido por ele. Eram fantasmas que ele havia me apresentado. Naquela noite jantaríamos juntos. Então ele parou na janela, chamou-me. A proximidade com o deserto seduzia, havia um vento leve, o deserto rumorejava. Apontou-me o que vira, divisávamos uma silhueta, um garoto, um belo garoto negro numa jaqueta jeans surrada, enquanto olhávamos o garoto parou, olhou para cima, sorriu. Orland apenas me sorriu, ele tem um belo corpo, parece ter olhos inteligentes, gosto disso, olhos inteligentes. Ambos nos abraçamos, resolvemos não sair do quarto de hotel, nos perguntávamos quem queimaríamos naquela noite. Tínhamos um hábito estranho, uma vez que precisávamos pensar, sempre sacrificávamos um de nossos pensamentos. Ele sorriu, sorria muito, sadicamente para mim, dizendo que devíamos ter nos encontrado na Tailândia, me culpava de ter ido “fazer” a América sem ele. Sem emoções contidas, ele sacou um Kant e um Descartes entre os muitos de seus livros, mandando-me escolher a vítima. Falou amorosamente, sem dispêndio, apenas como o juiz que delega o limite, sem crise, iríamos praticar um negócio sem orgasmo, mas, obviamente, com muito gozo. Ele chamava esta brincadeira de “coitus reservatus”, era o presente romântico dele para mim, uma vez que assim sabíamos que a criatura queimada nos perseguiria certo tempo. Não irá escolher, garota? Perguntou-me enquanto completava com um: … vois les sacrifices que nous faisons pour toi… nous t’avons donné a vie… mais qu’est-ce que j’en ai à foutre, de la vie! Riamos, era o que nos restava, fazendo assim teatro e teorema, sempre pensando, um pouco mais e mais além. Acabávamos sempre bebendo demais, falando demais, entregando-nos demais ao impossível que nos segurava ali, distantes e juntos, sempre juntos. Trop penser me font amours, dizia ele, nestas horas. Eu apenas encostava minha cabeça junto ao ombro dele, enquanto atirávamos páginas ao fogo, Kant e Descartes, eram descartados enquanto cantávamos juntos, pouco ébrios, lúcidos demais, tentando pensar em não pensar, abandonados ao nosso gesto, à nossa companhia.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Dois copos de uísque e um cigarro
(ou bem à Tennessee Williams)
É preciso não sobreviver a lei da selva, o cowboy de calça justa e coxas salientes me repetia dizendo que o sistema era sempre o mesmo, os grandes sempre devoravam os pequenos. Enquanto eu insistia que tudo era questão de força e inteligência, ele brincava com seu chapéu ou retirava mais um cigarro e começava a tragar violentamente. Não era a primeira vez que isto me acontecia, mas eu estava armado, uma taça de champagne pode ser perigosa. O que muito me lembra algo que me aconteceu na América Latina, Brasil ou Argentina, não sei bem o lugar, não lembro o nome da bebida, mas era algo local, tropical e forte. Acabou com um garoto banhado nela. Ele era eloqüente demais para ser um simples cowboy, além do mais estava hospedado em Nova Iorque, no Hotel Elysée. Os campos elísios talvez dissessem alguma coisa, ainda mais num bar de hotel. Tocava Madonna ao fundo, ele apenas ria e dizia Hard Candy – 1954. Por onde você esteve nos últimos tempos? Ele insistia. Isto não é importante. Mas é que vejo sol em sua pele, trópicos? Pergunto… eu acabo de voltar de Key West e San Francisco, mas estava interessado em Londres. Ele falava muito, demais, com um sotaque que eu não sabia dizer de onde, perdia-me no que ele falava. Nisto chega um garoto e lhe entrega uma encomenda, abre, espio o título da coisa. Getting gay in New York. Ele então olhou para mim, sorriu, eu sou gay, mas não me disfarço de mulher. Eu sorri, não podia dizer muita coisa para ele, tinha muita luz, eu estava altamente fotofóbico. Precisava de espaço, de um pouco de ar. Ele estava incomodado, parecia, não sabia o que fazer com as mãos, repetia sem parar que as coisas não poderiam pegar ou algo que eu não entendia, alguns momentos ele falava como se falasse para si mesmo. Sabe, mulheres, travestis ou transexuais estão fora do meu entendimento, sabe. Ele insistia em querer me tocar. Posso te chamar de Candy Darling, já que não sei seu nome. Fiz um muxoxo, disse-lhe que tinha enxaqueca, que precisava pôr os óculos, mas que não precisava se incomodar, disse isto e saquei da bolsa meu Valentino que estava enrolado em um lenço de seda. Afinal… por mais estranho que fosse, com aquele jeito cavalo-feno-suor de ser, estava sendo boa companhia. Eu bebericava um champagne estranho, ele tomava uísque, tão cowboy quanto ele. Eu comia frutas cristalizadas, ele qualquer desgraça que eu sequer sabia dizer o que era, apenas que era carne. Ele se constrangia com minha maneira contida, nos seus gestos amplos. Até que me ofereceu uma troca, disse-me para experimentar sua bebida. Para mim era impossível, uísque assim. Queria que eu desse apenas um gole da bebida. Era impossível para mim beber aquilo, beber do copo de um estranho. Pediu-me então um gole da minha bebida, eu, que não podendo beber a dele, cedi. Pegou minha taça e virou-a e bebeu tudo de um gole, terminando por dizer apenas: “água, isso é água”. Não pude conter o riso, ele acabara com todo o encanto que o champagne tinha para mim em trinta segundos, até hoje quando volto a bebericar minhas taças de Crystal, não separo sua imagem de homem bruto com um largo sorriso num belo corpo. Ele disse-me para olhar as mulheres que passavam, enquanto dizia, penso em fazer uma pilhéria com o sexo feminino, aliás, eu tenho um fraco pelas mulheres, sim, você não acredita? Eu tenho um fraco sim, mas não sexualmente, se é o que você está pensando, mas como pessoas. As mulheres sempre ficam intrigadas com a graça e a classe do homem gay. Você é sempre tão difícil assim? Apenas sorri novamente e apontei a ponta do passaporte vinho aparecendo na bolsa. Ele fez um muxoxo. Estou tentando ficar um pouco mais específico contigo, entende? Você também precisa entrar na trama da peça, entende? O seu mundo da fantasia é tão superior assim ao mundo real? Eu sorri para ele, querido, um de nós dois sempre perderá no fim. Ele abriu os dois olhos grandes de lobo e respondeu me mandando ler Tchecov, um mundo triste, perdido, vivendo para um futuro que viria depois de sua morte, porque um dia as coisas seriam melhores, muito melhores, só que as coisas não foram melhores, ficaram ainda mais reacionárias. As coisas se tornaram uma burocracia, uma burocracia monolítica. Eu simplesmente não sabia onde ele queria chegar com isso, mas que era divertido um cowboy, de barba mal-feita com seus um metro e noventa de boa forma, citando um autor russo, ah, isso era altamente intrigante. Você conhece Gogol, me perguntou? Tive de dizer que não, sorrindo, ele sorriu e escreveu num pedaço de papel me mandando procurar algo também de Nokolai Gogol, mas me pedindo para evitar Pirandello, dado que ele não se prestava a tradução e poucas coisas dele podiam ser lidas. Eu não consigo, disse-me, talvez você, com todo seu camp, consiga. Ele era charmoso, isso era inegável, mas relógios são sempre implacáveis. Fiz um sinal a Kilroy, que assentiu com cabeça, meu táxi já estava me aguardando. Pedi desculpas a ele, agradeci pela companhia. Ele me olhava atônito, quando me perguntou se não ganharia nem sequer um beijo. Eu disse que isto era fácil de resolver. Chamei o garçom, paguei minha bebida pedindo para assim que eu saísse entregasse uma garrafa de champagne ao cowboy, com um bilhete manuscrito que dizia, “talvez aqui, além da água, encontre um beijo meu, se me descobrir devagar numa taça”. Agradeci pela companhia, disse-lhe que apenas esperava as horas passarem para meu vôo, bem como meu táxi já me esperava, era meu último dia em Nova Iorque, não haveria muito o que fazer, dei-lhe meu endereço, sorriu num sorriso torto, prometeu que escreveria, bem como acabou escrevendo. Na despedida, dei-lhe um beijo no rosto, de dentro do táxi apenas acenei e gritei до свидания. Até hoje eu não sei o que ele pensa dos champagnes.
É preciso não sobreviver a lei da selva, o cowboy de calça justa e coxas salientes me repetia dizendo que o sistema era sempre o mesmo, os grandes sempre devoravam os pequenos. Enquanto eu insistia que tudo era questão de força e inteligência, ele brincava com seu chapéu ou retirava mais um cigarro e começava a tragar violentamente. Não era a primeira vez que isto me acontecia, mas eu estava armado, uma taça de champagne pode ser perigosa. O que muito me lembra algo que me aconteceu na América Latina, Brasil ou Argentina, não sei bem o lugar, não lembro o nome da bebida, mas era algo local, tropical e forte. Acabou com um garoto banhado nela. Ele era eloqüente demais para ser um simples cowboy, além do mais estava hospedado em Nova Iorque, no Hotel Elysée. Os campos elísios talvez dissessem alguma coisa, ainda mais num bar de hotel. Tocava Madonna ao fundo, ele apenas ria e dizia Hard Candy – 1954. Por onde você esteve nos últimos tempos? Ele insistia. Isto não é importante. Mas é que vejo sol em sua pele, trópicos? Pergunto… eu acabo de voltar de Key West e San Francisco, mas estava interessado em Londres. Ele falava muito, demais, com um sotaque que eu não sabia dizer de onde, perdia-me no que ele falava. Nisto chega um garoto e lhe entrega uma encomenda, abre, espio o título da coisa. Getting gay in New York. Ele então olhou para mim, sorriu, eu sou gay, mas não me disfarço de mulher. Eu sorri, não podia dizer muita coisa para ele, tinha muita luz, eu estava altamente fotofóbico. Precisava de espaço, de um pouco de ar. Ele estava incomodado, parecia, não sabia o que fazer com as mãos, repetia sem parar que as coisas não poderiam pegar ou algo que eu não entendia, alguns momentos ele falava como se falasse para si mesmo. Sabe, mulheres, travestis ou transexuais estão fora do meu entendimento, sabe. Ele insistia em querer me tocar. Posso te chamar de Candy Darling, já que não sei seu nome. Fiz um muxoxo, disse-lhe que tinha enxaqueca, que precisava pôr os óculos, mas que não precisava se incomodar, disse isto e saquei da bolsa meu Valentino que estava enrolado em um lenço de seda. Afinal… por mais estranho que fosse, com aquele jeito cavalo-feno-suor de ser, estava sendo boa companhia. Eu bebericava um champagne estranho, ele tomava uísque, tão cowboy quanto ele. Eu comia frutas cristalizadas, ele qualquer desgraça que eu sequer sabia dizer o que era, apenas que era carne. Ele se constrangia com minha maneira contida, nos seus gestos amplos. Até que me ofereceu uma troca, disse-me para experimentar sua bebida. Para mim era impossível, uísque assim. Queria que eu desse apenas um gole da bebida. Era impossível para mim beber aquilo, beber do copo de um estranho. Pediu-me então um gole da minha bebida, eu, que não podendo beber a dele, cedi. Pegou minha taça e virou-a e bebeu tudo de um gole, terminando por dizer apenas: “água, isso é água”. Não pude conter o riso, ele acabara com todo o encanto que o champagne tinha para mim em trinta segundos, até hoje quando volto a bebericar minhas taças de Crystal, não separo sua imagem de homem bruto com um largo sorriso num belo corpo. Ele disse-me para olhar as mulheres que passavam, enquanto dizia, penso em fazer uma pilhéria com o sexo feminino, aliás, eu tenho um fraco pelas mulheres, sim, você não acredita? Eu tenho um fraco sim, mas não sexualmente, se é o que você está pensando, mas como pessoas. As mulheres sempre ficam intrigadas com a graça e a classe do homem gay. Você é sempre tão difícil assim? Apenas sorri novamente e apontei a ponta do passaporte vinho aparecendo na bolsa. Ele fez um muxoxo. Estou tentando ficar um pouco mais específico contigo, entende? Você também precisa entrar na trama da peça, entende? O seu mundo da fantasia é tão superior assim ao mundo real? Eu sorri para ele, querido, um de nós dois sempre perderá no fim. Ele abriu os dois olhos grandes de lobo e respondeu me mandando ler Tchecov, um mundo triste, perdido, vivendo para um futuro que viria depois de sua morte, porque um dia as coisas seriam melhores, muito melhores, só que as coisas não foram melhores, ficaram ainda mais reacionárias. As coisas se tornaram uma burocracia, uma burocracia monolítica. Eu simplesmente não sabia onde ele queria chegar com isso, mas que era divertido um cowboy, de barba mal-feita com seus um metro e noventa de boa forma, citando um autor russo, ah, isso era altamente intrigante. Você conhece Gogol, me perguntou? Tive de dizer que não, sorrindo, ele sorriu e escreveu num pedaço de papel me mandando procurar algo também de Nokolai Gogol, mas me pedindo para evitar Pirandello, dado que ele não se prestava a tradução e poucas coisas dele podiam ser lidas. Eu não consigo, disse-me, talvez você, com todo seu camp, consiga. Ele era charmoso, isso era inegável, mas relógios são sempre implacáveis. Fiz um sinal a Kilroy, que assentiu com cabeça, meu táxi já estava me aguardando. Pedi desculpas a ele, agradeci pela companhia. Ele me olhava atônito, quando me perguntou se não ganharia nem sequer um beijo. Eu disse que isto era fácil de resolver. Chamei o garçom, paguei minha bebida pedindo para assim que eu saísse entregasse uma garrafa de champagne ao cowboy, com um bilhete manuscrito que dizia, “talvez aqui, além da água, encontre um beijo meu, se me descobrir devagar numa taça”. Agradeci pela companhia, disse-lhe que apenas esperava as horas passarem para meu vôo, bem como meu táxi já me esperava, era meu último dia em Nova Iorque, não haveria muito o que fazer, dei-lhe meu endereço, sorriu num sorriso torto, prometeu que escreveria, bem como acabou escrevendo. Na despedida, dei-lhe um beijo no rosto, de dentro do táxi apenas acenei e gritei до свидания. Até hoje eu não sei o que ele pensa dos champagnes.
terça-feira, 25 de maio de 2010
A realidade sanduíche
(Ou bem à Allen Ginsberg)
Ele lia calmamente seu New York Times - 1952. Beat Generation. Queria o corpo de Jack, mas Jack não dava, ligava para Phil, que também queria Jack, mas não queria a ele, Giovanne. Assim sempre restavam Gary e Gregory. Vivia na cidade das luzes e, vivia de bebida e ar, quando dava tempo. Não sei como Lawrence, sempre que o via, enfiava-se nas suas barbas longas. Se dizia um grande herói másculo, ao invés de judeu, bicha e comunista. Eu tinha que me cuidar, ele dizia também gostar de garotas. No corredor, The Doors gritava alucinadamente. Volte-e-meia dizia que precisava ligar para a mãe, nestes dias é que conversávamos. Como ela, ele acreditava que o mundo conspirava, mas diferente dela era a seu favor. A única vez que fui a sua casa o que encontrei, além de milhões de garotos nus e bêbados espalhados pelo corredor, com tatuagens estranhas, q ue descobri significar “filósofo de alma selvagem”. A ordem do dia era drogas, sexo e literatura. Ele sempre queria me levar aos bares de Greenwich Village, eu sempre me imaginei indo. Uma mulher com 1,75 de altura, armada de saltos, certamente passaria por um travesti. Ou não. Os travestis da área sempre eram mais mulheres, ou ao menos, mais gostosas do que eu seria. Ambos tínhamos assumido um estilo de vida bizarro, porém, Giovanne só piorou quando teve de internar a mãe e, com isso, quase acabou indo junto. Ele escrevia muito, muito, raramente deixava eu ver seus cadernos. Tudo era considerado por muitos, obsceno e pornográfico, assim como o seu autor. Eu e ele combinávamos fazer um picadinho de macho. Quanto, enfim eu tive de viajar à trabalho, fazia-me intelectual enquanto ele se vazia vivo, perdemos o contato, quando eu voltei ele estava já com D. John. Seriam três décadas calmas, de cafés e chás, eles no cogumelo hippie, eu apenas tentando algo sempre além. Sem exorcismos. Ambos eram altamente caçadores, eu me sentia uma lebre inofensiva perto deles, eles conseguiam fazer com todos os homens diante de mim sempre fossem gays. Eu nunca encontrei um que sobrevivesse aos olhos azuis de um, ou aos verdes do outro. Quando descobriram o LSD, foi a mágica do milênio. Virada para qual ele não sobreviveu, não resistiu e se deixou ser devorado por Nova Iorque. Quanto a mim, ainda sigo virando a ampulheta, sabendo os nomes que ele me deixou, Timothy e seus movimentos, antiquado como sempre, nunca fazia sentido. Sempre que ouço A Feast Of Friends, lembro de Jim me dizendo que eu era uma mulher-travesti, alucinando que eu seria uma cigana húngara, por detrás de meus olhos violetas e do cabelo ruivo, que jamais se casaria. Nada mais divertido do que lembrar Paul e Nick discutindo se eu realmente era mulher e pedindo para apertar meus seios. Eu os mandava sempre de volta para seu gueto. Iam, que era um pouco Cult, dizia a Joe que meus joelhos eram mais bonitos que minha cara. Eu acompanhava a corja. Se eu tivesse jogado os dados, quem sabe tivesse tirado 18. Ou mais pontos.
Ele lia calmamente seu New York Times - 1952. Beat Generation. Queria o corpo de Jack, mas Jack não dava, ligava para Phil, que também queria Jack, mas não queria a ele, Giovanne. Assim sempre restavam Gary e Gregory. Vivia na cidade das luzes e, vivia de bebida e ar, quando dava tempo. Não sei como Lawrence, sempre que o via, enfiava-se nas suas barbas longas. Se dizia um grande herói másculo, ao invés de judeu, bicha e comunista. Eu tinha que me cuidar, ele dizia também gostar de garotas. No corredor, The Doors gritava alucinadamente. Volte-e-meia dizia que precisava ligar para a mãe, nestes dias é que conversávamos. Como ela, ele acreditava que o mundo conspirava, mas diferente dela era a seu favor. A única vez que fui a sua casa o que encontrei, além de milhões de garotos nus e bêbados espalhados pelo corredor, com tatuagens estranhas, q ue descobri significar “filósofo de alma selvagem”. A ordem do dia era drogas, sexo e literatura. Ele sempre queria me levar aos bares de Greenwich Village, eu sempre me imaginei indo. Uma mulher com 1,75 de altura, armada de saltos, certamente passaria por um travesti. Ou não. Os travestis da área sempre eram mais mulheres, ou ao menos, mais gostosas do que eu seria. Ambos tínhamos assumido um estilo de vida bizarro, porém, Giovanne só piorou quando teve de internar a mãe e, com isso, quase acabou indo junto. Ele escrevia muito, muito, raramente deixava eu ver seus cadernos. Tudo era considerado por muitos, obsceno e pornográfico, assim como o seu autor. Eu e ele combinávamos fazer um picadinho de macho. Quanto, enfim eu tive de viajar à trabalho, fazia-me intelectual enquanto ele se vazia vivo, perdemos o contato, quando eu voltei ele estava já com D. John. Seriam três décadas calmas, de cafés e chás, eles no cogumelo hippie, eu apenas tentando algo sempre além. Sem exorcismos. Ambos eram altamente caçadores, eu me sentia uma lebre inofensiva perto deles, eles conseguiam fazer com todos os homens diante de mim sempre fossem gays. Eu nunca encontrei um que sobrevivesse aos olhos azuis de um, ou aos verdes do outro. Quando descobriram o LSD, foi a mágica do milênio. Virada para qual ele não sobreviveu, não resistiu e se deixou ser devorado por Nova Iorque. Quanto a mim, ainda sigo virando a ampulheta, sabendo os nomes que ele me deixou, Timothy e seus movimentos, antiquado como sempre, nunca fazia sentido. Sempre que ouço A Feast Of Friends, lembro de Jim me dizendo que eu era uma mulher-travesti, alucinando que eu seria uma cigana húngara, por detrás de meus olhos violetas e do cabelo ruivo, que jamais se casaria. Nada mais divertido do que lembrar Paul e Nick discutindo se eu realmente era mulher e pedindo para apertar meus seios. Eu os mandava sempre de volta para seu gueto. Iam, que era um pouco Cult, dizia a Joe que meus joelhos eram mais bonitos que minha cara. Eu acompanhava a corja. Se eu tivesse jogado os dados, quem sabe tivesse tirado 18. Ou mais pontos.
A máquina de escrever e calcular
(Ou bem à Willian Burroughs)
A moça de salto e saia curta girou nos calcanhares, os cabelos voaram. Era meu reflexo no espelho do corredor. Levava sempre às últimas conseqüências aquela impressão. Eu precisava encontrar um garoto selvagem para ele aquela noite. Secretária de diplomata, segurava as pontas enquanto (ele) dava. Sempre mentindo, entre México e África do Norte. Mentindo que mentia. Ele geralmente encontrava garotos e ficava com eles, enquanto estivesse por perto. Lawrence e Roger insistiam em dizer que eu era uma versão feminina de Lúcifer e que no fundo ele tinha vendido a alma a mim. Mentira deslavada, e eu sempre odiava voltar ao Japão, lugar que ele preferia a Londres. Muito mais fácil. Era sempre eu que apagava os rastros. Odiava ir chamá-lo de manhã e encontrá-lo nu, ele insistia em balançar a genitália para mim, respirava fundo, e olhava para ele dizendo que não estava nas minhas mãos mudar a economia do Marrocos e que se ele não se comportasse teria que ir sozinho à Mônaco para o casamento de Caroline. Se não fosse obrigado a usar terno, ele seria junkie, como os meninos que procurava. Era extravagante. Ele invocava em se dizer árabe no momento oportuno, dizia, que não havia palavra naquela língua para fidelidade. Eu não sabia dizer o quanto isso era verdade. Frisava que os árabes eram mais tolerantes do que se pensava. Todo o blábláblá de Peter girava num repeteco de establishment, establishment. Eu encarnava a censura para ele. Ele adorava lembrar quando Ginsberg “deu bafão” e contou na frente da galera como masturbou Orlovsky, dizia que faria melhor, e descrevia os movimentos que faria com a língua. Isso quando não sacava minha caneta e começava a chupá-la vigorosamente, parando apenas quando eu o ameaçava de salto em punho. Nos momentos em que o mandava trabalhar insistia num axioma de sua alta filosofia que servia para tudo: “Tudo é ilusão. Mas as ilusões têm a tendência de se fazerem tão reais quanto possível, o que é fácil de compreender. De outro modo, não teriam saída”. Diante de mim sua retórica se fazia irônica, nada de pau ou boquete. Vocabulário que ele dominava para suas fugas, de mim, para investidas noturnas independentes, o que me fazia perder a noite em guetos e cuidando dos paparazzi. Eu insistia em dizer para ele que era estupidez se deixar obcecar, seja pelo que for. No fundo riamos junto, com um teatrinho bicha dele, fazendo-se de “não entendido”: “oh, ninguém sabe nada a meu respeito. Meu caro, todo mundo, mas todo mundo, sabe tudo a seu respeito”. E que odiava mulheres e que só me mantinha por perto porque eu era o pior elemento da corja. E abria uma gargalhada sem classe alguma. Eram aqueles os sinais contraditórios de sua angústia, principalmente quando vinha se desculpar por ser gay, dizendo que os ensinamentos de São Paulo são hoje letra morta e inoperante. Mortos desde que a pílula separou o prazer sexual da reprodução. Mortos desde o controle de natalidade. Eu sempre odiei comiseração, mas ele tinha demências costumazes, como comemorar o 3 de dezembro como um aniversário, e contava, desde 73 a idade de sua “loucura”. Ele sempre quis saber o que me excitava, mas eu dizia apenas para ele calar a boca e não pensar nisto. Afinal, entre minhas rendas e meus leques, os meus perfumes faziam a mágica. De resto eu dizia para ele que sexo e riso eram incompatíveis e que ele ria para comprar as pessoas, enquanto ele sempre retrucava com o fato de que o valor do dinheiro esta no fato de que algumas pessoas não tem nenhum. Ele era dado a imagens fatídicas, desculpando-se por seu prazer, reiterava que no fundo sempre preferia o coito anal, dizia que era a coisa mais racional que duas pessoas poderiam fazer juntas, muito mais preferível do que a fellatio. Chupar um pênis era uma coisa suja, não obstante completava que o prazer era o que importava e que raramente pensava nisso diante de uma delicinha. E ria. Tentando me chocar. Não obstante eu sempre me vingava e, no meu tailleur negro, com cara rainha superiora o assustava sempre que teria de receber Anita Bryant e sempre lhe delegava funções e dizia, como súcubo despretensiosa, que ele só ganharia o “presente” da noite, caso despachasse todas as funções. Era tudo questão de explosão aritmética. Eu sempre fui démodé. Já ele…
A moça de salto e saia curta girou nos calcanhares, os cabelos voaram. Era meu reflexo no espelho do corredor. Levava sempre às últimas conseqüências aquela impressão. Eu precisava encontrar um garoto selvagem para ele aquela noite. Secretária de diplomata, segurava as pontas enquanto (ele) dava. Sempre mentindo, entre México e África do Norte. Mentindo que mentia. Ele geralmente encontrava garotos e ficava com eles, enquanto estivesse por perto. Lawrence e Roger insistiam em dizer que eu era uma versão feminina de Lúcifer e que no fundo ele tinha vendido a alma a mim. Mentira deslavada, e eu sempre odiava voltar ao Japão, lugar que ele preferia a Londres. Muito mais fácil. Era sempre eu que apagava os rastros. Odiava ir chamá-lo de manhã e encontrá-lo nu, ele insistia em balançar a genitália para mim, respirava fundo, e olhava para ele dizendo que não estava nas minhas mãos mudar a economia do Marrocos e que se ele não se comportasse teria que ir sozinho à Mônaco para o casamento de Caroline. Se não fosse obrigado a usar terno, ele seria junkie, como os meninos que procurava. Era extravagante. Ele invocava em se dizer árabe no momento oportuno, dizia, que não havia palavra naquela língua para fidelidade. Eu não sabia dizer o quanto isso era verdade. Frisava que os árabes eram mais tolerantes do que se pensava. Todo o blábláblá de Peter girava num repeteco de establishment, establishment. Eu encarnava a censura para ele. Ele adorava lembrar quando Ginsberg “deu bafão” e contou na frente da galera como masturbou Orlovsky, dizia que faria melhor, e descrevia os movimentos que faria com a língua. Isso quando não sacava minha caneta e começava a chupá-la vigorosamente, parando apenas quando eu o ameaçava de salto em punho. Nos momentos em que o mandava trabalhar insistia num axioma de sua alta filosofia que servia para tudo: “Tudo é ilusão. Mas as ilusões têm a tendência de se fazerem tão reais quanto possível, o que é fácil de compreender. De outro modo, não teriam saída”. Diante de mim sua retórica se fazia irônica, nada de pau ou boquete. Vocabulário que ele dominava para suas fugas, de mim, para investidas noturnas independentes, o que me fazia perder a noite em guetos e cuidando dos paparazzi. Eu insistia em dizer para ele que era estupidez se deixar obcecar, seja pelo que for. No fundo riamos junto, com um teatrinho bicha dele, fazendo-se de “não entendido”: “oh, ninguém sabe nada a meu respeito. Meu caro, todo mundo, mas todo mundo, sabe tudo a seu respeito”. E que odiava mulheres e que só me mantinha por perto porque eu era o pior elemento da corja. E abria uma gargalhada sem classe alguma. Eram aqueles os sinais contraditórios de sua angústia, principalmente quando vinha se desculpar por ser gay, dizendo que os ensinamentos de São Paulo são hoje letra morta e inoperante. Mortos desde que a pílula separou o prazer sexual da reprodução. Mortos desde o controle de natalidade. Eu sempre odiei comiseração, mas ele tinha demências costumazes, como comemorar o 3 de dezembro como um aniversário, e contava, desde 73 a idade de sua “loucura”. Ele sempre quis saber o que me excitava, mas eu dizia apenas para ele calar a boca e não pensar nisto. Afinal, entre minhas rendas e meus leques, os meus perfumes faziam a mágica. De resto eu dizia para ele que sexo e riso eram incompatíveis e que ele ria para comprar as pessoas, enquanto ele sempre retrucava com o fato de que o valor do dinheiro esta no fato de que algumas pessoas não tem nenhum. Ele era dado a imagens fatídicas, desculpando-se por seu prazer, reiterava que no fundo sempre preferia o coito anal, dizia que era a coisa mais racional que duas pessoas poderiam fazer juntas, muito mais preferível do que a fellatio. Chupar um pênis era uma coisa suja, não obstante completava que o prazer era o que importava e que raramente pensava nisso diante de uma delicinha. E ria. Tentando me chocar. Não obstante eu sempre me vingava e, no meu tailleur negro, com cara rainha superiora o assustava sempre que teria de receber Anita Bryant e sempre lhe delegava funções e dizia, como súcubo despretensiosa, que ele só ganharia o “presente” da noite, caso despachasse todas as funções. Era tudo questão de explosão aritmética. Eu sempre fui démodé. Já ele…
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Algumas amizades particulares
"Ou bem à Roger Peyrefitte"
Recebi também, como ele, um telegrama com uma fita negra. “Retornar a Paris. Urgente. Incidentes.” Deixou Atenas apenas com uma valise. Os meninos que deixou para trás sequer lembrava os nomes, como nunca lembrava onde os achava. Sabia o que fazia com eles. Escreveu a Jean e Henri dizendo que meu sistema era impenetrável como um cerco a Jerusalém, talvez quisesse colocar alguma metáfora sexual ali, coisa que sempre fazia, mas nunca entendi o porquê de escolher Jerusalém. Talvez fosse pelo fetiche que alimentava pelos Cavaleiros de Malta. Lembro-me quando o Sr. Gunn pediu-me para falar dele, eu só lembrava de seus óculos fundos, de sua sopa de inglês-francês. Que nada… Eu tinha que repetir para ele o fato de que, querendo ou não, concordando ou não, tudo o que era gay me dizia respeito. Eu lembro dele em Ardouane, ainda na escola, arrogante como sempre e não sabia sequer diferenciar Montaigne de Rousseau. Meu futuro foi quase ser padre, se a companhia dele não me estragasse tanto. Dizia que tudo o que era gay era bom e, assim, nada impuro. Uma educação moral, afirmava. O curso secundário. As cadeiras. Ele insistia para que eu fosse brincar em Versalhes, repito isso há mais de cinqüenta anos, era insuportavelmente pouco diplomático. Eu odiava aquelas perguntas. Ele era muito século XVIII. Eu era Paris demais, século XVI demais. Ele era Arentino, e tantas e tantas vezes se fingia de italiano e dizia que se chamava Pietro. Quando foi para Bervely Hills, nunca mais soube direito o que acontecia. Ele era gato manhoso de meias palavras comigo. Mas sabia do problema, o livro que escrevera. Alain insistia em dizer para ele: “Jacques, o senhor precisa procurar o ministro da justiça e pedir sanções legais. Porque é uma história verdadeira e não uma obra de ficção”, eu apenas bebericava meus vinhos finos e assinava algumas cartas. Olhava para eles e insistia: “Bovary, c’est moi!”. E tinha de rir. Jacques adorava se meter com jovenzinhos ainda imberbes, falando de suas peles doces, de suas coxas torneadas, do cheiro rosa recém saído da infância. Dizia-se também grego, mas dizia tanta coisa. Sempre que me enviava um ou outro postal estes vinham recheados de John, Peter, whatever… sempre com o mesmo p.s: “mas talvez dentro alguns anos não me agrade mais, ficará peludo, cabeludo…”. Sempre a mesma coisa. Ele se consolava escrevendo e saindo às ruas, encontrando seus garotinhos, eu me afundava nos meus livros, nos pincéis, no violino. Ele queria Berkeley em 65, Paris em 68. Nestes momentos eu me contentaria com Firenze nos 1500. Mas ao menos nos refinamentos, nos muitos talheres e muitas taças, no menù refinado à mesa, dado que á cama ele era pouco seleto, concordávamos. Nada de “sex and crime”. Ele dizia que sexo era bom, eu esperava sempre mais e nem era do sexo. Crime já era demais, quase um estupro, pra ambos. Não gostava de sangue em cena. Mas ficava aí, ele fazia de mim aquele lugar impossível, era a musa que sabia, ele precisava fazer de conta que eu me interessava pelas coxas dele em outras coxas. Era uma idéia generosa. Ele queria fazer-se imagem do escritor gay, eu queria apenas ser um pouco mais humano. E talvez ele fosse gay demais e, eu, humano excessivamente. Neste turno, diferente do retorno dele, o meu retorno à Paris, foi por ele, para um último réquiem.
Recebi também, como ele, um telegrama com uma fita negra. “Retornar a Paris. Urgente. Incidentes.” Deixou Atenas apenas com uma valise. Os meninos que deixou para trás sequer lembrava os nomes, como nunca lembrava onde os achava. Sabia o que fazia com eles. Escreveu a Jean e Henri dizendo que meu sistema era impenetrável como um cerco a Jerusalém, talvez quisesse colocar alguma metáfora sexual ali, coisa que sempre fazia, mas nunca entendi o porquê de escolher Jerusalém. Talvez fosse pelo fetiche que alimentava pelos Cavaleiros de Malta. Lembro-me quando o Sr. Gunn pediu-me para falar dele, eu só lembrava de seus óculos fundos, de sua sopa de inglês-francês. Que nada… Eu tinha que repetir para ele o fato de que, querendo ou não, concordando ou não, tudo o que era gay me dizia respeito. Eu lembro dele em Ardouane, ainda na escola, arrogante como sempre e não sabia sequer diferenciar Montaigne de Rousseau. Meu futuro foi quase ser padre, se a companhia dele não me estragasse tanto. Dizia que tudo o que era gay era bom e, assim, nada impuro. Uma educação moral, afirmava. O curso secundário. As cadeiras. Ele insistia para que eu fosse brincar em Versalhes, repito isso há mais de cinqüenta anos, era insuportavelmente pouco diplomático. Eu odiava aquelas perguntas. Ele era muito século XVIII. Eu era Paris demais, século XVI demais. Ele era Arentino, e tantas e tantas vezes se fingia de italiano e dizia que se chamava Pietro. Quando foi para Bervely Hills, nunca mais soube direito o que acontecia. Ele era gato manhoso de meias palavras comigo. Mas sabia do problema, o livro que escrevera. Alain insistia em dizer para ele: “Jacques, o senhor precisa procurar o ministro da justiça e pedir sanções legais. Porque é uma história verdadeira e não uma obra de ficção”, eu apenas bebericava meus vinhos finos e assinava algumas cartas. Olhava para eles e insistia: “Bovary, c’est moi!”. E tinha de rir. Jacques adorava se meter com jovenzinhos ainda imberbes, falando de suas peles doces, de suas coxas torneadas, do cheiro rosa recém saído da infância. Dizia-se também grego, mas dizia tanta coisa. Sempre que me enviava um ou outro postal estes vinham recheados de John, Peter, whatever… sempre com o mesmo p.s: “mas talvez dentro alguns anos não me agrade mais, ficará peludo, cabeludo…”. Sempre a mesma coisa. Ele se consolava escrevendo e saindo às ruas, encontrando seus garotinhos, eu me afundava nos meus livros, nos pincéis, no violino. Ele queria Berkeley em 65, Paris em 68. Nestes momentos eu me contentaria com Firenze nos 1500. Mas ao menos nos refinamentos, nos muitos talheres e muitas taças, no menù refinado à mesa, dado que á cama ele era pouco seleto, concordávamos. Nada de “sex and crime”. Ele dizia que sexo era bom, eu esperava sempre mais e nem era do sexo. Crime já era demais, quase um estupro, pra ambos. Não gostava de sangue em cena. Mas ficava aí, ele fazia de mim aquele lugar impossível, era a musa que sabia, ele precisava fazer de conta que eu me interessava pelas coxas dele em outras coxas. Era uma idéia generosa. Ele queria fazer-se imagem do escritor gay, eu queria apenas ser um pouco mais humano. E talvez ele fosse gay demais e, eu, humano excessivamente. Neste turno, diferente do retorno dele, o meu retorno à Paris, foi por ele, para um último réquiem.
Uma dança
(pr’o Rafz)
Diante do céu limpo e estrelado, Oyá, a menina dos olhos de Oxalá, dança com o rosto coberto diante dos olhos daqueles que ela abandonou, os olhos escuros prendendo o seu segredo jamais desvendado. Xangô com Oxum, perfumando os rios, apenas entrevê no seu espelho a tempestade que virá. Com seus segredos, Ifá sussura os mistérios da deusa, rainha das trevas. Oxalá apenas impede que a batalha se forme na dança, clareando o amplo do mato, do terreno batido. As mãos batendo os tambores apenas esperam o céu clarear. Exu fora da casa controla os cantos da mata, ali na beirada do rio, na beirada do mar, ali no portão, bebendo devagar observando desperto e esperto na escuta. Moedas ciganas caem, crianças percorrem o salão erguendo as saias das mais belas. O vento insiste ao longe. Ogum balança a balança, a mão forte ergue mais estrelas para iluminar o passo largo da dança. E gira, não tem sede dos rios. Abre os nove braços para o desconhecido.
Diante do céu limpo e estrelado, Oyá, a menina dos olhos de Oxalá, dança com o rosto coberto diante dos olhos daqueles que ela abandonou, os olhos escuros prendendo o seu segredo jamais desvendado. Xangô com Oxum, perfumando os rios, apenas entrevê no seu espelho a tempestade que virá. Com seus segredos, Ifá sussura os mistérios da deusa, rainha das trevas. Oxalá apenas impede que a batalha se forme na dança, clareando o amplo do mato, do terreno batido. As mãos batendo os tambores apenas esperam o céu clarear. Exu fora da casa controla os cantos da mata, ali na beirada do rio, na beirada do mar, ali no portão, bebendo devagar observando desperto e esperto na escuta. Moedas ciganas caem, crianças percorrem o salão erguendo as saias das mais belas. O vento insiste ao longe. Ogum balança a balança, a mão forte ergue mais estrelas para iluminar o passo largo da dança. E gira, não tem sede dos rios. Abre os nove braços para o desconhecido.
Um romance em meia-boca
“para ou por um amor, sempre platônico”.
(certa e novamente para Andrea, que possui as chaves)
Chuva. Sempre chove nesta cidade nesta época do ano, por isso tenho certeza que também chovia naquele dia. Talvez não chovesse lá fora tanto quanto chovia dentro de mim. O que se afogava em mim era aquilo que não poderia ser visto. Eu te via, de longe, sempre de longe. Uma vez, uma primeira vez e isto apenas, você me viu. Não sorriu para mim. Não me viu de todo. Eu comprara a “Estrela da Vida Inteira”, você sabe, ou deveria, é Bandeira, Manuel Bandeira. Acho que dou muita bandeira, ou talvez não. Ainda não li tudo, nem este livro e nem muitos outros. Isto talvez não importe. Poucas vezes passei de 1945. Vezes menores ainda cheguei a 2010, ano em que te encontraria. “Minh’alma sofre e sonha e goza”, é um verso grifado naquele livro que você tocou. “suba em flor teu cantar nicaragüense”, diz o último verso, da última página, ao contrário do primeiro que em flor, não diz, mas se faz bem-nascido. Se eu desisto não é por te desejar apenas imagem, mas por que é nesta imagem que eu me assombro. As tuas pilhas e pilhas de livros e as minhas pilhas e pilhas de livros não se confundem. Os meus são referências, os teus, minhas futuras referências, ou não. Eu creio ter anotado a data, na capa do livro, coisa que sempre faço. (Oito de Abril). Livro que foi a São Paulo comigo, e voltou, não deveria ter voltado, talvez devesse ter ido ao Rio. Eu sei o porquê eu fui a São Paulo e nem foi por versos outros, papéis outros. Um tentativa talvez de dar corpo a imagem. Quando fui, já não existia para ti, bem como a maneira que existiria para mim era outra. Agora, entre lenços de papel e um nariz que também insiste em chover, de uma outra maneira certamente, mas chove, a chuva que alaga os veios e veias, as rugas, preenchendo os espaços, a água também sabe fazer o deserto. Você nem sabe que eu existo. As sombras da minha parede fazem cinema, por isso escrevo um diário. A liteira que ando mudará de nome, o pacto é com o diabo. As almas se vendem facilmente, mas o que vender quando não se tem alma? Como barganhar com Mefistófeles? Talvez um postal anônimo, talvez um esquecimento, mas não sei. Sei apenas observar, à distância, muitos livros acima, detrás dos óculos, você e eu. Não uso mais os meus. Para que olhos quando se é todo pele. Pele esticada sobre a armação frágil do impossível de mim. Eu não sei do que dói em ti, ou como as coisas poderiam doer em ti. Talvez nada doa. Por sensível as dores, no meu mundo sépia, procuro entender as coisas através de suas pontas cortantes. É importante? Não sei. Eu preciso assuar o nariz. Um espirro tão fortuito e tão além dos lances de dados. Se talvez eu listasse em meu banquete os meus fantasmas, quais deles você reconheceria? Entre quais deles você se sentaria? Derrida apreensivo vê nas fumaças a sua própria indiferença. Deleuze entre um pensamento além e um copo a mais, dobra na vista turva o eu e não se conhece. Em que espelho estará Lacan? Eu ouço, na noite, e nem é madrugada ainda, uma criança que chora. Preciso dizer os outros nomes para enganar e esganar o que por força queria dizer e não quero. Alguém, em algum lugar, disse-me que qualquer um escreve dois parágrafos, mas não são todos que lêem dois parágrafos. Não sei a importância disto ainda. Talvez nem venha a saber. Não importa no final. Chove sempre do mesmo jeito, molhando as referências, mofando os livros. Bartleby é uma flor aberta em musgo e hera no centro da minha biblioteca. Só me resta sempre jogar o mesmo jogo diferente: strip-poker com Madame Bovary. Que rir primeiro será o perdedor, mas eu sempre espero ser o segundo e também sempre perco. Preciso abrir minhas notas, descobrir o que fazer com elas. Meus pincéis estão jogados. Eu queria poder entrar no jogo, no circuito da vida. Ali, para além da janela, mas ao mesmo tempo quem precisa estar na rua quando se pode observá-la daqui, da minha janela, da bancada onde insisto em escrever. Corro, quem sabe, mais perigos aqui do que lá. Meus fantasmas estão sempre com fome. É preciso sempre alimentá-los com páginas e mais páginas de furor. Isto no fundo é mais para eles do que para ti, mas o que é isto? Isto que sobrevive como um rosto pintado em aquarela, como uma futura estampa para uma camiseta. Eu nem queria isto de apertar os meus parafusos. “Segura o hashi direito, garota, terei de alimentar na boca?”. Como fazer da cena um alexandrino perfeito? Se/gu/ra o/ha/shi/di/rei/to,/ga/rota. Quase. O murmúrio abre os leques misteriosos enquanto uma gueixa, que ironicamente eu poderia grafar como gayxa, pinta os olhos, alonga os cílios, para entrar no espelho, atravessando o palco, saindo do espetáculo com as mãos vazias e os bolsos repletos de moedas falsas. Na descida do palco recebe um bouquet de flores murchas. A fumaça de ópio preenche o lugar. Note-se que a inundação de palavras engoliu a chuva. A dor se fez e se foi, ralo abaixo. Talvez se encontre em algum bueiro marginal. Mas é preciso sempre retornar. E nem sequer saí desta cama onde os espasmos românticos, tão tísico e tão sem lirismo, tão pulmão saltitante e sem santidade me prendem. Talvez pudesse escrever da morte que é vermelha e futura e que se abre em coxas e se marca, como cinta-liga, na pele. Você, já decifrou o crime de Minha Pele Marcada? O Te Deum que toca fecha minhas portas. Minha trilha sonora é sempre aleatória. Qual a música de agora? Eu não sei se você, tanto quanto eu, agüenta os violinos como navalhas nos pulsos. O meu chá está quase acabando. Terei de passar do Earl Gray para a coca-cola. Quem disse que não se pode? O meu suéter azul surrado jogado a um canto implica comigo. Quando der, definitivamente, meia-noite eu paro. Sei que até lá ninguém irá me procurar. Eu pauso os dramas. E sempre preciso de um fundo-do-poço mais fundo. Talvez eu pudesse falar da morte vermelha que me aguarda. Como ver o vermelho neste meu caderno em que todas as cores foram arrancadas da tela? Traços de Leonardo, Miguel Angelo e mais alguém sem nome. Talvez eu pudesse falar de seus traços orientais e kamikazes. Ou de seu jeito latino. De seu lado mediterrâneo. Ou mais ainda, destes restos germânicos. Desta coisa feita enigma entre Egito, Mesopotâmia, China e tantos outros domínios mágicos numa reunião entre Incas, Maias e Astecas. Meu mundo não é um mapa. Meus degraus não fazem escada. Se você chegou até aqui, você apenas desceu, comigo, ao meu fundo falso, tão superficial e fingido que nem sei mais o sentido. Por isso copio o começo: Chuva. E é preciso tanto da chuva quando deste retorno. Sempre chove nesta cidade nesta época do ano, por isso tenho certeza que também chovia naquele dia. Talvez não chovesse lá fora tanto quanto chovia dentro de mim. Prima di andare via. Qual será o livro que me cairá as mãos amanhã. Qual o duelo aqui, como angustia, como livro da angustia, aquele que uma outra ‘você’ recrimina e diz do tempo que eu apenas afundava. Mas não se afundo, ou se é como deitar e dormir, numa cama sempre estranha. A cama, sem os estranhos. Qual é a figura fundo? Eu sempre assino Audrey e você reconhece, na minha calça larga, na ausência de maquiagem, na falta dos saltos, essa bolha que limita a minha sintaxe e o abismo. Eu preciso que você corte a sintaxe pra mim. Você que me passa em revisão todos os dias. Não preciso chegar aqui. É preciso apenas um ponto e uma chocolates. Melhor não segurar a dispersão. É o efeito da chuva.
(certa e novamente para Andrea, que possui as chaves)
Chuva. Sempre chove nesta cidade nesta época do ano, por isso tenho certeza que também chovia naquele dia. Talvez não chovesse lá fora tanto quanto chovia dentro de mim. O que se afogava em mim era aquilo que não poderia ser visto. Eu te via, de longe, sempre de longe. Uma vez, uma primeira vez e isto apenas, você me viu. Não sorriu para mim. Não me viu de todo. Eu comprara a “Estrela da Vida Inteira”, você sabe, ou deveria, é Bandeira, Manuel Bandeira. Acho que dou muita bandeira, ou talvez não. Ainda não li tudo, nem este livro e nem muitos outros. Isto talvez não importe. Poucas vezes passei de 1945. Vezes menores ainda cheguei a 2010, ano em que te encontraria. “Minh’alma sofre e sonha e goza”, é um verso grifado naquele livro que você tocou. “suba em flor teu cantar nicaragüense”, diz o último verso, da última página, ao contrário do primeiro que em flor, não diz, mas se faz bem-nascido. Se eu desisto não é por te desejar apenas imagem, mas por que é nesta imagem que eu me assombro. As tuas pilhas e pilhas de livros e as minhas pilhas e pilhas de livros não se confundem. Os meus são referências, os teus, minhas futuras referências, ou não. Eu creio ter anotado a data, na capa do livro, coisa que sempre faço. (Oito de Abril). Livro que foi a São Paulo comigo, e voltou, não deveria ter voltado, talvez devesse ter ido ao Rio. Eu sei o porquê eu fui a São Paulo e nem foi por versos outros, papéis outros. Um tentativa talvez de dar corpo a imagem. Quando fui, já não existia para ti, bem como a maneira que existiria para mim era outra. Agora, entre lenços de papel e um nariz que também insiste em chover, de uma outra maneira certamente, mas chove, a chuva que alaga os veios e veias, as rugas, preenchendo os espaços, a água também sabe fazer o deserto. Você nem sabe que eu existo. As sombras da minha parede fazem cinema, por isso escrevo um diário. A liteira que ando mudará de nome, o pacto é com o diabo. As almas se vendem facilmente, mas o que vender quando não se tem alma? Como barganhar com Mefistófeles? Talvez um postal anônimo, talvez um esquecimento, mas não sei. Sei apenas observar, à distância, muitos livros acima, detrás dos óculos, você e eu. Não uso mais os meus. Para que olhos quando se é todo pele. Pele esticada sobre a armação frágil do impossível de mim. Eu não sei do que dói em ti, ou como as coisas poderiam doer em ti. Talvez nada doa. Por sensível as dores, no meu mundo sépia, procuro entender as coisas através de suas pontas cortantes. É importante? Não sei. Eu preciso assuar o nariz. Um espirro tão fortuito e tão além dos lances de dados. Se talvez eu listasse em meu banquete os meus fantasmas, quais deles você reconheceria? Entre quais deles você se sentaria? Derrida apreensivo vê nas fumaças a sua própria indiferença. Deleuze entre um pensamento além e um copo a mais, dobra na vista turva o eu e não se conhece. Em que espelho estará Lacan? Eu ouço, na noite, e nem é madrugada ainda, uma criança que chora. Preciso dizer os outros nomes para enganar e esganar o que por força queria dizer e não quero. Alguém, em algum lugar, disse-me que qualquer um escreve dois parágrafos, mas não são todos que lêem dois parágrafos. Não sei a importância disto ainda. Talvez nem venha a saber. Não importa no final. Chove sempre do mesmo jeito, molhando as referências, mofando os livros. Bartleby é uma flor aberta em musgo e hera no centro da minha biblioteca. Só me resta sempre jogar o mesmo jogo diferente: strip-poker com Madame Bovary. Que rir primeiro será o perdedor, mas eu sempre espero ser o segundo e também sempre perco. Preciso abrir minhas notas, descobrir o que fazer com elas. Meus pincéis estão jogados. Eu queria poder entrar no jogo, no circuito da vida. Ali, para além da janela, mas ao mesmo tempo quem precisa estar na rua quando se pode observá-la daqui, da minha janela, da bancada onde insisto em escrever. Corro, quem sabe, mais perigos aqui do que lá. Meus fantasmas estão sempre com fome. É preciso sempre alimentá-los com páginas e mais páginas de furor. Isto no fundo é mais para eles do que para ti, mas o que é isto? Isto que sobrevive como um rosto pintado em aquarela, como uma futura estampa para uma camiseta. Eu nem queria isto de apertar os meus parafusos. “Segura o hashi direito, garota, terei de alimentar na boca?”. Como fazer da cena um alexandrino perfeito? Se/gu/ra o/ha/shi/di/rei/to,/ga/rota. Quase. O murmúrio abre os leques misteriosos enquanto uma gueixa, que ironicamente eu poderia grafar como gayxa, pinta os olhos, alonga os cílios, para entrar no espelho, atravessando o palco, saindo do espetáculo com as mãos vazias e os bolsos repletos de moedas falsas. Na descida do palco recebe um bouquet de flores murchas. A fumaça de ópio preenche o lugar. Note-se que a inundação de palavras engoliu a chuva. A dor se fez e se foi, ralo abaixo. Talvez se encontre em algum bueiro marginal. Mas é preciso sempre retornar. E nem sequer saí desta cama onde os espasmos românticos, tão tísico e tão sem lirismo, tão pulmão saltitante e sem santidade me prendem. Talvez pudesse escrever da morte que é vermelha e futura e que se abre em coxas e se marca, como cinta-liga, na pele. Você, já decifrou o crime de Minha Pele Marcada? O Te Deum que toca fecha minhas portas. Minha trilha sonora é sempre aleatória. Qual a música de agora? Eu não sei se você, tanto quanto eu, agüenta os violinos como navalhas nos pulsos. O meu chá está quase acabando. Terei de passar do Earl Gray para a coca-cola. Quem disse que não se pode? O meu suéter azul surrado jogado a um canto implica comigo. Quando der, definitivamente, meia-noite eu paro. Sei que até lá ninguém irá me procurar. Eu pauso os dramas. E sempre preciso de um fundo-do-poço mais fundo. Talvez eu pudesse falar da morte vermelha que me aguarda. Como ver o vermelho neste meu caderno em que todas as cores foram arrancadas da tela? Traços de Leonardo, Miguel Angelo e mais alguém sem nome. Talvez eu pudesse falar de seus traços orientais e kamikazes. Ou de seu jeito latino. De seu lado mediterrâneo. Ou mais ainda, destes restos germânicos. Desta coisa feita enigma entre Egito, Mesopotâmia, China e tantos outros domínios mágicos numa reunião entre Incas, Maias e Astecas. Meu mundo não é um mapa. Meus degraus não fazem escada. Se você chegou até aqui, você apenas desceu, comigo, ao meu fundo falso, tão superficial e fingido que nem sei mais o sentido. Por isso copio o começo: Chuva. E é preciso tanto da chuva quando deste retorno. Sempre chove nesta cidade nesta época do ano, por isso tenho certeza que também chovia naquele dia. Talvez não chovesse lá fora tanto quanto chovia dentro de mim. Prima di andare via. Qual será o livro que me cairá as mãos amanhã. Qual o duelo aqui, como angustia, como livro da angustia, aquele que uma outra ‘você’ recrimina e diz do tempo que eu apenas afundava. Mas não se afundo, ou se é como deitar e dormir, numa cama sempre estranha. A cama, sem os estranhos. Qual é a figura fundo? Eu sempre assino Audrey e você reconhece, na minha calça larga, na ausência de maquiagem, na falta dos saltos, essa bolha que limita a minha sintaxe e o abismo. Eu preciso que você corte a sintaxe pra mim. Você que me passa em revisão todos os dias. Não preciso chegar aqui. É preciso apenas um ponto e uma chocolates. Melhor não segurar a dispersão. É o efeito da chuva.
domingo, 23 de maio de 2010
um rasgo
florianópolis. 23 de maio de 2010. 15 horas e algo. estou cada vez mais desistindo desse seu lado humano. deste humano devorado sobre a mesa. exijo o barulho de eletricidade e água aqui. tomei meu banho. preciso sair daqui. correr correr correr. está página carcomida disso que você não entenderia. minha página de notícias não é sua linha do tempo. eu preciso sempre de um pouco mais de tempo. de uma pausa a mais. de um toque a mais. destas paradas. fast food é coisa para os fracos. devagar olhando e se confundindo com o relógio. virando o tempo. talvez pudesse. se você entendesse. é preciso jogar isto no lixo. fechar os olhos e deixar o corpo ser apenas isto: corpo. em queda:
lâmina
admito o erro. no fundo somos lembrados apenas por aquilo que deixamos. os objetos concentram a memória. as coisas da gaveta, os livros da biblioteca, acumulando sempre mais do que poeira. o sempre... um erro solene não constrói uma igreja? quem disse? escrever em duas ou três línguas e não ser lido. jonhy cash preso. pink floyd no vulcão tocando para gradiva. eu abro minhas janelas, uma rajada de ar. a menina e o jovem menino, ambos falantes de inglês. o rapaz louro desenhando fórmulas alemãs. o italiano preso no quadro ao fundo da sala. o português em queda, na sombra o francês se esfacela. o silêncio é o que dói. por isso falo falo falo falo e ainda insisto. não tire as fotos assim, chapadas e tão de frente. esconda a navalha. a porta blindada sempre grita. é preciso respirar sempre e esquecer de comer. esquecer o caminho de ida ou de volta. apenas ir. ou talvez, mais importante, não ir. abrir apenas a lâmina branca dos olhos e descobrir que o que dói é o vazio absoluto de que nada importa. nem eu, nem eu, nem eu. não há você aqui. a gentileza aqui é não exigir um latim clássico polido. o grego talvez falasse demais. heráclito. eu queria apenas saber destas cores disponíveis e como eu não consigo enxergá-las. desenho apenas a carvão, nanquim, em sépia. monocromático. fazendo sempre faltar algo. invertendo. invertendo. desmontando as peças. e nunca entendendo o seus gesto último de adeus. eu já escrevi um epitáfio.
sábado, 22 de maio de 2010
Presentazione
Me chiamo Signore B., sono laureato in lettere (sono postino, forse). Allora, sono nato a Asteroide B612, questa è la ragione per essere chiamato il signore B. Ho tre secoli di vita. Forse più. Io parlo il francese come un mio grande amico, un piccolo principe. Mi piace pescare le stelle. Nel mio primo secolo di vita, dai cinque ai dicianove anni era ballerino classico. Non erano quelli buoni tempi... no ha avulto molta fretta e non aveva molta scelta. Io lavoro con i dizionari, così le carte, il mio lavoro è quello di rimuovere le parole non utilizzate dalle strade. Altro? Non ho nulla da dire in più.
olhos baços
para andrea, ainda
como sempre
(os postais nunca voltam quando endereço
é um lugar impossível)
pneus rasos nas pupilas rasantes, 300 km/h. isto que tu não dizes e que eu sei. degraus acima de tua falsa inocência. chove ainda. e chove muito, ainda. as palavras alagadas doem. consegue entender minha dopia? abro o guarda-chuva. eu apresentei-me: descobri a cor de meus olhos, o tom dos meus cabelos, minha altura, essas coisas que você não vê. mas disso que você vê e teme. não uso c/v. vê? o código chaveado te dá a cena armada. tire as vogais, meio hebraico e conte os números. esse olho sobre o ombro pesa. consome. compete. arranja e destrói. eu penso no texto que você não lerá, não pode ser escrito aqui. eu te liguei, você nem sorriu. não ouve código de área. no espaço que se abriu a pele: apenas a infecção da palavra generalizada. eu insisto na latência do eu-presente. sem nós. você aí, a espera da sua pele. sem comunicação. sem uma intencionalidade. apenas laudo técnico e com nojo e com raiva. bebê, bebê. não poderia mais beber. tu sabes que no fundo eu não bebo, faço muxoxo e finjo. maquiando os olhos apertados e a careta. tudo cênico. outro espectador saberá assistir meu teatro além de ti? partilhando o pulso aberto, o sangue se confundindo no branco do chão com as taças quebradas. quem quer morrer, não se mata. sabe-se morto, apenas, sem isso ou aquilo, vivendo entre prateleiras que apenas sufocam e pesam. o tempo: incerto. o futuro sequer pressente o presente. eu ainda não decidi o curso que hei de tomar. me abraça, uma vez mais?
como sempre
(os postais nunca voltam quando endereço
é um lugar impossível)
pneus rasos nas pupilas rasantes, 300 km/h. isto que tu não dizes e que eu sei. degraus acima de tua falsa inocência. chove ainda. e chove muito, ainda. as palavras alagadas doem. consegue entender minha dopia? abro o guarda-chuva. eu apresentei-me: descobri a cor de meus olhos, o tom dos meus cabelos, minha altura, essas coisas que você não vê. mas disso que você vê e teme. não uso c/v. vê? o código chaveado te dá a cena armada. tire as vogais, meio hebraico e conte os números. esse olho sobre o ombro pesa. consome. compete. arranja e destrói. eu penso no texto que você não lerá, não pode ser escrito aqui. eu te liguei, você nem sorriu. não ouve código de área. no espaço que se abriu a pele: apenas a infecção da palavra generalizada. eu insisto na latência do eu-presente. sem nós. você aí, a espera da sua pele. sem comunicação. sem uma intencionalidade. apenas laudo técnico e com nojo e com raiva. bebê, bebê. não poderia mais beber. tu sabes que no fundo eu não bebo, faço muxoxo e finjo. maquiando os olhos apertados e a careta. tudo cênico. outro espectador saberá assistir meu teatro além de ti? partilhando o pulso aberto, o sangue se confundindo no branco do chão com as taças quebradas. quem quer morrer, não se mata. sabe-se morto, apenas, sem isso ou aquilo, vivendo entre prateleiras que apenas sufocam e pesam. o tempo: incerto. o futuro sequer pressente o presente. eu ainda não decidi o curso que hei de tomar. me abraça, uma vez mais?
quinta-feira, 20 de maio de 2010
death metal
"ao som de algum barulho".
para entender preciso retornar, dobrar o tempo. alguém me dá a nota: 26, setembro, 2009, 7h20. uma festa. um final de festa. sem os vocais guturais de agora. eu cansado, muito cansado. (procurei a página do diário para este dia e... nada. há o dia antes e o depois). o dia antes me diz de algum horizonte. o dia depois de narciso). se dobro e colo aqui o recorte alterado é que ainda sinto algo. as regras que não se atrasam, quebram-se. por muitas vezes o rosto borrado pelo sono. os pés doloridos. o estômago que dói num vazio que não é de fome. é tão gostoso tomar banho de chuva. é tão bom encontrar-se consigo assim num aberto que é um beijo do vento. isso ainda faz tanto sentido. (sabes encontrar este limite). tenho evitado o "I want to be left alone" num hardcore acelerado, mas sem coração, é uma nós, noise, de 1984. havia 7 pessoas, no final de teu/dele aniversário. meu tornozelo doía muito, o que é comum, tirei o allstar negro, você puxou minha perna e massageou meu pé. "foi a primeira vez que tu pareceu, de fato, humano pra mim", dizes. sem Bloody Vengeance. fui humano apenas pela dor? uma dor aberta no tempo compondo um espaço dúplice, como ao espelho. hoje acordei meio sem glam. talvez não fossemos amigos, e detetives, e marple e poirot, fox mulder e dana scully. malucos munidos de telescópios potentes com lentes capazes de rastrear os confins da galáxia. você entende? sherlock? eu perdi o fio da meada, a chance possível, isto que dói não é emotivo ou sentimental. é a cor, o sépia, a fumaça, os anos 40, o charuto que arde nos olhos. a dor e a resposta ao contato estranho. "se tu parar para pensar, talvez, só talvez, tu consigas se relacionar com pessoas que tenham alcançado esse momentinho de fragilidade do sr. B.". sou mais cérebro que corpo, mais lógica que sentido. um número encadeado. a regra estranha e paralela ao xadrez. "será que não seria mais fácil simplesmente viver a vida um pouco menos protegido do perigo?". eu finjo que me protejo, ao final, para fingir algum perigo. eu sempre sei os resultados, nunca erro. talvez, somente, na gramática do italiano, mas isto não importa. eu sempre sei como as coisas doem, porquê doem e como fazer parar. o problema é querer sair disso, perder isso que me faz não ser uma máquina de ler e escrever. isto que aqui se marca e se marca pra morrer. entende, Allan Pinkerton, ou tenho que voltar a 1850.
para entender preciso retornar, dobrar o tempo. alguém me dá a nota: 26, setembro, 2009, 7h20. uma festa. um final de festa. sem os vocais guturais de agora. eu cansado, muito cansado. (procurei a página do diário para este dia e... nada. há o dia antes e o depois). o dia antes me diz de algum horizonte. o dia depois de narciso). se dobro e colo aqui o recorte alterado é que ainda sinto algo. as regras que não se atrasam, quebram-se. por muitas vezes o rosto borrado pelo sono. os pés doloridos. o estômago que dói num vazio que não é de fome. é tão gostoso tomar banho de chuva. é tão bom encontrar-se consigo assim num aberto que é um beijo do vento. isso ainda faz tanto sentido. (sabes encontrar este limite). tenho evitado o "I want to be left alone" num hardcore acelerado, mas sem coração, é uma nós, noise, de 1984. havia 7 pessoas, no final de teu/dele aniversário. meu tornozelo doía muito, o que é comum, tirei o allstar negro, você puxou minha perna e massageou meu pé. "foi a primeira vez que tu pareceu, de fato, humano pra mim", dizes. sem Bloody Vengeance. fui humano apenas pela dor? uma dor aberta no tempo compondo um espaço dúplice, como ao espelho. hoje acordei meio sem glam. talvez não fossemos amigos, e detetives, e marple e poirot, fox mulder e dana scully. malucos munidos de telescópios potentes com lentes capazes de rastrear os confins da galáxia. você entende? sherlock? eu perdi o fio da meada, a chance possível, isto que dói não é emotivo ou sentimental. é a cor, o sépia, a fumaça, os anos 40, o charuto que arde nos olhos. a dor e a resposta ao contato estranho. "se tu parar para pensar, talvez, só talvez, tu consigas se relacionar com pessoas que tenham alcançado esse momentinho de fragilidade do sr. B.". sou mais cérebro que corpo, mais lógica que sentido. um número encadeado. a regra estranha e paralela ao xadrez. "será que não seria mais fácil simplesmente viver a vida um pouco menos protegido do perigo?". eu finjo que me protejo, ao final, para fingir algum perigo. eu sempre sei os resultados, nunca erro. talvez, somente, na gramática do italiano, mas isto não importa. eu sempre sei como as coisas doem, porquê doem e como fazer parar. o problema é querer sair disso, perder isso que me faz não ser uma máquina de ler e escrever. isto que aqui se marca e se marca pra morrer. entende, Allan Pinkerton, ou tenho que voltar a 1850.
dossiê
"pro lennon, stalker...''
only new york. eu preciso saber. o desenho não saí. não consigo. reabilito o contato. espio. decido. eu quero nada mais. nada de pitelzinho. podes precisar de 24h. eu não quero brincar mais disso. eu consigo descobrir mais que o manequim ou onde se usou cartão de crédito, mas estou envolvido. isto é segredo. trabalho coletivo meio work in progress. meio obra acaba em entrelinhas. eu cuido dos meus bêbados. os dedos doem. como os pés. eu bebi apenas vodka com limão, gelo e água tônica. nada de sábados. tão 2009. tão cansado eu estou. tão sem sonhos. me devolve aquele romance de 3000 páginas e uma dedicatória interessante. quero os personagens acabados, uma historia sem tema e nenhuma imagem. eu cansei. não sei mais como decidir. eu preciso ser investigado. abre meu peito, vê o coração gelado. as páginas de arquivo e o passado estancado. nada sangra. nada dói. apenas entre as costuras alguma coisa sempre escapa. prende meus elos?
only new york. eu preciso saber. o desenho não saí. não consigo. reabilito o contato. espio. decido. eu quero nada mais. nada de pitelzinho. podes precisar de 24h. eu não quero brincar mais disso. eu consigo descobrir mais que o manequim ou onde se usou cartão de crédito, mas estou envolvido. isto é segredo. trabalho coletivo meio work in progress. meio obra acaba em entrelinhas. eu cuido dos meus bêbados. os dedos doem. como os pés. eu bebi apenas vodka com limão, gelo e água tônica. nada de sábados. tão 2009. tão cansado eu estou. tão sem sonhos. me devolve aquele romance de 3000 páginas e uma dedicatória interessante. quero os personagens acabados, uma historia sem tema e nenhuma imagem. eu cansei. não sei mais como decidir. eu preciso ser investigado. abre meu peito, vê o coração gelado. as páginas de arquivo e o passado estancado. nada sangra. nada dói. apenas entre as costuras alguma coisa sempre escapa. prende meus elos?
domingo, 16 de maio de 2010
cinderella
os cabelos castanhos, o jeans justo, o rosto maquiado e o all-star vermelho. sério, ele ainda brinca de montar os castelos. talvez não devesse. o espelho, espelho meu, dele numa fase off-line. apenas táxis ocupados passam e nenhum cavalo branco. na mochila traz as sapatilhas de ponta. não querer pegar ônibus é uma escolha, andar é uma necessidade. sentir o vento frio, a umidade, aquele gosto de toque de ausências. um sonho nunca sonhado. o celular ainda no bolso e que não toca. apenas 15 minutos. quanto tempo se leva para tomar um capuccio? sorri e engole aquele brilho latente de esperança. ele faz parte do grupo daqueles facilmente esquecidos. um rapaz alto passa. um loiro entrega em um pedaço de papel um número de telefone. outro, sobre a calça, acaricia a genitália. sintaxe de rua. nojo, ele sente ânsias de vômito. saca o lenço de seda azul do bolso leva ao lábios, o cheiro perfumado de estrelas desvia o grupo de péssimos pensamentos. derruba o diário. como se entregar ao delírio. os carros, o farol e os minutos que antecedem a meia-noite. é no limite. a última chance.
passatempo
ente biscoitos e quebra-cabeças.
eu queria dormir, mas talvez esperar o celular. um comentário sobre aquele bilhete. sobre aquele talvez. eu queria responder, legal, bancana, que bom que gostou. mas não posso. deveria imergir no italiano, mas é só para sexta ainda, será hoje ainda domingo aprendi as perguntas, mas não sei se deveria saber as respostas. o que você diria? chi sei tu? di dove sei tu? ah, molto piacere. nunca acerto as tônicas. a gordura se acumulando em torno, dentro de mim. eu não sei o porquê vejo tv uma hora dessas. vida simpson. espectro jetson. não gosto mais dos palcos, dos holofotes. e como viajar o mundo todo? as roupas que você precisa vestir e não gosta. o zíper que prende. aprende a andar direito num salto menina. não sei. as frases cruzadas como chumbo trocado. ecco. non ho un minuto libero. não tenho como. jogar amarelinha com cortazar, me perder nos labirintos com borges. estapear o minotauro e ariadne sozinho. sem fórmulas. uma mulher na tpm precisa ser amada. la mia vita, adesso, è un po' diversa da allora... os roteiros foram feitos para dar certo. eu nem sei sobre o que escrevo. mas queria dizer algo pra ti. eu tenho impressões astrais de tua festa e isto não me conforma. conto os astros. casa cinco, dois quartos vazios (eu tentei um plural impossível: vazis, sei que você iria rir de mim e não me entenderia). a casa é minha e isto apenas. espero o telefone ainda com a mensagem: "grazie, Lei è molto gentile".
eu queria dormir, mas talvez esperar o celular. um comentário sobre aquele bilhete. sobre aquele talvez. eu queria responder, legal, bancana, que bom que gostou. mas não posso. deveria imergir no italiano, mas é só para sexta ainda, será hoje ainda domingo aprendi as perguntas, mas não sei se deveria saber as respostas. o que você diria? chi sei tu? di dove sei tu? ah, molto piacere. nunca acerto as tônicas. a gordura se acumulando em torno, dentro de mim. eu não sei o porquê vejo tv uma hora dessas. vida simpson. espectro jetson. não gosto mais dos palcos, dos holofotes. e como viajar o mundo todo? as roupas que você precisa vestir e não gosta. o zíper que prende. aprende a andar direito num salto menina. não sei. as frases cruzadas como chumbo trocado. ecco. non ho un minuto libero. não tenho como. jogar amarelinha com cortazar, me perder nos labirintos com borges. estapear o minotauro e ariadne sozinho. sem fórmulas. uma mulher na tpm precisa ser amada. la mia vita, adesso, è un po' diversa da allora... os roteiros foram feitos para dar certo. eu nem sei sobre o que escrevo. mas queria dizer algo pra ti. eu tenho impressões astrais de tua festa e isto não me conforma. conto os astros. casa cinco, dois quartos vazios (eu tentei um plural impossível: vazis, sei que você iria rir de mim e não me entenderia). a casa é minha e isto apenas. espero o telefone ainda com a mensagem: "grazie, Lei è molto gentile".
a tempestade
"pro Rafz e pro Danilo"
ela veste vermelho e se oculta no fundo dos olhos do garoto. os olhos escuros, buracos onde o vento se enrola como serpente, queimando em água algumas dores e planos. nada passa. nada passa diante da menina dos olhos de oxalá. é ali, na íris, onde tudo acontece, um lampejo a mais, uma risca de faísca, raiva, amor, paixão, tudo tão igual e tão diferente. é na ponta da espada que se decide o jogo. a mulher de cabelos raspados, batendo a testa no chão e se fazendo deusa, dentro dele. ele carregando os livros na chuva, sem medo, sente a chuva como abraço ancestral, último conforto. assim, a água, signo de sereias, faz fogo e faísca, dor para além do prazer. um corpo. sem outro, sem eu. as pedras que caem do céu, com o coração posto na balança, a mulher seduz e esconde no salto os seus segredos. as pupilas, as gemas, as pedras em fúria. as flores e pedras proibidas. o menino esvazia os bolsos e sorri. dinheiro eletrônico. lâminas, navalhas, os punhais que coleciona na parede do quarto. a amazona dos ventos e o bailarino clássico. sorrisos cruzados na mesma tempestade, um desejo de dizer um pouco mais, para aquele fogo mais adiante. e apenas sopra aqui, no fino da pele, no fino da folha, no fino istmo de pensamento rascante. tantos desejos quantos são os planos de batalha. ela e ele, um só. mãe e filho. herdeiros de uma verdade mágica. as velas acesas no escuro oculto de um vazio vermelho no peito. isto é para você e para aquele beijo de batalha, no escuro latente. rompante os tambores não fazem relâmpagos ou trovões. o vento é aqui o hálito da aproximação e talvez isto apenas. não mais. talvez seja apenas isto o possível para este futuro. hora de amarrar os cadarços soltos, respirar e deixar uma colher de chá suspensa. lá fora, resta o orvalho e as sereias que escovam os cabelos e se perdem no espelho enquanto uma mulher de garras afiadas corre para mais uma batalha.
ela veste vermelho e se oculta no fundo dos olhos do garoto. os olhos escuros, buracos onde o vento se enrola como serpente, queimando em água algumas dores e planos. nada passa. nada passa diante da menina dos olhos de oxalá. é ali, na íris, onde tudo acontece, um lampejo a mais, uma risca de faísca, raiva, amor, paixão, tudo tão igual e tão diferente. é na ponta da espada que se decide o jogo. a mulher de cabelos raspados, batendo a testa no chão e se fazendo deusa, dentro dele. ele carregando os livros na chuva, sem medo, sente a chuva como abraço ancestral, último conforto. assim, a água, signo de sereias, faz fogo e faísca, dor para além do prazer. um corpo. sem outro, sem eu. as pedras que caem do céu, com o coração posto na balança, a mulher seduz e esconde no salto os seus segredos. as pupilas, as gemas, as pedras em fúria. as flores e pedras proibidas. o menino esvazia os bolsos e sorri. dinheiro eletrônico. lâminas, navalhas, os punhais que coleciona na parede do quarto. a amazona dos ventos e o bailarino clássico. sorrisos cruzados na mesma tempestade, um desejo de dizer um pouco mais, para aquele fogo mais adiante. e apenas sopra aqui, no fino da pele, no fino da folha, no fino istmo de pensamento rascante. tantos desejos quantos são os planos de batalha. ela e ele, um só. mãe e filho. herdeiros de uma verdade mágica. as velas acesas no escuro oculto de um vazio vermelho no peito. isto é para você e para aquele beijo de batalha, no escuro latente. rompante os tambores não fazem relâmpagos ou trovões. o vento é aqui o hálito da aproximação e talvez isto apenas. não mais. talvez seja apenas isto o possível para este futuro. hora de amarrar os cadarços soltos, respirar e deixar uma colher de chá suspensa. lá fora, resta o orvalho e as sereias que escovam os cabelos e se perdem no espelho enquanto uma mulher de garras afiadas corre para mais uma batalha.
Fa lo stesso
"para Maurício"
è permesso? posso entrare? se eu pergunto é apenas uma maneira de saber dos riscos. meio do perigo à la carte, do que vem no menù. io prendo un caffè. não ouço vasco rossi. meu sotaque não é da toscana. eu sei que você entende meus erres carregados. io ho tante cose da fare, mas non ho tempo. não sei como abrir as cartas distantes. é um código cerrado, sem vade mecum ou tecum. é preciso seguir pelas vias paralelas, as outras tem muita gente. sofro com a bethânia chacoalhando dentro do ônibus. faço meus pastéis. a goiabada é o único jeito d'eu devorar a julieta e esquecer o romeo. o francês rasga minhas veias. eu tenho as coisas decididas. e tu? como está a a balada? onde está o relatório? gosto de lógica, números e gráficos. você sempre espera as mesmas coisas das noites dos finais de semana? não morra, não um pouco (eu quero meu spresso). mas ser for pra morrer que seja muito e no aberto do peito. naquilo que se lança em direção ao desconhecido e ao que não virá, aquilo além do futuro dos dias. não estamos na croácia, fugir é uma opção. eu ainda me pergunto: che cosa leggete? há uma voz que diz e insiste: "fujo das multidões, às vezes, o problema é me sentir sozinho no meio das luzes, imerso numa crise de sábado à noite". Como sustentar um conto de fadas, nas suas leis ou nas minhas ficções, ambos só rasgamos um pouco mais disso e fingimos uma certeza que não se sabe se há. talvez não haja. resta acreditar, mas sempre me dei mal com a religião. a minha frase que ecoou hoje: eu gosto de corpos, mas me apaixono po cérebros. diante disso o banco vazio diante da penteadeira só pergunta:scusi, è libero il posto? e reafirma um arrivederLa.
è permesso? posso entrare? se eu pergunto é apenas uma maneira de saber dos riscos. meio do perigo à la carte, do que vem no menù. io prendo un caffè. não ouço vasco rossi. meu sotaque não é da toscana. eu sei que você entende meus erres carregados. io ho tante cose da fare, mas non ho tempo. não sei como abrir as cartas distantes. é um código cerrado, sem vade mecum ou tecum. é preciso seguir pelas vias paralelas, as outras tem muita gente. sofro com a bethânia chacoalhando dentro do ônibus. faço meus pastéis. a goiabada é o único jeito d'eu devorar a julieta e esquecer o romeo. o francês rasga minhas veias. eu tenho as coisas decididas. e tu? como está a a balada? onde está o relatório? gosto de lógica, números e gráficos. você sempre espera as mesmas coisas das noites dos finais de semana? não morra, não um pouco (eu quero meu spresso). mas ser for pra morrer que seja muito e no aberto do peito. naquilo que se lança em direção ao desconhecido e ao que não virá, aquilo além do futuro dos dias. não estamos na croácia, fugir é uma opção. eu ainda me pergunto: che cosa leggete? há uma voz que diz e insiste: "fujo das multidões, às vezes, o problema é me sentir sozinho no meio das luzes, imerso numa crise de sábado à noite". Como sustentar um conto de fadas, nas suas leis ou nas minhas ficções, ambos só rasgamos um pouco mais disso e fingimos uma certeza que não se sabe se há. talvez não haja. resta acreditar, mas sempre me dei mal com a religião. a minha frase que ecoou hoje: eu gosto de corpos, mas me apaixono po cérebros. diante disso o banco vazio diante da penteadeira só pergunta:scusi, è libero il posto? e reafirma um arrivederLa.
sábado, 15 de maio de 2010
naja
"pro Neo que observou a idéia".
espelho. sem espelhos. as serpentes do jardim. o pole dance. o pulso, o joelho e o tornozelo doem. três malucos queimando dinheiros e jogando diamantes na primada. o quê você vê é apenas seu desejo. não mais que isso. não fala do vazio ao pé da minha orelha. eu digo não. mais do que não. eu te analiso. quero. não quero. sem coisas clínicas e esquizóides. não quero te jogar no Real. não apagou ainda. mônica sorry. o tatuado com o chapeleiro apenas passa o fogo. a brasa, meu. não rola. não cola. onde dormir? na palavra que falta além discurso. olha meu estado de cinza. colírio há no banheir. diz o moço com spikes. a travesti passa batom. eu tenho fome e não relaxo. acumulo de martinis e falta de acentos. uma rodada de paula. somente quando o ás de copas voltar pra ti você pode respirar. analisei sim. ele te queria, banquei e alimentei um pequeno a insuportável. as bolas. o campo. a plantação. no máximo. motor em ponto morto. porto monto. o dia amanhece. é dificil segurar a sintaxe. ele atravessou a barra, beijou o espelho e tentou. eu pensei e analisei. isso. câmbio.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Segundo o resto
ainda são onze horas (agora não mais, duas e trinta e sete, madrugada - para quê serve o tempo?), a estrada sinuosa se insinua. as dores do corpo só dizem do corpo, essa falha de si como falha do relógio - uma voz que não diz. preciso de um beijo. todo este corpo que transparece em um salto de 21 cm. os extremos de mim se rompem. altura. apenas altura. quem um dia teve coroa, um dia terá sua guilhotina. não convenço como dominatrix, senhora de si e da lei. oficial, cintas ligas, lábios vermelhos, garras afiadas, feroz. essa música ocupa meus ouvidos e incomoda. não posso mais ouvir zé ramalho, não nestas curvas, não nesta noite, não agora, escrevendo. ou eu não sei.
a fila
andando, sempre meio de lado, meio altivo. gosto de metades. de meias palavras, meios significantes e nenhum discurso. rompendo o aço do espelho. saltando muito. falando muito. exigindo o grito de silêncio. as malas jogadas, nelas os saltos, a toalha e a máscara. ocupando os espaços nos ecos molhados e macios pelo gosto de vermouth. eu não vi você. eu sorri para você, na distância dos olhos, nos quilometros marcados. eu preciso de um abraço distante. deixei meu exílio, novamente, não para são paulo, não para a cidade-rio, contrária e aberta, mas para o abismo profundo de um passo, o abismo marcando a queda do corpo. no frio, na ausência da febre, eu quis você.
passo além
escadas. é coisa de mão única. aqui as estrelas não falam comigo. escadas: de onde no futuro (que é passado) eu quase cairia. as malas pesam, o ar que enche o colchão falta aos pulmões. uma elegância ignota e insignificante. no frio, nestes graus abertos como degraus negativos, eu sempre dormi à sombra de teus sonhos. perdi a ligação, a possibilidade, meu celular perdido como teu celular roubado. tão eu. tão meu. tão vazio, o frio...
sexta-feira
armar, como um mouro no deserto, a tenda, extender o domínio e entender o espaço para perseguir o tempo. a tenda, a tentação e nenhum pecado. sem éden. o almoço carnívoro de carnes ocultas e sem gosto, métalico, os talheres sem entalhe, sem pratarias, o copo plástico, o suco açucarado, ainda o frio, o toque lateral, a família, ou parte dela. a viagem, sem escolhas a chuva ainda, rodando rodando. lutando ballet, procurando se defender dos lances e assonâncias cheias de olhares judô e bocas jiu-jitsu. um gole a mais de minha vodka tônica, na falta do gim. um restaurante, que nada, lanchonete: fazendo vezes de bar, boteco, beira-de-estrada (dele só resta o chocolate e o copo roubado). a praça. o desperdício: um grand-jeté para pular uma poça d'água. à procura do táxi, da escola, da cohab. longe. dois. número dois. sem ser popular ou populista. pago a corrida. sem festa, saio cedo, no frio, de regata, minha lady não toca, mas toca em mim, conselheira (ah, a família). para me aquecer, fujo do corpo frio, esqueço-me nas cobertas silenciosas. já esquecendo a possibilidade da voz.
sábado
café da manhã perdido. um trocadilho idiota, mas sem pedido. fico com meu chá preto da rainha. nobreza ainda, tentada. earl gray: o aroma. o improviso para além das 8h da manhã. almoço vegetariano. nos olhos que se cruzam, a assonância. aqui apenas o espirro e a alergia. no raso as certezas afogam. compras. bebê doente. esqueço as escatologias. (sei que farei a obra só no último dia). banho quente, ao menos. simple life: quem sabe? sem histerismos. procurar no corpo do homem aquele lado do corpo da mulher. panos e sedas. tenho a luva, sem pelica, mas seda ainda, preta, longa e sem botões. fazer a barba sem espelho para esquecer o sexo, abrir a pele, desafiar o ponto cego dos olhos. preparar o rosto, o rosa da pele, para a maquiagem. vestir mais uma vez os saltos para a queda. deslocar sem ouvir e sem poder falar. sem reação. mancar na voz. obsessiva. na aparência nunca há algo que caí. apenas as mãos acusando e as palmas da recusa. aquiesço. amanhã terei meu chá de frutas vermelhas e nem posso telefonar para meu analista. esqueço que não posso ser confessional e torço a sintaxe.
festa
roubar a cena, implica em ser roubada. garota solteira. peguei um pouco a mais de chocolate hoje: gorda. odeio esta sensação. eu não canto. nunca. minha bolha implodiu. tudo manipulado. menos o último segundo, como aceitação ética da alteridade. social-democrata na hora que deveria assumir o minimo aristocrata de seus genes bárbaros. uma recusa não-narcisista, a frase para aplacar o ego. quando doí marca no rosto. as rugas sempre chegam, jamais se atrasam. a imagem obsecada das perfeições. um brinde em copos de plástico manchados de batom. o belo narciso se afoga. no frio não há flor que aguente, mesmo entre corbertores e travesseiros de pena. para dormir pus derrida entre minhas coxas. não chora, não sente, nem é indiferente. apenas dorme.
per-curso
atraso. graças ao relógio congelado pelo frio. um tempo deslocado. 8h são 10h. manhã. tão díficil pra um domingo. dois minutos para o mínimo de dignidade. apenas os dentes escovados. o texto em improviso. o rosto ainda maquiado. os cílios longos prendem ainda lacan, freud, descartes, kant e uma genealogia que não se vê, como o traçado dos lábios. as palavras em trânsito desviam o público, tudo é espetáculo, de meu palco feito em giz. fartos olhos sonolentos. não os meus.
resta sombra nos olhos, os traços do ontem esperando as rugas. maquiagem é o pas-au-delà do semblant.
al-moço perdido
em são paulo? em florianópolis? paris? nova iorque? eu sei onde. recuso a carne, procuro-a, mas não encontro. não encontramos. a troupe selvagem. devorando o vazio industrial. sem réclame marxista. é preciso, há fome. fato. apenas. dado no mundo. sem pragmática. as engrenagens digerem o animal. falta, talvez, mais que uma vírgula. odeio o teu silêncio. odeio a impossibilidade de falar contigo.
as mal-as
perspectiva tomada de degraus. sempre o último. dobro, desdobro. tento fazer caber para fechar o zíper. sem sintoma de intelectual. arrumadeira rápida e sem sentimentos. sempre tenho a impressão de estar deixando algo para trás.
fórmula da fantasia
o retorno. as paradas. não poder ir pra casa, os planos de amanhã, os planos pra amanhã. recuperar a comunicação ou a voz, ambos apenas. esperar você. sua resposta. o almoço marcado. o medo do táxi. as notas impossíveis.
para alguém distante
sp. silêncio. duplo. dúplice. cúmplice. rua de mão dupla. um tango argentino cede as batidas que tua mão escolhe. eu não tive minha resposta e ouço bach.
para alguém perto
temos um almoço. o que resta de tuas fugas. eu não vejo teus olhos. nao sei o que esperar. sem grosserias. não há fantasma no meu espelho.
para agora
eu cansei. fotografo. ouço minha música. chamo o blommer. ain... mágica. eu sempre me afogo no sentido. são sempre os olhos que voltam. sempre, e um pouco mais. eu estou cansado. e não quero mais escrever. cansei. vou começar a capturar as coisas ao avesso agora.
a fila
andando, sempre meio de lado, meio altivo. gosto de metades. de meias palavras, meios significantes e nenhum discurso. rompendo o aço do espelho. saltando muito. falando muito. exigindo o grito de silêncio. as malas jogadas, nelas os saltos, a toalha e a máscara. ocupando os espaços nos ecos molhados e macios pelo gosto de vermouth. eu não vi você. eu sorri para você, na distância dos olhos, nos quilometros marcados. eu preciso de um abraço distante. deixei meu exílio, novamente, não para são paulo, não para a cidade-rio, contrária e aberta, mas para o abismo profundo de um passo, o abismo marcando a queda do corpo. no frio, na ausência da febre, eu quis você.
passo além
escadas. é coisa de mão única. aqui as estrelas não falam comigo. escadas: de onde no futuro (que é passado) eu quase cairia. as malas pesam, o ar que enche o colchão falta aos pulmões. uma elegância ignota e insignificante. no frio, nestes graus abertos como degraus negativos, eu sempre dormi à sombra de teus sonhos. perdi a ligação, a possibilidade, meu celular perdido como teu celular roubado. tão eu. tão meu. tão vazio, o frio...
sexta-feira
armar, como um mouro no deserto, a tenda, extender o domínio e entender o espaço para perseguir o tempo. a tenda, a tentação e nenhum pecado. sem éden. o almoço carnívoro de carnes ocultas e sem gosto, métalico, os talheres sem entalhe, sem pratarias, o copo plástico, o suco açucarado, ainda o frio, o toque lateral, a família, ou parte dela. a viagem, sem escolhas a chuva ainda, rodando rodando. lutando ballet, procurando se defender dos lances e assonâncias cheias de olhares judô e bocas jiu-jitsu. um gole a mais de minha vodka tônica, na falta do gim. um restaurante, que nada, lanchonete: fazendo vezes de bar, boteco, beira-de-estrada (dele só resta o chocolate e o copo roubado). a praça. o desperdício: um grand-jeté para pular uma poça d'água. à procura do táxi, da escola, da cohab. longe. dois. número dois. sem ser popular ou populista. pago a corrida. sem festa, saio cedo, no frio, de regata, minha lady não toca, mas toca em mim, conselheira (ah, a família). para me aquecer, fujo do corpo frio, esqueço-me nas cobertas silenciosas. já esquecendo a possibilidade da voz.
sábado
café da manhã perdido. um trocadilho idiota, mas sem pedido. fico com meu chá preto da rainha. nobreza ainda, tentada. earl gray: o aroma. o improviso para além das 8h da manhã. almoço vegetariano. nos olhos que se cruzam, a assonância. aqui apenas o espirro e a alergia. no raso as certezas afogam. compras. bebê doente. esqueço as escatologias. (sei que farei a obra só no último dia). banho quente, ao menos. simple life: quem sabe? sem histerismos. procurar no corpo do homem aquele lado do corpo da mulher. panos e sedas. tenho a luva, sem pelica, mas seda ainda, preta, longa e sem botões. fazer a barba sem espelho para esquecer o sexo, abrir a pele, desafiar o ponto cego dos olhos. preparar o rosto, o rosa da pele, para a maquiagem. vestir mais uma vez os saltos para a queda. deslocar sem ouvir e sem poder falar. sem reação. mancar na voz. obsessiva. na aparência nunca há algo que caí. apenas as mãos acusando e as palmas da recusa. aquiesço. amanhã terei meu chá de frutas vermelhas e nem posso telefonar para meu analista. esqueço que não posso ser confessional e torço a sintaxe.
festa
roubar a cena, implica em ser roubada. garota solteira. peguei um pouco a mais de chocolate hoje: gorda. odeio esta sensação. eu não canto. nunca. minha bolha implodiu. tudo manipulado. menos o último segundo, como aceitação ética da alteridade. social-democrata na hora que deveria assumir o minimo aristocrata de seus genes bárbaros. uma recusa não-narcisista, a frase para aplacar o ego. quando doí marca no rosto. as rugas sempre chegam, jamais se atrasam. a imagem obsecada das perfeições. um brinde em copos de plástico manchados de batom. o belo narciso se afoga. no frio não há flor que aguente, mesmo entre corbertores e travesseiros de pena. para dormir pus derrida entre minhas coxas. não chora, não sente, nem é indiferente. apenas dorme.
per-curso
atraso. graças ao relógio congelado pelo frio. um tempo deslocado. 8h são 10h. manhã. tão díficil pra um domingo. dois minutos para o mínimo de dignidade. apenas os dentes escovados. o texto em improviso. o rosto ainda maquiado. os cílios longos prendem ainda lacan, freud, descartes, kant e uma genealogia que não se vê, como o traçado dos lábios. as palavras em trânsito desviam o público, tudo é espetáculo, de meu palco feito em giz. fartos olhos sonolentos. não os meus.
resta sombra nos olhos, os traços do ontem esperando as rugas. maquiagem é o pas-au-delà do semblant.
al-moço perdido
em são paulo? em florianópolis? paris? nova iorque? eu sei onde. recuso a carne, procuro-a, mas não encontro. não encontramos. a troupe selvagem. devorando o vazio industrial. sem réclame marxista. é preciso, há fome. fato. apenas. dado no mundo. sem pragmática. as engrenagens digerem o animal. falta, talvez, mais que uma vírgula. odeio o teu silêncio. odeio a impossibilidade de falar contigo.
as mal-as
perspectiva tomada de degraus. sempre o último. dobro, desdobro. tento fazer caber para fechar o zíper. sem sintoma de intelectual. arrumadeira rápida e sem sentimentos. sempre tenho a impressão de estar deixando algo para trás.
fórmula da fantasia
o retorno. as paradas. não poder ir pra casa, os planos de amanhã, os planos pra amanhã. recuperar a comunicação ou a voz, ambos apenas. esperar você. sua resposta. o almoço marcado. o medo do táxi. as notas impossíveis.
para alguém distante
sp. silêncio. duplo. dúplice. cúmplice. rua de mão dupla. um tango argentino cede as batidas que tua mão escolhe. eu não tive minha resposta e ouço bach.
para alguém perto
temos um almoço. o que resta de tuas fugas. eu não vejo teus olhos. nao sei o que esperar. sem grosserias. não há fantasma no meu espelho.
para agora
eu cansei. fotografo. ouço minha música. chamo o blommer. ain... mágica. eu sempre me afogo no sentido. são sempre os olhos que voltam. sempre, e um pouco mais. eu estou cansado. e não quero mais escrever. cansei. vou começar a capturar as coisas ao avesso agora.
terça-feira, 11 de maio de 2010
quarta-feira, 5 de maio de 2010
rumor
eu tenho fome, muita fome e uma vontade ainda maior que me impede de comer. a satisfação, nem quero. esta fome, a caveira presa no espelho. na superfície, eu me satisfaço com tão pouco, mas nem exijo nada que este pouco. que este busto em ruínas no centro da praça, que esto olhar perdido e vago. eu esqueci meu tarot em algum lugar. entre segredos, não bancaremos o analista no fundo de grossos olhos. eu sei do que não faz, do que não me diz, sei apenas do silêncio imerso em copos de vinho. os meus copos de vinho. secos. ácidos. quase nunca frutados. e brancos. largos. em dias de calma, champagne. só funciono na materialidade, com post-its incomodando. e notas. muitas notas. e o silêncio perdido entre os livros espalhados dentro do closet, no chão do quarto, debaixo da cama, impossibilitando que as portas se abra. e há aquelas perguntas, para as quais eu não tenho respostas. cansei da literatura, mas ainda insisto no gesto de uma leitura que não anda. mas os livros não andam, apenas se perdem. charuto ou cachimbo? uma barra de chocolate certamente. como decidir entre paris ou nova iorque? as cartas não chegam, as cartas não dizem. eu me vejo no espelho, a imagem do lado de lá maquiada, a do lado de cá, pele nua, machucada. como esses joelhos que insistem em falhar, com a voz que falta. como desejo e talvez isto apenas. gesto congelado diante dos teus olhos. eu espero muitas vezes respostas para as perguntas que me assombram e são impossíveis de se fazer.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
Insisto
Sobre o que desejas, eu posso escrever e conjecturar. Insisto ainda nisto, no teu rosto, na minha resposta. Ainda assim, não se diz e não se pode. As coisas que acontecem e que eu insisto no longe de mim. Meio de lado, meio assim, deitado. Meio caveira, meio músculo e meio carne. Meio cadeia alimentar: coelho devorando placidamente suas cenouras. Como se o corpo devolvesse aquilo que eu não posso te dar aqui e agora. Eu sei que já repeti isso em algum lugar. Qual futuro você escolhe? Isso que eu desenho agora neste espaço improvável. O espaço aberto como lacuna na pele. Aqui onde os pêlos se fazem através para desenhar o que não se queria. O meu silêncio não vale o teu silêncio. Os meus machucados se fazem marcas na chuva que ardem. Esta viagem dita inútil, mas necessária. Esse delírio para nada. O que descobri depois de abrir os olhos e encontrar com minha alucinação? O que eu abri aqui me ensina o caminho pelas minhas catedrais: toda cúpula de anjos tem do lado de fora as gárgulas sombrias do medo. E se como eu quisesse te dizer de um algo a mais. Um gole forte de café pra sustentar o corpo, segurar o medo, surgir como corpo forte diante do aberto em pó, larvas e concreto disso que eu não quero pra mim. Um abraço a mais, um não a mais, um vazio a mais, um não a mais, no largo dos meus quilômetros. E tu apenas se cala. Eu tenho três ás, e você? Minha cartografia de horizontes largos lavra seu espaço sem se derramar. Odeio perder a mágica da profunda grandeza das gargantas que abertas eu armo no meu círculo: espetáculo vendido, bem romano, bem pão, salgado como moeda de escravos. Eu queria me incluir como terceira pessoa na cena: mas não se inscreve. O eu paira soberano sobre o império ruído dos signos. Sou escorpião, sabes. Apronte as flores do medo, os cristais de desejo. Gosto de poucas flores, não erre e lembre-se disto. As linhas que eu tomo sem destino deste metrô de linhas turvas que me oprime e me dá medo, mas que eu venço, mas também não queria. Assim como ser abandonado entre dois apêndices que arrancam as páginas do meu itinerário. Tenho um mapa e não sei e não vou usá-lo. Eu, sobretudo, pereço no texto epistolar (bem poroso, castelo de areia com três versos sem chave). Ainda quero o meu postal pra enviar sem endereço para o porvir como abraço ao desconhecido.
O retrato quebrado
Cansei de escrever para o vazio de um nome que no fundo não existe, senão como desenho em minha parede. Como aquarela que aos poucos abandono ao bolor. Minha fronte dói. Como abandonar uma possibilidade desenhada apenas como impossível, no fundo de uma neurose. Os personagens desenhados ocupam meu salão imaginário. Foram presentes. Literalmente, presentes, ainda que fora do tempo. Fizeram meu tempo, como você também fez, meio Quixote, meio agora e já. Talvez seja necessário vencer a imagem, lavar a memória, esperar no vazio de um borrão que a doença passe, não fazer imitação da vida. Prescindo do exercício, corro estes riscos, para não ensaiar tão somente meus jetés e pliés. Não tenho escolha, tenho? Parei de escrever meus diários há algum tempo, têm algo que dói nos últimos dias e não identifico. Não quero sobreviver a lei deste deserto. A fumaça alucinógena ainda preenche as entre-linhas. Não quero mais beber vinho, sozinho, abandonado no fundo desta cama, desenhando futuros impossíveis. As bolhas do champanhe não aumentam o espaço de minha bolha, meu chá inglês não traz notas aristocráticas. O que tenho nas minhas mãos? Enchendo de areia as palavras e minha mente. Ao vento tudo muda de lugar, pressinto que vou perder o controle. Preciso me abaixar e fundar o crime paranóico. Partilhando um primeiro-último banquete com a imagem desejada, antes do assassinato.
um pouco tarde
(meio romeo & juliet)
pegue minha mão, assim, no escuro, não deixe minhas cartas esquecidas no fundo de alguma gaveta. tu não sabes as dores dos atrasos, os rasgos de papel, como a escrita pesa, na ânsia de uma pouco mais ainda. chove lá fora, um dia clichê, impossível evitar este resto de melancolia. é a mim mesmo que eu imploro ajuda. o mundo é este resto em movimento em que é impossível reconhecer um outro rosto. os trens não chegam, os aviões não partem. nada está como deveria, apesar de meu relógio estar adiantado alguns minutos, meu ritmo atropelar as horas, os atrasos acontecem como quedas, como luta da natureza, como algo que insiste ainda em tentar me fazer parar. um atraso esta muito perto de um silêncio. caso eu não receba o telegrama a tempo o que acontecerá? o tempo está fora do controle, bate além da arritmia de meu pulso e insiste ainda em marcar no descompasso o desejo que sinto na superfície da pele. telefone ocupado. para algumas pessoas é preciso se perder algumas vezes, perder a agenda, os diários, as notas de trabalho, perder um pouco desta vida regrada, caindo no poço da escuridão, viver livremente em angústia os minutos de puro descontrole. experimentar uma possibilidade outra como quem experimenta um outro tempo. em grandes goles de tequila. Eu te disse deste abismo em mim. é preciso chegar em tempo ainda, antes que as luas mudem, que se perca a voz e que nada mais faça sentido. não gosto de aventuras medievais. tu ainda tens o seu mínimo de tempo, mas a ampulheta já foi virada. na falta de um sim, devolve logo meu não.
pegue minha mão, assim, no escuro, não deixe minhas cartas esquecidas no fundo de alguma gaveta. tu não sabes as dores dos atrasos, os rasgos de papel, como a escrita pesa, na ânsia de uma pouco mais ainda. chove lá fora, um dia clichê, impossível evitar este resto de melancolia. é a mim mesmo que eu imploro ajuda. o mundo é este resto em movimento em que é impossível reconhecer um outro rosto. os trens não chegam, os aviões não partem. nada está como deveria, apesar de meu relógio estar adiantado alguns minutos, meu ritmo atropelar as horas, os atrasos acontecem como quedas, como luta da natureza, como algo que insiste ainda em tentar me fazer parar. um atraso esta muito perto de um silêncio. caso eu não receba o telegrama a tempo o que acontecerá? o tempo está fora do controle, bate além da arritmia de meu pulso e insiste ainda em marcar no descompasso o desejo que sinto na superfície da pele. telefone ocupado. para algumas pessoas é preciso se perder algumas vezes, perder a agenda, os diários, as notas de trabalho, perder um pouco desta vida regrada, caindo no poço da escuridão, viver livremente em angústia os minutos de puro descontrole. experimentar uma possibilidade outra como quem experimenta um outro tempo. em grandes goles de tequila. Eu te disse deste abismo em mim. é preciso chegar em tempo ainda, antes que as luas mudem, que se perca a voz e que nada mais faça sentido. não gosto de aventuras medievais. tu ainda tens o seu mínimo de tempo, mas a ampulheta já foi virada. na falta de um sim, devolve logo meu não.
domingo, 2 de maio de 2010
um acidente noturno
as mãos ao volante, ouvindo janis joplin. uma curva violenta: coração na boca, engulo. não esperava aquele sinal vermelho, que não reconheço no fundo disforme dos meus olhos daltônicos. o céu noturno, o corpo que teve febre colado ao teu corpo. os pneus cantam roucos, atropelando de mercedez benz aquela metade da lua. ontem sonhei que era sequestrado por um taxista maluco, atravessava pontes, mares, era deixado ao longe apenas observando uma catedral gótica, com o carro sendo atacado por trombadinhas que mais pareciam duentes terroristas vestidos de rappers. eu e bobby mcgee, mudamos o câmbio, três tiros para o alto, get-out. estou irrequieto, queria uma solução para o nosso "caso". tive um pedido de casamento, agora não tenho nada. certa feita me perguntaram o que tinhamos, só pude responder que não sabia, mas que estava contigo até que você descobrisse. não preciso frear, nem dirigir perigosamente. os meus quilômetros rodados refletem no retrovisor e me devolvem uma rua limpa, lisa, pronta pra voar. sem líquido de buzina. giro e danço. de onde veio este cometa? as estrelas caem, aqui, entre meus faróis.este eu que diz eu não é o eu que se maquia todas as noites e brinca de maria antonieta diante do espelho com delírios de vaidade, sem príncipes. esse eclipse, esta noite que nos devora repentinamente. eu espero um sms ainda dizendo que me quer, aqui no banco de trás, de vidros embaçados, o corpos acelerando, milhas à frente de qualquer simples desejo. eu não tenho guia, nem seguro. afogo o motor, o ponto-morto desta escritura apenas vai, sem recalcular o trajeto. o pedal engancha, eu toco sua perna sem querer, na minha imaginação, quando vou trocar a marcha. quem precisa de um mapa quando se pode dirigir bêbado numa avenida aberta em meio ao deserto.
Criminosamente
Nua, ela escova os cabelos, ainda tem trinta minutos para preparar as armas. A pele perfumada, macia e alva, tão anjo indefeso, fria no fundo dos seus olhos escuros. Um poço feito linhas racionais. No silêncio, oculto no quarto, aquele desejo por sangue palpita. Um brilho cerebral no canino direito. Os cabelos ruivos presos num coque, deixando à mostra o pescoço, um vestido preto, clássico, pérolas. Os saltos vermelhos, armas, prontas para arrasar qualquer coração inocente. O acento medieval escondido nas dobras da língua. O chapéu e os óculos escuros, a linha da boca em contraste com a linha dos olhos. Linhas que se cruzam para abrir um semblante perfeito, num sorriso que sangra. A pele sem marcas, só a marca de nascença de sua pérfida nobreza. Tão seleta para a devora, como se contasse estrelas ou diamantes raros. Não obstante, ela quer ser vítima, oferece-se para a morte, para um último duelo, que espera não vencer. Tem febre de calor, do calor do outro, é preciso que ele resista, que ele vença. Que a luta não seja aberta, que os olhares trocados toquem os ossos, silenciosamente. Não precisa do espelho, sem narcisismos ela sabe apenas o que se busca. Ele está pra chegar. Bebe o champagne, mergulhando uma luz vermelha nas faces. Não importa no fundo a cor, mas o peso de seu uso. A luz perfeita. Quando ele chegar, o que encontrará? O punhal guardado no decote, não para matar, mas para proteger o coração. O arsênico no anel. Mil armadilhas espalhadas. Os rostos empalhados ocultos em algum labirinto, uma vez vencidos restam como ornamentos. Mil anos apenas a aproximam da morte, é preciso encontrar um sentido num beijo e não menos que isso. È preciso que o toque fale, que a maquiagem borrada não seja indicio de uma beleza perdida, do que se passou e passou. Mas que os pincéis permitem descobrir sua contra-natureza. É preciso estar preparada para morrer ou entregar as armas.
É hora de acostumar com o cheiro de formol e com os órgãos expostos. É preciso por as luvas. Atacar a carne sem dó. Não pensar na vida controlada, na pele ressecada, no nariz irritado, no que resta de humano do lado de cá. O que é este humano que insiste? Talvez seja isto que faz balbúrdia no pulso e afeta o estômago. Não tenho mais reações. Um mundo de branco sobre branco, quando muito de azul ou verde cirúrgico. Eu tentei encontrar algo mais. Não sei o que encontrei para além deste sistemas em vermelho duro. O vermelho concreta as formas. Não irei mais escrever, não irei mais pintar. Vou esquecer este espaço. Esconder-me no fundo do laboratório das formas, sem significar, sem insistir, sem delicadezas. Sobreviver, isto apenas.
Assinar:
Postagens (Atom)