domingo, 20 de fevereiro de 2011

atrasando o relógio

(agora) poderia ser cinco horas da manhã, mas não ainda. saio do banho, costas úmidas, coxas molhadas, o desejo escoando devagar pelo ralo. no corredor, não do apartamento, mas do lado de fora, uma porta abre. algum vizinho fugindo pela madrugada. aqui apenas, meia luz, papéis caídos. o que eu esqueci dentro do livro era uma carta ou uma lista de compras? leio em llansol algo sobre saber esperar alguém. flaubert me ensinou que a educação sentimental pode te fazer perder o trem. se ele ainda continuar a dormir quando eu retornar ao quarto, isto nada mais é que uma linha roubada, o corpo, a respiração, o sonho entre os lençóis surrados e suados, regendo alguma constelação. o oscilar curvo e quente dizendo da presença. no banho, eu era a ausência líquida de mim. os passos que descem a escada que leva para lugar nenhum. há dois anos eu escrevo. há dois anos te escrevo. há dois anos algo sempre me escapa. os músculos tesos dizendo que é preciso retornar o ponteiro. não sei dizer o que certa física mística diria disto. eu alongo o sentido pra não dizer do sentimento, mas pra dizer do corpo. o teu corpo bêbado diante do meu. teu corpo suado que dança e dança e dança, mas não faz ponta, não se apronta e não se apruma. nem mesmo me vê. preciso fazer um curso de silêncio. as palavras são arame farpado em que sempre deixo um naco de carne sangrando, mas que os abutres nunca comem... os próprios corvos, como os mortos, nunca retornam. é possível dar um beijo de boa noite em teu corpo adormecido? eu não sei sorrir pelo ângulo da malícia, nem mesmo chorar por uma angústia de melancolia esquecida. um pianista afinando suas cordas. é sempre possível atrasar um beijo. é mais possível ainda adiantar o esquecimento. a escada em caracol, os mundos paralelos... e se ele fosse eu? se fosse ainda eu? mas um reflexo diferente no bico do salto alto diz da mão que me é oferecida. uma amiga. costuramos os olhares. na dúvida. eu não sei tirar fotografias. eu só tenho isto e algumas moedas. escrevo, gole-a-gole, copo-a-copo... até acabar com a garrafa. eu ainda não toquei no ponteiro grande. meu tempo esta suspenso. já te disse que não poderemos ir para sírius... ela não é uma estrela solitária. há uma magnitude aparente em escrever e dizer disto que se escreve. te confundir devagar. sobre o quê escrevo ainda? eu posso te decifrar o código, mas ele diz do vazio. eu apenas encho devagar a taça que não vou beber. quem se embriaga aqui, perde a carteira, os documentos, as máscaras... eu tenho isto. me deixa um bilhete na saída. que horas nos vemos amanhã?

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