sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

e é noite... há 66 anos

(aceitarás o amor como eu o encaro?)

e é noite, e tudo é noite, mário de andrade, como tua noite, sessenta e seis anos atrás, ou mais, ou ainda... bandeira me disse que você não morreu, apenas está sem publicar livros. quem sabe? talvez eu pudesse descer aos infernos contigo ainda, descobrindo nas curvas de são paulo as chaves para um novo e mais bem acabado pecado. mas eu falho. e sempre caio na esquina. o assalto é o que me leva e não diz da minha salvação. eu não gosto da catedral da sé. também eu poderei atravessar meus 56 anos. mário, nós dois sabemos que o coração sempre falha e mais depressa do que deveria. talvez seja vício deste tempo incerto. eu tenho o espelho para me confortar: a maquiagem para disfarçar a sombra pesada de bílis dos olhos. como verônica talvez na minha passagem pela rua aurora eu tenha andando com teus pés, calçado teus chinelos, dado os passos largos e rápidos de um minueto sem cor. na lopes chaves, agora, sua cabeça, sua casa, tem vezes de máscara e recita peças que talvez não devessemos ver, talvez não diga nunca do que tu esperarias. mas é são paulo quem insiste, a cidade que grita, a avenida paulista cortando o corpo amontoado como uma veia aberta que jorra, não sangue, mas o fluxo contínuo e insistente de um tempo que insiste em varrer e atropelar aqueles que a cruzam. no pátio do velho colégio não consegui ouvir, em meio ao ruído dos ambulantes, dos que passam, dos gritos, do burburinho, das buzinas, das pessoas, o teu coração. ou talvez este seja teu coração: batimento de cidade viva, de cidade, de relógio pontual e adiantado para quem já acorda sempre atrasado. eu pulei no seu túmulo e tu te fez fantasma. eu escrevo sobre ti, talvez o peso mais importante de uma letra que já escrevi e só me resta perguntar: Mário, para onde me levas? a culpa será tua? quem começou toda esta majestade falsa? não nos perguntamos em vão, talvez não inventamos as angústias vãs da cidade mais-que-moderna que como monstro mítico nos devora corpo, alma e pensamento, reduzindo tudo a isto: relógio eterno a girar, lugar em que os sinos nunca badalam e que a música nunca alcança. quem lembrará ainda de teu rosto amanhã? o que sobrevive ainda de teu verso? eu nem tenho direito mais de ser melancólico e frágil, nem de me estrelar nas volúpias inúteis da lágrima! eu sou tão racional que reduzo e me retiro da cena sempre. nem penso. nem tento. talvez. todos estamos em busca apenas de um sabor, de um olhar, uma certeza... e este grande medo de abraçar os inimigos... o problema talvez seja não mais o de escutar, mas o de ler, mário... quem ainda consegue sobreviver soterrado numa biblioteca cutucando a onça da loucura com vara curta? e eu já te fiz minha homenagem de olhos semi-abertos, racionais, no cemitério da consolação. (...eu já amei sozinho comigo...). que tenho eu que nem mesmo de são paulo sou pra te oferecer desta minha ilha distante se não refazer em pensamento, em verso, em linhas, sob o arco admirável da ponte das bandeiras tua aventura em letra, desfalecendo, corpo em queda, dissoluto e fraco, mais que uma lágrima apenas, uma lembrança atravessada pela teu sentido posto em verso, um verso apenas, para seguir, barco bêbado na alga escusa das águas do teu tietê.

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