sexta-feira, 5 de novembro de 2010

delírio

"Quando, porém, se completarem os mil anos, Satanás será solto de sua prisão"
Apocalipse, 20, 7.


falo, tu não ouves. não sabemos como compor este jogo. poderia escrever "naquele tempo", mas não houve sequer este tempo. quem se joga ainda uma vez mais ao abismo? talvez uma carta selada, talvez aquilo que se escreve no tempo, no sangue que corre o corpo, no calor humano do pecado. quem escreve não é um anjo alado. quem olha de lado? sem delírios de grandeza. não acredito em um super-ser com grandes poderes. talvez seja hora de desistir. de parar de escrever nas paredes da cela este nome. escrever um nome para se libertar da cela da linguagem. paradoxo impossível. isto cansa. e cansa ainda. há uma dor crescente, como lágrima que jamais será lágrima, nesta angústia de não poder chorar. talvez devesse em insistir em escrever esta história, mas não acredito em histórias. toda história sempre serve para alguma coisa para além do que conta. mas o que se conta afinal? eu dizia que falo e que tu não ouves. isto é que houve. as grades da cela são como pilhas de livros inteligíveis. quando virás ter comigo? impossível dizer que não tento. eu simplesmente desisto. não pintarei mais os quadros de minha angústia. o voou último é sempre uma queda. talvez um vigésimo andar. devo pensar apenas nos ossos, na maneira como rangem contando disto que faz o tempo, que acaba com um corpo, sucedendo o nome, acumulando o pó e lembranças. um sopro. hora de começar a rasgar as fotografias, ocultar a possibilidade de resgate. sem asas para dar a imaginação. ora, o presente dos anjos são inaproveitáveis. acho que isto passou. talvez mais de mil anos tenham se passado neste pequeno espaço de horas suspensas. a marca na pele se apagou. o calor que deveria vir e não veio. há a sombra, como um quadro de mondrian, que me persegue. não creio nos anjos, nem bons, nem maus. quem sabe apenas neste mil anos que doem, como pedras circulares em que a sombra apenas conta, conta, conta. sim, nem mesmo este delírio se sustenta como ponto em que o espelho reflete uma imagem possível. a linguagem disponível talvez já tenha sido combinada ao extremo. quem sabe nesta outra língua que invento, nas entrelinhas, ainda possa dizer de algo, desta dor que faz apenas este corpo ainda persistir.

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