segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

deste ponto

já passa da meia noite, é preciso desenhar a cena do final do dia, do final do final e semana. contornar as linhas da crise. neste momento, entre cochilos mais perturbadores que restauradores, estou só. estou só num apartamento que está, certamente, bagunçado. e eu preciso limpar, mas não agora. há dez anos atrás me perguntava e fazia planos de onde estaria agora, o que estaria fazendo, só como exercício de imaginação. puro dispêndio de sonhos. algum plano realmente deu certo? daqui, deste lugar em que só posso olhar para atrás ou para estas paredes. para a tv ligada num programa ruim e cujo som compete com o ensurdecimento que o ventilador me causa. não acreditava que chegaria a este ponto, em que simplesmente os pêlos se eriçam e  corpo vibra. eu já li tantos livros, mais do que a boa parte das pessoas que conheço. eu conheço línguas que aos olhos dos outros só parecem decoração cafona de bar dos anos 70. estou na margem do limite: em 5 anos haverá a guinada. e 5 anos passam tão rápido. as vezes chego a pensar na vida como um grande quebra-cabeças esquecido em algum baú e que em vão tentamos montar sem nunca perceber que são duas paisagens diferentes e que estão faltando peças. nunca poderemos realmente ver alguma coisa.  a única coisa é tentar visualizar uma possibilidade peça à peça. sou confessional, faço diários. meus dias não tem mais tempo, estou perdido no calendário. não consigo entender o influxo do tempo, da rotina. é fevereiro, é festa, carnaval... mas eu perdi o sentido. mas nem é mais necessidade de clausura. estou só há tanto tempo quer ter uma companhia superficial, sem pretensões, já é alguma coisa. eu, o apartamento e os dois gatos. e talvez eu faça essa bagunça toda tentando preencher este espaço que dói através de mim. eu me contento com pouco. talvez este também seja meu erro. além daqueles clássicos que só me apontam as escolhas que fui tomando por acreditar no rigor de minha opinião. algumas escolhas certamente foram acertadas, à outras eu fui empurrado. eu já amei, certamente, mas não sei se já fui amado. não sei o que isso quer dizer? alguns tipos de amor me foram vedados. tudo transformado numa experiência prática, acadêmica, pensada... eu me acostumei a querer pensar e apostar minhas fichas na reflexão. e não entendo, existem coisas que a lógica não explica, talvez porque o desejo seja tão arbitrário que é como um tropeço. e talvez não se deseje um ideal, uma imagem fantasma. talvez por isso quando os deuses do olimpo desciam  da cúpula celeste eles fossem humanos no seu excesso, mas somente por terem a possibilidade deste excesso se entendiam como deuses. não há megalomania nesta questão, no meu caso, observo-a por outro ângulo. eu tentei um ponto da perfeição.  tentei criar um ideal de mim, um projeto de humano e mais que isso, tentei executar e ensaiar os passos desta experiência. não sei o que criei  ou o que fiz de mim. eu tentei me adequar, mas ao tentar fazer isso acabei me deslocando. ao menos tem algumas coisas que eu posso assinalar: eu já tive aquela paixão rompante, já tive meu capotamento, já tive meus pequenos delírios. agora, ao meu lado, o celular vibra, me espanto... ué, quem poderia ser? eu sou a meia furada no fundo da gaveta que só não foi jogada fora porque um dia foi boa, porque vai que um dia ela pode ser necessária. mas era apenas a bateria acabando. eu acho que eu espero a pequena delicadeza que todo mundo sonha, mas ninguém quer, porque alguém inventou que horda devesse procurar e se empanturrar de uma vida que não se sabe que tipo de vida é. eu pensava que quando chegasse a este estágio, oras, eu tenho tanto caminho andado, tantos livros lidos, alguns quilômetros percorridos... eu sei que sou isto, frio, armado com meu bisturi lógico. mas eu procuro, eu ainda tenho aquela ideia da casinha de cerquinha branca. eu ainda vislumbro esta possibilidade como uma realidade alternativa. mas não é mais a minha possibilidade. eu não respondo ao desejo. eu com meu um metro e setenta e cinco,  com meus olhos castanhos, com meu cabelo castanho claro, com essa pele estranha, com esta barba, com meus saltos altos, com minha cicatriz no joelho e minhas costelas salientes. tudo o que eu tenho é apenas isso e minha sinapse. mais normal que todos, eu sou a exata média do caminho. não tenho um metro e noventa e sou o galã gostoso de seus sonhos eróticos. sou a bichinha nervosa roendo a unha do polegar com os olhos vivos atrás de meu ysl dourado. eu digo que queria ter alguém, mas talvez a gente não deva e nem possa ter todos os desejos realizados. li em um livro, que não citarei para não agravar mais o pedantismo da cena, que deveríamos agradecer por não termos todos os desejos realizados, já que as vezes o que desejamos não é  exatamente o que precisamos ou o que queremos. eu gosto dos porquês. eu com meus gestos amplos e minha irritação afetada. eu que sento no meio-fio e bebo uma garrafa de espumante vagabundo... ou mergulho os dedos, na maior falta de classe, dentro do meu dry martini para catar minha azeitona. eu que gosto da minha imagem de maquiagem borrada depois de chorar diante do espelho. descobri no exercício da prática que  sofrer inventando esta dose de glamour dói, mas se suporta. delírio? certamente. mas sou eu com meu pé 37 e sapatilhas de ponta. eu que apenas observo. eu que sou piadinha.... o eterno cômico de ser mais mulher que muita mulher. sorrio apenas. algumas pessoas não entendem a violência do que dizem. do que me dizem. eu aquiesço. não há motivos para ir além. este é meu mundinho: uma estante torta que cede ao peso dos livros. eu sei que o que eu escrevo gira sempre em círculos e sobre o mesmo eixo, mas eu apenas tento escrever como um exercício de vamos ver onde consigo chegar com isso. eu escrevo (aqui) para pensar, para me pôr a pensar nisto que sinto, no que me ainda me permite deixar os pulsos intactos.  eu não sei o porquê não desisti ainda, não entendo o porquê resisto com este sorriso lateral. talvez não seja eu que deva descobrir. ai, paro, olho a mesa de centro, o livro que eu deveria estar lendo está ali, ao lado de minha barra de chocolate. chocolate ruim, vagabundo, para crises. apenas açúcar. e eu escrevo, escrevo, como o judeu errante caminha no deserto. o divertido é que este trocadilho tocar um ponto deste real do apartamento, a torá na entrada de minha porta. e eu me perco tanto neste labirinto, queria dormir, não consigo, queria ficar acordado, não consigo. as vezes acho que a cada diz mato um pouco deste meu desejo, como se lutasse para não desejar. e não querendo desejar, talvez não possa ser desejado. talvez eu renuncie demais. este final de semana encontrei, eu armado de meu martini, um ex namorado, oras... normal? não. é engraçado não poder conversar direito com uma pessoa com que você já dividiu uma cama, com quem você já viu nu... se houve uma intimidade, o que se passa nesta barreira? será que o erro é meu de apostar, de permitir escolhas. ou talvez este meu vazio seja um abismo intransponível, e eu o sinto como se fosse, mas eu pulo nele, queda-livre, mas não posso pedir pra ninguém pular junto. é um pedido grande e pedidos como este não podem ser feitos. é como querer dizer eu te amo, esperando um eu te amo como resposta. isto não vale. eu, meu cobertor azul... e a sede que restou dos excessos, dos gastos... mas, bom, tenho a sede. paro por aqui. preciso de água.  já não sei mais qual a consistência de minha angústia, qual o drama em sépia que viverei amanhã. estou cansado. sem exigências. talvez eu nunca parta deste ponto. nunca ultrapasse o meu ponto-final.



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