segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Uma dor oitavada

(bem à Manuel Bandeira)

Tosse. Tosse. Tosse. A sede torce o corpo. Um piano rouco ao fundo. O rosto preso a cama. O travesseiro úmido. A distância abrindo as veias. O suor abrindo oceanos. Febre. Febre. Febre. O que você diria doutor-todo-alucinação? A mágoa roída na unha do dedo mínimo. Tenta um grito em três tempos. Um filete de sangue escorre por um dente. O gosto amargo é passado e não futuro próximo. O futuro diante da janela, você não entenderia, mas as alucinações são sempre belas. Não há o sofrimento do poeta. A apenas o fato se fazendo imagem. O que dói nos pulmões não se imprime nas palavras. Os lápis se misturam. As mãos se trocam. Impossíveis os doentes mágicos. Pílulas coloridas se distribuem em copos plásticos. Nada combina. Não gosto das verdes. Não é tão fácil assim: cruzar as linhas da paisagem para vencer o mapa. Sem perspectiva. A vontade indizível de chorar, mas resta o grito sem voz, com a noite pondo areia nos olhos. A paixão está nas vírgulas. É cada vez mais difícil escrever. Não que seja algo sensato, inteligente ou com sentido. Simplesmente, escrever é o difícil. A mente dolorida, o corpo pesado, insiste em cair para fora da página. A paixão está nas vírgulas, mas e o amor? Quando você fala comigo algo lateja. Queria poder ceder ao jogo. Há a neurose. Sem todo amor que houver nesta vida. Desistir talvez conforte. Como você se sentiria se fizessem uma lavagem cerebral no seu melhor amigo? Sem complexos de culpa, vítima de críticas destrutivas com uma larga coleção de mágoas e coisas impossíveis de serem ditas. Há algo que falha. Quando você escreve pra mim algo palpita. De resto, respire, suspenda. Os livreiros e editores são sempre muito necessitados. Eu não consigo escrever tua carta. Troco as letras e não me sinto bem. Nada é tão simples. Dobrando as esquinas, é meia-noite ainda, quem me abraça são meus próprios braços sombrios. Sono. Sono. Sono. O que escoa e escorre, arde. Disto que enrijece com o silêncio e vai se perdendo pouco a pouco. Eu queria não ser tão fácil. Eu queria não ser tão lógico. Parar de admitir as coisas e seus lugares. O inverso de si. O impossível como aberto. Como porta-aberta. É preciso dar boa noite. Sem contos de fada. Na esquina, o vento que dobra, assovia. Amanhã quem gritará as horas?

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