quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Доктор Живаго

(A hora da estrela de cinema)

Qual a manchete de hoje? Finjo que não sei. (Criança revoltada com Sherazarda que sempre continua a história). O que gira e abre na pista, no rosto estranho, no reflexo de estanho dos espelhos. Haveria a força do beijo aqui? O beijo que sacia está tão longe e em silêncio. Meu corpo é que lacrimeja em dores. Desta feita minha margarita não voou pelo salão. Os olhos que encontrei. Os corpos em que esbarrei. É preciso aprender a mergulhar nas garrafas e nos copos, fugindo do contato dos corpos, destes que querem te morder, que querem apenas o corpo no seu mais quente lateral, o corpo sem nome. Uma dose de tequila não faz do corpo uma marmita, destas que você leva para comer em casa. Meu amor, você fugiria de mim? Longe, bem longe, quase de madrugada, ao longe, é possível ouvir os sinos catedral e o canto gregoriano murmurando na distância. Se tu soubesses como eu posso ser carinhoso. Corro de todas as moças. Tudo é um risco. Lembro-me de uma garota estranha, certamente confusa, que veio de leve, sorrindo, copo confundindo o corpo na mão, seios afoitos, conversar comigo. Sorrateiramente me pediu um beijo. Impossível. Não há mulher que enfrente minha imagem refletida no espelho torto que se abre turva e oblonga no fundo de um copo de gim tônica. E eu nem falei francês e nem mesmo caí no abismo. O ego suicida ainda se sustenta, equilibrando-se no parapeito, trinta andares acima do solo, só esperando um analista gritar “pula!”. É o cinema, bem à Almodóvar, que me engole, cheio de cores e perfumes. Mas seu diretor preferido começa com F… minha memória é apenas 8/2 da tua. “Este telefone está programado para não receber chamadas”. É meu costume obedecer. A última vez que fiz minha barba foi pra ti, para que descobrisse meu rosto, além desta máscara inteligente e quase pensante que se cola muitas vezes, como uma máscara de papier-maché feita de obras raras. Tônica, rum e suco de limão. Hoje eu sonhei que corria por um corredor largo, cercado de quadros, buscava sua mão e não encontrava. Havia no corredor tantos outros. Tantos. Um engenheiro elétrico punha luzes no caminho, outro com uma jóia Tiffanys falava, mas era impossível de se ouvir, estranhos e estrangeiros. Como Holly-Audrey eu roubava máscaras, mas não me fazia cão ou gato. O pesadelo me deu nojo, você sabe que odeio vomitar. Parecia que a noite se desdobrava em duas. Duas longas noites. O meu mar tornado texto não tem segredos, é pura calmaria, mas não sei nadar. Quando o amor estará em perigo? (A sapatilha se suspende nas fitas e faz ponta sozinha: como confiar neste equilíbrio mudo que dói e sempre insiste no sangue?) O que diz a tatuagem que fiz na tua pele? O uísque cowboy é chave da noite, carregando poeira e calor nas botas. Os vaga-lumes bancando estrelas no quarto. Os insetos podem ser poéticos. Meu peito dói todas as noites, sinto que enfartaria, não tivesse apenas vinte e dois anos apenas. O que é que pesa aqui? Letras demais sem mulheres nuas. Uma taça de champanhe engana o paladar, fingindo um beijo em bolhas e brilho diamante. O que é que dói aqui ainda, não é o que mamãe sonhou, não são as dores das horas diante do grande espelho, alongando à barra, sempre buscando o movimento perfeito, sempre mais ao longe, ao longe, quase tocando o outro lado de mim, o outro lado do espelho, dançando uma valsa suspenso alguns segundos ao ar, quase voando. O joelho, as coxas, as costas, os músculos doloridos. Tenho medo da possibilidade de esquecer de ti. Permitiria isso? E eu, ainda, sempre continuo insistindo aqui. Mas onde é mesmo que eu cheguei sem chegar?

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