sexta-feira, 23 de julho de 2010

Amar-te-ei até o tédio!

(para...você
sabe, não...)

os ombros pesam, aquela marca no ombro e na barriga, inexistente, mas que dói. dói como o frio. talvez pudesse publicar aqui um de teus poemas, mas são teus, embora você nem saiba ainda. isto era para ser um verso teu. há a sede rolando no chão da cozinha. as mãos quentes contra o corpo mais quente. há todo um filme tatuado no fundo dos teus olhos. as mãos se acidentam contra o arquivo: Mário de Andrade, duas cartas e uma dúzia de copos de cristal para o Rio de Janeiro. Lembro do bodinho de Santa Teresa. Onde andará o anjo maroto? Coisas de Bernini. Subo as escadas. Não sei encontrar a ti no desejo com que me encontro abaixo, sobre, adiante ou ao revés do teu corpo. É São Paulo quem erra mais uma vez. É por isso que é São Pedro quem tem a chave do paraíso. Impossível fugir aos mendigos que acertam no escuro da cidade sempre um corpo a mais. um corpo a mais em queda. livre. há, certamente que há, o medo. Qual é o crime de quem sequestra um anjo dos céus? deveria fugir ou aceitar a pena imposta. oscilo nas letras. tenho o futuro traçado, só os detalhes vazios. talvez o erro: preencher um rosto, dar forma ao desconhecido. e eis novamente o medo e a angústia. Gramática em punho. Não mais e não agora. Repido, Baudelaire, como versos em diamante (não humildes chaves de ouro), os clichês de antes. o quê me espera no futuro deste corredor. não, isto não é uma metafora. os botões da camisa listrada em vermelho casados errados. os botões da calça em aberto. qual o sintoma? para além da pequena cama. o que faz sintoma é o que se pressente e preenche com presença este espaço mínimo. Tenho medo de faltar razão suficiente. há as coisas para entregar ainda. as coisas esquecidas, que deveriam ser entregues. a viagem sem data ainda, mas será preciso retornar. eu sei que todo ser tem a sua razão, mas qual é esta razão de um anjo antinatural, tão mau e especular no seu reflexo de azul. por tentar mais que o título, a mão suspensa ainda aqui, impossível dizer mais do que isso ou novamente. minha razão é acreditar à exaustão. em quais estrelas você acredita?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Coming up

(une blague francophone à George Beataille,)

To Renata and Ibriela, who will maybe understand.

Now change position, New York, I'm new here and you didn't suck me yet! Tell us about your (sexual) fantasies. We're about to make (sexual) history. I love when somebody takes my clothes off. There's no problem. We can arrange that for you: step over him.(dark-vocabulary). What's happening? It's good this way, I can see perfectly. I'm coming close in... this was in a single shot? (no music, no song -- song x songe:) now roll it back… and forward again… and turn it up! L'Oeil, get closer and lower for more details. (What strong biceps you have, Grandma! Don't worry, you'll become a man. Yeah, in ten years.) i'll lie down like this. You come here. (come in portuguese, i hear Piva & you angel -- his Lolita-like combination of lustful innocence).Very cute. It's as if they were on their first date. They don't know where to put their hands. Use your tongue... go down on the Sex
& City
you down there. Swallow him! Let's fuck, all right? I see a dark sillhouette of a muscular body and here he comes. This is yummy. (You know, dark skin, hot blood). Come on, beat-children! Where's my condom? Keep sucking! This is not the end! Don't sit, get up. We don't see your dick, Paris, today. This angle is really distracting. What's this silence? Make it louder, bodies. (THIS IS A POETRY!) I won't be your friend if you do things like this! Don't stop the action, just listen to my instructions. (Life.. great ass!).This has all been in Real time. Enough?
Now to finish off the youngster. Help! You Brute! Now, my baby? Do you wanna make me happy? Young gangster. Is this what I've been waiting for? For two hours? You can't be serious! You're the second, man!
OK, tonight I'll show you something!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Síndrome de Stendhal

Bem aos anos 30. de 1830.

(para Clauber, quase Glauber, o Rocha)

cuidado com o coração. respire devagar. sem fricativas, digo cã ou digo gã. prefere surda ou sonora? um desenho enviado de Milão a Reggio não faria tantos registros. como, bem pudera?soletro as chances de sorte e calculo os metros quadros. sistema. predicados analíticos insuperáveis abrem e fecham as cadeias das portas. uma janela aberta, pelo reflexo cardíaco o quê você vê? três acentos, quatro. corrijo. quem você foi numa vida passada. circulação offset. eu não sei tocar pratos, mas sei pôr os corpos no cavalete. procuro jornais, meio Caesar, meio quase Nero ao violino. não descanso à sombra das palmeiras. Constatei que todos os anjos tem o sexo amputado. Onde estãos as asas. nos belos lábios circulam, talvez, ainda, outras palavras.com o dedo é que se abre caminho no meio da multidão.o que escreverá Verlaine a Baudelaire, sem ser à Rimbaud. o calvário justo e verdadeiro dos homens de pecado. o index já foi feito. livros e homens já foram queimados. restam estes bilhetinhso esparsos. não quero ler Die Heimkehr, já estou em Französische Zustände. não sei se te deveria dedicar isso aqui.mas sei fazer uma dança, quase poema. quer ver?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Quase Carmem, meio Bizet

(Para Andréa, ainda)

Tentei te ligar, mas ouvia Schumann, meio profético, mas tocava Criança dormindo. A madrugada, daquelas que os pelos eriçam, o estômago lateja, os olhos insistem no que não deveriam. Quando se tenta agarrar a algo, mas é impossível. Tantos quilômetros, não? É a voz que cai. Não me deixa cansar de montar este quebra-cabeças. Como Carmem, eu sabia, que não deve brincar entre o touro e o toureiro, nem sorrir nas janelas para estranhos. Hoje não dá para Vivaldi, Pachebel, Charpentier ou Bach. No máximo Palestrina tentando salvar minha alma (que alma?). A música vinha de longe, do fundo do quarto. Nos fones esperava a voz. O que é uma voz? É tão idiota quando se precisa do outro, que até mesmo se inventa meio de conseguir isto. Eu fui buscar em uma gravação o conforto de minha ilusão. O que restará amanhã no mínimo caractere disso? O ruim das dores é que sempre se sobrevive a elas. Ou isto deveria ser o lado bom? Preciso ouvir coisas com nomes estranhos, para não pensar. Langsam, Schleppend – não. Tudo tem passos de cavalo. Nightmare. Um pesadelo poderá ter seu cavaleiro? Eu creio que sim. Knight-mare. Um nome que poderia traduzir isto: Leoncavallo, mas sua Matinatta não ensurdece os meus ouvidos ou os libera. Não ainda para Dvorák, Beethoven, Bernstein, Mendelssohn, Chopin, Elgar, Gershwin, Clarke, Rossini, Stravinsky, Rubinstein, Strauss, Brahms, Haydn ou Mozart. Menos ainda Gomes, Mascagani, Puccini, Offenbach, Moncayo, Suppé, Villa-Lobos e Ginastera (diria impossíveis). Wagner, Chabrier, Albéniz, Grieg, Tchaikovsky, Gounoud, Lehár, Paderewski, Waldteufel, De Falla, Pinge e Verdi (Ah, Celeste Aida!) não são opção. Nem mesmo Debussy ou Ravel. Rimsk-Kosa (um violino cigano? É Sherazarda quem escolhe). Prokofiev apenas insiste onde não deve, entre Montechi e Capuletii; e você sabe o que encontro aqui, para além de Shakespeare? Quem será o cavalheiro eleito?An (latin)american in Paris (mas seria Viena a cidade dos meus sonhos?). Camille Saint-Saëns, Uma dança macabra. Eu comecei a ler James Joyce, mas desisti. Sem pompa e sem circunstância. Evito teu universo, antes disso Jingle Bells. Ah, mon beau sapin…
Sei dizer muito não, é mais seguro (ou não?). C’est ça que reste: Marche au supplice; c’est ça que manque: allegro non troppo. Quem mais ainda? Ivanovici, Martini, Stolz, Kreisler, Fibich, Flotow: NÃO! Procuro algo que não encontrei, mas acho que sei o que é. Tantos nomes e tantos sons, para esquecer um nome e um som, que ainda insiste no vazio. E perturba. Lizst e Liebsträum. Não, ainda.

Carta & Postais

(quase Florbela Espanca)

Para Octávio.

Hei-de dar-te o meu retrato
Que na sua moldura ri.
Beija esse pobre sorriso
Que nasceu pensando em ti.
Évora, 12.07.1916
*
Ouço Vinicius, no contraponto a voz de Bethânia, talvez deste silêncio errante, no meio do nada, que dizes que aceitaria como vida. Não acredito nisto. Abro as gavetas, as caixas, talvez até a alma vendida e fácil. Há tanto papel espalhado pelo chão. Atrás de um quadro de Kandinsky: “I didn’t mean to, honour bright. It was only for cod. I’m sorry. Wells (de Londres, sem data)”. Ah… se tu soubesses… saudades… saudades… quem não as sente? O branco é um silêncio tenso.
Hei hoje de pedir-lhe uma coisa. Será apenas um momento a dizer, descanse, meu amigo, que sei sempre fazer o que devo. Esses pesares que a memória insiste. Insisto neste fato, na lastimável pena que é não haver manicômios para corações, que para cabeças há tantos.
Eu tenho tantos postais aqui, guardados, com quadrinhas tão simples, que hoje acho que estou melancólico por achar neles graça. ([?] Es o no es el sueño que olvidé antes del alba?).
Sou triste, imensamente triste, duma tristeza amarga e doentia que a mim me faz rir às vezes. São os traços diários deste rosto lavado, porque pareço alegre e toda gente gaba a minha… alegria! Mas coloco em cena o egoísmo humano, e lembro-me que sempre há de consolar a nossa dor o espetáculo da dor dos outros. Só posso crer que muitas vezes troças de mim ou tens vontade de fazer literatura quando dizes certas coisas. Não sou bom, nem sequer quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar, hum… amar… não sei o que dizer a este respeito agora, difícil quando paira o silêncio (quase branco) e isto apenas preenche a madrugada. E agito sempre meus guizos e chocalhos, faço sempre barulho, um barulho infernal cheio de vida, de alegria e imito todos os risos e cá dentro é noite. Como lá fora.
Sei que desenhas e talvez possa dizer algo sobre isto com perguntas à margem, numa lição quase cotidiana, não que precises levar a sério: o que faz o homem de manhã que a mulher não tem de fazer? A barba, em termos estéticos: um complexo numa adição rítmica simples. Fazer a barba é suprimir linhas inúteis. Sem mais mosaicos de Veneza.
Nem sempre é preciso muita coisa para organizar estes meus papéis que desconheces, por vezes seria muito simples, apenas juntá-los todos e lançá-los n’alguma caixa, mas não, é preciso ter paciência para penetrar os arcanos d’uma alma que se fecha nas páginas de um livro, para perscrutar as rugas de um rosto que se deixa capturar numa fotografia (como este vestígio de uma adolescência, que nunca tive, despontando na testa), as linhas da paisagem, aquelas palavras que sempre no verso ou reversos rasgam, não querendo dizer nada, mas que a maneira da música dizem tudo.
E talvez entre desenhos, aquarelas, ter apenas o gosto de chorar, de pensar, de troças, de rir suavemente, deliciosamente, com uma pontinha de ironia ali onde às vezes há lágrimas. Sei que você não saberia disto, mas eu li Júlio Dantas (e há mais nisso), na minha desculpa de não ter nada pra fazer. (Oscuramente libros, láminas, llaves, siguem mi suerte).
*
Descrevo a cifra deste postal, sua imagem, já que o verso não tem texto e nem sequer destinatário, pelo que leva crer nunca foi enviado. Há uma clara lua que poderia dizer da amizade silenciosa da lua, mas cito mal, como sempre, Virgílio. Talvez um tempo perdido em vagos pesares que seria inútil abrir todas as janelas do mundo para tentar respirar. Estado caótico de hoje. Quase como uma confissão de Cézanne. Eu quis copiar, não consegui. É preciso sempre olhar bem o postal, pode ser que seja o último.
Meio do nada, 12-07-2010.

A mulher maravilhosa

(Ou: unbewusste Vorstellungen)

Para Olivia.


Bruxelas, 26 de fevereiro de 1977.

O que escuto agora? Apenas vejo estas mulheres que passam, como quem vai simplesmente as compras, para além de suas relações. Aquela Anna, esta Emmy, usando a língua no limite do desgaste.Num tal de bom dia, como vai, as frutas estão maduras, os tomates estão verdes, fazendo ciência com o real que tocam. Está claro que o senhor (como fuma!),com cara de mau e gestos largos da minha janela, que observa (...acho que entendo)... o outro, mais adiante, no predio do ínicio do século, coisa velha, com seu longo charuto, par de óculos e um copo de uísque e não tagarela também. Tantos olhares e poucas palavras. Muito cigarro, muita bebida, e hum... mais? E tudo ainda se comporta em uma simetria embaraçosa, quase num voyerismo caleidoscópico: observo o homem que observa o homem que observa as mulheres que sabem usar do corpo e das palavras e que talvez, ao seu turno, também observem outros homens.
Isto não é estranho? Será que alguém, n'outra janela, também me observa? Ou será exatamente o contrário? Há certa ciência que desenvolve neste movimento, dotada é claro de notas artísticas e melindres, fruto do gênio (entre perverso e pervertido) da indústria humana. Diante desses olhares cúmplices pergunto, ao perceber no fundo do olho do outro, estas passantes. A elegância destas, não é um artificio? Um artíficio que procura o belo, ou talvez, mais que isto, que(m) é belo. Como demostrar isto? Ou ainda, o que ainda reside no olhar artificioso que observa este artíficio? É a cumplicidade do desejo? Não sei se minha biblioteca grega suporta estas questões. Talvez seja necessário suportar o cartão de visitas: prôton pseudos.
No fundo talvez reste apenas à pergunta deste corpo pensante, de como elas farão um bom casamento, com suas formas, suas curvas, suas estruturas... Num encontro casual, quase histórico, em que o relógio brinca de sonhar, como os dedos em certas ocasiões noturnas. More geometrico. O relógio geme. Preciso deixar o posto. Pegar meus sapatos de bico fino, meu cachimbo, a echarpe de seda.
Aliás, meus olhos rasgados ao espelho me denunciam. Hora de chamar o garoto de recados, lançar rapidamente a nota:
"Je sais que tu faire.L’affect est fait de l’effet, au vin blanc, au vermouth, au champagne, a l'eau de Seltz. Pas de raison. Bises. H."

De um outro a outro outro

Para Ronaldo.

13 de novembro 1968

Fiz aniversário ontem, nada de crucial neste sentido. É apenas mais um ponto no tempo, mais uma marca de onde estou. Tenho de aprender a jogar com este tempo e suas consequências. Não abri todos os presentes, decerto, pode ser... pelo fato de que nem ganhei tantos assim. Há um com um cartão estranho preso numa etiquetinha. Não sei quem foi a pessoa desagrádavel que o escreveu.« Je suis donc pour vous l'énigme, celle qui se dérobe aussitôt apparue ; hommes qui tant vous entendez à me dissimuler sous les oripeaux de vos convenances. Je n'en admets pas moins que votre embarras soit sincère » A verdade é que me encontro no limite com aqueles que estimo. Não sei o porquê alguém me deu um best-seller de Samuel Beckett. Pessoalmente, não entendo este surto. Tenho medo dessas festas, com convidados estranhos, sempre pode sumir algo da casa (ou do seu guarda-roupa). Não, não sou de direita ou esquerda, embora seja ambidestro. Mantenho este diário dado que gosto de pensar neste excesso acidental do meu dia. Quem sabe um dia ainda posso publicar estas memórias, não? O que ser isto que se passa nos meus pensamentos nos meus últimos dias? Não entendo o efeito disto, nem os motivos. Aliás, hoje chove... daria um belo motivo intelectual uma página intitulada aqua pluvia, não me consta que alguém já tenha escrito. Tudo parece questão de estratégia. Hoje ainda, às quinze horas, tenho café marcado com Jean (ele é fácil em todos os sentidos e fala francês com acento alemão, um dia pergunto o motivo). Odeio o perfume que ele usa, mas o quê fazer. Penso em telefonar para ele para que venha até aqui, não quero ter de ir com tanta água assim até [encontrar]. Soube que fez uma viagem ao Mar Morto, espero que traga fotos, mas principalmente que tenha perdido o vício marxista, espero que tenha lido o Hegel que lhe dei de presente. Gosta de escrever muito, mas fala pouco. Do contrário ainda bem que gosto de jogar xadrez! Bom, preciso tomar um banho para esperá-lo. Só mais uma coisa, para não esquecer de escrever mais tarde: Henri, que não suporta Jean, recomendou-me fazer análise: começo amanhã.
Ps. Voltei a ler os versos de Valéry.

Os Kafkas

Inseto de praga, ataca sozinho: devora (a si) sozinho. Inseto casca dura, parente das traças, reside entre vermes, livros, processos. Muito comum no fundo de bibliotecas, mas muito mais ainda, desolado no interior de um belo arquivo jurídico.
Multiforme, costuma atacar nas manhãs de sonhos inquietos, na cama.
De casca dura, parece revestido de metal, ventre castanho arredondado dividido em duros segmentos arqueados, inúmeras pernas finas, olhos capazes de divisar além e aquém das negras sombras dos caracteres que se desprendem como líquido das páginas.
Pouco natural, costuma sofrer metamorfoses para se adaptar ao meio, por processos lentos (tão lentos quanto sua digestão). Costuma ter um ímpeto revolto, avesso às suas próprias necessidades. Intenta-se contra o progenitor desde o dia do nascimento. Vencer o pai para este inseto pode ser sinal de libertação, algo que teria equivalência nos ritos de passagem da sociedade humana.
Costuma atacar o sistema neurológico central conduzindo a estágios psicossomáticos ainda não descritos, dada sua recorrência não sistemática: para cada vítima este inseto vil conduz e tece um plano ardiloso, único, singular, que jamais será repetido (há um prazer sádico em jogo).
Capaz de percorrer grandes distâncias e medidas, em estágios terminais constrói a sua volta um castelo, o qual servirá de mausolo para seu corpo morto.
Passa sua vida acompanhado de seres simbióticos, entre os quais um de espécie ainda não descrita, conhecido no vulgo como Max Brod.
Costumam morrer isolados (exilados?) para lá das muralhas da China, às portas da justiça, geralmente de tuberculose, em macas brancas e brandas alucinações.

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Texto publicado em:
LIMA, Manoel Ricardo de (Org). Quintajusta. Florianópolis: SESC-SC, 2008, p. 25.

Milady Woolf

A cadeira na contraluz de um céu em tons cinza, o perfume de melancolia, uma mulher que tece como as lembranças que percorrem os longos corredores da existência. Em um murmúrio eterno, a velha tipografia emite os gritos das velhas lembranças e dos velhos escritos (há ainda oculto em alguma gaveta da casa um bilhete repleto dos cacos da existência de Mansfield).
Quando os torreões, quando todos os mitos se deixam cair, como um copo quebrado, como as alucinações, como sonhos roubados, ela ainda respira, ainda escreve.
Antes de ter pesadelos, ela podia sonhar como uma mão pode tricotar um par de meias ou um pull para Orlando.
Sobre a cadeira, os óculos refletem o rio longíquo em suas curvas de mulher, como as daquela menina que insistia, em meio a todo fog, pelo deleite do velho balanço no carvalho. O rio reflete o céu, as tempestades do céu (a mesma tempestade que bate em algum coração de esquina embrulhado por um jornal velho), o tinteiro lançado sobre o chão em um ato de desespero.
Sem hora, senhora Woolf não foi comprar flores, foi se afogar. E nadar.
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Texto publicado em:
LIMA, Manoel Ricardo de (Org). Quintajusta. Florianópolis: SESC-SC, 2008, p. 11.

Janelas fechadas

(uma piscadela à lusbel)

Eu, o corpo, o copo, o sakê, o nada, o deserto e os livros. E a pergunta fatal: há alguém aí? Ai… alguém há, responde o Eu. He bowed and walked quietly out of the room, closing the doors carefully and slowly. Er weint aus Verzweiflung.
*
Deveria ter dito não ao primeiro contato, evitado o contágio, na minha pele sem destaque. O salão, a escada, a fome. A fome isto que come as palavras e evita que o rosto apareça nos reflexos laterais. Não sei dizer da cor dos meus olhos, é terrível, não consigo inverter este olhar. Perché è un mistero? Não sei o quanto vale delirar. Três tempos se chocam sempre. Geh diese straße entlang. Os gatos brigam na minha janela. A solidão alivia a verdade e a mentira no limite de mim. Como agüentar as estripulias gráficas deste mapa? Não sou católico a ponto da morte pelo universal que não me interessa, nem Joana d’Arc a acender a fogueira, apagando-se pela salvação. Algum resto de ilusão nas nuvens azuis de fumaça das chaminés dos palacetes? Quem de nós dois desistirá primeiro, insiste o espelho. Tudo que resta é a primeira pessoa, mas não o primeiro homem (talvez, o primeiro desejo confundido com amor). Ich habe keine Zeit. Ich bin in Eile. É São Paulo que insiste, mas é Pedro quem tem as visões. (Il gattopardo). Meu trovador sem lira escondeu o noigrandes e insiste na mesma. There was no answer. He knocked again more loudly and his hearth jumped when he heard a muffled voice say: “Come in!”. No beijo sintático, quando se abre o palco, em emoções sintéticas, quanto mais estranha a língua, mais sedutora. O que ela esconderia de segredo diante do público vazio? Il tempo necessario: un giorno. As chaves chacoalham no bolso. Sono stanco. Há uma certeza em mim que é quase uma indecência. É preciso estar sozinho, porém não há outra opção. A mulher para mim não era uma menina de seis anos, mas se equilibrava em um salto de 21 cm. L’hypocrisie liée à la carrière du regard. Eu finjo já que penso por mim, isso é por demais suficiente. Que me importa estes acúmulos de carne na estrada, estas carnes malcheirosas que se espalham. Não há fundamento. Há a voz e há o nada. O roubo secreto das palavras. No abandono da biblioteca: o refúgio da guerra, do assassinato. Há um perfume lascivo nas câmaras escusas, nas galerias ocultas, entre páginas proibidas. As estrelas giram. Algo se quebra. Tenho tanto ódio em mim que me afogo. Vômito as vísceras. Renego.
*
Zuletzt tat er das, woran niemand dachte – er beging Selbstmord.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Fini le voltage atroce

For most of history, Anonymous was a woman

não tenho um bom sistema numérico. minha cabeça dói. penso que penso. e como penso! queria desistir disto, abrindo os símbolos e traçando o sentido. fotos novas. hoje foi um dia instável em Paris. vontade de escrever "querido diário", mas a vergonha ricocheteia. Cross-dressing, sex-changing Orlando begins life as a young noble in the 16th century. Você entende, Vírginia, não podemos. Oh! it is absurd to have a hard and fast rule about what one should read and what one shouldn't. More than half of modern culture depends on what one shouldn't read.O único recurso que nos resta é olhar pela janela. Vemos pardais; vemos estorninhos; vemos algumas pombas e uma ou duas gralhas, todos ocupados com o que lhes diz respeito. O quê Oscar lhe disse Virginia. Há algo posto entre escolher entre os olhos cinza de Dorian ou os ambíguos de Orlando. Actions are the first tragedy in life, words are the second. Words are perhaps the worst. Words are merciless. Falta algo ainda aqui. estava no canto do quarto esperando o carteiro soar quando resolvi te escrever mesmo assim. com as letras pairando sem lugar. Ambos sabemos que entre o maiúsculo e o minúsculo posto entre mim e ti há uma escolha deliberada. A woman must have money and a room of her own if she is to write fiction. da próxima vez eu impedirei a luz de invadir os cômodos e encher o úmido de mim, com isto, com o vazio límpido e triste de um dia quente. Pintarei nos vidros alguma história triste, bem escura. como quem esquece, mas simplesmente para poder lembrar. onde você está? onde? ainda há fogo em mim. TIRO A LUVA, MÃOS NUAS. over here on the piano... solo et pensoso i più deserti campi, vo mesurando a passi tardi e lenti.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

(de um verso em Manuel Bandeira)

Eu me sinto vazio. Vazio. Talvez a culpa seja do remédio que tomei para dormir, ou talvez eu seja vazio assim mesmo e apenas me reconheço agora. Você me procurou, eu queria, te queria talvez mais do que a mim mesmo. Mas eu não queria ter te tratado mal, fica esta sensação gélida de que te tratei mal. Como posso te tratar assim. Tudo o que queria dizer falha, a linguagem mente. Eu queria poder dizer o mínimo disso que pesa em mim. Você entende. Talvez por tentar é que eu não consiga, como também não consigo desenhar teu rosto. Não deveria ser difícil. Não mesmo. E cada pincelada dói e no final não te descubro, nem a ti, nem a mim, no acabamento final. Fica a imagem ali, pairando, sem ser minha e sem ser você. Eu não sei como fazer. Linhas vazias talvez, para que você, como que diante do espelho, complete as formas e finja que se descobre ali. Eu tento ouvir música, relaxar, mas não consigo. talvez eu tenha te perdido em algum sonho meu. Eu te perdi em mim. A minha testa é perfurada por flechas angelicais. Eu não entendo o que quer dizer uma prata brilhando. Há um estilhaço em meu peito. O carro enguiça. O pensamento se atola nesta sensação. Encontro Tom ao piano, compondo ainda. Será que estou exausto? Fatigado? Qual a estrada que eu trilhei? Eu ensaio te dizer algo na língua impossível. Não me abandona agora, me ajuda? Eu sei que não consigo sustentar este mais um pouco e logo irei cair. Me ampara? Me segura, aquele corpo que caí fora daqui, precisa do teu corpo. Talvez por isso hoje, diante do espelho, vi um reflexo estranho em meu brinco de diamante. Vem comigo? Não soube o certo o que me consumia naquela dúvida. Talvez eu escrevesse um poema finado finalmente, assim, como quem encontra o fim. O fim de sua voz. O fim da possibilidade de dizer eu. Mas resto impassível aqui e dizendo eu. (Sou capaz de dizer mesmo que eu amo, ou ainda mais, que eu te amo). O que isto significa? Um copo verde de dor e saudade. Eu ab-sinto. Em um dos cômodos alguém insiste em algum canto litúrgico, cantando o farol, deus, um remo, não sei. Incômodo. Assim, como eu, você também se exilou. Tentou me achar, mas eu estava perdido dormindo, tentando sonhar contigo. Não sei o que sonhei. Eu sei que isto não se faz. Eu sei que cometi um crime. Me perdoa? Eu não quero te matar. Te extraño. Eu não te esqueci. Eu te procurava.

verso roubado

Quase à Gonzaga
Dou Bandeira:

Quis gravar amor
No tronco de um velho freixo
Apenas você saberá ler
O que escrevi

my friend

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pedido

Escrevi para ti, meu cisne, uma carta para enviar de Paris. Talvez não seja bem uma carta, talvez, meu querido, seja mais como um cartão postal em que gotejo devagar, miando, enquanto a água, como o Senna, escoa e corre. Talvez também possa ser apenas a torneira aberta nesta madrugada silenciosa, sem você. Ah, o seus miados com seu belo sorriso me fascina. Não quero que chores, você sabe que odeio te ver chorar e isto é que surpreende. O sol agora talvez tenha aparecido mediante a tua possibilidade de aparecer aqui. Ontem, enquanto escrevia, apenas chovia. Hoje o relógio dói, mas o tempo está maravilhoso. Isto é, devo dizer, uma agradável surpresa. Deixa isto que estas fazendo, vem comigo, seguindo meus traços, minha escrita, minha pequena paixão por você. Tinha um convite para fazer para ti, esta noite, mas tenho medo, afinal há quanto tempo não te vejo. Nossas crianças é que brincam, neste delírio de poema incompreensível, nos jardins. Eu me lavo enquanto você se veste, sinto seu perfume, vejo-o dando o nó na gravata e pedindo um vinho tinto a mais para pintar e adocicar nossos beijos. “Eu já espero há muito por isso… há muito eu sonho com você.” Eu não ouvi o despertador. Amanhã estarei de volta. Amanhã iremos para São Paulo. Por mais difícil que seja, cruzados vitoriosos, não desistiremos. Eu não queria te dizer, mas estas flores, estas aqui, são para você!

Ratschalag

…einem Brief nach Paris…
(nich einen Brief)
(sondern eine Postkarte ihrem Freund)
…Und das Wasser tropf und tropf…

Katze…
Ihr schönes Lächeln fasziniert mich.
Dein Weinem macht micht traurig.
Ich kann dich nicht weinen sehen!
Das wundert mich.
Die Sonne ist heute strahlend hell.
(Während es gestern in Strömen regnete,
herrscht heute herrliches Wetter.)
Dieses, ich muss schon sagen,
ist ja eine schöne Überraschung.
Komm doch mit… Lass das sein….
Was hast du heute Abend vor?
Ich hoffe, Sie bald wiederzusehen…
Wie lange habe ich dich nicht mehr gesehen!
(Die Kinder spielen)
Ich washe mich - Du ziehst dich an.
(Einem Rotwein, bitte.)
“Ich warte schon lange darauf…
… Schon lange trauma ich von dir”.
(Ich habe so tief geschlafen,
dass ich den Wecker nich gehört habe)
Morgen fahren wir nach São Paulo.
So schwer es auch ist, wir geben es nicht auf.

Diese Blumen sind für dich.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O vôo da abelha em torno de uma romã

(de um tema de Salvador Dali)

para quem sabe que é dono destas palavras
ou há que se dizer o nome
l'unique Nombre qui ne peut pas

o calor dos dias
na esfera do tempo?

acordei, tinha o seu perfume (que não conheço) preso no nariz. como ter certeza que era o seu? je crois bien que je suis le premier homme qui ait vu cet ouvrage extraordinaire. como te querer deste jeito tão dependente, tão meu-teu, tão quero aqui. eu te disse o que não queria dizer agora. eu precisava da cena, das luzes, das velas, da pose certa, meio shakespeare espiando pela cortina. não ouvi a voz que dizia da escuridão, da distância. destas quedas. do mergulho. mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. E então a lua que, como arco argênteo. no céu ora se encurva, verá a noite solene do casamento. vejo teus lábios, queria-os aqui. saltando ao desenho. tocando em corpo quente o desejo. sempre além do sonho, encobrindo a pele. na raiz dos cabelos. na luz que reflete e me rasga. eu tenho teu retrato preso na carteira. tenho um eu te amo preso na garganta. ciúmes. como dizer de outro jeito, que não tão século XVI e tão eu, tão preciosista e tão imagem diante do espelho em maquiagem. sou, milord, sou. teremos uma família tão nobre. maior de amor para suplantar as vanglórias. poderia me fazer demétrio e sonhar ainda, neste inverno, quase à loucura do teu amor. tu és tão culpado de amor. o que resta aqui é a flor que se abre, a metamorfose do narciso, em flores brancas e amarelas, abrindo a pele, o teu perfume em vermelho-cortante, marcando na minha pele sua presença mesmo que em sonho. tenho o teu gosto sonâmbulo na boca, a marca da sua mão na minha coxa, o respirar preso à nuca e o resfolegar enquanto dormias. não obstante, me dominas mesmo dormindo, mesmo em sonho. como te encontrar, Teseu, novamente neste labirinto? eu descobri o que significa "doblez''. procuro no saloon uma dose de forte cognac. preciso de coragem ainda. os deuses jogam poquêr e blefam com os destinos. você não fugirá da minha moldura... ou fugiria? aquelas duas crianças nos esperam, você permitirá que deixem de ser apenas fantasmas e corram no aberto do poema. rythmique suspens du sinistre. ainda há o perfume e a tua imagem premente presa na retina.