segunda-feira, 12 de julho de 2010

De um outro a outro outro

Para Ronaldo.

13 de novembro 1968

Fiz aniversário ontem, nada de crucial neste sentido. É apenas mais um ponto no tempo, mais uma marca de onde estou. Tenho de aprender a jogar com este tempo e suas consequências. Não abri todos os presentes, decerto, pode ser... pelo fato de que nem ganhei tantos assim. Há um com um cartão estranho preso numa etiquetinha. Não sei quem foi a pessoa desagrádavel que o escreveu.« Je suis donc pour vous l'énigme, celle qui se dérobe aussitôt apparue ; hommes qui tant vous entendez à me dissimuler sous les oripeaux de vos convenances. Je n'en admets pas moins que votre embarras soit sincère » A verdade é que me encontro no limite com aqueles que estimo. Não sei o porquê alguém me deu um best-seller de Samuel Beckett. Pessoalmente, não entendo este surto. Tenho medo dessas festas, com convidados estranhos, sempre pode sumir algo da casa (ou do seu guarda-roupa). Não, não sou de direita ou esquerda, embora seja ambidestro. Mantenho este diário dado que gosto de pensar neste excesso acidental do meu dia. Quem sabe um dia ainda posso publicar estas memórias, não? O que ser isto que se passa nos meus pensamentos nos meus últimos dias? Não entendo o efeito disto, nem os motivos. Aliás, hoje chove... daria um belo motivo intelectual uma página intitulada aqua pluvia, não me consta que alguém já tenha escrito. Tudo parece questão de estratégia. Hoje ainda, às quinze horas, tenho café marcado com Jean (ele é fácil em todos os sentidos e fala francês com acento alemão, um dia pergunto o motivo). Odeio o perfume que ele usa, mas o quê fazer. Penso em telefonar para ele para que venha até aqui, não quero ter de ir com tanta água assim até [encontrar]. Soube que fez uma viagem ao Mar Morto, espero que traga fotos, mas principalmente que tenha perdido o vício marxista, espero que tenha lido o Hegel que lhe dei de presente. Gosta de escrever muito, mas fala pouco. Do contrário ainda bem que gosto de jogar xadrez! Bom, preciso tomar um banho para esperá-lo. Só mais uma coisa, para não esquecer de escrever mais tarde: Henri, que não suporta Jean, recomendou-me fazer análise: começo amanhã.
Ps. Voltei a ler os versos de Valéry.

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