segunda-feira, 12 de julho de 2010

Milady Woolf

A cadeira na contraluz de um céu em tons cinza, o perfume de melancolia, uma mulher que tece como as lembranças que percorrem os longos corredores da existência. Em um murmúrio eterno, a velha tipografia emite os gritos das velhas lembranças e dos velhos escritos (há ainda oculto em alguma gaveta da casa um bilhete repleto dos cacos da existência de Mansfield).
Quando os torreões, quando todos os mitos se deixam cair, como um copo quebrado, como as alucinações, como sonhos roubados, ela ainda respira, ainda escreve.
Antes de ter pesadelos, ela podia sonhar como uma mão pode tricotar um par de meias ou um pull para Orlando.
Sobre a cadeira, os óculos refletem o rio longíquo em suas curvas de mulher, como as daquela menina que insistia, em meio a todo fog, pelo deleite do velho balanço no carvalho. O rio reflete o céu, as tempestades do céu (a mesma tempestade que bate em algum coração de esquina embrulhado por um jornal velho), o tinteiro lançado sobre o chão em um ato de desespero.
Sem hora, senhora Woolf não foi comprar flores, foi se afogar. E nadar.
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Texto publicado em:
LIMA, Manoel Ricardo de (Org). Quintajusta. Florianópolis: SESC-SC, 2008, p. 11.

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