segunda-feira, 5 de julho de 2010

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação

(de um verso em Manuel Bandeira)

Eu me sinto vazio. Vazio. Talvez a culpa seja do remédio que tomei para dormir, ou talvez eu seja vazio assim mesmo e apenas me reconheço agora. Você me procurou, eu queria, te queria talvez mais do que a mim mesmo. Mas eu não queria ter te tratado mal, fica esta sensação gélida de que te tratei mal. Como posso te tratar assim. Tudo o que queria dizer falha, a linguagem mente. Eu queria poder dizer o mínimo disso que pesa em mim. Você entende. Talvez por tentar é que eu não consiga, como também não consigo desenhar teu rosto. Não deveria ser difícil. Não mesmo. E cada pincelada dói e no final não te descubro, nem a ti, nem a mim, no acabamento final. Fica a imagem ali, pairando, sem ser minha e sem ser você. Eu não sei como fazer. Linhas vazias talvez, para que você, como que diante do espelho, complete as formas e finja que se descobre ali. Eu tento ouvir música, relaxar, mas não consigo. talvez eu tenha te perdido em algum sonho meu. Eu te perdi em mim. A minha testa é perfurada por flechas angelicais. Eu não entendo o que quer dizer uma prata brilhando. Há um estilhaço em meu peito. O carro enguiça. O pensamento se atola nesta sensação. Encontro Tom ao piano, compondo ainda. Será que estou exausto? Fatigado? Qual a estrada que eu trilhei? Eu ensaio te dizer algo na língua impossível. Não me abandona agora, me ajuda? Eu sei que não consigo sustentar este mais um pouco e logo irei cair. Me ampara? Me segura, aquele corpo que caí fora daqui, precisa do teu corpo. Talvez por isso hoje, diante do espelho, vi um reflexo estranho em meu brinco de diamante. Vem comigo? Não soube o certo o que me consumia naquela dúvida. Talvez eu escrevesse um poema finado finalmente, assim, como quem encontra o fim. O fim de sua voz. O fim da possibilidade de dizer eu. Mas resto impassível aqui e dizendo eu. (Sou capaz de dizer mesmo que eu amo, ou ainda mais, que eu te amo). O que isto significa? Um copo verde de dor e saudade. Eu ab-sinto. Em um dos cômodos alguém insiste em algum canto litúrgico, cantando o farol, deus, um remo, não sei. Incômodo. Assim, como eu, você também se exilou. Tentou me achar, mas eu estava perdido dormindo, tentando sonhar contigo. Não sei o que sonhei. Eu sei que isto não se faz. Eu sei que cometi um crime. Me perdoa? Eu não quero te matar. Te extraño. Eu não te esqueci. Eu te procurava.

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