segunda-feira, 12 de julho de 2010

A mulher maravilhosa

(Ou: unbewusste Vorstellungen)

Para Olivia.


Bruxelas, 26 de fevereiro de 1977.

O que escuto agora? Apenas vejo estas mulheres que passam, como quem vai simplesmente as compras, para além de suas relações. Aquela Anna, esta Emmy, usando a língua no limite do desgaste.Num tal de bom dia, como vai, as frutas estão maduras, os tomates estão verdes, fazendo ciência com o real que tocam. Está claro que o senhor (como fuma!),com cara de mau e gestos largos da minha janela, que observa (...acho que entendo)... o outro, mais adiante, no predio do ínicio do século, coisa velha, com seu longo charuto, par de óculos e um copo de uísque e não tagarela também. Tantos olhares e poucas palavras. Muito cigarro, muita bebida, e hum... mais? E tudo ainda se comporta em uma simetria embaraçosa, quase num voyerismo caleidoscópico: observo o homem que observa o homem que observa as mulheres que sabem usar do corpo e das palavras e que talvez, ao seu turno, também observem outros homens.
Isto não é estranho? Será que alguém, n'outra janela, também me observa? Ou será exatamente o contrário? Há certa ciência que desenvolve neste movimento, dotada é claro de notas artísticas e melindres, fruto do gênio (entre perverso e pervertido) da indústria humana. Diante desses olhares cúmplices pergunto, ao perceber no fundo do olho do outro, estas passantes. A elegância destas, não é um artificio? Um artíficio que procura o belo, ou talvez, mais que isto, que(m) é belo. Como demostrar isto? Ou ainda, o que ainda reside no olhar artificioso que observa este artíficio? É a cumplicidade do desejo? Não sei se minha biblioteca grega suporta estas questões. Talvez seja necessário suportar o cartão de visitas: prôton pseudos.
No fundo talvez reste apenas à pergunta deste corpo pensante, de como elas farão um bom casamento, com suas formas, suas curvas, suas estruturas... Num encontro casual, quase histórico, em que o relógio brinca de sonhar, como os dedos em certas ocasiões noturnas. More geometrico. O relógio geme. Preciso deixar o posto. Pegar meus sapatos de bico fino, meu cachimbo, a echarpe de seda.
Aliás, meus olhos rasgados ao espelho me denunciam. Hora de chamar o garoto de recados, lançar rapidamente a nota:
"Je sais que tu faire.L’affect est fait de l’effet, au vin blanc, au vermouth, au champagne, a l'eau de Seltz. Pas de raison. Bises. H."

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