para quê servem estes pincéis diante de teu corpo desnudo. um meteoro risca o céu. eu queria apenas este céu e seu. eu não posso, não agora, não assim. eu apenas te olho. queria tanto. mas você, aí. aqui apenas o silêncio, a tosse em nada romântica e os delírios. como será meu bebê? como escrever ainda aquele outro poema? promete não me deixar aqui, ainda nesta torre, meio princesa, meio em marfim, quase caindo no abismo. há dor. mas ainda há este movimento. o relógio distante dizendo que sim e que não. você vem? você virá? tão incerto. mas há sangue na cena, sangue quente e palpitante em mim. desenho o fundo do teu olho, ali onde este aqui reflete e grita. eu digo e repito seu nome. preencho as lacunas. o que é um nome? quem é você? quem é você para mim? o que faremos amanhã? te encontrarei mais alguma vez nestas linhas. como se diz isso em italiano. como lembrar aquela palavra, aquela, sempre primeira, sempre esquecida. lembro de um romance de Jacques Chardonne, 1937, você não deve ter lido. O importante é sempre este título, mais do que suas imagens. L'amour, c'est beaucoup plus que l'amour. você entende isto? não consigo sair da biblioteca e penso em ti, penso em francês, mas penso em ti tanto e ainda. L'amour, c'est l'âme qui ne meurt pas, qui va croissant, montant comme la flamme. Guérin. poderia ensaiar um movimento para além da minha filosofia, mas meu pé dói, não consigo dançar e sem voz não posso cantar. escrever é a única possibilidade, sem garrafas ao mar. não sei se gosto de Lamartine com seu Détache ton amour des faux biens que tu perds. eu preciso disto ainda, deste sussurro ainda. desta força. me sustenta num primeiro beijo?
quarta-feira, 30 de junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
Um beijo
- Jogando amarelinha com Cortázar-
Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais de perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água.
Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais de perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais perto e nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim, como uma lua na água.
para Olívia Pacheco de Souza
meu bebê
eu sou você
linda, morena e nos saltos
eu assalto
-sem perigos-
armada de d&c
Paco me diz e me fala no ouvido de seu novo perfume
armado de Armani
eu tenho o segredo da vitória.
você sabe. ainda.
não?
rasgo a maquiagem
(ambos deciframos o código
é sim
e é não)
como?
eu delinear os olhos
pintando os horizontes de fera
o roxo que ainda não tenho
na face
tudo tão preciso
na ponta de um salto
fino
Lanço os últimos papéis na bolsa
qual delas?
quê importa?
a rua, cidade aberta,
aperta.
é preciso correr ainda.
domingo, 27 de junho de 2010
RESTOS
Isto é uma página de diário e não apenas um golpe de página. Apenas uma pessoa tem a chave, as outras podem espiar uma fechadura especular. Particularmente, gosto de ti. Não me acreditas. Não me creditas. Sou escorpião, ascendente em escorpião, lua em escorpião. Procuro minha casa 10. Respira e exige. Estas letras que deixo são como as sementes e flores, aqui me descubro Clarissa Dalloway. Escrevo das serpentes impossíveis que se enroscam na imagem. Daí que sou nobre e tu conheces apenas a voz rouca dobrada. Falo muito. Escrevo muito. O que é ser bom o bastante? Seria ser o suficiente? Não gosto deste adjetivo. Não gosto de medir o impossível. O que se exige? Será que você me lê. Como será que você me lê? Minha imagem palpita. Melancolia. Angústia. Suporto meus erres, na impossibilidade de mudá-los. Eu queria poder encontrá-lo. Você fechou seu palco. Eu cansei de Pirandello. Não conheço todos os personagens. Meu cinema é tecnicolor. Audrey Hepburn, entre diamantes e amantes. Diz Sabrina que só um jeito das coisas serem e não serem, por isso desenho. Meu passado: eu tenho? Escola, ballet, patins. Tenho uma cicatriz no joelho esquerdo e um dente quebrado: culpa de uma gentileza e de um golpe de dança. Coração: eu preciso descobri-lo. Alex Delarge é meu melhor amigo, mas não sou Beethoven, sou mais violino e cravos. Eu tenho uma coisa com quem compartilho genes. Meio vida-loca qualquer coisa. Por uma pronúncia poderás contar com a breve ou com a longa de meu nome, adequando a métrica, o verso, o meu lado aberto. Nunca escrevi e nem sei se escreverei o meu grande romance. Talvez meu livro seja esse diário impossível de ser livro. Eu não sei amar. Eu não sei se sou capaz de grandezas. Eu sou isso. As mãos são as marcas de um cavalheiro, porém eu castigo minhas unhas com os dentes. Ansiedade. Eu sei esperar. Eu aprendi a esperar. Eu sei ser essa coisa desajeitada que dança demais, pensa demais, algumas vezes bebe, dorme de menos, dorme demais, escreve e tem crises profundas. Não consegui aprender italiano e nem sei direito como aprendi francês. Vem roçar minha pele para além da fotografia prometida? Vem me tocar para além da aquarela que te devo? Não sei por onde você andou. Tenho tantos medos, tantos. Não gosto de filmes de terror. Resta em mim sobreviver aos meus resquícios Greta Garbo, sem injeção letal… I want to be left alone. O corredor largo do Grande Hotel. Como segurar metal quente com a mão sem se queimar, sem morrer um pouquinho naquilo que escoa entre nós dois? Meu coração está partido, pode sentir? Explica-me tua cegueira? Lembro de um clichê húngaro, entre ciganas, que o destino fatídico nos faz correr estes perigos, nos perder nas estrelas, mas nos faz sempre voltar. Eu pinto no impossível das palavras. O significado foi vedado pra mim. Vejo os astros, os signos, significantes. Sonhei com um beijo cruzado numa fonte clássica, entre deuses gregos e egípcios fascinados com o humano da pele. Lembro o que senti. O texto que me deu ainda não é um texto meu, não carrega o meu mal, não carrega meu nome, a fraqueza deste destinatário. Penso em ti. Apagar, escrever, parecer, exagerar são movimentos. Meu gesto entre luvas e maquiagem, tão século XVI não entenderia outra passagem. As mariposas em torno da lâmpada lembrar alguma cúpula de um teatro de Veneza. Espero, mas insisto em saber se posso usar esses dados que não são meus. Apenas um resquício de perfume.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Rime sparse
(meio Petrarca)
para quem sabe se encontrar aqui, você sabe?
volta antes das quatro, era o que eu queria te dizer. você silencia. tenho pesadelos como quedas em abismo, assim, no contágio com o real. tua ausência dói como dor que rasga. não sei o que esperar. quando penso ai giorni che ho passato insieme a te. eu quero os teus braços nus e apenas um beijo. um beijo para abrir um lugar que me abra uma passagem onde meus sonhos extraviados se encontrem aconchegados. meu corpo dói. Il mio cielo splende di quell’anima che hai. eu vou em busca de teus passos, pisando descalços os cristais quebrados, tentando alcançar teu corpo quente, roçando no meu corpo frio. serei sereia nas horas de aconchego. eu pego meu cavalo selvagem, quase rugendas, para te sequestrar, fundar minha nação, os meus guerreiros.Nel mio cuore per tutta la vita tu un posto avrai. eu não sei dizer o que quero dizer, me ensina a sentir disso? não me jure, eu não sei rezar, mas quero acreditar. eu te pedi, você deixou. agora você poderá ser culpado de um crime, mon petit prince. ai que eu me perco. você me aguentaria um pouco mais, de olhos lassos? Voi ch'ascoltate in rime sparse il suono....di quei sospiri ond'io nudriva 'l core... quem pode acreditar que o amor pode ser um delírio seu, o meu delírio pode ser acreditar. não quero marcar horas ou lugar. apenas me abraça para dormir? me faz sonhar?
para quem sabe se encontrar aqui, você sabe?
volta antes das quatro, era o que eu queria te dizer. você silencia. tenho pesadelos como quedas em abismo, assim, no contágio com o real. tua ausência dói como dor que rasga. não sei o que esperar. quando penso ai giorni che ho passato insieme a te. eu quero os teus braços nus e apenas um beijo. um beijo para abrir um lugar que me abra uma passagem onde meus sonhos extraviados se encontrem aconchegados. meu corpo dói. Il mio cielo splende di quell’anima che hai. eu vou em busca de teus passos, pisando descalços os cristais quebrados, tentando alcançar teu corpo quente, roçando no meu corpo frio. serei sereia nas horas de aconchego. eu pego meu cavalo selvagem, quase rugendas, para te sequestrar, fundar minha nação, os meus guerreiros.Nel mio cuore per tutta la vita tu un posto avrai. eu não sei dizer o que quero dizer, me ensina a sentir disso? não me jure, eu não sei rezar, mas quero acreditar. eu te pedi, você deixou. agora você poderá ser culpado de um crime, mon petit prince. ai que eu me perco. você me aguentaria um pouco mais, de olhos lassos? Voi ch'ascoltate in rime sparse il suono....di quei sospiri ond'io nudriva 'l core... quem pode acreditar que o amor pode ser um delírio seu, o meu delírio pode ser acreditar. não quero marcar horas ou lugar. apenas me abraça para dormir? me faz sonhar?
quinta-feira, 24 de junho de 2010
…e no entanto o que havia de concreto?
(ou bem à Ana Cristina César)
Talvez fosse um blues a mais, uma nota colorida demais que me fizesse pensar a te, acho que isso é italiano, não sei. Um postal a mais, talvez você não entenda minha letra. Ah, Charles e sua velha Paris. Nunca fui a Milano. Londres não é lugar para mim. Não quero uma saída. Tenho a saída. Me perdi na saída. Meu poema em prosa não tem ritmo: vinil arranhado. é ri-TI-mo. A Bethânia que gosto, você suporta? Eu preciso ainda de Roberto. Devo 300 dólares. Não deveria te falar, mas observa a conversa daquelas duas senhoras. Estou casada. Eu fui casada. Eu apenas tentei. Não sei. Você me pediu para escrever um romance de presente. Mostra-me a tua tatuagem. Posso confiar em você? Eu devo confiar em você? O que desenhar de você? Paro de pensar. Eu te falei da minha cicatriz no joelho esquerdo. Preciso saber um pouco mais de ti. Daydream. Haverá algo de podre no reino da tua Dinamarca? Há algo ecoando nas tuas cortinas, sem suborno no bordel. Eu preciso dizer ainda do meu desenho. Organizei a memória em alfabetos, como quem conta carneiros e amansa. Vi teu rosto. Depois não sei o que vi e te ouvi. Não podia te ler.Por muito tempo achei que ausência é falta. É preciso estudar. É tão inútil quanto esta tradução. Ninguém me lerá, não obstante eu preciso sempre dizer, te dizer. Disso. Da poesia que você ouviu, mas que você ouviu, bem fino, desafino. Agudo e dolorosamente. Não penso quando escrevo, sou contrabandista, você sabe. França fumando longe e em sépia. Meu cisne não se afoga, ele tosse insistemente no escuro assistindo a mais um crepúsculo de Cozarinsky. Manda-me aquele sinal.
Para Eduardo Morato
Talvez fosse um blues a mais, uma nota colorida demais que me fizesse pensar a te, acho que isso é italiano, não sei. Um postal a mais, talvez você não entenda minha letra. Ah, Charles e sua velha Paris. Nunca fui a Milano. Londres não é lugar para mim. Não quero uma saída. Tenho a saída. Me perdi na saída. Meu poema em prosa não tem ritmo: vinil arranhado. é ri-TI-mo. A Bethânia que gosto, você suporta? Eu preciso ainda de Roberto. Devo 300 dólares. Não deveria te falar, mas observa a conversa daquelas duas senhoras. Estou casada. Eu fui casada. Eu apenas tentei. Não sei. Você me pediu para escrever um romance de presente. Mostra-me a tua tatuagem. Posso confiar em você? Eu devo confiar em você? O que desenhar de você? Paro de pensar. Eu te falei da minha cicatriz no joelho esquerdo. Preciso saber um pouco mais de ti. Daydream. Haverá algo de podre no reino da tua Dinamarca? Há algo ecoando nas tuas cortinas, sem suborno no bordel. Eu preciso dizer ainda do meu desenho. Organizei a memória em alfabetos, como quem conta carneiros e amansa. Vi teu rosto. Depois não sei o que vi e te ouvi. Não podia te ler.Por muito tempo achei que ausência é falta. É preciso estudar. É tão inútil quanto esta tradução. Ninguém me lerá, não obstante eu preciso sempre dizer, te dizer. Disso. Da poesia que você ouviu, mas que você ouviu, bem fino, desafino. Agudo e dolorosamente. Não penso quando escrevo, sou contrabandista, você sabe. França fumando longe e em sépia. Meu cisne não se afoga, ele tosse insistemente no escuro assistindo a mais um crepúsculo de Cozarinsky. Manda-me aquele sinal.
Um encontro em nenhum passeio
(Ou de um Nietzsche a contrapelo à Caio Fernando Abreu)
Ele se chamava Dionísio e, não, não era bonito, não naquilo que defendo como regra básica de beleza, da harmonia dos traços, do equilíbrio das partes. Homem bruto, com cicatrizes pelo corpo, pés grandes, mãos grandes e tantas outras partes grandes. E como falava palavrões. E neste charme barbado todos o chamavam de macho e era cobiçado por tantas outras mulheres e homens, ele nunca tinha azar. Neste jeito bruto, rosto cortado em linhas retas por um cinzel indelicado e impreciso, seduzia no vazio, no calor da pele, nos tapas e socos que distribuía. Ele era homem. Piercings. Tatoos. Respondia a isso. Bebia, e bebia muito, era filho de alcoólatra e não deveria beber, mas bebia. Devorava e misturava tudo. Era bárbaro e nisto, neste jeito criminoso e sanguinário em jeans rasgado, camisa larga, vocabulário repleto de porra meu, vai tomar no seu cu, buceta, pega no meu pau, chupa gostoso etc etc etc. Ele perseguia qualquer corpo, ser movente, se se duvidasse ele perseguia até mesmo sombras e ecos. Sequer entendo como o encontrei, assim na saída da aula de ballet, ouvindo Chico Buarque, com o material aquarela na bolsa, pensando na aula de amanhã, na aula de ontem, nos projetos da feira da ciências, na eterna busca pelo dez. Entre inglês, francês, italiano, latim, grego e mil literaturas. Impossível esquecer que havia que melhorar a técnica de dedo mínimo para o violino. Menino, dezesseis anos, um metro e setenta e cinco centímetros, pequeno, esguio, magro, voando nos patins para casa. Eu o encontrei e foi de supetão. Eu bati nele. Atropelei-o. Bêbado, um metro e noventa de músculos, foi um encontro com um paredão. Senti-me o carrasco que ao atirar é fuzilado. Eu o atropelei, mas quem voou foi eu. Pincéis a um lado, cadernos a outro, violino estilhaçado, se soubesse das sapatilhas perdidas naquele momento seria uma dor a mais. Esfolei joelho. Logo eu que tinha medo das cicatrizes nos meus ângulos fotogênicos. Eu o odiei tanto, como os barulhos da madrugada que não me deixam dormir e me obrigavam a manipular, em algumas manhãs, meu estojo de maquiagem, entre corretivo, base, pó, blush, vermelhos, pálidos e dourados, a beleza se construía, sempre nova, sempre perfeita. Comedida. Corpo domesticado, de gestos medidos, de meias palavras: civilizada e luminosa. Perfeita. Eu o odiei. Precisava de um banho, urgente. O contato era o que mais doía. Ele olhou para mim, hálito de noite, de quem comeu e não gostou, expulsou-me dali, sequer me ajudou a recolher meu material, não obstante, com aqueles pezões passou por cima de mim e das minhas coisas. O silêncio era a única coisa que resistia e existia no choque. Como? Como existiam pessoas (pessoas?) assim? Pergunta que não pude responder, o banho era urgente, premente. Não podia ficar assim diante do público, diante de mim. Odiava estas circunstâncias fora de controle. Do meu controle. No banho, na cicatriz oculta (não mostraria para ninguém aquele joelho alquebrado) doía e ele se fazia premente ali. Como me vingar? Mas vingança não era coisa civilizada. Como resolver isso? Precisava montar um projeto (e eu era bom e projetos), mas nem sabia como o encontrar. Suportaria um novo contato? Manhã seguinte. Eu dormia pouco, tanto quanto comia pouco, como respirava pouco, vivia pouco (nos termos dele). Eu, Apolo, de família tradicional, nome de peso, sangue de peso. Alta estirpe e dores divinas. Tão grande, mas tão eu (conte quantos eus aparecem aqui e entenderás meu vício). Vivi para este caminho feito constelação, seguindo cometas, sabendo de astros, estrelas, divas e gênios. Tentando a todo custo ser melhor e mais (ainda) que todos eles. Manhã seguinte, dia seguinte, semana seguinte. Não o encontrei. Ele me perseguia, aqueles olhos vermelhos, no fundo dos meus olhos violeta, latejavam. Eu bancava o futuro de constelação e me fazia estrela. Para quê? Para tão pouco? Para que eu outra noite, desarmado, nem tinha bebido, ele me pegasse à força, me beijasse, me jogasse dentro do carro, diante dele meu corpo não respondia (o corpo era domínio dele). Ele não tinha mente para que eu pudesse argumentar. Eu sequer tive acesso ao meu spray de pimenta! Eu apenas estava ali, nas trevas, não lembro o lugar, e não estava disponível, eu era posse dele. Ele me tinha a disposição, minhas curvas e minhas linhas eram dele. Meu cérebro, minhas sinapses, meu trato, três gestos de grandeza, nada serviriam. Só sabia que precisava sobreviver, mas que não sobreviveria depois daquela noite. Ele se limpava em mim. Sujava-me tanto. Tanto. Eu não devia gostar, sabia, eu não podia gostar. Como manter minhas regras? Ele tinha músculos de pedreiro, de fera indomável, cheiro de corpo, do corpo que eu fingia em controlar. Ele segurava minhas mãos, mordia, gemia como um animal, fazia-me gritar, subir nos agudos, soltar o falsete sem controle, eu sentia a terra ao alcance da mão, tentava fugir, ele me batia, me trazia de novo, colocava-me entre suas coxas e continuava, arfando, xingando, batendo. Eu já delirava em febre, como quem se defende da vida criando um pesadelo do qual sempre se pode acordar. Eu queria acordar. Não podia cair na inconsciência. Eu não queria lutar, não podia lugar, ele queria resistência, ele gostava da resistência. Um lampejo de consciência no corpo branco ao luar: mármore. O silêncio. A imobilidade. A vida fora da cena. No seu corpo moreno diante disso ele não sabia reagir, o corpo dele falava, ele continuava, cada vez mais forte, mordendo, quase que tirando pedaços, socando, dando tapas, queria gozar da sua própria violência e não podia. Não se sabia que tinha o controle. Ele sequer poderia gozar do corpo vencido: havia naquele corpo uma inconsciência de lábios cerrados, respiração controlada e olhos faiscantes. Não havia possibilidade de vencedor ou vencido, mas havia só dor, tanta dor. Tanta dor. Tudo doía por estar ali. Tudo doía por não estar ali. Eu queria poder dizer mais, mas eu sei que ele me queria e eu queria poder querer a ele como ele me queria. Ele queria o que ele via. Eu era aquilo que não podia ser visto, era mais. Ele não sabia pedir, tomava. Eu não o queria, não naquilo que via, mas me fascinava. Ele estava bêbado. Ele parou. Olhou meu corpo nu, a mão grande passeava pelo meu corpo, murmurava que me queria para ele, que eu não poderia fugir dele, que ele me destruiria se não fosse dele, voltava a me morder, era de um desejo violento, um desejo embebido daquilo que restava como carne no próprio desejo. Eu jamais havia visto algo assim, nem mesmo nos reflexos selvagens já previstos pelo espelho nos dias em que apenas um banho de banheira, muita espuma, algum vinho e muita música clássica. Aqueles grandes olhos negros ainda me perseguem no escuro, tanto que não sei mais dormir de luz apagada. Tenho medo de encontrá-lo, não obstante quando quero sonhar com ele, uma maneira de domesticá-lo, apago as luzes. É o trauma. Como decidir sobre esta violência? Ah, todas essas marcas. Pior foi acordar, depois de tudo, sem saber se realmente tinha acontecido, mas tinha, era o que o meu corpo doído. O policial que me olhava sujo, desgrenhado, não sabia quem eu era, eu não podia comprovar quem eu era, ele tinha levado meus documentos. Como saber o que eu era na minha nobreza quando o sangue não podia falar? Ou melhor, era apenas o sangue que se deixava ver, na minha nudez, na marca na pele, no roxo do rosto (o gosto de raiva na boca era de um dente quebrado?), era bom se esquecer. A vergonha doía, o corpo se descobria, sem nada. Sem controle e sem poesia, apenas este lixo, quase dejeto que nasce e morre todos os dias, capitalizadamente, que serve mesas e que come nas mesas. Isso. Um isso que tinha uma mente que poderia pensar, ou não. Eu não sobrevivi ao limite violento. Ninguém gozou. Ninguém foi feliz. A angústia crescia. Ninguém morreu. Meus desenhos se tornaram escuros, minha música dissonante, minha dança uma queda, ruído e sujeira (era ele que me assombrava). Era feio, mas eu não era capaz do belo, do meu belo solar, claro, verdadeiro. Restava isso, que podia e não podia. Sem anjo. Sem gênio. Sem auge. Quando a polícia o prendeu, certamente bêbado, ainda portando meus documentos, eu tive de reconhecê-lo. Eu havia tentado desenhar o rosto dele tantas vezes, tantas vezes, para tentar vencê-lo e ele sempre figurava como o monstro de algum conto de fadas. Eu o reconheci. Ele me viu. Disse alguns palavrões, eu não entendia aqueles verbetes que não contavam nos meus dicionários. Agora, eis-me aqui. Diante do espólio, da ultima vergonha, em julgamento. No julgamento dele. Eu nem queria estar aqui, mas é minha função.
Eu sei que o amo, mas, senhores do júri, preciso que sejam lúcidos, preciso que ele tenha a pena máxima, a pena de morte, eu preciso ter novamente a minha liberdade. Para alguma perfeição tenho a cena armada, à Marilyn Monroe, a banheira, a espuma, o champagne, as pérolas, a música, um pouco de cianureto (sempre gostei de azul, sempre desejei um mármore mais azulado), mais cena e a decisão. O encontro com real, para preservar minha imagem. Sem mais maquiagem.
Para Andrea de Carvalho, que certamente vai (tentar) entender.
Ele se chamava Dionísio e, não, não era bonito, não naquilo que defendo como regra básica de beleza, da harmonia dos traços, do equilíbrio das partes. Homem bruto, com cicatrizes pelo corpo, pés grandes, mãos grandes e tantas outras partes grandes. E como falava palavrões. E neste charme barbado todos o chamavam de macho e era cobiçado por tantas outras mulheres e homens, ele nunca tinha azar. Neste jeito bruto, rosto cortado em linhas retas por um cinzel indelicado e impreciso, seduzia no vazio, no calor da pele, nos tapas e socos que distribuía. Ele era homem. Piercings. Tatoos. Respondia a isso. Bebia, e bebia muito, era filho de alcoólatra e não deveria beber, mas bebia. Devorava e misturava tudo. Era bárbaro e nisto, neste jeito criminoso e sanguinário em jeans rasgado, camisa larga, vocabulário repleto de porra meu, vai tomar no seu cu, buceta, pega no meu pau, chupa gostoso etc etc etc. Ele perseguia qualquer corpo, ser movente, se se duvidasse ele perseguia até mesmo sombras e ecos. Sequer entendo como o encontrei, assim na saída da aula de ballet, ouvindo Chico Buarque, com o material aquarela na bolsa, pensando na aula de amanhã, na aula de ontem, nos projetos da feira da ciências, na eterna busca pelo dez. Entre inglês, francês, italiano, latim, grego e mil literaturas. Impossível esquecer que havia que melhorar a técnica de dedo mínimo para o violino. Menino, dezesseis anos, um metro e setenta e cinco centímetros, pequeno, esguio, magro, voando nos patins para casa. Eu o encontrei e foi de supetão. Eu bati nele. Atropelei-o. Bêbado, um metro e noventa de músculos, foi um encontro com um paredão. Senti-me o carrasco que ao atirar é fuzilado. Eu o atropelei, mas quem voou foi eu. Pincéis a um lado, cadernos a outro, violino estilhaçado, se soubesse das sapatilhas perdidas naquele momento seria uma dor a mais. Esfolei joelho. Logo eu que tinha medo das cicatrizes nos meus ângulos fotogênicos. Eu o odiei tanto, como os barulhos da madrugada que não me deixam dormir e me obrigavam a manipular, em algumas manhãs, meu estojo de maquiagem, entre corretivo, base, pó, blush, vermelhos, pálidos e dourados, a beleza se construía, sempre nova, sempre perfeita. Comedida. Corpo domesticado, de gestos medidos, de meias palavras: civilizada e luminosa. Perfeita. Eu o odiei. Precisava de um banho, urgente. O contato era o que mais doía. Ele olhou para mim, hálito de noite, de quem comeu e não gostou, expulsou-me dali, sequer me ajudou a recolher meu material, não obstante, com aqueles pezões passou por cima de mim e das minhas coisas. O silêncio era a única coisa que resistia e existia no choque. Como? Como existiam pessoas (pessoas?) assim? Pergunta que não pude responder, o banho era urgente, premente. Não podia ficar assim diante do público, diante de mim. Odiava estas circunstâncias fora de controle. Do meu controle. No banho, na cicatriz oculta (não mostraria para ninguém aquele joelho alquebrado) doía e ele se fazia premente ali. Como me vingar? Mas vingança não era coisa civilizada. Como resolver isso? Precisava montar um projeto (e eu era bom e projetos), mas nem sabia como o encontrar. Suportaria um novo contato? Manhã seguinte. Eu dormia pouco, tanto quanto comia pouco, como respirava pouco, vivia pouco (nos termos dele). Eu, Apolo, de família tradicional, nome de peso, sangue de peso. Alta estirpe e dores divinas. Tão grande, mas tão eu (conte quantos eus aparecem aqui e entenderás meu vício). Vivi para este caminho feito constelação, seguindo cometas, sabendo de astros, estrelas, divas e gênios. Tentando a todo custo ser melhor e mais (ainda) que todos eles. Manhã seguinte, dia seguinte, semana seguinte. Não o encontrei. Ele me perseguia, aqueles olhos vermelhos, no fundo dos meus olhos violeta, latejavam. Eu bancava o futuro de constelação e me fazia estrela. Para quê? Para tão pouco? Para que eu outra noite, desarmado, nem tinha bebido, ele me pegasse à força, me beijasse, me jogasse dentro do carro, diante dele meu corpo não respondia (o corpo era domínio dele). Ele não tinha mente para que eu pudesse argumentar. Eu sequer tive acesso ao meu spray de pimenta! Eu apenas estava ali, nas trevas, não lembro o lugar, e não estava disponível, eu era posse dele. Ele me tinha a disposição, minhas curvas e minhas linhas eram dele. Meu cérebro, minhas sinapses, meu trato, três gestos de grandeza, nada serviriam. Só sabia que precisava sobreviver, mas que não sobreviveria depois daquela noite. Ele se limpava em mim. Sujava-me tanto. Tanto. Eu não devia gostar, sabia, eu não podia gostar. Como manter minhas regras? Ele tinha músculos de pedreiro, de fera indomável, cheiro de corpo, do corpo que eu fingia em controlar. Ele segurava minhas mãos, mordia, gemia como um animal, fazia-me gritar, subir nos agudos, soltar o falsete sem controle, eu sentia a terra ao alcance da mão, tentava fugir, ele me batia, me trazia de novo, colocava-me entre suas coxas e continuava, arfando, xingando, batendo. Eu já delirava em febre, como quem se defende da vida criando um pesadelo do qual sempre se pode acordar. Eu queria acordar. Não podia cair na inconsciência. Eu não queria lutar, não podia lugar, ele queria resistência, ele gostava da resistência. Um lampejo de consciência no corpo branco ao luar: mármore. O silêncio. A imobilidade. A vida fora da cena. No seu corpo moreno diante disso ele não sabia reagir, o corpo dele falava, ele continuava, cada vez mais forte, mordendo, quase que tirando pedaços, socando, dando tapas, queria gozar da sua própria violência e não podia. Não se sabia que tinha o controle. Ele sequer poderia gozar do corpo vencido: havia naquele corpo uma inconsciência de lábios cerrados, respiração controlada e olhos faiscantes. Não havia possibilidade de vencedor ou vencido, mas havia só dor, tanta dor. Tanta dor. Tudo doía por estar ali. Tudo doía por não estar ali. Eu queria poder dizer mais, mas eu sei que ele me queria e eu queria poder querer a ele como ele me queria. Ele queria o que ele via. Eu era aquilo que não podia ser visto, era mais. Ele não sabia pedir, tomava. Eu não o queria, não naquilo que via, mas me fascinava. Ele estava bêbado. Ele parou. Olhou meu corpo nu, a mão grande passeava pelo meu corpo, murmurava que me queria para ele, que eu não poderia fugir dele, que ele me destruiria se não fosse dele, voltava a me morder, era de um desejo violento, um desejo embebido daquilo que restava como carne no próprio desejo. Eu jamais havia visto algo assim, nem mesmo nos reflexos selvagens já previstos pelo espelho nos dias em que apenas um banho de banheira, muita espuma, algum vinho e muita música clássica. Aqueles grandes olhos negros ainda me perseguem no escuro, tanto que não sei mais dormir de luz apagada. Tenho medo de encontrá-lo, não obstante quando quero sonhar com ele, uma maneira de domesticá-lo, apago as luzes. É o trauma. Como decidir sobre esta violência? Ah, todas essas marcas. Pior foi acordar, depois de tudo, sem saber se realmente tinha acontecido, mas tinha, era o que o meu corpo doído. O policial que me olhava sujo, desgrenhado, não sabia quem eu era, eu não podia comprovar quem eu era, ele tinha levado meus documentos. Como saber o que eu era na minha nobreza quando o sangue não podia falar? Ou melhor, era apenas o sangue que se deixava ver, na minha nudez, na marca na pele, no roxo do rosto (o gosto de raiva na boca era de um dente quebrado?), era bom se esquecer. A vergonha doía, o corpo se descobria, sem nada. Sem controle e sem poesia, apenas este lixo, quase dejeto que nasce e morre todos os dias, capitalizadamente, que serve mesas e que come nas mesas. Isso. Um isso que tinha uma mente que poderia pensar, ou não. Eu não sobrevivi ao limite violento. Ninguém gozou. Ninguém foi feliz. A angústia crescia. Ninguém morreu. Meus desenhos se tornaram escuros, minha música dissonante, minha dança uma queda, ruído e sujeira (era ele que me assombrava). Era feio, mas eu não era capaz do belo, do meu belo solar, claro, verdadeiro. Restava isso, que podia e não podia. Sem anjo. Sem gênio. Sem auge. Quando a polícia o prendeu, certamente bêbado, ainda portando meus documentos, eu tive de reconhecê-lo. Eu havia tentado desenhar o rosto dele tantas vezes, tantas vezes, para tentar vencê-lo e ele sempre figurava como o monstro de algum conto de fadas. Eu o reconheci. Ele me viu. Disse alguns palavrões, eu não entendia aqueles verbetes que não contavam nos meus dicionários. Agora, eis-me aqui. Diante do espólio, da ultima vergonha, em julgamento. No julgamento dele. Eu nem queria estar aqui, mas é minha função.
Eu sei que o amo, mas, senhores do júri, preciso que sejam lúcidos, preciso que ele tenha a pena máxima, a pena de morte, eu preciso ter novamente a minha liberdade. Para alguma perfeição tenho a cena armada, à Marilyn Monroe, a banheira, a espuma, o champagne, as pérolas, a música, um pouco de cianureto (sempre gostei de azul, sempre desejei um mármore mais azulado), mais cena e a decisão. O encontro com real, para preservar minha imagem. Sem mais maquiagem.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
...Reticência...
Não sei dizer se entenderias meus silêncios entre teus números. Eu, que recebi um elogio de ti, tenho medo de ti, destas suas constâncias. Poucas palavras trocadas e há três anos sei teu nome. Você é lindo. Você sabe que é lindo. Como chamar tua atenção no meio disso. Cinderela de all-star e calça skinny, esguia e pensante, pode aparecer no meio da multidão? Eu quase que fugi, quase. Não fugi, chovia, e chovia muito, precisava voltar (não sei dizer o porquê de precisar sempre voltar a um lugar desconhecido). Tinha fome, a cabeça aberta literalmente se perdia em pensamentos sobre a vida. Verei o jogo. Queria poder desistir do jogo, ser claro e objetivo, literal, apaixonado pelos pés das letras e dizer… você sabe? Eu estou aqui, logo vou dormir. Você vai dormir? Ah, para você eu sempre insistiria em dizer sim, mas talvez não. Não poderia. Eu não sei conversar, despertar o desejo, sempre te afasto. Preciso lavar os pensamentos, torcer os últimos desejos, secar teu cabelo, costas e peito. O que você quer? eu poderia ainda, também, (tímido) tirar sua toalha, (ganhando coragem) te pôr na cama, te beijar inteiro (na dúvida se foi um pouco além)… e dormir de conchinha. Mas não, durmo sozinho, televisão ligada para encher o quarto de vozes. No meu desejo, passo os braços em volta do teu corpo, deixo-me envolver te envolvendo, fico passeando meus dedos no seu peito, desenho a linha de teu rosto (como quem lembra o que pode esquecer), entrelaço minhas pernas nas suas pernas, descobrindo o contato, o choque, o corpo outro, para te encontrar ali comigo, na cena. Sem racionalidades, dou três beijos na sua nuca e uma mordidinha de leve no seu ombro e dormimos. Eu aqui, você talvez…
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Eisoptrofobia
(um quadro à Toulouse-Lautrec)
Meu novo perfume se chama L’amour liquide e não é Chanel ou Dior. Jim Morrison foi assassinado pelo governo americano: isto escondem as manchetes. Liquidado. Stroheim, Skaggs, Frey, Cooke assinam suas colunas como Glass, Romand, Welles e Münchausen para partilhar os leitores. Nunca abri meu diário para seus jornais, bem como nunca escrevi para a sectio de leitores deles. Não os leio. Queria ignorar que ele telefonava todas as manhãs para me acordar, para que eu acordasse e não sonhasse um pouco mais. Não sei dizer que dia é hoje ou que horas acordo. Não é a overdose de algo, estou sem comer há mais de 24 horas, de beber um pouco menos, quem sabe bem menos, ainda assim não é este o efeito. Um quarto de hotel é sempre um quarto de hotel. O Hay-Adams Hotel não me devolve mais suas caveiras. Insisto em ter mais um novo ataque cardíaco. Washington não é Nova Iorque ou Paris. De cartão de crédito em punho para a liquidação (é trabalho!), releio o nome grafado nele: Elizabeth Bathory. Esta pode ser eu? Meu ataque cardíaco adiado em suaves prestações. Aceito meu nome por agora. Não lembro mais dele. Não lembro mais do corpo dele. Ele me deixou apenas com uma mordida no queixo e um corte no lábio. A pele também sabe esquecer.Vai esquecer. Talvez pague alguma falsa diplomacia. Pelo telefone ele diz que eu não me deixo amar. Não sei se acredito nisso, ou não. Como decidir esta verdade? Sempre sou eu quem espera o convite para um café, que procura os postais, as cartas desencontradas, que é deixada na escada sozinha sufocada. Eu acredito e me corrompo, mesmo quando não deveria. Qual o crime? Se eu amo, é que tu és amável. É a mim que amo, mas a ti, tu és também o derradeiro golpe, já que há em ti qualquer coisa que me faz te amar. Parece recíproco dado que há um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é o efeito em retorno da causa do amor que tu és para mim. Ainda que tu não sejas por nada. Meu amor por ti não é somente meu negócio, mas também o tem. Meu amor diz qualquer coisa de ti que pode ser que tu mesmo não conheças. Eu mesma desconheço e me é impossível calcular as mortes disso para poder avançar. Eu encontro(-me) vítima talvez por puro azar. hasard. Fecho as cortinas, alinho o corpo e o copo: perpendiculares. É preciso se preocupar com o desenho que fazem as sombras. Jamais irei recuperar aquele clarão que havia na minha silhueta. Aquela luz que sempre insistia como um reflexo desejoso em meu nariz de mulher. Talvez um brilho de olhar jovem. Detesto Werther e Charlotte. Cansei deste labirinto truncado que habito como sinuosa serpente, quase Medéia com seus mal-entendidos, apago as luzes. O escuro conforta e não devolve fantasmas. O canto silencioso da treva apaga os rostos e o sono esvai o desejo produzindo um novo cadáver.
Meu novo perfume se chama L’amour liquide e não é Chanel ou Dior. Jim Morrison foi assassinado pelo governo americano: isto escondem as manchetes. Liquidado. Stroheim, Skaggs, Frey, Cooke assinam suas colunas como Glass, Romand, Welles e Münchausen para partilhar os leitores. Nunca abri meu diário para seus jornais, bem como nunca escrevi para a sectio de leitores deles. Não os leio. Queria ignorar que ele telefonava todas as manhãs para me acordar, para que eu acordasse e não sonhasse um pouco mais. Não sei dizer que dia é hoje ou que horas acordo. Não é a overdose de algo, estou sem comer há mais de 24 horas, de beber um pouco menos, quem sabe bem menos, ainda assim não é este o efeito. Um quarto de hotel é sempre um quarto de hotel. O Hay-Adams Hotel não me devolve mais suas caveiras. Insisto em ter mais um novo ataque cardíaco. Washington não é Nova Iorque ou Paris. De cartão de crédito em punho para a liquidação (é trabalho!), releio o nome grafado nele: Elizabeth Bathory. Esta pode ser eu? Meu ataque cardíaco adiado em suaves prestações. Aceito meu nome por agora. Não lembro mais dele. Não lembro mais do corpo dele. Ele me deixou apenas com uma mordida no queixo e um corte no lábio. A pele também sabe esquecer.Vai esquecer. Talvez pague alguma falsa diplomacia. Pelo telefone ele diz que eu não me deixo amar. Não sei se acredito nisso, ou não. Como decidir esta verdade? Sempre sou eu quem espera o convite para um café, que procura os postais, as cartas desencontradas, que é deixada na escada sozinha sufocada. Eu acredito e me corrompo, mesmo quando não deveria. Qual o crime? Se eu amo, é que tu és amável. É a mim que amo, mas a ti, tu és também o derradeiro golpe, já que há em ti qualquer coisa que me faz te amar. Parece recíproco dado que há um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é o efeito em retorno da causa do amor que tu és para mim. Ainda que tu não sejas por nada. Meu amor por ti não é somente meu negócio, mas também o tem. Meu amor diz qualquer coisa de ti que pode ser que tu mesmo não conheças. Eu mesma desconheço e me é impossível calcular as mortes disso para poder avançar. Eu encontro(-me) vítima talvez por puro azar. hasard. Fecho as cortinas, alinho o corpo e o copo: perpendiculares. É preciso se preocupar com o desenho que fazem as sombras. Jamais irei recuperar aquele clarão que havia na minha silhueta. Aquela luz que sempre insistia como um reflexo desejoso em meu nariz de mulher. Talvez um brilho de olhar jovem. Detesto Werther e Charlotte. Cansei deste labirinto truncado que habito como sinuosa serpente, quase Medéia com seus mal-entendidos, apago as luzes. O escuro conforta e não devolve fantasmas. O canto silencioso da treva apaga os rostos e o sono esvai o desejo produzindo um novo cadáver.
Les pipes de Derrida
Le monde
Mardi, 12 octobre 2004..
MMM...MOI,
JE L'AI LU DANS CE LIEU..
dans le grand amphithéâtre de la Sorbonne, à
Paris.
les pages qui suivent tentent de cerner
les étapes et les mots de passe.
l'urgence planétaire
accentué d'une certaine manière:
« Je me vois mort coupé de vous
en vos mémoires que j'aime »
le temps des mises
en l'oeuvre et des mises en place
(dans le Louvre?).
LE NOIR.
« qu’est-ce que ? »
Un souvenir intense.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Um presente
(para @francageorge)
No corre-corre, abri-te um espaço de sobrevivência, como último apelo. e justifico:
DO NOME
O título do blog surge de um poema de Ana Cristina César, publicado em Cenas de Abril, 1979, intitulado justamente Instruções de Bordo, que segue dedicado, entre parênteses, para uma certa A.C, temerosa, rosa e azul-celeste. Neste sentido, entre o falso e o verdadeiro, o que aparece é o gesto de pirataria em pleno ar, sem possibilidade de salvação. O rosto, de Greta Garbo, um assassinato, os postais vermelhos, o que exala na própria escritura do roxo na coxa. A escrita secreta e enigmática ressurge assim com seus sapatinhos finos de esmalte, nisto aqui que pode se chamar de Nau dos Insensatos, no seu vôo (mergulho ou naufrágio) rasante ao luar. O que resta, como no fim do poema, é um sujeito liberado em sua incomparável poltrona reclinável
http://instrucoesdebordo.blogspot.com/
No corre-corre, abri-te um espaço de sobrevivência, como último apelo. e justifico:
DO NOME
O título do blog surge de um poema de Ana Cristina César, publicado em Cenas de Abril, 1979, intitulado justamente Instruções de Bordo, que segue dedicado, entre parênteses, para uma certa A.C, temerosa, rosa e azul-celeste. Neste sentido, entre o falso e o verdadeiro, o que aparece é o gesto de pirataria em pleno ar, sem possibilidade de salvação. O rosto, de Greta Garbo, um assassinato, os postais vermelhos, o que exala na própria escritura do roxo na coxa. A escrita secreta e enigmática ressurge assim com seus sapatinhos finos de esmalte, nisto aqui que pode se chamar de Nau dos Insensatos, no seu vôo (mergulho ou naufrágio) rasante ao luar. O que resta, como no fim do poema, é um sujeito liberado em sua incomparável poltrona reclinável
http://instrucoesdebordo.blogspot.com/
segunda-feira, 14 de junho de 2010
um pouco de pele
Il pleut doucemente sur la ville
Ou para que(m) decifre(s)
Eu me chamo Lotero Vittori e preciso escrever minha última página. Le rire rouge. O impossível de dizer escrevo na língua que finges entender. (… make any difference? Quase letra inaudível…) É mais do que preciso pensar en la fuerza de un nombre. O absoluto da minha língua é o monstro incriado: o real da língua que não entendes. Der, der er ist. Não quero fazer arte, renuncio a cantar. Criminosamente borro meu rosto, perco a identidade e desafino. Não conseguirei engrossar minha voz, desandar de meus saltos, desalinhar os cabelos, encobrir minha maquiagem. So müssen wir den Kreisgang vollziehen. Não preciso. Eu inventei isso e sou isso que inventei. Precisei de ti, apenas assim, sem mais ou menos, como quem confia e isto apenas. Todo es espejo. Y un gran espejo sombrío. Talvez não tivesse perdido meus elos ou minha pulseirinha (que no fim não perdi) se estivesses contigo. La condesa, sentada en su trono, contempla. De ti ou para ti, bem sei, só poderia escrever versos que já foram escritos e é doloroso saber disso. Das ist kein Notbehelf und kein Mangel. A ignorância seria por si só um bem precioso. Não posso dizer mais que son regard est pareil au regard des statues, et pour as voix, lointane, et calme, et grave, elle a l’inflexion de voix chères qui son tues. Muitas vezes é assim que este coração que se exila escuta, nell cuore dell cuore, em Verlaine, muito dolorosamente como estrada paralela à loucura. Muitos se apaixonam por Rimbaud, poucos sobrevivem a ele. Flugzeug und Rundfunkgerät zwar heute zu den nächsten Dingen, dann denken wir na ganz Anderes. Sobrevivo, ignorando este lamento, este violão lento, no rasgar de meus violinos. O que é que penso? Weltentzug. Seria o arco maligno? Weltezerfall. Tu me dizes, citando meus versos: “Oh! C’est triste! – Et toi-même, est-ce pas? Em surdina tem conto uma crônica sobre escadas, bem pitagórica e geométrica, mas irracional (Perché?). Aproxima um pouco mais teu olhar do meu (Dove sono i due ragazzi?). Minha maquiagem borrada, o rosto suado (…una cosa non caspisco…). Talvez hoje não pudesse ser sábado, talvez o dia não importasse, if there is to be a real alternative, it will have to be... (Eh, purtroppo….) Lutar, sobretudo, pelo rouxinol morto, longe dos poemas e da gaiola vazia. A noite só escuta o que não dizemos. O luar grisalho dói. E dói demais. Indifférance, é meu conceito deslocado. É preciso retornar ao aroma de meus chás reais e de meus livros abertos. Il pleure dans mon coeur… c’est ÇA que pénètre mon coeur (qui s’ennuie)? Qu’as-tu fait, ô toi que voilà pleurant sans cesse? Eu me chamo Loreto Vittori. Aprendi a suar nas minhas meias-pontas-altas: queria conseguir chorar, não mais que isto. Eu odeio o fato de que fui enganado. Dói. Duas vezes enganado con las flores alegres de la medianoche. Não quero mais isto, alla francesi. Meus agudos não servem para isso. Não servem à isso. e tenho medo, medo dessa fragilidade estúpida.(… la loi, froid par elle-même…) Um anjo maligno em soprano e espelho acabado é o que observo se formar e pairando sobre a palavras, veneno, vinho, olhar. Hermoso como el suicidio. E odeio. Quase Sade. Odeio precisar mais de ti. Eu preciso aprender a conviver com este quarto vazio com paredes repletas de livros, com roupas espalhadas pelo chão. Faz algumas semanas que não arrumo isto. Não deveria permitir. Mi total adhesión a la magia negra. Não mesmo. Idiota. Tu hai un libro da prestarmi? Duas vezes idiota(s). A partir de hoje atropelo Deuteronômio XXIII, 1, abro meu palácio ao limite da minha lei asséptica e canora. Talvez dissesse nesta sua esquerdália medíocre que le résultat est le conservatisme, la peur de la liberté, une mentalité réactionnaire… mimimi. Não consigo ouvir Vasco Rossi. E tudo que odeio é só uma maneira de dizer ainda mais odeio. Senti, falo stesso… allora, la stessa cosa. É preciso fechar a Arena de Verona aos teus olhares. Este outro tornado absoluto e tomado pelo assassinato. Minha teoria não passa pelas tuas palavras. Mal di testa, figurate.
(para Andréa, mais, ainda)
Eu me chamo Lotero Vittori e preciso escrever minha última página. Le rire rouge. O impossível de dizer escrevo na língua que finges entender. (… make any difference? Quase letra inaudível…) É mais do que preciso pensar en la fuerza de un nombre. O absoluto da minha língua é o monstro incriado: o real da língua que não entendes. Der, der er ist. Não quero fazer arte, renuncio a cantar. Criminosamente borro meu rosto, perco a identidade e desafino. Não conseguirei engrossar minha voz, desandar de meus saltos, desalinhar os cabelos, encobrir minha maquiagem. So müssen wir den Kreisgang vollziehen. Não preciso. Eu inventei isso e sou isso que inventei. Precisei de ti, apenas assim, sem mais ou menos, como quem confia e isto apenas. Todo es espejo. Y un gran espejo sombrío. Talvez não tivesse perdido meus elos ou minha pulseirinha (que no fim não perdi) se estivesses contigo. La condesa, sentada en su trono, contempla. De ti ou para ti, bem sei, só poderia escrever versos que já foram escritos e é doloroso saber disso. Das ist kein Notbehelf und kein Mangel. A ignorância seria por si só um bem precioso. Não posso dizer mais que son regard est pareil au regard des statues, et pour as voix, lointane, et calme, et grave, elle a l’inflexion de voix chères qui son tues. Muitas vezes é assim que este coração que se exila escuta, nell cuore dell cuore, em Verlaine, muito dolorosamente como estrada paralela à loucura. Muitos se apaixonam por Rimbaud, poucos sobrevivem a ele. Flugzeug und Rundfunkgerät zwar heute zu den nächsten Dingen, dann denken wir na ganz Anderes. Sobrevivo, ignorando este lamento, este violão lento, no rasgar de meus violinos. O que é que penso? Weltentzug. Seria o arco maligno? Weltezerfall. Tu me dizes, citando meus versos: “Oh! C’est triste! – Et toi-même, est-ce pas? Em surdina tem conto uma crônica sobre escadas, bem pitagórica e geométrica, mas irracional (Perché?). Aproxima um pouco mais teu olhar do meu (Dove sono i due ragazzi?). Minha maquiagem borrada, o rosto suado (…una cosa non caspisco…). Talvez hoje não pudesse ser sábado, talvez o dia não importasse, if there is to be a real alternative, it will have to be... (Eh, purtroppo….) Lutar, sobretudo, pelo rouxinol morto, longe dos poemas e da gaiola vazia. A noite só escuta o que não dizemos. O luar grisalho dói. E dói demais. Indifférance, é meu conceito deslocado. É preciso retornar ao aroma de meus chás reais e de meus livros abertos. Il pleure dans mon coeur… c’est ÇA que pénètre mon coeur (qui s’ennuie)? Qu’as-tu fait, ô toi que voilà pleurant sans cesse? Eu me chamo Loreto Vittori. Aprendi a suar nas minhas meias-pontas-altas: queria conseguir chorar, não mais que isto. Eu odeio o fato de que fui enganado. Dói. Duas vezes enganado con las flores alegres de la medianoche. Não quero mais isto, alla francesi. Meus agudos não servem para isso. Não servem à isso. e tenho medo, medo dessa fragilidade estúpida.(… la loi, froid par elle-même…) Um anjo maligno em soprano e espelho acabado é o que observo se formar e pairando sobre a palavras, veneno, vinho, olhar. Hermoso como el suicidio. E odeio. Quase Sade. Odeio precisar mais de ti. Eu preciso aprender a conviver com este quarto vazio com paredes repletas de livros, com roupas espalhadas pelo chão. Faz algumas semanas que não arrumo isto. Não deveria permitir. Mi total adhesión a la magia negra. Não mesmo. Idiota. Tu hai un libro da prestarmi? Duas vezes idiota(s). A partir de hoje atropelo Deuteronômio XXIII, 1, abro meu palácio ao limite da minha lei asséptica e canora. Talvez dissesse nesta sua esquerdália medíocre que le résultat est le conservatisme, la peur de la liberté, une mentalité réactionnaire… mimimi. Não consigo ouvir Vasco Rossi. E tudo que odeio é só uma maneira de dizer ainda mais odeio. Senti, falo stesso… allora, la stessa cosa. É preciso fechar a Arena de Verona aos teus olhares. Este outro tornado absoluto e tomado pelo assassinato. Minha teoria não passa pelas tuas palavras. Mal di testa, figurate.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Quase uma escolha
(Lady Macbeth não compreenderia)
O corpete aperta um pouco, o vestido atrapalha, o punhal na cintura ao alcance da mão, galopo na chuva. O cavalo ofega, tenho frio. Os grossos pingos encharcam a roupa, a água escorre pelos cabelos trançados. Há uma dor impossível de ser lavada. Há uma mulher que pensa demais, capaz de cometer crimes que alguns, quase todos, os homens não compreenderiam, embora não sejam crimes, apenas escolhas. O corpo, as linhas do rosto, as mãos finas. O pequeno pé esquerdo, apesar da dor, não vacila. Com certeza vai doer mais tarde ainda mais, mas de uma dor que não é nada, que não traz fantasmas. Há o casarão amplo, subo os degraus. Preciso preparar um banho, perder duas vezes mais de tempo na tentativa de esquecer isto, estas carnes que pesam em formas. Lembro-me de teus olhos, das tonalidades à meia-luz. Não quero escrever sobre homens e feras. Enquanto a água esquenta, tento me segurar um pouco mais ainda. A geléia de rosas, o vinho e a imagem que insiste. Minhas mãos não estão sujas de sangue, esse é meu crime, talvez se estivessem eu pudesse enlouquecer de outra maneira, não observar apenas de longe. O casarão vazio, os livros, as cartas que envio. O selo e a pena: nenhum segredo. A cena é dúplice, mas é uma só. Impossível de se condensar. Uma mulher sem segredos, tão literal por vezes, sem esconder uma marca de volúpia no bico do seio esquerdo. Mas, desejando, sobretudo querendo, tentando e sabendo impossível esta entrega. Sempre num depois, num atrasar do relógio. Eu disse que minha vida te pertenceria, no entanto, a minha morte agora te pertence. E a morte é eterna. Talvez seja este silêncio de olhos fechados enquanto algo ainda insiste em fazer barulho, ecoando nos corredores da mente como pelos corredores da casa. Se eu conseguisse apenas um pouco mais desta falta de ar que apenas o corpete cada vez mais apertado possibilita. Talvez, se houvesse alguma magia, algum tarot pudesse desvendar este futuro no qual não acredito. Nessa trança que nunca houve nesta mulher que aparece nua diante do espelho. Talvez o amor pudesse riscar a superfície da pele. O salto é o que dói, o vestido resiste ao vento, a arma tão fatal é uma caneta em prata. Duas horas da madrugada e ela ainda trabalha. Os grossos pingos, como as pérolas lançadas sobre as luvas, só insiste na página. Os cabelos curtos não escondem uma dor possível de ser lavada, mas que é filtrada pelas lentes de pesado óculos. Sem o mínimo de fantasia, o que dói é o desejo. Diante dos números, da assinatura, das possibilidades, o tempo ainda risca e faz faísca num rosto que se altera todos os dias no espelho. Insiste no mínimo da maquiagem. O casarão velho e eu. As escadas. (Se você me amasse… conseguiria fazer o que é preciso… quando eu precisar?). Nada está claro. Os espelhos cobertos. Há a fome queimando e exigindo ser alimentada. Três pílulas para encontrar o nada. (eu esperei, sinceramente, esperei). Eu nunca erro e este é o problema, não discuta comigo.
O corpete aperta um pouco, o vestido atrapalha, o punhal na cintura ao alcance da mão, galopo na chuva. O cavalo ofega, tenho frio. Os grossos pingos encharcam a roupa, a água escorre pelos cabelos trançados. Há uma dor impossível de ser lavada. Há uma mulher que pensa demais, capaz de cometer crimes que alguns, quase todos, os homens não compreenderiam, embora não sejam crimes, apenas escolhas. O corpo, as linhas do rosto, as mãos finas. O pequeno pé esquerdo, apesar da dor, não vacila. Com certeza vai doer mais tarde ainda mais, mas de uma dor que não é nada, que não traz fantasmas. Há o casarão amplo, subo os degraus. Preciso preparar um banho, perder duas vezes mais de tempo na tentativa de esquecer isto, estas carnes que pesam em formas. Lembro-me de teus olhos, das tonalidades à meia-luz. Não quero escrever sobre homens e feras. Enquanto a água esquenta, tento me segurar um pouco mais ainda. A geléia de rosas, o vinho e a imagem que insiste. Minhas mãos não estão sujas de sangue, esse é meu crime, talvez se estivessem eu pudesse enlouquecer de outra maneira, não observar apenas de longe. O casarão vazio, os livros, as cartas que envio. O selo e a pena: nenhum segredo. A cena é dúplice, mas é uma só. Impossível de se condensar. Uma mulher sem segredos, tão literal por vezes, sem esconder uma marca de volúpia no bico do seio esquerdo. Mas, desejando, sobretudo querendo, tentando e sabendo impossível esta entrega. Sempre num depois, num atrasar do relógio. Eu disse que minha vida te pertenceria, no entanto, a minha morte agora te pertence. E a morte é eterna. Talvez seja este silêncio de olhos fechados enquanto algo ainda insiste em fazer barulho, ecoando nos corredores da mente como pelos corredores da casa. Se eu conseguisse apenas um pouco mais desta falta de ar que apenas o corpete cada vez mais apertado possibilita. Talvez, se houvesse alguma magia, algum tarot pudesse desvendar este futuro no qual não acredito. Nessa trança que nunca houve nesta mulher que aparece nua diante do espelho. Talvez o amor pudesse riscar a superfície da pele. O salto é o que dói, o vestido resiste ao vento, a arma tão fatal é uma caneta em prata. Duas horas da madrugada e ela ainda trabalha. Os grossos pingos, como as pérolas lançadas sobre as luvas, só insiste na página. Os cabelos curtos não escondem uma dor possível de ser lavada, mas que é filtrada pelas lentes de pesado óculos. Sem o mínimo de fantasia, o que dói é o desejo. Diante dos números, da assinatura, das possibilidades, o tempo ainda risca e faz faísca num rosto que se altera todos os dias no espelho. Insiste no mínimo da maquiagem. O casarão velho e eu. As escadas. (Se você me amasse… conseguiria fazer o que é preciso… quando eu precisar?). Nada está claro. Os espelhos cobertos. Há a fome queimando e exigindo ser alimentada. Três pílulas para encontrar o nada. (eu esperei, sinceramente, esperei). Eu nunca erro e este é o problema, não discuta comigo.
DU NOM
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|||m.m.m.|||
|||mallarmé| m.alarmé| m.allégé| m.allaiter| m.allah.mé| mal-allié| mal-armé |mal-aimé| mal-air-mai| mal-rimé| malgré| malfamé| merimée| mer.imée| mer.rimé| mer.aimeé| malbouffe| mal-amer|m.anky.loser|||
|||[malin]|||
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|||m.m.m.|||
|||mallarmé| m.alarmé| m.allégé| m.allaiter| m.allah.mé| mal-allié| mal-armé |mal-aimé| mal-air-mai| mal-rimé| malgré| malfamé| merimée| mer.imée| mer.rimé| mer.aimeé| malbouffe| mal-amer|m.anky.loser|||
|||[malin]|||
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“…ficando Barbie na caixa…”
Nas minhas pálpebras um traço preto diz do resto de maquiagem. Um corpo feminino sempre será um corpo feminino. Uma mulher vestida de homem, tirando as roupas lentamente, não é um homem, muito menos um homem que se despe: é uma mulher que se desvenda. Desejo. Objeto. O ônibus chacoalha estranhamente, deixa ver pela janela, à direita, o mar. Eu sempre tomo assento do lado esquerdo, no fundo. Ravel dói devagar nos fones de ouvido. Tenho alguns minutos para perder, ou encontrar, diante da paisagem. Recebo as pistas via sms: Antoine Donel – Truffaut / Morte em Veneza livro*filme / 8 e ½ - Fellini / Marguerite Duras [Mallarmé, ainda]. Três bancos à frente um estranho me observa. Ignoro. Preciso desvendar o impossível do meu enigma. Sem mortes. Sem vítima. Os pés ainda doem, o salto aperta, machuca, lateja. Neste momento, o all-star conforta. Copio um poema de Sérgio Milliet: “ Esse vazio que anda enche / nem a lembrança de você… / Esse vazio que só se enche/ com a ausência de você…”, 1957, que na minha edição, o poeta corrige à próprio punho este anda por nada. Andar por nada. Note-se que toda letra deslocada significa. Note-se que toda letra descolada significa. 30 segundos e tenho o dossiê do estranho. Meus livros de Portugal, S. A. Quem vai querer de brincar de bela e fera? O número de minha caixa postal você já anotou? (Florianópolis, Caixa-Postal 9012 - Cep: 88010973.) As câimbras têm aumentado. Os vazios também. Se você me disser para te ligar, irei. Não faço mais orações antes de dormir, mas ainda tenho medos e possíveis pesadelos. Não tenho sonhos criminosos. Acredite: não sei brincar de filmes de terror. Sem síndrome ou complexo de ciência. Hoje ainda me perguntaram em que acreditava, em questões de fé. Não sei em que acredito, mas queria acreditar em algo, é tão tenebroso pensar na possibilidade de não existir, você já tentou pensar nisso. Extinção de “certa consciência”. Minha maneira de tentar algo perto disso, como exercício, é tentar não pensar. Pensar sem pensar. Pensar no vazio do pensamento. Apagar a(s) língua(s), mas sempre retorno aqui, para cansar a língua, para que ela adormeça um pouco mais. Espero certo café. É divertido ver quantas pessoas não observam um quadro. (Pequena pausa: preciso desenferrujar meu francês, tive o insight para um pequeno poema). Congelo a cena diante do retrato, sem movimento, entre Zenão de Eléia e Einstein: o retrato na diagonal, o menino loiro chorão de óculos, a moça gostosa com um livro de Adília Lopes embaixo do braço, a bailarina baixinha com suas sapatilhas, a menina sentada que lê Oswald de Andrade, o homem encorpado com aliança no dedo que observa à distância outros rapazes, a menina tímida num vestido azul de bolinhas brancas, o garoto distante com acento gaúcho, o menino de olhos rasgados que tem pressa (e esconde na mochila um livro proibido), o ator que detém o gesto irônico suspenso no ar, outro menino (quase menina) louro que arruma a echarpe, o menino de olhos azuis que segura uma bússola, o menino musculoso com um costume horrível, o menino feio de mãos dadas com um menino lindo, o menino loiro de olhos azuis inteligentes, o menino horrível que se fosse bonito…, a menina-sereia que carrega muitos livros beat, a garota ruiva com um belo par de saltos, a professorinha, o menino roqueiro e detetive, o rapaz de olhos verdes por detrás de tubos de ensaio, a italianinha, os dois arquitetos (que não falam, pois é cena suspensa, mas parecem), a criança de moletom tubarão, o advogado que segura um café imaginário, um certo Camões, a senhorita de D&G, o rapaz que apenas observa as digitais e quase escapa da cena, o macumbeiro, a inglesa e a francesa que riem, tantos semblantes diante de uma janela vazia. Ninguém salta, mas todos andam, sobem, descem e se esquecem. Mas não agora. Uma multidão como as letras. Atravesso isso, óleos e aquarelas, só preciso que saiba que se você marcar um encontro, eu estarei lá (bem como se você disser que gosta de mim, eu poderia, talvez, acreditar). Há muito o ônibus parou. Meu rosto suado pede um banho gelado que não tomarei. Não gosto de água fria. Jogo-me na cama desarrumada, chuto os livros para o chão, lembro-me de tentar, também, esquecer-me.
sábado, 5 de junho de 2010
O DIA-B.Olha
Como enfrentar este espaço vazio, frio, úmido, que insiste entre as águas fora dele e as águas de dentro de mim. Quase nu. É, ainda, madrugada. Isto não importa, não fosse a vontade de gritar enlouquecidamente agora, não pela existência, para dizer do que resta de mim, desisti disso, mas para apenas gritar, sangrar os pulmões, selvagem e primitivo na noite que chove e não caem estrelas. Sentado na minha cama, entre duas janelas, o celular pronto para tocar me acordando (Como acordar se sequer sou capaz de dormir?), diviso o espelho. Não olho, ali, nas noites habita um demônio malfazejo. Ao alcance da mão esta minha caixa de jóias, abro ainda, tentando uma lembrança, talvez, tentando fingir o tempo que resta aquém do tempo. O tempo que palpita nas frontes (não suporto mais tentar ler João Cabral, mas sou fiel à lei e leio). A caixa preta luzidia, não veludo, pequena, singela, minha pequena arca da verdade. Minha coleção se resume a alguns pares de brincos ruins, com pedrinhas em tons de azul fascinante, rosa pálido, nada genial; o brinco com que furei minha orelha; o brinco logo após dele; um pingente de Iansã, me material desconhecido, pesado, presente para proteção; meu anel de bebê; um pingente defunto; uma aliança com um “teu…” grafado; um anel que me veio por carta para repor meu pequeno rosário da época de colégio que, não podendo perder as pérolas, perdi no Rio de Janeiro; há ainda o vazio significante de minha pequena pulseirinha de fecho mágico, com um pequeno rubi vermelho incrustado, roubada no auge de noites como essa em que eu ainda supunha que correr e sentir o vento no rosto era potencialmente uma maneira de enfrentar a vida (depois do roubo, parei de correr); bem como, a pulseira que agora tento colocar no pulso esquerdo, com o fecho meio solto, meio mole, que não uso por medo de perder. Não sei onde foram parar meus alfinetes de cachecol. Roubado ainda há minha efígie em pele de coral de anjo e fita de cetim, tão século XVI. De resto, sempre me sobra meu par de brilhantes na orelha. Um exercício descritivo poderia ter sido tão útil: ainda tenho tanto tempo pela frente. Tenho sede, mas não quero água. Tenho fome, mas não quero. Queria emagrecer um pouco mais, um pouco mais ainda, não me sentir ainda sujo, gordo ou suado. Talvez abrindo o meu espaço. Não sei se preciso, mas deveria liquifazer a obviedade destas referências, mas nem mesmo minha única leitora, com o que tem em mãos agora, é capaz de decodificar este telegramático. Gosto de pequenas delicadezas. Talvez depois da minha morte, que é quase recente, digo, próxima. Um bilhete, sem exigências, sempre satisfaz meus carinhos. Ainda tenho que inventar meu palco de amanhã, não quero mais maquiagem, as bolhas sobem a mente, quero chocolate, quero respirar. Certamente estarei mais frio que o dia. Desconheço meu público, mas não faria diferença saber dele também. Há algo que pesa, mas não sei dizer o que é, como o significado da palavra inefável. Diria talvez, sou gay, mas há dias que tenho fúrias secretas contra os gays. Diria talvez, sou mulher, mas há dias que tenho fúrias secretas contras as mulheres. Diria talvez, sou homem, mas há dias que tenho fúrias secretas contra os homens. Poderia, ainda, dizer que sou humano, mas ignoro simplesmente.
Peixinho Gordo
(para Matt)
Tens uma surpresa para mim, meio conceitual. Vitória. 17h54: ainda tenho batimentos cardíacos. Pressão: 119/59. O peixinho gordo merece um poema, dizes. Não obstante, não sei como encontrar o poema. As palavras demoram cada vez mais, não dizem, vejo apenas as manchas no fundo branco da futura página. Sem mágica. Meu Lacan grita de dentro da gaveta. Sua cara de piriguete e seu jeito tubarão, quem sabe. A chi ? Não sabe? Sou teu irmão mais velho, mas não pense nas minhas bochechas. Il bandito e il campione. O riso é sempre mais caro e dolorido que o cenho franzido. A passagem está livre. Invente um ângulo. A brisa não levanta minha saia, não mesmo. Eu não vou, tenho de perder minhas horas escolhendo uma garrafa de vinho ainda, mas nunca me atraso (tenho meu submarino amarelo, capitão!). Caso precises de mim, me encontre, estou por aí, meio na moda, meio fora dela. Me afogando por não saber nadar. Eu não caço borboletas, extermino velociraptors. Dê às mãos: minha palmatória. Aprenda meus cálculos e JAMAIS desenhe nas minhas aulas. Meio Nemo recém saído de casa para descobrir o sexo e a cidade. I got my eye on you.
Tens uma surpresa para mim, meio conceitual. Vitória. 17h54: ainda tenho batimentos cardíacos. Pressão: 119/59. O peixinho gordo merece um poema, dizes. Não obstante, não sei como encontrar o poema. As palavras demoram cada vez mais, não dizem, vejo apenas as manchas no fundo branco da futura página. Sem mágica. Meu Lacan grita de dentro da gaveta. Sua cara de piriguete e seu jeito tubarão, quem sabe. A chi ? Não sabe? Sou teu irmão mais velho, mas não pense nas minhas bochechas. Il bandito e il campione. O riso é sempre mais caro e dolorido que o cenho franzido. A passagem está livre. Invente um ângulo. A brisa não levanta minha saia, não mesmo. Eu não vou, tenho de perder minhas horas escolhendo uma garrafa de vinho ainda, mas nunca me atraso (tenho meu submarino amarelo, capitão!). Caso precises de mim, me encontre, estou por aí, meio na moda, meio fora dela. Me afogando por não saber nadar. Eu não caço borboletas, extermino velociraptors. Dê às mãos: minha palmatória. Aprenda meus cálculos e JAMAIS desenhe nas minhas aulas. Meio Nemo recém saído de casa para descobrir o sexo e a cidade. I got my eye on you.
n'um café
(nada à manuel bandeira)
ergue a chávena lentamente. chá, numa cena como está? não admito sequer capuccino. pois bem, uísque, conhaque, vodca, o que você está bebendo aí? charlie's angels tocam a melodia virando o rosto. é melhor não saber. seus olhos vão me bebendo devagar, dançando entre o perigoso das escolhas absurdas, nas minhas páginas, não há nada na minha mente, nem mesmo outras vítimas. (... cara... diz logo seu preço...) navegando e talvez só restasse isso. saturday night divas. a dança se abrindo entre o tédio e o conformismo. tenho um aniversário para ir agora. não tive notícias de meu pequeno mallarmé: em qual palco lançará seus dados? Não me maquiei. abro meus seios aos teus cílios indiscretos, roçando de leve a curva das minhas costas, o olho quente e a pele fria. não sou criminosa. meu marido vende as atenções em seu mercado longíquo. aqui, eu apenas jogo minhas cartas.(os homens nunca tiram os chapéus diante da morte, esta é a verdade) é preciso dizer, não freio nos meus assaltos, meus saltos são como navalhas. qual a potência de sua máquina? as pernas que passam. eu abro um botão, você afrouxa a gravata. na nossa cena não faz frio. em que bolso eu escondi os meus dados. as pessoas nunca nos vêem. não há outros, nem público neste palco vedado. vedado: você só vê os meus diamantes. meus brilhantes roubados que sempre servem para novos roubos. o momento da queda e da procura. o que será que você lembrará depois desta noite, cinderela? minhas ligas, meus números nunca funcionam. eu mato. sem foice, mas no vagar do curvex, do rímel, de um pouco mais de rouge, no vento que apenas insinua nas pontas do meu vestido. devagar, na noite. eu te afogo no teu desejo. é preciso sempre perder um pouco mais de ar, para chegar mais perto de mim. qual o menú? não tente me dar um tapa. não gosto deles. não tente se aproximar de mim enquanto durmo, invada meus sonhos. (eu não tenho preço, mon cher, eu faço minhas escolhas) sempre deixo para trás muito mais do que digitais. preciso de champagne, pistache, chocolate. odeio muitas cores, preto ou branco: sempre. como minhas linhas. o que te trará até mim. se chegares apenas quando eu desvendar meu último botão, esqueça. perdi minha língua, na nudez da minha pele, na primitiva primavera que apenas sabe cantar em línguas proibidas. posso estar nua, mas nunca tiro meus saltos, questão de segurança. você vem ou não vem, já chamei meu táxi.
ergue a chávena lentamente. chá, numa cena como está? não admito sequer capuccino. pois bem, uísque, conhaque, vodca, o que você está bebendo aí? charlie's angels tocam a melodia virando o rosto. é melhor não saber. seus olhos vão me bebendo devagar, dançando entre o perigoso das escolhas absurdas, nas minhas páginas, não há nada na minha mente, nem mesmo outras vítimas. (... cara... diz logo seu preço...) navegando e talvez só restasse isso. saturday night divas. a dança se abrindo entre o tédio e o conformismo. tenho um aniversário para ir agora. não tive notícias de meu pequeno mallarmé: em qual palco lançará seus dados? Não me maquiei. abro meus seios aos teus cílios indiscretos, roçando de leve a curva das minhas costas, o olho quente e a pele fria. não sou criminosa. meu marido vende as atenções em seu mercado longíquo. aqui, eu apenas jogo minhas cartas.(os homens nunca tiram os chapéus diante da morte, esta é a verdade) é preciso dizer, não freio nos meus assaltos, meus saltos são como navalhas. qual a potência de sua máquina? as pernas que passam. eu abro um botão, você afrouxa a gravata. na nossa cena não faz frio. em que bolso eu escondi os meus dados. as pessoas nunca nos vêem. não há outros, nem público neste palco vedado. vedado: você só vê os meus diamantes. meus brilhantes roubados que sempre servem para novos roubos. o momento da queda e da procura. o que será que você lembrará depois desta noite, cinderela? minhas ligas, meus números nunca funcionam. eu mato. sem foice, mas no vagar do curvex, do rímel, de um pouco mais de rouge, no vento que apenas insinua nas pontas do meu vestido. devagar, na noite. eu te afogo no teu desejo. é preciso sempre perder um pouco mais de ar, para chegar mais perto de mim. qual o menú? não tente me dar um tapa. não gosto deles. não tente se aproximar de mim enquanto durmo, invada meus sonhos. (eu não tenho preço, mon cher, eu faço minhas escolhas) sempre deixo para trás muito mais do que digitais. preciso de champagne, pistache, chocolate. odeio muitas cores, preto ou branco: sempre. como minhas linhas. o que te trará até mim. se chegares apenas quando eu desvendar meu último botão, esqueça. perdi minha língua, na nudez da minha pele, na primitiva primavera que apenas sabe cantar em línguas proibidas. posso estar nua, mas nunca tiro meus saltos, questão de segurança. você vem ou não vem, já chamei meu táxi.
Telegramáticos: lado a
(quase à Caio F.)
00h21
Ain, beibizinho… nem uma palavrinha sua hoje… miss you. Bons sonhos. beijinho.
21h15
Beibi, beibi, a mensagem dividiu, só chegou até aniversário. Y despues?
22h19
Hmmm, a parte mais gostosa… ensaiei o dia inteiro. To um trapinho. Muitos beijinhos também, querido, muitos e muitos.
22h28
Salvo, gatinho, é só segurar na minha mão. Vem.
22h48
[Risos] Estou em casa, esperando meu celular apitar, e mais tarde meu msn. Tá bebaldinho, é?
22h53
Ain, bebê, fica assim não… dá um perdido aí, à francesa, super cool.
23h38
Ain, saquei… sobre a foto, nunca tentei, mas acho que sim. Sou meio dummy.
00h12
Ai, não abriu, mandou abrir n’outro lugar e o código deu erro, pediu para ativar o serviço e blá blá blá…
00h15
[imagem]
00h20
Ai ai ai, bêbados… vou tentar. Manda de novo. Não consegui abrir, mas acho que agora consigo.
00h25
[foto]
Meu, mó ruim.
00h27
Recebi, guapo.
00h35
Ain, abraço, beijo… igual brigadeiro…
00h51
Ain ain ain, pq? Vem logo pra cá…
01h20
O tradicional da sexta-feira: hibernar. Mas posso brincar. Acho divertido, mas já vou avisando: roubo bastante neste jogo.
01h24
Eu sei, beibe. Não esqueço o que você diz…
01h39
Não briguei não, beibe. Mais um daqueles momentos em que as palavras nos traem. Com você não quero briga, muito pelo contrário…
02h49
Te esquento, quer?
02h57
Deitadinho, em frente ao pc… aparece na minha tela?
03h04
Ish, gatinho bebidinho, vou dormir, com você (dormir com você?) e seu pijaminha “fofo” na cabeça…
03h06
Queria… (Money do mês indo agora, creio… sem pacote)
03h13
To indo. Te abracei e tamo dormindo de conchinha. Beijos na nuca…
14h05
Ain, beibi, beibi, você não me incomoda e sabe disso. Só quer confete. Tudo bem, eu dou também, você só deixou minha noite delicinha. Beijinhos.
16h17
Não iria rolar um joguinho de psicanálise hoje? Aparece.
18h31
Sei não, mas entendo. Como já te disse, toda sexta eu hiberno, faça chuva ou faça sol. Quem sabe essas desculpas possam vir em espécie…
18h38
Se continuar com isso, vou ter que cobrar caro. Beibi, aparece. Parei por aqui. Beijinho.
00h21
Ain, beibizinho… nem uma palavrinha sua hoje… miss you. Bons sonhos. beijinho.
21h15
Beibi, beibi, a mensagem dividiu, só chegou até aniversário. Y despues?
22h19
Hmmm, a parte mais gostosa… ensaiei o dia inteiro. To um trapinho. Muitos beijinhos também, querido, muitos e muitos.
22h28
Salvo, gatinho, é só segurar na minha mão. Vem.
22h48
[Risos] Estou em casa, esperando meu celular apitar, e mais tarde meu msn. Tá bebaldinho, é?
22h53
Ain, bebê, fica assim não… dá um perdido aí, à francesa, super cool.
23h38
Ain, saquei… sobre a foto, nunca tentei, mas acho que sim. Sou meio dummy.
00h12
Ai, não abriu, mandou abrir n’outro lugar e o código deu erro, pediu para ativar o serviço e blá blá blá…
00h15
[imagem]
00h20
Ai ai ai, bêbados… vou tentar. Manda de novo. Não consegui abrir, mas acho que agora consigo.
00h25
[foto]
Meu, mó ruim.
00h27
Recebi, guapo.
00h35
Ain, abraço, beijo… igual brigadeiro…
00h51
Ain ain ain, pq? Vem logo pra cá…
01h20
O tradicional da sexta-feira: hibernar. Mas posso brincar. Acho divertido, mas já vou avisando: roubo bastante neste jogo.
01h24
Eu sei, beibe. Não esqueço o que você diz…
01h39
Não briguei não, beibe. Mais um daqueles momentos em que as palavras nos traem. Com você não quero briga, muito pelo contrário…
02h49
Te esquento, quer?
02h57
Deitadinho, em frente ao pc… aparece na minha tela?
03h04
Ish, gatinho bebidinho, vou dormir, com você (dormir com você?) e seu pijaminha “fofo” na cabeça…
03h06
Queria… (Money do mês indo agora, creio… sem pacote)
03h13
To indo. Te abracei e tamo dormindo de conchinha. Beijos na nuca…
14h05
Ain, beibi, beibi, você não me incomoda e sabe disso. Só quer confete. Tudo bem, eu dou também, você só deixou minha noite delicinha. Beijinhos.
16h17
Não iria rolar um joguinho de psicanálise hoje? Aparece.
18h31
Sei não, mas entendo. Como já te disse, toda sexta eu hiberno, faça chuva ou faça sol. Quem sabe essas desculpas possam vir em espécie…
18h38
Se continuar com isso, vou ter que cobrar caro. Beibi, aparece. Parei por aqui. Beijinho.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
un vieux faune de terre cuite
(ao som de Pierro Lunaire)
eu não sei mais sofrer. por isso, sem falar quase mais nada, depois de 24 horas inúteis e outras tantas páginas mais, deito-me. respiro. nada dói, além do normal. as coisas se repetem. os finais de semana são diferentes apenas da semana e iguais a si. o que se repete numa segunda-feira poderá acontecer novamente numa quarta, mas nunca (creio) num domingo. deveria ter enviado um e-mail, começado um retrado, mas não. agora, quase onze horas, apenas deito. (não tive um sonho). não tenho como te contactar. precisava apenas de um abraço, sem querer perguntar quem cuidará de mim. marquei um bar, talvez, talvez ainda tivesse que querer um café, amanhã, diz a agenda, mas não, sei que não tomarei. queria poder levar minha xícara de chá tão real, tão royal, tão nobre. impossivel dizer "real" sem invadir uma realidade. talvez apenas os reis em seu sangue royal, azul royal-real, possam sobreviver a isto que paira além dos olhos, aquém da pele. não sou real. nem sequer rei. já não sei sofrer mais, o fundo do poço é tão raso. 30 cm de água, sem chuvas, sem lágrimas, sem vômitos. talvez devesse escrever d'isto numa outra língua, mais expressivo, mais mágico, mas não, resta e resto assim. meias, pijamas, cobertas, escuro. as polifonias que martelam enxaquecas dirão que amanhã vomitaram meu nome. eu sei. duas senhoras inglesas fingem, diante da minha janela, ler seu jornal, às 23h30 da noite? impossível. certamente espiãs. iniciais: direita e esquerda, a dupla, em inglês. certamente. esqueci minhas luvas. não sei sofrer mais. vou perdendo o fôlego, tentando dormir e dominar isto, o espaço, a coisa diante de mim. quem atirar ainda ao fogo? como esperar uma resposta impossível? necromantes me dizem do sexo e da morte. me lembro do sono, da febre, do sexo e da quase morte. nada mais. quem lerá o impossível nas rugas que o futuro anuncia no meu rosto, como marcas mendelianas. o livro herdado que o espelho desvenda. eu não sei sofrer, talvez soubesse algum dia, talvez adiantasse algum dia fingir sofrer. apertando ursos de pelúcia, passando frio, chorando e escrevendo poemetos ruins como definição de crença num amanhã. só talvez, mas não. amanhã virá igual a hoje e isto não é ruim. virá, animal que sou, sigo. amanhã: mais cinquenta páginas. braçal. enlouquecidamente, como apertar parafusos. há quem goste romanticamente de parafusos, sabia? eu não sei mais. o seu palco distante. o seu mercado distante. o seu escritório distante. seus livros aqui. os seus abertos tão inexistentes e insistentes. eu não. como derrubar-me. há que se acordar cedo e per-correr nos corredores das bibliotecas o últimos desesperos: não.
eu não sei mais sofrer. por isso, sem falar quase mais nada, depois de 24 horas inúteis e outras tantas páginas mais, deito-me. respiro. nada dói, além do normal. as coisas se repetem. os finais de semana são diferentes apenas da semana e iguais a si. o que se repete numa segunda-feira poderá acontecer novamente numa quarta, mas nunca (creio) num domingo. deveria ter enviado um e-mail, começado um retrado, mas não. agora, quase onze horas, apenas deito. (não tive um sonho). não tenho como te contactar. precisava apenas de um abraço, sem querer perguntar quem cuidará de mim. marquei um bar, talvez, talvez ainda tivesse que querer um café, amanhã, diz a agenda, mas não, sei que não tomarei. queria poder levar minha xícara de chá tão real, tão royal, tão nobre. impossivel dizer "real" sem invadir uma realidade. talvez apenas os reis em seu sangue royal, azul royal-real, possam sobreviver a isto que paira além dos olhos, aquém da pele. não sou real. nem sequer rei. já não sei sofrer mais, o fundo do poço é tão raso. 30 cm de água, sem chuvas, sem lágrimas, sem vômitos. talvez devesse escrever d'isto numa outra língua, mais expressivo, mais mágico, mas não, resta e resto assim. meias, pijamas, cobertas, escuro. as polifonias que martelam enxaquecas dirão que amanhã vomitaram meu nome. eu sei. duas senhoras inglesas fingem, diante da minha janela, ler seu jornal, às 23h30 da noite? impossível. certamente espiãs. iniciais: direita e esquerda, a dupla, em inglês. certamente. esqueci minhas luvas. não sei sofrer mais. vou perdendo o fôlego, tentando dormir e dominar isto, o espaço, a coisa diante de mim. quem atirar ainda ao fogo? como esperar uma resposta impossível? necromantes me dizem do sexo e da morte. me lembro do sono, da febre, do sexo e da quase morte. nada mais. quem lerá o impossível nas rugas que o futuro anuncia no meu rosto, como marcas mendelianas. o livro herdado que o espelho desvenda. eu não sei sofrer, talvez soubesse algum dia, talvez adiantasse algum dia fingir sofrer. apertando ursos de pelúcia, passando frio, chorando e escrevendo poemetos ruins como definição de crença num amanhã. só talvez, mas não. amanhã virá igual a hoje e isto não é ruim. virá, animal que sou, sigo. amanhã: mais cinquenta páginas. braçal. enlouquecidamente, como apertar parafusos. há quem goste romanticamente de parafusos, sabia? eu não sei mais. o seu palco distante. o seu mercado distante. o seu escritório distante. seus livros aqui. os seus abertos tão inexistentes e insistentes. eu não. como derrubar-me. há que se acordar cedo e per-correr nos corredores das bibliotecas o últimos desesperos: não.
terça-feira, 1 de junho de 2010
fora da cena
Minha boca seca, não saliva mais. Um vento sopra na superfície vermelha das retinas em que uma menina ruiva apenas observa, mas nada vê, corre, mas os monstros nunca chegam, como o labirinto nunca mostra suas paredes. Toca uma superfície, quase pele. O áspero do desejo rasga uma gota a mais, ainda. Quem dirá um não? Algumas coisas se sabem apenas no ponto em que se tornam impossíveis, como assim esta mão te alcançar. É preciso se reconhecer na curva, na imagem invertida, no que resta desta psicose, quase sonho. Ambos, eu e ela, pensamos numa lógica, larga e derivada. Abrimos para além dos mistérios e por isso nos perdermos aqui, neste pele aquém do vidro. Duas vozes que afirmam: “não encontro tua pele”. Talvez haja pianos ainda, talvez o salão aberto para a valsa em si não apresente senão, os casais que desdobrados não se tocam, não se cruzam, mas descobrem o que caí de si no desejo do outro e não satisfazem nem mesmo as oitavas. Talvez Saara, seja ela. Talvez um abismo se abra para o vôo. Apenas o talvez devolve a possibilidade, que poderá sempre não vir como não é toda dor que causa lágrimas. Um nome manuscrito não é uma possibilidade. Eu queria ter a coragem para ir além do deserto, mas o ponto em que cheguei só me diz ainda das areias em que certamente eu morrerei. As estrelas mudam de posição, as palavras se perdem. O deserto aceita apenas sons primitivos da morte, anteriores à criação. Não obstante, o que se ergue numa estante, as colunas, estas areias feitas que tomam as palavras. Meu telefone não toca, mas se tocar ainda não será você, ocupado demais para cruzar os caminhos e os mundos, você apenas passa pela esquina tangente, como quem apenas passa a mão nos livros absurdos que desisto de ler. Escrevo não para sobreviver ou para desabafar ou para montar algo mágico, mas apenas para não esquecer que ainda posso dizer eu.
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