segunda-feira, 7 de junho de 2010

Quase uma escolha

(Lady Macbeth não compreenderia)

O corpete aperta um pouco, o vestido atrapalha, o punhal na cintura ao alcance da mão, galopo na chuva. O cavalo ofega, tenho frio. Os grossos pingos encharcam a roupa, a água escorre pelos cabelos trançados. Há uma dor impossível de ser lavada. Há uma mulher que pensa demais, capaz de cometer crimes que alguns, quase todos, os homens não compreenderiam, embora não sejam crimes, apenas escolhas. O corpo, as linhas do rosto, as mãos finas. O pequeno pé esquerdo, apesar da dor, não vacila. Com certeza vai doer mais tarde ainda mais, mas de uma dor que não é nada, que não traz fantasmas. Há o casarão amplo, subo os degraus. Preciso preparar um banho, perder duas vezes mais de tempo na tentativa de esquecer isto, estas carnes que pesam em formas. Lembro-me de teus olhos, das tonalidades à meia-luz. Não quero escrever sobre homens e feras. Enquanto a água esquenta, tento me segurar um pouco mais ainda. A geléia de rosas, o vinho e a imagem que insiste. Minhas mãos não estão sujas de sangue, esse é meu crime, talvez se estivessem eu pudesse enlouquecer de outra maneira, não observar apenas de longe. O casarão vazio, os livros, as cartas que envio. O selo e a pena: nenhum segredo. A cena é dúplice, mas é uma só. Impossível de se condensar. Uma mulher sem segredos, tão literal por vezes, sem esconder uma marca de volúpia no bico do seio esquerdo. Mas, desejando, sobretudo querendo, tentando e sabendo impossível esta entrega. Sempre num depois, num atrasar do relógio. Eu disse que minha vida te pertenceria, no entanto, a minha morte agora te pertence. E a morte é eterna. Talvez seja este silêncio de olhos fechados enquanto algo ainda insiste em fazer barulho, ecoando nos corredores da mente como pelos corredores da casa. Se eu conseguisse apenas um pouco mais desta falta de ar que apenas o corpete cada vez mais apertado possibilita. Talvez, se houvesse alguma magia, algum tarot pudesse desvendar este futuro no qual não acredito. Nessa trança que nunca houve nesta mulher que aparece nua diante do espelho. Talvez o amor pudesse riscar a superfície da pele. O salto é o que dói, o vestido resiste ao vento, a arma tão fatal é uma caneta em prata. Duas horas da madrugada e ela ainda trabalha. Os grossos pingos, como as pérolas lançadas sobre as luvas, só insiste na página. Os cabelos curtos não escondem uma dor possível de ser lavada, mas que é filtrada pelas lentes de pesado óculos. Sem o mínimo de fantasia, o que dói é o desejo. Diante dos números, da assinatura, das possibilidades, o tempo ainda risca e faz faísca num rosto que se altera todos os dias no espelho. Insiste no mínimo da maquiagem. O casarão velho e eu. As escadas. (Se você me amasse… conseguiria fazer o que é preciso… quando eu precisar?). Nada está claro. Os espelhos cobertos. Há a fome queimando e exigindo ser alimentada. Três pílulas para encontrar o nada. (eu esperei, sinceramente, esperei). Eu nunca erro e este é o problema, não discuta comigo.

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