A minha filha vai se chamar Saudade. O meu filho chama-se Solidão. Minha mulher, grande mulher, me deixou. Saudades. Amizade sempre foi minha companheira, sempre esteve comigo, desde que sou me tornei esse projeto de Falido que sou hoje. Coitado...Cego...Esse sonho só te destrói. Continuo.
A vida tratou de levar Amizade dos meus domínios, tão linda, inocente. Se foi. Muito cedo, eu acho. Tenho certeza, amava Amizade e dedicava todo meu tempo à ela. Foram bons anos, ela deixou uma carta, começava com: "Lembrança...". E por aí vai...Eu li a carta e levei muito tempo pra perceber o quanto aquela partida significava. Amizade morreu. Amizade desapareceu. E com ela foi parte da minha essência. Guardei a carta, o que sobrou em mim foi essa massa negra, fria. Esponja que absorve sentimentos ruins.
Solidão agora me acompanha nessa jornada. Muito pequeno ele nasceu. Não chorava, não pedia nada, ia vivendo. Achava que ele tinha alguma síndrome, não se desenvolvia direito. Alguma coisa o amarrava. Amizade levou as correntes com ela, Solidão sentiu-se livre. Começou a crescer, grande garoto. Pedia tudo, fazia birra, chorava, Solidão se tornou um menino insolente. Pensei em matá-lo. Não consegui, ele tem meu DNA é parte de mim. É muito difícil. Continuo.
Conheci um novo olhar. Novo Olhar era o nome. Me mostrou um novo mundo muito diferente, nossa, como descobri coisas novas. Novo Olhar era inteligente, tinha lá seus problemas, mas sempre foi uma boa companhia. Andamos por muito lugares, fizemos muitas coisas juntos. Novo Olhar tinha uma beleza estranha, me seduzia. Suas mãos, seus cabelos...Quase perfeito. Faltava algo. Algo tão pequeno, como uma pequena frase, que nunca tive o prazer de vê-la saindo de seus lábios. Novo Olhar me ajudou muito, ajudou a domar Solidão, que tinha se tornado muito rude. Sou eternamente grato.
Distância. Novo Olhar escolheu viver com ela.
Novo Olhar pode não saber a dimensão da caverna em que entrei. Tão funda, fria e silenciosa, tão longe da luz. Meus pedidos de socorro só podem ser ouvidos pelas estalagmites, que insistem em crescer pontiagudas. Perfuram-me. Eu sangro. Meus pedidos de socorro se tornam ecos, pura ressonância. Uma folha caiu ao meu lado, trazida pelo vento. Senti que Novo Olhar tinha a deixado cair quando foi embora. Novo Olhar diria que é apenas uma folha, e era. Mas tinha um significado todo especial. A sorte tratou de trazer ela até mim. Eu sempre me acostumei a valorizar as pequenices da vida. Uma folha, um olhar, alguma frase. Novo Olhar sabia bem como fazer.
Novo Olhar também não sabe, mas deixou um pequeno vestígio aqui comigo. Deixou um sonho. Gostaria de dar uma companhia para Solidão. Novo Olhar sem saber acabou me deixando marcas. Solidão vai ganhar uma bela irmã. Os dois brincarão juntos, crescerão juntos, serão minhas companhias nessa vida. Solidão & Saudade. Meus filhos. Salvem-me.
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São Paulo, 27 de Janeiro de 2011
(@uddg)