Seis horas da manhã de uma sexta-feira e chove. E isto poderia ser tudo. Qual a cor de uma sexta-feira chuvosa? Meu quarto escuro, apesar do inverno uso meu pijama de verão. Pernas nuas, braços desarmados. Sob a cabeceira da cama alguns livros que cansei de ler. Meu pé toca o chão, o úmido, o gelado, nada disto importa. A mão alça a possibilidade: abro a persiana deixando que pouca luz encontre algum escuro. Minha janela voltada para o leste não verá o sol nascer entre as pesadas gotas. Eu sinto o silêncio. “Alor voze”. Uma idéia me atropela: sair do quarto e ir brincar na chuva, na água que se acumula, nisto que, da manhã, ninguém observa, mas o frio de lâmina com que ela corta me desespera. Os pelos se eriçam no braço. Um golpe de coragem a zero grau de temperatura. “Você com a mão no rosto me assusta”. Paro de ler o indevido. Outra mão procura o que resta de calor na cama bagunçada. Deixo Crevel quieto no seu canto. Arranco uma coberta da cama e a lanço as costas. Arrumo meu banquinho diante da janela, em que abro uma fresta para que o ar entre. (“Where is my Love”). Escrevo devagar meu romance sem romance. O que retorna é o demônio da analogia e uma comparação cruel. Minha caneca de café vazia. É preciso sorrir quando as idéias te assaltam. Minha chuva, janela entreaberta: a procura do sentido no consentido e a espera do não-sentido do silêncio explícito. Valho quanto peso? Sonho acordado. Volto meses, avanço anos e encontro o temido “e se”. Remendo a velha desculpa, mas você não sabe me ler. Espero o rangido do portão. Os cães não ladram. Chuva lenta, chuva de dias e as gotas, “perles de pluie”, acumulando-se num canto das lembranças. Retoco mentalmente o quadro da fotografia que recriei e não sei dizer do que sabes. Tento gastar a idéia, os pensamentos fazem ruído alto como engrenagens mal-cuidadas e não consigo ouvir o som da chuva. Me ausento de mim. Queria a chuva, como chuva, apenas.
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