terça-feira, 12 de julho de 2011

D’uma carta (não tão) recentemente escrita

Dear Sir

Quase três horas da manhã… ouço Chico Buarque (não necessariamente aquele que você me deu) cantando as minhas perguntas, estas que giram em mim. “Que roupas você veste? Por quem você se troca? Que bicho feroz são seus cabelos que à noite você solta? De qué que você brinca? Que horas você volta? Seu beijo nos meus olhos, seus pés que o chão sequer não tocam… a seda a roçar no quarto escuro e a réstia sobre a porta… Onde é que você some? Que horas você volta?”. Eu sei que irei encontrar um silêncio já previsto, talvez a carta se perca, talvez o endereço tenha mudado, talvez escreva numa língua que desconheça… Não tenho tanto medo de um destino que não acredito mais do que do destinatário acreditado… mas ainda me desafio e tento, insisto. Esperança é tentar ainda mais uma vez, contra todas as expectativas e probabilidades, esperar que o resultado mude (não sei o que é mais seguro, se o silêncio ou sua ausência). Talvez eu só faça esperar porque é a única coisa que posso fazer. Apostar acreditando que os dados não estejam viciados. Melhor que ser o primeiro é ser o último, quiçá elevado a categoria de único… talvez seja impossível entender o que eu não te disse e que você queria que eu te dissesse, mas que não posso dizer. Roland Barthes, ainda… sem aqueles “incidentes” (ou aquelas páginas diárias de um não tão diário em que te escrevi) que te deixei, que deixamos… febre alta, estrada aberta, as pessoas passando, como talvez um dia passaremos um pelo outro, ocultos pela multidão, silenciados pelos ruídos, marcados pelo tempo, talvez nossos olhares nos atravessem e não nos encontrem, talvez até veja teus olhos, mas não te reconheça ali (“…leva o teu olhar que a saudade é o pior tormento, é pior que o esquecimento, é pior que se entrevar…”). Desculpe por te fazer ler tudo isto. Logo mais o trem passará aqui perto, não aquele trem que seguiríamos, mas outro, fazendo barulho, fumaça, anunciando o dia, anunciando que poderei dormir (é Cazuza que me aconselha do fundo da música: “… todo dia a insônia me convence que o céu faz tudo ficar infinito e a solidão é a pretensão de quem fica escondido fazendo fita…”, embora quando não durmo não saiba mais quem chamar e a mão tateie o escuro procurando a amitriptilina que me amarga a boca, o dia,). Desculpe por talvez atrapalhar teu sono. Desculpe por voltar, como fantasma, a te assombrar. Desculpe por invadir mais uma vez teu espaço. Não tenho, desta vez, um bom argumento para fazer isto. Mas o silêncio, o escuro, o frio… Isto que me escapa a mim e à minha lógica… Te peço desculpas, como se as pedisse a mim, por me sentir idiota, por isto e por ainda pedir desculpas, mas ainda assim fazê-lo…

Está feito: a sorte, como os dados, está lançada.

Sem mais…

…desculpas.

Ps. “Foi uma ilusão, uma insensatez, há que pôr os pés no chão outra vez. Era como um trem que anda sem passar, mas foi um sonho de sonhar porque sonhava com você. Então seu canto veio me acordar”. Ainda Chico, Cantiga de Acordar, porque é necessário conseguir dormir, ainda que sem sonhar, para, quem sabe, poder acordar.

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