quarta-feira, 22 de abril de 2009

chove. período simples: de chuvas. algumas coisas batem e rebatem na página - pingos na calçada. há o cansaço, a fadiga, a vontade de não mais. cada rosto numa comunidade impossível não é e nem quer ser mais. comunidade de poça d'água rasa. podre. a escrita que une as faces, esconde na própria tinta o verme, o roedor. toda minha maquiagem está gasta. cultivo algumas páginas que não querem crescer, as minhas flores não dedico a ninguém. quisera ainda escrever um bom epitáfio. todo bom escrito tem essa função: servir de epitáfio. o quebra-cabeça ainda não está montado, algumas insubordinações insistem. conecto. quero vender minha alma, mas o diabo não me procura.a televisão palpita. telas. telas sem tinta. que horas podem ser agora? a escrita insiste. o corpo irritado não deixa. estico as mãos e as esqueço lá, escrevendo, enquanto vou ao banheiro e vomito as palavras trabalhadas nos floreios e costuras milanesas, venezianas, turcas, japonesas. procuro na gaveta aquilo que me tornará indiretamente um objeto: preciso das luvas de seda. nada de poliéster. se é pra ser cadáver, exigiremos o último triunfo da ruína: o auge. não queria não atender, não queria dizer tantos nãos, mas o eu se impõe e quer como coringa fazer jogo sujo nesta mão de opções. nenhuma dama. não conto os reis ou valetes. três ás. o champagne mesclado ao absinto dá o tom e a cor da noite, as pérolas dissolvidas em ácido regadas com pétalas de rosa servem-me de comida. recuso diante da oferta, o caviar. sozinho à mesa, espero o cartão do cavalheiro. sem longos, sem diamantes, orelhas nuas.talvez uma fantástico acordo entre russos e franceses. a orquestra toca no escuro. o tenor falha. a soprano é somente a sombra do vestido branco que usa. não ignoro que o moço do violoncelo cochila. escrevo um lembrete em um guardanapo. despacho o garçom com uma incumbência secreta. retorno ao banheiro. relembro o rifle no meu porta-malas. ópio. a soprano insiste irritantemente numa ária que desconheço. o maestro japonês tem um ar tão tão tão cubista. ainda chove. procuro meu lenço. as cadeiras vazias. platinum card. um agente duplo. abra o porta-luvas, há uma caixa de lenços ali. james? o teste final? a cama, as peles, o frio, o corpo, a alma, a chuva. a assinatura no canto direito como sinal de ligeiro acordo.

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