domingo, 1 de março de 2009

Claquete

Greta dança na tela diante de mim. Não há muito o que fazer a não ser tocar um rosto efêmero, passageiro e, ainda assim, imortal. Há um corpo que tenta escrever, mas o daiquiri esquecido sobre alguma mesa não sussurra os segredos desejados. Há um espelho, uma penteadeira, uma casa desolada. Um assassinato. Talvez ao som de um tango melancólico. Castanholas. De dentro do espectro contaminado, lançado sobre o sofá, Greta aponta os dedos. Insiste. Exige com uma sabedoria clássica o retoque da maquillage: o lápis, o batom. Não há uma verdade absoluta a não ser no crime. Na lasca de vidro que raspa a pele. A película se torna táctil e obedece a um maestro bêbado. Não há direção. Circulos concêntricos se abrem para aquilo que inexiste existindo em mim através de Greta e de qualquer verdade que não se sabe e não se pode afirmar. Há a camêra nua, o obsoleto, sem cortinas. Há uma possibilidade de vida, em que cravamos os dentes (eu e ela, nós como um ente apenas), carne dura, nervos duros, para uma vida flácida e frágil que sempre escapa. Escondemos o corpo, nada de Poirot ou Sherlock. Há uma magnitude em se fazer de difícil, mas... não somos difíceis! Marilyn sorri ao telefone e com a mão que segura o copo e o cigarro, aponta-me um livro sobre a mesa. Talvez um diário, talvez um rascunho, que abro como baralho. Greta senta ao meu lado. Decicimos o que fazer com o corpo: cortar em pedaços e jogar na privada ou mergulhar em algum ácido. O mais fácil: há sempre uma esquina. Greta sorri, pega suas luvas de pelica, chapéu, beberica o copo uma última vez. Precisa ir. Atrás dela corre Marilyn com os saltos vermelhos nas mãos, nua. E eu fico, eu e o corpo. Diante de nós, a rua das lágrimas.

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