terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Um guardanapo

«não sei se sei ou se posso dizer seu nome»

Não é preciso crer. Poderia começar escrevendo que, na verdade, não havia te visto no primeiro movimento ocular. Esse sussurro não é meu. As pálpebras meio cerradas disseram não. Agora o corpo arde nas extremidades. Tu não vês. O suor escorre devagar encharcando a madrugada. Ouço a porta de um carro bater e uma mão de encontro ao vidro da janela. Os mosquitos me atordoam. Três primeiros traços: esnobe, inteligente, fútil. Talvez, só talvez, estejas certo. Uma mão insiste batendo e batendo como um inoportuno convite a um velório. Tenho punhais guardados em cada bolso, mas não te ataquei. Não dei as quatro estocadas que dizes que dei. Quando o faço, ainda que sem ser cirurgicamente, sem manchar minhas luvas de seda, sou eficaz, rápido e fatal. Está quente, mas isto não é o suficiente. Eu te queria aqui. Ainda. Querias me lançar andares abaixo. Agora: eu queria esbarrar em ti. É o escuro dos teus olhos que faz sombra no vazio de quem não veio. Não são apenas as cortinas do carnaval e meu dominó multicolor que fazem dos retratos meus próprios retalhos. Queria apenas saber o porquê de não ter, destilando as cartas, descido os degraus. Mergulho fundo no único sonho que tive e no qual tu estavas. Ralo de signos e sentido, apenas presença. (E ela disse: o jeito que tu olhavas pra ele!). Acho que isto que importa. Como encontrar alguém diante das prateleiras que se desmoronam, enquanto se pinta um rosto, faz um verso. Sem suspenses. Como manter ainda aqui, sem algemas, sem prisão, desejo ou sadismo. Apenas aqui. Dois, sem se confundir, mas dois que podem e tentam vivre ensemble. Eu apenas te quis, não num quarto velado à meia-noite quente de um céu sem estrelas. Sem bucolismos, não limpo a boca com palavras tortas e frases obscuras. Mas no convite que fiz. Triste, sério, sempre na defensiva: seria este o segundo olhar? Eu apenas te quis, aqui, comigo. Talvez fosse simples demais, sem comer algodão doce, acordando na boca a ferida velha do rolo de desespero no parque infantil ou o marfim feito poeira no ballet (histórias que tu ainda não conheces). Sei que consomes cautelosamente, não sei se digeres isto, mas embora não precises comprar, eu ofereço. Um presente. Também um agora. Sinto os calos no peito dos pés. Suportei. Ou ao menos tentei. Eles sabem, eu sei. De alguma maneira a história continua, mesmo quando não há peça. Não sabemos implorar quando os livros se encharcam e as tintas caem. Eu implorei. Meu banquete não tem pratarias ou mesmo um gole d’água fresca. A mesa lívida e lisa de medo sobre a qual eu me deito. Corpo à devora. Tantos dias em que as coisas não se aparecem e parecem frases com o mínimo de direção. Não há inocência em suspender um ponto com uma vírgula. Deslocando a tônica, mergulham-se os dedos em gim e respira-se. Duas vezes ouvi sua voz e não deveria pensar tanto assim em ti. E, não obstante, continuo pensando. Eu penso no gole quente de tequila, o sabor oriental posto nas palavras que eu penso que te diria, mas sei que não diria. Eu tentei teu rosto. Feito nas linhas da mão. (guardo os lápis, folhas, tintas, à espera, o esboço ao vivo talvez venha, melhor e mais fino que distância). Não desejo nada menos que um abraço, um café e um sorriso. Não deve ser difícil. Espero que me ligues ainda. Meu táxi me chama, tenho uma catedral para visitar. Não me importa se são quatro horas da madrugada ainda. Não caço borboletas, mariposa noctívaga, não sente perfumes, percebe e se entrega. É preciso aprender a nadar. Esse desconhecido que se afronta diante de mim e me seduz. Eu quis tocar teu rosto e tua saliva oriental com notas de pirâmide e mistério ostrogodo. Bárbaro desenhando capitólios em meu sonho. Sim, eu me importo. O brilho que dizes ter vislumbrado no meu rosto, antevi no teu sorriso. Pode ser que chova a manhã toda, depois faça sol e, tu, depois de um longo tempo acordado, venhas falar comigo. Talvez eu me divertisse trocando os copos na tua frente. Sem raios, sem dores, sem queimaduras, a linha do horizonte desenhando o mar. A cada gole um segredo. Eu ainda quero estar contigo, me deves isto. O sal marinho, o limão e o fundo do copo. A garrafa que te devo. A luz vermelha acendeu, é preciso deixar o recinto. Ainda aguardo.

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