sábado, 8 de outubro de 2011

rasgando o verso


(A EPOPEIA DO AMOR COMEÇA NA CAMA COM OS LENÇOIS
DESARRUMADOS FEITO UM CAMPO DE BATALHA)
é ali que eu começo a nascer para a madrugada & suas
vertigens onde você meu amor se enrosca em
meu coração paranóico de veludo verde & as delícias de continentes
alaranjados dormem em seu rosto de pérolas turvas oh tambores do amor
sem parar rumo as tempestades PLANETÁRIAS & suas
cachoeiras tristes & pesadas como lágrimas
gosto de gostar & a tv da alma amanhece bêbada & tenta
dizer alguma coisa
[Roberto Piva]

***

os travesseiros caídos, o vento frio entrando pela janela deixada aberta. será que foi por ali que você saiu, devagar... sorrateiro? tenho dois ou três romances de estimação. tu me grita de longe. escreve uma ou duas letras. impossível responder. neuroticamente silencioso. leio um: o amigo de meu ex é mais bonito que ele, em algum lugar. tento ignorar o fato. nunca acreditei em beleza. no fundo escuro de um poço envenenado são os meus olhos que eu descubro. como escapar ao poema? como escapar ileso ao poema? eu te apresentei alguns versos, como se ao lê-los eles fossem meus poemas. mas eu não faço poemas. penso no aberto da estrada. a chuva que caia há 15 minutos voltará a cair dentro de 15 minutos. talvez isto seja a vida, uma chuva de 15 em 15, algum calor, alguma febre. hipocondria de sentidos. de longe alguém me diz que pegará um buquê de flores num casamento pra mim. e você some sempre sem se despedir. sem um até logo. não gosto das incertezas, deste suspenso, de estar sendo observado e ter de esperar o cadafalso se abrir, esperar a corda apertar, o pescoço quebrar. mas, meu deus, o pescoço é forte, a corda é fraca e sempre arrebenta. eu tenho algum resto de uma letra ou duas de ti. você tem o que escrevi só pra ti. se é que não jogou fora. saberia reconhecer minha letra perdida entre tantas? os egípcios diziam que quem fosse capaz deste fato, reconhecer a letra, aquilo que uma mão conhecida escreve, seria alguém que conhece a alma da outra pessoa. mas minha letra é monstro e se enrosca, como meus pés procurando o sem fundo horizontal de uma cama. meu pé esbarra em três pesadelos. todos tendem a se ausentar de mim. não sei o que faço. meus melhores e mais longos romances tinham 300 páginas. eu não separo sílabas. rasgo a palavra ao meio. quem poderia ocupar este frio lateral da cama deserta. tenho o rompante de querer ir tomar banho de chuva, mas a minha febre controla minha loucura. não sei pôr a vida em risco. escondi de mim meus barbitúricos. a tv está longe. fechado no quarto e sobre controle. escrivão calculista. contador de caracteres. se eu acreditasse nos signos seria triplamente maldito: escorpião com ascendente em escorpião e lua em escorpião. alguém me explica o que isto significa? não escrevo mais bilhetes. não tenho destinatário para minhas cartas. escrevo como quem abandona as palavras orfãs. nunca mais abri a recherche. proust me deu as costas. talvez devesse voltar a racine, andromaque.... o que acha disto? eu pintei dois quadros, prometi um terceiro. mas toda cena é de um filme roubado. é hora de tomar banho, limpar a pele, esquecer este cheiro de corpo vivo, deste texto que quase perdido (por alguns segundos tudo se apagou). sem ascensão, sem voz na alteridade, ficar nu diante do espelho, dizer que ali está o resquício improvável desta existência, amarrar os lençóis e lançá-los pela janela numa tentativa de fuga. mas você não entende. não sou poe. não explico versos. apenas atravesso a sintaxe como quem aguarda o sinal para atravessar a rua. é, preciso deixar os pensamentos irem com a água quente, o sabonete, os pedaços de mim, ralo abaixo, sem direção... sem saber o que podem encontrar.

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