sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Promenade

Não posso dizer de outra maneira, nem mesmo desta maneira. Meu pedido de socorro deixado de lado, os bilhetes que não poderiam ser queimados… sequer existiram. Tu não passas desta sombra que desejo que assombre estas palavras. Olho o dia como quem observa uma janela, aprisionado entre os fones de ouvido e as páginas de um livro. Eu não te ouço, eu não te vejo. Sei que passas apenas. Desvio. É apenas um cruzamento, um sinal amarelo, eu de um lado da rua, você sentado em algum café tomando algo gelado. Faz calor… Grifo em amarelo umas duas linhas de Merleau-Ponty (“Os filósofos, dizem ainda os inéditos, é alguém que perpetuamente começa”). Gosto da frase, mas ainda não consigo avaliar sua dimensão teórica. É preciso saber impor o movimento, um além do ponto final. As unhas roídas que observo são as minhas angustias que me devoram a partir de minha boca que aos poucos se destrói. Oroboro. Quis deixar as garras crescerem, tentei recomeçar um romance… quantas páginas se seguram ainda? O peito sobe e desce, sem arpejos. Há quanto tempo eu venci meu corpo? A linha fina e segura do ballet prescinde do corpo, alonga numa harmonia com o horizonte, integrando a paisagem, fazendo do gesto, do andar, este estar sobre o mundo para atravessá-lo. Talvez por isto todo ballet seja um drama impossível de final feliz. Tanto tempo que não encontro um trevo de quatro-folhas, acho que perdi o vínculo. E se eu voltasse? Mas não sinto nada além deste vazio que me atropela. Meto a mão na mochila, saco um livro, leio rápido, tenho contas pra fazer, tabelas e gráficos para terminar. “será que erramos de novo? rimos menos e menos, ficamos mais tristemente sãos. o que queremos é a ausência dos outros. até mesmo a música clássica favorita foi ouvida demais e todos os bons livros foram lidos” – Bukowski. Eu queria acreditar que acredito, mas na mecânica dos dias minhas apostas foram à zero. Quisera não ter passeado pelos corredores da biblioteca alguma vez,quisera não ouvir o que me insiste pelas tangentes. Meu tiro sempre sai pela culatra e se prende no quadro diante de mim. La bella dona com uma bala presa entre os dentes. Não consigo terminar, não sei escrever. Um delírio me atropela em marcha ré.

Nenhum comentário:

Postar um comentário